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Avaliação e Reabilitação das Afasias L etícia L essa Mansur • Thais Helena Machado Avaliação de afásicos – definição e objetivos A afasia pode ser descrita como um distúrbio adquirido decorrente de lesão de áreas de linguagem do sistema nervoso central, tendo como possíveis consequências déficits na linguagem e na comunicação oral e escrita. A avaliação de afásicos é um processo que inclui componentes da comunicação, de forma integrada. Esses componentes são de natureza cognitiva, linguística e pragmática. Dados complementares sobre qualidade de vida e habilidades sociais nos diferentes núcleos dos quais o afásico participa não devem ser negligenciados1. A abrangência, a complexidade e o detalhamento dos componentes da avaliação sinalizam que não só o paciente deve ser avaliado, mas também seu meio social. Assim, a avaliação ideal deve buscar déficits e entender sua natureza, mas não se restringir a isso, e valorizar habilidades preservadas e compensações. A extensão da investigação deve ser dimensionada a partir das necessidades e motivações do paciente e a qualidade da avaliação pode ser medida pelos indicadores: as características significantes e padrões de alteração da linguagem do paciente; as restrições de atividades pessoais e participação; amostras de participação do paciente em atividades de linguagem de diferentes dificuldades; observações de comportamentos comunicativos para formulação de hipóteses; descrição qualitativa e quantitativa do desempenho para gerar informação a respeito da extensão e escopo do tratamento; história do paciente, dados sobre habilidades, educação e possibilidades de contribuição para a família e sociedade1. Diversos são os objetivos da avaliação de afásicos: contribuir para o estabelecimento do diagnóstico de afasia (presença ou ausência), diferenciar síndromes afásicas, identificar e definir condições que contribuem para a condição comunicativa deficitária, contribuir para a indicação de métodos de terapia, verificar efeitos de intervenções, verificar déficits funcionais, desvantagens e exclusão social. Processo de avaliação O processo de avaliação inclui a coleta de dados, a organização dos achados e levantamento de hipóteses sobre os déficits de linguagem e comunicação do paciente, o que leva a um relatório e verificação dessas hipóteses na evolução da reabilitação e acompanhamento do paciente. Coleta de dados Os dados dos pacientes podem ser obtidos a partir de situações com diferentes graus de estruturação. A quantificação de déficits é interessante, quando o avaliador deseja comparar * Níveis de linguagem. Quais são?? * Não utilizamos apenas para as crianças? Quais as principais áreas da linguagem?? Aqui eu acrescento uma crítica.. temos que ter como base de todo nosso processo terapêutico uma boa entrevista inicial. Dados completos. Exemplo. Nunca esqueça Avaliamos e cuidamos de pessoas e não de doenças!! O que é mais importante saber a lesão ou saber como o paciente está? Agora entraremos dentro de duas vertentes de abordagens: * Neuropsicologia Cognitiva * Neurolinguística Discursiva indivíduos, ou quando se pretende realizar observações longitudinais, para verificar a evolução do quadro afásico. Vale salientar que o uso de instrumentos pressupõe que o avaliador domine a teoria que fundamenta sua construção e também os procedimentos de aplicação, pontuação e interpretação, essa última feita com base em referências da população brasileira ou da observação longitudinal do próprio paciente. Observações diretas ou indiretas sobre a comunicação A obtenção de informações sobre aspectos preservados e comprometidos da linguagem pode ser realizada por meio de observações diretas de situações de comunicação e indiretas, por meio de relatos. Esses relatos sobre o paciente podem ser obtidos a partir de entrevista de familiares, cuidadores e outros participantes do meio social do paciente. A confiabilidade dessas informações indiretas deve ser aferida a partir do grau de convívio e capacidade de observação desse informante. Desde que a confiabilidade da fonte de informações seja garantida, as vantagens desse tipo de avaliação são o acesso rápido a situações naturais típicas do cotidiano do paciente, o que nem sempre é possível nos contextos de exame. Roteiros estruturados auxiliam o avaliador a questionar domínios específicos e possibilitam a quantificação das respostas por meio de escalas graduadas do tipo Likert um tipo de escala de resposta psicométrica usada em questionários, na qual o entrevistado assinala o nível de concordância com uma afirmação. Exemplos desses instrumentos podem ser visualizados no Quadro 85.1. Observações diretas podem ser obtidas por meio de situações de dramatização, conversação entre o paciente e acompanhante ou entre o avaliador e o paciente. São interessantes no caso de dúvidas ou necessidade de ampliação das informações e prestam-se à observação de compensações dos déficits. A maioria dos instrumentos foi concebida com fundamentação teórica de pressupostos da pragmática. Os dados obtidos nessas situações podem ser quantificados permitindo uma interpretação quali-quantitativa. Exemplos desses instrumentos podem ser visualizados no Quadro 85.1. Quadro 85.1 – Instrumentos para observação indireta e direta da comunicação. Observação indireta da comunicação Instrumento Autor Asha-Facs – questionário Frattali et al. (1995) Índice de efetividade comunicativa (CETI) Lomas et al. (1989) Observação direta da comunicação Instrumento Autor Protocolo de avaliação de habilidades linguístico-pragmáticas (APPLS) Gerber, Gurland (1989) Perfil de habilidades discursivas (DAP) Terrell, Ripich (1989) Atividades de comunicação de vida diária-2 Holland, Frattali, Fromm (1999) Mais importante que seguir um roteiro, temos que se preocupar novamente com o paciente Qual o cuidado devemos ter quando fazemos essa abordagem indireta?? Fratalli C, Thompson CK, Holland A, Wohl C, Ferketic M. Asha Facs. Functional assessment of communication skills for adults. American Speech and Hearing Association. Rockville, MD; 1995. Holland AL, Frattali CM, Fromm D. Communication activities in daily l iving. 2. 2a ed. Austin, TX. ProEd; 1999. 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Existem vários instrumentos nesse formato, entre os quais destacamos o Teste Frenchay 2 e o Teste de rastreio em beira de leito (BEST)2. Esse último tem como objetivo não só a detecção da afasia, mas também traz elemento para classificação de subtipos. Não podemos deixar de mencionar aqui a escala NIH Stroke Scales4 confeccionadas para serem aplicadas por profissionais de saúde e que contém um ou dois itens de linguagem retirados do teste de Boston para Avaliação de Afasias5. Essa escala tem sido utilizada no momento de admissão em Unidades de Cuidados Emergenciais, quando se tomam decisões a respeito de tratamentos com fármacos de efeito trombolítico e também são aplicadas para verificação da evolução do paciente. Por causa da instabilidade das alterações de linguagem e frequente confusão mental associada à fase aguda dos AVE, é sabido que os protocolos formais de avaliação não são apropriados para serem aplicadosnesta fase. Para evitar este tipo de problema, Flamand-Roze et al.6 propuseram um screening de linguagem para pacientes após AVE nas primeiras 24 horas de lesão. Trata-se de um material simples e rápido, direcionado exclusivamente à linguagem oral e que engloba provas de nomeação, repetição, automatismos, reconhecimentos de figuras e cumprimento de ordens. Testes para avaliação abrangente Os testes abrangentes fornecem uma coleção significativa de dados que possibilitam observar diferentes aspectos da linguagem, assim como o grau de dificuldade do paciente e aspectos preservados. Em contraste com as observações pouco estruturadas que buscam a observação em contextos naturais, a maioria dos testes disponíveis para avaliação de afasia examina a linguagem a partir de exames com material de diversa complexidade linguística (palavras, sentenças, textos), em diferentes modalidades (oral, escrita ou gestual) e buscam entender processos de compreensão e expressão. A maior parte deles foi confeccionada numa época em que se valorizava a observação de fenômenos afásicos e com propósitos localizacionistas, em que não se dispunha de exames de imagem. A avaliação é predominantemente dirigida a aspectos metalinguísticos e propositalmente busca-se dissociar a situação de avaliação de contextos que possam facilitar respostas. Pelo seu formato extenso, esses testes prestam-se à aplicação em fase Olha o que eu falei!! Lembrem-se todos os processos de Afasia se incide em qual função da linguagem?? Qual é a maior crítica dos testes em relação as afasias?? Atividades Metalinguísticas crônica, quando o quadro afásico está relativamente estável. O fato de facilitarem a organização de dados e estabelecerem uma linguagem comum entre os profissionais, na caracterização e classificação de síndromes justificou sua permanência no cenário dos métodos de avaliação de afasias e o lançamento de reedições atualizadas, como é o caso do teste de Boston5. Esse instrumento contém 34 subtestes destinados a avaliar a conversação, narrativa, compreensão auditiva, expressão oral, repetição, leitura e escrita. Na versão extensa da edição de 2001, o avaliador dispõe de recursos para investigar de forma detalhada aspectos gramaticais, discursivos léxico-semânticos e outros relacionados à alça fonológica. A gravidade do comprometimento pode ser visualizada em escalas que pontuam a preservação/comprometimento da linha melódica, extensão frasal, agilidade articulatória, forma gramatical, parafasias, acesso lexical, repetição e compreensão auditiva. O estabelecimento de um perfil construído com base na escala auxilia a visualizar o subtipo de afasia. Além disso, o teste dispõe de outra escala, de gravidade funcional, que fornece elementos para o avaliador verificar o impacto da afasia na comunicação em vida cotidiana. A bateria Montreal-Toulouse (MT-86)7 e a Western Aphasia Battery (WAB)8 foram construídas com características bastante semelhantes às do teste de Boston. Contudo, a bateria WAB difere na forma como organiza os dados em direção à classificação dos afásicos: com base em escores de todos os subtestes. Esses três testes foram aplicados em população brasileira e estão em vias de serem disponibilizados. Em menor número, temos baterias construídas em linha diversa de fundamentação teórica. É o caso da bateria para avaliação do processamento da linguagem – PALPA (Psicolinguistic Assessments of Language Processing in Aphasia) – construída em bases cognitivistas9. Essa extensa bateria traz a recomendação de que os subtestes sejam selecionados a partir da hipótese de processamento alterado. Há uma versão disponível em língua portuguesa, de Portugal10. Testes para habilidades específicas podem complementar e aprofundar a observação realizada a partir dos testes abrangentes acima mencionados. Um exemplo é o Teste Token11,12, que avalia a compreensão auditiva e memória operacional e testes de nomeação, complementar ao Teste de Boston13. Ambos os testes foram aplicados em língua portuguesa. Cabe pontuar que a avaliação da linguagem não deve ser dissociada da avaliação cognitiva, na qual se interpreta o impacto de outros déficits (como os de atenção, função executiva, memória episódica, percepção, praxias) que podem interagir com os de linguagem. Testes de rastreio podem ser aplicados por fonoaudiólogos de modo a auxiliar a tomada de decisão sobre o encaminhamento à avaliação cognitiva abrangente e especializada. Finalizando, é importante destacar um componente essencial da avaliação: o relatório. A elaboração e disponibilização da síntese e interpretação do fonoaudiólogo a respeito dos dados deve conter a impressão subjetiva do avaliador, seguida de dados objetivos, com destaque para os principais achados (déficits e aspectos preservados) e, ainda, o plano de ação para o paciente (definição da pertinência de indicação de terapia fonoaudiológica ou não) se possível o método terapêutico indicado, número de sessões terapêuticas e periodicidade de reavaliações. Reabilitação das afasias – do cognitivismo às bases neurobiológicas Cognitivismo A Neuropsicologia Cognitiva incorporou modelos cognitivistas a partir dos quais busca especificar O relatório é sempre a parte mais importante!! mecanismos relacionados ao processamento de tarefas e deu um passo além, aplicando-os ao estudo de lesados cerebrais. Esses modelos fracionam as transformações de representações mentais relacionadas com determinada atividade. A nomeação de figuras, por exemplo, é vista a partir da percepção de linhas, pontos e sombras, emparelhamento com a representação mental da figura, acesso aos traços dessa representação e à maneira de enunciar o nome e ativação de programas motores para articulação da palavra. Os primeiros modelos cognitivos, de “caixas e flechas”, propunham processamento em forma serial, pressupondo que a atividade em determinado nível ocorria quando a anterior estava completa. Modelos mais recentes incorporaram a noção de retroalimentação e de previsão de atividades, entendendo que conexões podem ser aprendidas pela repetição14. Os modelos da Neuropsicologia Cognitiva têm sido utilizados em terapia fonoaudiológica, mas sua principal aplicação é na avaliação de pacientes. Para o fonoaudiólogo, o modelo cognitivo serve como referência para identificar o processamento alterado, considerando padrões da normalidade. Além disso, auxilia o entendimento da natureza do déficit, o que possibilita esboçar o tratamento em um dos níveis de processamento alterados ou tentar a solução por meios alternativos, contornando o déficit. Outro uso é a previsão de padrões de generalização para tarefas e itens não abordados em terapia, como no caso do aprendizado de critérios de inclusão em determinada categoria semântica, que possibilita que se identifiquem os itens a ela pertencentes, ou ainda quando se transfere determinada habilidade que pode ser aplicada a uma gama de tarefas, por exemplo, a rapidez na transposição grafema-fonema14. Para exemplificar a avaliação nesse modelo, tomemos o caso do déficit de compreensão auditiva. A avaliação deve incluir tarefas que permitam verificar o nível de processamento alterado, desde a percepção da cadeia sonora até a integridade do sistema semântico. São essenciais as provas de nomeações oral e escrita de figuras, nomeação a partir de definições, leitura e escrita de palavras sob ditado, emparelhamento de palavra nomeada auditivamente e por escrito com a figura e emparelhamento por associação semântica15. Os estímulos incluídos nessas provas devem ser balanceados, de modo a permitir a verificação do efeito de extensão, gramaticalidade, categoria semântica, frequência, familiaridade e das diferentes tarefas nas quais são apresentados. A terapia nessa linha de estimulação cognitiva pode dirigir-se à recuperação do déficit ou à substituição funcional. Um exemplo de recuperação específica do déficit é o de um caso cuja dificuldade foi situada em estágio pré-lexical de processamento16. O paciente foi estimulado em uma sériede tarefas, como emparelhamento fonema-grafema, discriminação fonêmica, verificação e emparelhamento auditivo, pictórico e auditivo-gráfico e discriminação consoante-vogal. Notou- se progresso nas tarefas treinadas, o que não ocorreu naquelas que não envolviam discriminação auditiva, como compreensão de palavras escritas. Procedimentos de leitura labial ou leitura em voz alta são exemplos de atividades compensatórias em casos de déficits de compreensão auditiva. Na Neuropsicologia Cognitiva, predominam modelos voltados para o processamento de palavras. Sentenças têm sido abordadas com fundamento em estudos linguísticos, resultando daí referências para terapia na orientação neurolinguística17. Segundo essa orientação, o verbo tem papel fundamental para a compreensão e a produção espontânea de sentenças. As frases que fogem ao modelo canônico – sujeito, verbo e objeto, como as interrogativas e passivas – constituem problemas, particularmente para os afásicos agramáticos. Embora dirigida ao processamento específico dos verbos, constata-se que a terapia baseada no verbo tem impacto na produção de sentenças. Dentro da Neurolinguística discursiva, comparamos o sujeito com ele mesmo e vemos os seus próprios avanços. As linhas de estimulação e cognitivista, orientadas para o déficit, partem da premissa de que atingi-lo é pré-requisito para alcançar a melhora funcional. Um dos grandes méritos da linha cognitivista foi definir o déficit a ser tratado, a natureza e os resultados da intervenção. Entre as vantagens da reabilitação na linha cognitivista, podemos elencar: a possibilidade de construção hipotética de redes funcionais, o que busca ampliar a precisão na descrição da natureza do déficit. Dirigem-se à recuperação da função comprometida; as mudanças do paciente podem ser quantificadas e têm baixo custo. Entre as limitações, encontram-se a subespecificação da arquitetura funcional relacionada à linguagem, o privilégio à avaliação e não à terapia, a excessiva individualização, a ausência de perspectiva psicossocial e a restrita generalização do aprendizado a situações funcionais. Um exemplo de utilização dessa orientação em população brasileira é o estudo de Car-thery -Goulart e Senaha18, no qual foi desenvolvido programa de reabilitação de um paciente que permaneceu com afasia de condução e dislexia fonológica após acidente vascular encefálico temporoparieto- occipital esquerdo. Ao início do programa, o paciente era capaz de ler, de modo “global”, somente itens frequentes; a leitura pela via de conversão fonológica era impossível. Um programa de 22 sessões, com base nos princípios da Neuropsicologia Cognitiva, foi desenvolvido e puderam-se notar as seguintes aquisições pela paciente: melhora no número total de respostas corretas na leitura, incluindo os ensaios de autocorreção e a possibilidade de leitura de palavras e não palavras com mais de duas sílabas. Essas mudanças foram quantificadas e expressas com significação estatística, em paralelo a mudanças qualitativas. Exemplos de resultados positivos na terapia em linha cognitivista foram colecionados em estudos de casos, razão pela qual se minimizou o sucesso da reabilitação nesse modelo terapêutico. A virada do século trouxe modificações profundas no cenário da reabilitação das afasias. Novas tecnologias de avaliação por métodos de neuroimagem não invasivos e de reabilitação impulsionaram a revisão e ampliação de propostas terapêuticas. A Neuropsicologia Cognitiva gradativamente vem se aproximando das bases neurobiológicas. Bases neurobiológicas da reabilitação A ideia de reabilitação sempre esteve apoiada na noção de plasticidade. Ao longo de décadas, os pesquisadores tem buscado caracterizar a capacidade de adaptação do sistema nervoso central e sua capacidade de alterar a estrutura e função em resposta a estímulos internos e externos, como o treino e aprendizado de habilidades. Essa capacidade de adaptação também está presente no cérebro lesionado que responde à reabilitação. Por essa razão, os esforços de reabilitação em bases neurobiológicas se apoiam em duas direções: como limitar a gravidade inicial da lesão e os déficits funcionais e como reorganizar o cérebro e compensar funções que já estão comprometidas ou perdidas e apoiam-se em princípios de neuroplasticidade para formular as propostas terapêuticas. Os seguintes fatores possibilitam formular princípios de neuroplasticidade: uso – para evitar a degradação funcional e para melhorar a função; especificidade da experiência como determinante da natureza da plasticidade; repetição e intensidade do treino – como indutores da plasticidade; tempo – fator determinante de diferentes formas de plasticidade; idade – cuja associação é negativa com a possibilidade de ocorrência de plasticidade; relevância – importância do aprendizado; transferência – aquisição de comportamentos similares ao aprendido; interferência – como a resposta a uma experiência pode interferir na aquisição de outros comportamentos19. Podemos destacar quatro vertentes de propostas na linha neurobiológica: a terapia induzida O que seria a Neuroplasticidade?? por Contenção da Linguagem (Constraint Induced Language Therapy – CILT)20,21, a terapia induzida por treino em bases semânticas (Semantic Feature Analysis – SFA)22,23 as propostas que acionam o hemisfério direito, por meio de ativação de atenção, gestos, melodias (Terapia Melódica, Terapia com o uso de gestos)23,24 e as propostas de estimulação multimodal (Oral Reading for Language in Aphasia – ORLA)25. Terapia induzida por contenção da linguagem É uma técnica derivada da fisioterapia, cujo objetivo é estimular o uso do membro com déficit, favorecendo suas habilidades residuais. No campo da linguagem, os pacientes são estimulados a utilizarem apenas a linguagem verbal, mesmo que com dificuldades, e não promover a compensação com gestos, desenhos e/ou escrita. Acredita-se o uso de estratégias de compensação, recrutam-se funções cerebrais saudáveis e restringem-se as oportunidades de estimulação das regiões prejudicadas, o que pode levar a um ciclo negativo, reduzindo as possibilidades de recuperação. A proposta inclui tratamento intensivo: acima de três horas por dia, cinco vezes por semana. É desenvolvido um programa na forma de jogos, praticados em grupos, constituídos a partir da gravidade do quadro afásico. O fato de a terapia se valer de jogos faz com que incorpore princípios da linha de reabilitação pragmática. Um anteparo evita que os participantes tenham conhecimento do conteúdo da comunicação a ser veiculada pelos demais; assim há intercâmbio de fatos novos. O jogo, ao mesmo tempo em que facilita a interação, promove um contexto de utilização natural, em turnos alternados. De fato, constata-se a transferência dos ganhos obtidos nas sessões para a vida cotidiana21. Nos jogos de linguagem, as cartas com fotografias ou desenhos de objetos do cotidiano são distribuídas aos jogadores de tal forma que nenhum deles recebe figuras repetidas. A tarefa de cada jogador é selecionar uma entre as cartas que recebeu, e pedir outra carta idêntica para um dos participantes. O participante selecionado, por sua vez, deve responder se o seu grupo de cartas inclui aquela solicitada antes de fornecê-la ou informar sua indisponibilidade. Cada jogador deve reunir o máximo de pares possível. As habilidades de linguagem são induzidas pela modelagem segundo o nível a capacidade do paciente formular e responder questões. A restrição é determinada segundo o nível de habilidade verbal, inicial dos pacientes. Pacientes mais graves podem utilizar expressões aproximadas e gradativamente são encorajados a empregar formas mais elaboradas. Estudos20,21 revelam melhora significativa após o treinamento na linha da terapia pela contenção da linguagem, com afásicos crônicos, havendo manutenção dos resultados ao longo de 6 meses. Outro aspecto interessante da proposta é a possibilidade de ser praticada com o auxílio de pessoas leigas, treinadas. Uma vez que os exercícios personalizados devemser praticados de forma intensiva, no domicílio, programas experimentais tem sido propostos, no sentido de se treinar cuidadores e familiares para as práticas cotidianas27. No programa de Meinzer27, os cuidadores/ acompanhantes recebiam instruções introdutórias, durante duas horas, a respeito de princípios básicos da terapia, materiais, procedimentos, abordagens de restrição das compensações, e como ajustar a estimulação às dificuldades individuais dos participantes. O treino era oferecido no fim das sessões com os pacientes, as quais contavam com a participação dos cuidadores. Nas primeiras sessões, os acompanhantes eram supervisionados diretamente pelos fonoaudiólogos. Nas demais sessões, os profissionais disponibilizavam esclarecimentos, tiravam dúvidas ou entravam nas sessões, caso fosse necessário. Além disso, discutiam os resultados obtidos, recebiam feedback da sessão realizada e planejavam o próximo treino. Os resultados da proposta foram positivos, com diferenças significativas entre os desempenhos pré e após tratamento. Quando o tratamento da linguagem começa na fase aguda, a recuperação dos pacientes é favorecida pelo fato de não se instalarem mecanismos compensatórios. O que quer dizer que a reorganização cerebral pode ser favorecida pela restauração. A efetividade de tratamentos em fase crônica da afasia utilizando prática intensiva foi demonstrada em estudos com diferentes métodos. No entanto, a realidade da prática clínica mostra que em várias unidades de cuidado, ambulatoriais, clínicas e centros de reabilitação esses métodos são de difícil aplicação, em razão da intensidade da prática e das dificuldades de o paciente aderir de forma assídua ao programa. Uma solução possível é a aplicação desses métodos em fase subaguda, quando o paciente ainda se encontra em enfermarias e dispõe de tempo ocioso nesse período de internação. Terapia induzida por treino em bases semânticas A terapia com base na análise de traços semânticos22 tem o propósito de ampliar o resgate da informação conceitual, pelo acesso a redes semânticas relacionadas a esses conceitos. O paciente é convidado a um treinamento intensivo, incentivado a produzir palavras semanticamente relacionadas com o alvo, como a categoria semântica, uso, ação, propriedades, situação visual-espacial e associações. Ao ativar a rede semântica relacionada ao alvo, o próprio alvo é ativado acima do nível do limiar aumentando a probabilidade de que seu nome seja resgatado (Figura 85.1). Figura 85.1 A aplicação do método a pacientes afásicos obteve resultados positivos, desde o início da proposta e as limitações iniciais relativas à transferência de aprendizado para discurso e situações espontâneas vem sendo discutidas com adaptações do método. Recentemente, o método de análise de traços semânticos tem se prestado a interessantes estudos com neuroimagem funcional, com resultados animadores. Como todas as terapias na linha neurobiológica, o tratamento é intensivo com treinos de 60 minutos, 3 vezes por semana e os resultados notados após 3 semanas, incluem plasticidade no substrato neural, mesmo em casos de afasias graves e crônicas23. Terapias que acionam hemisfério direito Entre as terapias com base no movimento, a Terapia Melódica é uma das mais conhecidas. Ela baseia-se na indução à produção da linguagem, a partir de gestos rítmicos e entoação. Estudos com imagem funcional24 mostraram que a recuperação da afasia pode ocorrer tanto pelo recrutamento de regiões perilesionais no hemisfério afetado, com recrutamento variado do hemisfério direito se a lesão é pequena, quanto pelo recrutamento de áreas homólogas da linguagem e motoras da fala, no hemisfério não afetado, se a lesão do hemisfério afetado é extensa. Estimulação multimodal A terapia pela leitura em voz alta, Oral Reading for Language in Aphasia (ORLA)26, baseia-se em estimulação multimodal, o que está em acordo com as modernas visões sobre a área de Broca – área de síntese multimodal. Na sua forma original, respeita o princípio da necessidade de estimulação intensiva da neuroplasticidade, ou seja, com sessões terapêuticas diárias. No entanto, vem testando formatos mais compatíveis com a viabilidade de aplicação, o que é interessante para a nossa realidade, em que muitas vezes ocorrem carência de suporte social e problemas de acesso ao tratamento. Nessa direção, tentou identificar tratamentos eficazes mesmo em baixa frequência, com 1 a 3 vezes por semana e também verificar os efeitos do método para afasia crônica. O método consta de leitura repetida e sistemática de sentenças e parágrafos em voz alta, inicialmente em uníssono com o terapeuta e, depois, sem a participação dele. Incorpora estimulação multimodal repetitiva e prática para eliciar resposta. Os estímulos são graduados em dificuldade crescente com progressiva ampliação do número de palavras e sentenças construídas. A leitura tem o apoio do terapeuta, fase na qual há principalmente o ajuste de velocidade e de volume. Pistas atencionais, como apontar para cada palavra, preparam o paciente para as tarefas de reconhecimento de palavras de classe aberta e fechada com gradativa solicitação de emissão espontânea. Os autores da proposta reconhecem que há reorganização cerebral suficiente para promover resultados positivos em quadros afásicos, com graus variados de comprometimento. Na afasia grave, há melhora da leitura; na afasia moderada, melhora do discurso; e, na afasia leve, a moderada, há melhora da escrita e do discurso. Pacientes com apraxia de fala associada à afasia são bons candidatos a esse tipo de terapia. Considerações finais O presente capítulo teve como foco o estudo de aspectos linguísticos da reabilitação da afasia. É importante salientar que um projeto de reabilitação deve incluir aspectos psicossociais e emocionais, a integração e participação do indivíduo com afasia na comunidade, de modo a garantir qualidade de vida. 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 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