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Compêndio de Hermenêutica Jurídica - Francisco de Paula Batista

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HARVARD LAW LIBRARV
3 2044 059 025 700 ™~
► y 1 . . . 1
PAULA BAPTISTA
Compendio de hermenêutica
juridica
3. ed. 1872
ARVARD
HARVARD LAW SCHOOL
LIBRARY
COMPENDIO
DE
HERMENÊUTICA JURÍDICA
I
COMPENDIO
litlMITICA JURÍDICA
DAS
,. PABA USO
'~ ÊSpE DIREITO DO IMPÉRIO
PELO
a|Lta
LENTE DA FACULDADE DE DIREITO DA CIDADE 1)0 RECIFE
OOM O TITULO DE CONSELHO, OOMMENDADOB DA
ORDEM DA ROSA, E ADVOGADO NOS AUDITÓRIOS
DA MESMA CIDADE DO RECIFE
TERCEIRA EDICAO
i
Revista e considerarelmente augmentada
PERNAMBUCO
■
A' VENDA NAB SEGUINTES CASAS
LIVRARIA ACADÉMICA. LIVRARIA INDUSTRIAL
de J. W. de Medeiros & C.a de Walfredo & Souza
Livreiros — editores Rua do Barão da Victoria n. 1 2
Rua do Imperador n. 79 (Outr'ora rua Nova)
1872
TODOS OS EXEMPLARES ESTÃO P* M'M
RUBRICADOS. ' '
PROLOGO
Tirar a hermeneutica jurídica da confusão,
em que tem estado com o falso titulo de systema,
tal fora o meu desígnio, compondo este livro
para compendio desta interessante materia nas
faculdades de direito do Imperio.
No isolamento de minhas lucubrações per
corri diflerentes espaços, andei por diversos ca
minhos, tropeçando sempre em mil dificuldades,
até que, afinal, pude chegar ao fim de minha es
pinhosa jornada.
Vae, pois, este livro ser lido e criticado :
critiquem-no sem comiseração ; pois que me julgo
livre de orgulho e vaidade. Devo, porém, dizer,
(e o digo consciosamente) que os poucos, que
sabem o quanto custa estabelecer methodo e
ordem na exposição das doutrinas, e conhecem
os maravilhosos fructos, que d'ahi provém para o
ensino, são os unicos, que podem ser meus juizes.
HEKMENEUTICA JUKIDICA
P1HTE GBBÃL
TITULO ÚNICO
DA HERMENEUTICA JURIDICA E DA INTERPRETAÇÃO
O que é hermeneutica jurídica.
*
§ 1. Hermeneutica juridica é o systema
de regras para interpretação das leis.
Sua importancia e autoridade.
§ 2. A sua importancia e autoridade é
immensa, e deriva do interesse publico, que exi
ge, que as leis tenhão applicaçâo fiel ao pen-
\ samento do legislador. (1)
(1) Bona est lex, si quis ea legitime iitatur (Panl.
a Thimoth. 1." cap. 1." v. 8.°) Esta maxima é suscep
tivel de grande desenvolvimento, e maior, talvez, do que
se pense.
CAPITULO I
DA INTERPRETAÇÃO
O que é interpretação : quando não tem lugar.
§ 3. Interpretação é a exposição do verda
k
8 HERMENEUTICA JURIDICA
ãeiro sentido de uma lei obscura por defeitos de
sua redacção, ou duvidosa com relação aosfactos
occorrentes ou silenciosa. Por conseguinte, não
tem lugar sempre que a lei, em relação aos factos
sujeitos ao seu dominio, he clara, e precisa. (1).
(1) Interpretatio cessat in claris (Cephal concil 132
n. 2.) Quando verba suni clara, non admittitur mentis
interpretai^) (L. Continuus 137 § cum ita 2." ff. .verb.
oblig.) Savigny (tratado de Dir. Rom. tom. l.°) censura
os que limitão a interpretação aos casos accidentaes de
obscuridade nas leis : diz, que ella acompanha a applica-
ção de todas as leis á vida real, (seus discipulos accres-
centão " ainda as mais claras) e a define reconstrucção
do pensamento contido na lei. " Uma semelhante dou
trina, tam vaga e absoluta, pode fascinar o interprete,
de modo a fuzel-o sahir dos limites da intepretação para
entrar no dominio da formação do Direito. Ou existem
motivos para duvidar do sentido de uma lei, ou não exis
tem. No primeiro caso, cabe interpretação, pela qual
lixamos o verdadeiro sentido da lei, e a extenção do seu
pensamento : no segundo, cabe apenas obedecer ao seu
preceito litteral. No primeiro caso, ha sempre uma
questão de direito a decidir ; no segundo, porém, poderá
haver, quando muito, alguma questão de facto, cuja de
cisão dependa de apreciação da prova. E' verdade que
á todo o escripto acompanha a condicção natural de de
ver ser entendido segundo o pensamento de seu autor ;
mas d'ahi se não segue, que em todo o escripto se dê a
necessidade dè tornar esta condição effectiva pelo acto
positivo da interpretação ; qelo que, se á Savignx pa-
receo singular o caber interpretação somente nos casos
accidentaes de obscuridade nas leis, á mim parece mais,
que extraordinario, o não poder haver uma só lei,
se quer, clara e precisa em relação aos factos sujeitos
ao seu dominio, de modo que não seja preciso in
terpreta-la. Façamos portanto, as necessarias distinc-
ções (e nisto consiste toda a sciencia, principalmente a do
direito e jurisprudencia) : aos casos de obscuridade ac-
crescentemos aquelles, em que as leis, pela concisão com
que são escriptas, apresentão lacunas e duvidas a respei
HERMENEUTICA JURIDICA 9
to de certos factos occorrentes, e desde logo concebere
mos facilmente, que fora desta tríplice relação não é
possivel haver interpretação : mas, sim, ou cavilllação,
ou usurpação á autoridade legislativa.
Auihentica e doutrinal.
§ 4. Com relação a sua origem é ou au
thentiea, se emana do legislador, ou doutrinal, se
emana dos juizes, ou dos administradores, como
inherente a applicação e execução positiva das
leis, ou dos jurisconsultos como simplesmente
consultiva ou instructiva, (1)
(1) Contra a opinâo d'aquelles, que, firmados no art.
14 § 18 da constituição e em diversos textos de Justi
niano, teimão em não admittir a interpretação doutrinal
digo, como Vinnio (Quest sel et, 2, § 3) : que não basta
ter uma lei a applicar ; mas o que tmporta sobre tudo é
o poder de dicidir alguma cousa. E como poderão os
juizes decidir as contestações sobre os diversos sentidos,
que interesses rivaes dêem ao mesmo texto sem a faculda
de de interpretar? Os juizes, " diz Carré, são devedo
res da justiça de hoje, e não da justiça de amanhã, hon
rosa divida, que jamais poderião pagar aos litigantes,
seus credores, se fossem obrigados a absterem-se de julgar
sempre que cada uma das contestações, submettidas á
sua decisão, não estivesse prevista em algum texto es
pecial. As leis não pódem prever todos os casos fortui
tos e especiaes.- " Jura consiituere ex his, quoz plurimum
accidunt, non qce ex inopinato (L. 3, ff de legib.) pelo que
-o querer fazer todos os dias novas leis para reduzir os
juizes á acção material de applicar textos especiaes, seria
uma tentativa tão pueril, como a de quem quizesse con
tar as estrellas do Céo ; e, afinal, quando se pensasse ter
prevenido julgamentos arbitrarios, ter-se-hia lan
çado a legislação em terrivel cahos, só propicio ás
iniquidades. He, portanto, de interesse publico, que
os juizes tenhão o direito, e mesmo o dever de in
2
10 HERMENEUTICA JURIDIDA
terpretar, (art. 4 do Cod Civ. franc.) Isto posto, por
uma exquisita anomalia vivião os nossos juizes de 1."
instancia a encommodar constantemente o Governo com
consultas sobre pontos de direito, cuja decisão notoria
mente lhes competia, prejudicando, assim, as partes com
decisões tardias, até que a circular de 1 de Fevereiro de
1856 veio por termo á este abuso.
Em que differem.
§ 5. Differem naturalmente uma de outra
em que a authentíca é estatuida por meio de
disposição geral, que pôde modificar a lei, sem
que perca, por isto, o caracter de interpreta
ção (1) ; a doutrinal' è restricta ao caso sub-
mettido a exame, no qual o interprete, sujeito á
regras positivas, limita-se a expor o pensamento
da lei, tal qual nella se contém (2) ; 2." a authen
tíca é obrigatoria, como o são todas as leis (3);
a doutrinal, porém, só tem a força e importancia,
que merecerem seus motivos e razões fundamen-
taes. (4)
(1) Penso, que assim deve ser ; porque o legislador,
quando interpreta, attenta sua alta missão, e attentos
seus grandes poderes, não pôde ficar indifferente á moti
vos superiores, que na ocsasião existão, e reclamem al
guma modificação na lei, para o fim de ser aperfeiçoada ;
e, por outro lado, como a lei interpretado, não exprimia
clara e precisamente a vontade do legislador, é na lei
interpretativa, que esta vontade deverá existir, toda in
teira; e por conseguinte é ahi, que dever-se-ha procu
ra-la em toda a sua pureza e extensão, e é por istoque
a lei interpretada e a interpretativa ficão naturalmente
unidas, e como que formando ambas um só corpo de
disposições.
(2) He por isto, que dão tambem á esta interpreta
HERMENEUTICA JURIDICA 11
ção a denominação de privada. Mas, podendo ella ema
nar do poderjudiciario ou do administrativo, não sei
como aos actos officiaes e publicos dos agentes destes
dous poderes, cada um d'elles na respectiva esphera de
suas leis, se possa dar o nome de privados. Se, além
da distinecão, que vem no paragrapho, querem mais al
guma outra, venha então a de interpretação por via de
autoridade, ou por via dr sciencia ; pois que, se rCau-
thentica sobresahe a autoridade do legislador, na doutri
nal sobresahem as luzes e a sciencia do interprete.
(3) Ella é essencialmente uma verdadeira lei, que
fica sendo contemporanea da lei interpretada, para pro-
duziz effeito desde a publicação desta, sem todavia re-
trotrahir, salvos, porém, os direitos adquiridos. Este
principio de doutrina é disposição escripta no art. 6 do
novo Cod. civ. port. sanecionado naquelle reino pela car
ta de lei do 1." de Julho de 1867.
(4) Quer isto dizer, que quem se não convencer por
esses motivos e razões, pôde em presença de outras, que
pareção melhores, seguir diversa opinião. Sirva esta
quasi escusada advertencia de resposta aos que, em re
futação á esta doutrina, avocão para a interpretação
doutrinal a força obrigatoria dos julgados confundindo
assim entidades jurídicas essencialmente distinctas por
não ponderarem devidamente, que a força obrigatoria
dos julgados nasce de uma lei, que lhes é especial, e
fal-a restricta aos que forão partes no litigio " Hes ju-
dicata inter alios aliis non nocet neeprodest. " Além de
que illudem-se em supporem que só ha interpretação dou
trinal quando esta apparece como expressão de alguma
decisãojudiciaria !
Importância da exacta determinação de cada
especie.
§ 6. No acto intellectual da interpretação,
além do estudo da lei segundo as regras de di
reito, que lhe forem adaptadas, importa, em al
12 HERMENÊUTICA JURIDICA
guns casos, considerar devidamente o facto, e
determinar com exactidão a especie, na qual
nma modificação qualquer, supposto que leve em
apparencia, acarreta muitas vezes profundas mu
danças nos principios e disposições, que deverão
rege-la ; e por tanto, nos direitos, e obrigações
que d'ahi resultarem. (1)
%' »
(1) Esta doutrina é de Delisle, e, convencido de
sua influencia pratica, adoptei a Qucelibit mínima facti
varietas jus reformai (X. 13 C. de transact) Modica
unius circumstantice varietas plurimum jus immutat.
(Dumoulin). A este respeito a Glos. sobre a L. Si ex
plag. 52, § assim se exprime com rigorosa concisão "jus
in causa ponitur, ou como diz o brochardo jus ex
facto oritur. Exemplo: Certo proprietario de um fundo
ribeirinho construio um dique para impedir, que o rio
em suas enchentes destruisse, como d'antes, suas lavou
ras e edifícios, resultando desta obra igual beneficio á
um seu visinho, então ausente : e considerando-se, a res
peito deste seu visinho, gestor de negocios, demandou-o
pela indemnisação proporcional ás despezas feitas com
a construcção do dique. Ora, a gestão de negocios fun-
da-se na presumpção jurídica de que todos approvão o
que em sua ausencia se fez para segurança de seus direi
tos, e em seu proveito : a regra superior de direito, de
não dever alguém locupletar-se com jactura alheia, é o
fundamento da obrigação, em que fica o dono do degocio
de pagar ao gestor as dispezas feitas com a gestão. Mas
quem applicasse esta regra á hypothese figurada, appli-
ca-la-ia erroneamente por não haver attendido uma cir-
cumstancia especial, e essencial ao facto da gestão, a sa
ber : que aquillo, que o gestorfizer, seja no interesse itn-
mediato do dono, circumstancia que se não deu no caso
figurado, em que o autor no letigio construio o dique no
seu immediato interesse, embora d'ahi resultasse o inte
resse mediato de alguem. O Trib. de Cass. de França
assim decidio uma questão identica por aresto de 6 de
Nov. de 1838,
HERMENÊUTICA JURIDICA 13
Habilitações para bom uso de suas regras.
§ 7. Probidade, illustração e criterio de
intelligencia, taes são as habilitações, que
devem acompanhar o interprete no uso e appli-
cação das regras de interpretação, quaésquer que
ellas sejâo ; de sorte que, quanto maior valor
e realce estas habilitações derem ao seu espirito,
melhor interprete elle será, (1)
(1) E' preciso, 1.°, probidade, para que haja sincero
empenho e cxforço eru procurar o sentido da lei segun
do ols dictames da justiça e da recta razão : a improbi
dade tem por consocias naturaes a ma fé e a depravação,
capazes de corromperem com o sophisma o sentido e a ap-
plicação das melhores leis : 2.° illustração, para que, dis
pondo de grande somma de conheçimentos, possa alcan
çar todas as razões de duvidar, e todas as razões de
decidir : 3.", criterio, para que possa discernir o certo do
provavel, o apparente do real, o verdadeiro do falso, o
essencial do accidental, etc. etc.
CAPITULO II
ELEMENTOS DE INTERPRETAÇÃO
Grammatical, lógico, e scientifico.
§ 8. Nas leis, como preceitos da razão imi
nentemente social, devemos achar tres cousas ;
palavras, pensamentos e exacta conformidade des
tes pensamentos com a razão natural, justiça, or
dem e bem geral, inseparaveis de todas as asso
ciações humanas. Os elementos de interpreta
14 HERMENEUTICA JURIDICA
ção, por conseguinte, devem ser tres : gramma-
tical, lógico e scientifico. (1) 0 primeiro diz res
peito á forma exterior da lei, sua letra ; o se
gundo e terceiro dizem respeito á sua força in
tima, seu espirito.
(1) Savigny dá o nome de systernatico ao elemento,
que achei mais proprio chamar scientifico, e accreseenta
um outro, o historico, que, quanto a mim, está incluido
no scientifico. Tudo isto havemos de ver claramente no
desenvolvimento successivo destas ideas.
Objecto e influencia do yrammatical.
§ 9. 0 grammatical tem por objecto a lin-
goagem da lei : sua influencia está na construc-
ção textual, e nas diversas accepções,das palavras,
grammatical, usual, juridica, geral ou particu
lar, própria ou imprópria, ampliativa, taxativa,
ou exemplificativa, imperativa ou facultativa etc.
Logico.
§ 10. 0 lógico tem por objecto o pensa
mento : sua influencia está no raciocinio e na ana-
lyse, pela qual decompomos o pensamento da
lei, dividimol-a, creamos as especies, que segun
do as regras de direito, ou antes segundo o ele
mento scientifico são, ou não adaptadas ao seu
preceito : examinamos a ordem e methodo
seguido na destribuiçâo das materias, e na re
dacção de toda a lei ; de modo que se compre-
henda o antecedente pelo subsequente, e vice-
versa : explicamos as contradicções, conciliando
as disposições individuaes da lei umas com as
outras, e com as de outras leis, etc.
HERMENÊUTICA JURIDICA 15
Scientifico.
§ 11. O scientifico; sem duvida muito mais
vasto, é o que presta ao lógico as premissas e
dados para, sob a dupla relação das palavras e
dos pensamentos e por meio de legitimas conse
quencias, não só attingir o sentido normal, e sem
defeitos, (1) como adoptar, d'entre os sentidos
possíveis, o que exprimir com maior segurança
possível a vontade do legislador.
(1) In ambígua voce potius accipienda ea aignifica-
tio, quoe vitio caret (L. In ambig. ff. de legib). Inteipre-
tatio in dublo facienda, quoe periculo et vitio vacat (Si-
chard. consil, 6, n. 34.
Do sentido anormal.
§ 12. Do sentido defeituoso e anormal deve
o interprete abster-se, e tal se diz em geral :
1.° o que attribue alei algum absurdo, que fere
a razão natural (1) ; o que enerva o sentido da
lei ao ponto de ficar illusoria (2), sendo que é
tão deffectivo o sentido, que a deixa ficar sem
effeito, como o que não fa-la produzir effeito, se
não em hypotheses tão gratuitas, que o legisla
dor evidentemente não teria feito uma lei para
preveni-las (3) ; 3.° attribue-ihe superfluidades
(4) fa-lacontradictoria e destructiva de si mes
ma, etc. (5)
(1) lnterpretatio Ula sumenda, quoe absurdum evi-
tetur (Jason L. si sic stipul n. 5 de verb ub\ig.) Seneca,
faltando da rasão natural,disse que della vem cousas não es-
criptas, que valem tanto,ou mais, que as escriptas. De fei
to, se, relativamente aos actos individuacs, os contractos
16 HERMENÊUTICA JORIDIUA
por exemplo, se não pode comprehender como incluído na
obrigação, o que simplesmente não é verossimil, que uma
das partes exigisse da outra, como será possível, que,
em relação ao legislador, sabio, justo, e previdente, se
deva ter como incluido na lei, o que ao certo, possa ha
ver de vergonhoso, indigno, econtrario a razão natural ?
O que é, pois, absurdo não se póde dar como motivo po
sitivo ; mas como motivo negativo da lei. Assim nen
huma lei pode ser entendida de modo, que autorise a -vin
gança, o crime e a fraude contra os direitos de alguem :
que o contumaz fique em melhores condições, do que o
obediente á lei, que confia nella, etc. etc. Na pratica é
que este sentido se reproduz em grande extensão e por
diversos modos.
(2) Interpretatio in dtibio capienda semper, ut actua
et dispositio potius valeat, quampereat. (L. Quoties 12
ff. de reb. dub.)
(3) Quod raroftt, sicut vetus sapientia docet, non
observant legiislatores ; sed quodjitplenonque, respiciunt
et medentur. (Novell. 94 ch. 2) Ex his qnce forte uno
aliquo casu accidere possunt, jura non constit Quuntur.
(L. Ex his 5 D. de legib)'.
(4) Interpretatio in quacumque dxspositione ne sic
facienda, ut verba non sint superflua, et sine virtute ope-
randi. (RolL a Vall. cansil 61 61 n. 44. O Assento de
22 de Outubro de 17 7 8 consagra a regra : que no texto da
lei se deve entender não haver phrase, nem mesmo pala
vra superflua.
(5) A contradição e incompatibilidade na lei não é
cousa admissivel. Lei de 6 de Agosto de 1770 § 11, e
Lei de 15 de Dezembro de 1774.
Concurso simultaneo dos tres elementos.
§ 13. Pode qualquer destes elementos exer
cer tal preponderância, ou tomar tamanha parte
HEBMENEUTIOA JUMDiCA 17
no acto da interpretação, que seja desnecessario *
fazer menção dos de mais. Assim, umas vezes
são as palavras que com suas significações pro
prias determinâo o sentido da lei (interpretação
geralmente conhecida por grammatical), outras
vezes b pensamente em sua verdade é que de
termina o sentido, rectificando as palavras (inter
pretação logica) ; mas em qualquer dos dous me-
thodos, que segundo as circumstancias for em
pregado, os tres elementos estarão presentes como
necessarios para dar ao interprete plena conscien
cia da lei.
O que ha de mais certo e positivo a este respeito.
§ 14. De qualquer modo que os tres
elementos se combinem, o certo, é: 1." que
o pensamento da lei em todo o caso é, que
è a lei (1) : 2.° conseguintemente, que em
pôr as palavras em , harmonia com o pensa
mento é, que consiste toda a interpretação
regular: 3.° se, para conseguir este fim, bastão
as noções naturaes é regulares1 das palavras,
tanto melhor (2) : 4.° se não bastão, deve-se re
correr a influencia do pensamento, cuja verdade e
exactidão não devem ser sacrificadas as imperfei
ções e inconsequencias da linguagem: (3) 5." por
conseguinte, que somente as palavras é, que
são susceptíveis de rectificação e modificação para
exprimirem mais ou menos, do que naturalmen
te sôão: : 6.° finalmente no conhecimento do
espirito das leis é que consiste a verdadeira scien-
cia do Jurisconsulto. (4)
(1) Ltxest quod kx voluit. (L. non. dub, C. delegib)
3
18 HERMENEUTICA JURIDICA
iVtwi enim lex est quod scriptum est. ; sed quod legislator
voluit quodjudicio suo probavit et recepit (L. de quib.
ff de legis.
(2) Lei de 18 de Agosto de 1769, § 11. A razão é
obvia: é porque desde logo se tem conseguido o fim
desejado. TJma vez que as noções proprias e regulares
dos termos removem toda a duvida, mostrando o verda
deiro sentido da lei, seria absurdo deixar este sentido por
conjecturas já então arriscadas, e fataes ao principio salu
tar da fixidade das leis, sem a qual não haverá certeza
na legislação.
(3) Com razão, pois, o Assento de 10 de Junho de
1817 condemna a supersticiosa observancia da lei, que,
com olhos fitos somente na letra della, destroe sua in
tenção.
(4) Scire leges non est verba earum, sed vim acpotes-
iatèm tenere (L. 67, legib). Nisto é que consiste' o se
gredo de alguns mestres, que não fazem seus alumnos
decorar simplesmente a letra da lei ; mas exforção—se
tambem por inicial-os nos motivos della, instruindo-os
nos princípios geraes da sciencia, e na philosophia dos
diversos ramos do direito. Não val a menoria " disse
um professor de direito em França, " quando o raciocínio
lhe não serve de buril. A este respeito basta-me a
autoridade veneranda do Chanceller de Aguesseau. ^.O
poder dejulgar, diz elle, não he dirigido em seu exercício
por preceitos formões. O templo dajustiça não deve ser
menos consagraao á sciencia, do que ao estudo das leis
escripías, e a doutrina, que consiste no conhecimento do
espirito das leis, e superior a que consiste no simples co
nhecimento de sua letra.
SECÇÃO ÚNICA
1K) ELEMENTO SCIENTIFICO
0 que este elemento comprehende priiicipalmente.
§ 15. 0 elemento scientifim comprehende
HERMENÊUTICA JURIDICA 19
principalmente o direito natural, opublico, amo
ral, a historia das leis, a materia, sobre que ellas
versão, e a ligação entre todas as leis, segundo as
diversas instituições de direito, a que pertenção,
JHreito natural.
§ 16. O direito civil não he, senão o com
plemento da lei natural, cujos principios eter
nos e immutaveis devem ser applicados, no si
lencio da lei positiva, aos factos sujeitos ao do-
minio do direito em sua universalidade, e, nos
casos ambíguos e duvidosos, devem determinar
o sentido, que fôr mais conforme com a justiça
universal (1) e a equidade. (2)
(1] Alguns negão a existencia do direito natural,
e dizem, que o direito positivo em suas lacunas se com
pleta por si mesmo em virtude de sua força organica,
derivada dos attributos de sua universalidade e unidade
e desta opinião é Savigny no seu tratado de Dir, Rom.
l.° § 46. Mas o que e o direito em sua universalidade
e unidade, senão o mesmo direito natural? Cicero falla
de muitas interpretações fundadas na lei natural, a cujo
respeito no seu tratado da " Republica " citado por
Lactando assim se exprime " Huic legi nec abrogarifas
est, neque derogari ex hac aliquid lieet, neque tota abroga-
ri potest ; nec vero autern per senatum, aut perpopulum
solvi hão lege possumus. Neque est qucerendus explana-
tor, aut interpres ejus alius, nee erit alia lex Roma), alia
Athenis, alia nunc, alia posthac ; sed et omnes gentes,
et omni tempore una lex et sempiterna et immutabilis
continebit. A lei de 18 de Agosto de 1769, a mais im
portante, senão a unica que temos sobre materias de in
terpretação, no § 9 assim se exprime," Mando por ou
tra parte, que aquella boa ruzão, que a Ord. do l. 3 tit.
64 determinou que fosse ua pratica dejulgar subsidiaria
seja aquella boa razão, que consiste nos primitivos, prin
2(1 HERMENÊUTICA JURIDICA
cipios, que a ethica dos mesmo* romanos havia estabe
lecido, c o direito dino e o direito natural formalizarão
■para servirem de regrast civis e moraes entre o Christia-
nismo. " O novo Codigo Civil Port. no art. 16 assim se
exprime : " as questões sobre direitos e obrigações, que
não poderem ser resolvidas nom pelo texto da lei, nem
pelo seu espirito, nem pelos casos analogos pevenidos em
outras leis, serão decididas pelo direito natural.
(2) O que é equidade ? Em sua noção etymolo-
giea osquitas ou aiqualitas, id est, duorum plurimumvc
ratio vel proportio comistit in harmonia vel congruentia
(Leibnitz meth. noy. disc. doe. jurisp. p. 11, § 76.) En
tretanto, tem tido diversas tlifinições. Segundo Aristó
teles é uma mitigação da lei escripta por circumstan-
cias, que occorrem em relação ás pessoa», ás comas,, ao
lugarou tempos ; e nesta accepção designa certa aptidão
que destingue o juiz esclarecido d'aquelle, que o não é,
ou é menos. Segundo, Wolfio e uma virtude, que nos
ensina a dar á outrem aquillo, que só imperfeitamente
lhe e devido ; e nesta accepção designa o cumprimento
ou pratica de certos deveres moraes. Segundo Grocio,
e uma virtude correctiva do silencio da lei por causa da
generalidade de suas palavras '• e nesta accepção designa
uma virtude em termos vagos e abstractos. Segundo
Richer êuma certa benignidade que inclina o juiz para
o lado, que parece mais conforme á honestidade natural:
e nesta accepção designa uma certa propensão ou dispo
sição do espirito para a justiça, e o bem moral, etc. Eu,
porém, aqui fallo da equidade judiciaria, de que muito
se oceuparão os jurisconsultos romanos, pela qual os
juizes, no silencio, duvida ou obscuridade das leis escrip-
tas, devem submetter-se por um modo esclarecido â von
tade suprema da lei, para não commetter em nome della
injustiças, que não deshonrão, senão os seus executores
e neste sentido é, como entendem os escriptores moder
nos, o mesmo direito natural : Juspluribus hwdis dicitur:
■uno modo cum id, quod semper ceqttum et bonum est,
dicitur, ut est jus naturale ; altero modo quod omnibit*
aut pluribus in quacumque civitate utile est, ut est Jus
Cirile (L. Jus plurib, 11 I). dejust etjur.) Píacuit, in
omnibus rebws pr/pcipuant esse justitif*? fpquí/atisqiie,
HERMENEUTICA JURIDICA 21
fju&m stricti júris, rationem (L. Placuit. 8Cod. dc jitdicii)
Sligendwm est quod minimum habeat iniquitatis L.
Quoties D. de áol. mal. etmet. exeept. I. 44, í, 4.
Direito publico. . .
§ 17. Mesmo quando as leis estatuem, não
sobre os diversos elementos da associação politi
ca c administração publica ; mas sobre as diver
sas re.lações entre, os indivíduos, 6. sempre para o
lim de collpear estes em ^estado de participarem
de todas as. vantagens da; associação ; pelo que
não ha nejlas uma utilidade privada, que não es
teja unida á um fim de ordem e intei*esse geral :
D'ahi se vê, que existem intimas e perpetuas li
gações das leis civis, commerciaes e criminaes
com. ;p: direito publico, (1) as quaes devem, ser
apreciadas pelo Jurisconsulto Publicista, para na
combinação1 do interesse privado com o publico
procurar, segundo as circumstancias, os motivos
da lei, que servem como que de medida ao pen
samento do legislador, e poder assim bem enten
de1-* (2). . ,', .
(1) Bacon (aforismo 3.») chegara ao ponto' de diser,
que o direito privado vive sob a protecção do direito pu
blico: " sub tutela júris publici latetjnsprivatvtm. "
(2) Ha leis,' em que a utillidade publica é tão pro
nunciada, que a execução dellas fica subordinada a im
pulsão dos juizes como orgãos da administração publica.
Sirvão de exemplo as appellações officlaes nos termos do
art. 7í> da,lei.de 3 de dez. de 1841, e arfo». 448, 449 do de
creto de 31 de .Ian. de 184-2.
24 HERMENEUTICA JURIDICA
especificai; em' que o legislador a eòncebêra, a
razão e fim, que ò determirarão a fazel-â, aeóm-
panha o movimente no. espirito de suas altera
ções e reformas, e chega, a final, ao conhecimen
to de toda a acção,que a ultima lei existente teni
de exercer no sysfema geral 'do direito, mormen
te se ha referencias á disposições precedentes,
que ficarão em vigor como parte ou complemen
to do pensamento do legislador (1); .'. *. ,,
(1) Algumas vezes a historia da lei éa sua melhor
arialyse,e é por isso, que Heineeio, 'querendo explicar as
leis Aquilia Atilia e outras, não fez mais, do que apresen
tar a historia dellas.' *' ViçiA, , .
, A materia sobre que versam as leis'.' \ ;"'*?"
..,"W.u. :..<.... .: . ,' .. :.,.„!,'„ .Iru,uS.
§ 20. As leis, em relação ás diversas^ma
terias, sobre que Versão, não exprimem mero
arbitrio; mas um systemà sábio Com' princípios
e meios adaptados á fins certos, e a superar todas
as resistencias: a ordem é a sua ultima expres
são (1). Estes princípios fundamentáes, meios
e fins são outras tantas regras de interpretação,
ou: meios scientificos de destinguír o sentido
anormal ão perfeito ou normal. Assim, a inter
pretação, que der a lei commercial um sentido
desastroso ao credito, será anormal : igualmente
o será a que nas leis administrativas indicar um
sentido tal, que ponha a acção d'administração
publica á mercê dos interesses privados : a que
nas leis constitucionaes indicar um sentido con
trario a harmonia dos poderes politicos, ou ás
verdades de organisação social : a que nas leis
do processo sacrificar o direito de defeza do réo
HEHMENEUTICA JURIDICA 25
aos iuteresses do autor etc- (2). D'ahi resulta,
que o interprete deve ser tão instruido e versado
nestas materias, que possa conhecer qualquer
imperfeição na lei, identificar-se com o pensa
mento d'ella, penetrar os seus designios, enten
de-la, e applica-la scientemente (3). Veja-se o
§ 13.
(1) Poncet define lei " a ordem estabelecidapor um
poder, que pensa, raciocina e quer.
(2) Aqui cabe a regra. Interpretatio illa sumenda
qcee magis convenit subjectoe materice (Menoch. Consil.
179, iv 14). Foi d'ahi, que alguns autores allemães ti
rarão motivos, para dividirem a interpretação em tantas
especies, quantos os ramos de direito : interpretação po
litica, civil, criminalfiscal etc. nomenclatura esta inutil.
(3) Um exemplo : O artigo 643 do Decreto de 25 de
Novembro de 1860 determina, que, se os embargos a sen
tença contiverem factos novos, que devão ser provados
com testemunhas, o juiz pol-os-ha em prova com a di
lação de dez dias, e julgal-os-ha afinal. Ora a sciencia
das leis do processo nos diz, que sem contestação não
ha juizo, e, sem juizo, não pôde haver conhecimento da
verdade, fim principal, para o qual elle é instituido.
Logo, não se podendo attribuir ao legislador o duplo ab
surdo de querer destituir do direito de defeza aquelle,
contra quem esses novos factos são allegados, para, assim
fundar uma justiça, que não é justiça, cega e escravisada
á ignorancia, d'ahi concluimos que o embargado está man
tido no direito de contrariar esses novos factos; e que a
dilação de dez dias é commum á ambas as partes ; e,
por conseguinte, que e redacção do citado artigo de lei
cahio no defeito de ser em extremo concisa, de modo
a não exprimir, como devia, seu pensamento inteiro.
4
26 HERMENÊUTICA JURIDIDA
Ordem geral, que domina todas as leis.
§ 21. Além da ordem especial, em que
estão as leis entre si quanto as materias de seu
especial e exclusivo dominio, d'onde resulta, que,
em regra, é preciso, em cada genero de nego
cios, consultar as leis, que lhe são proprias, exis
te uma outra ordem geral, que prende todas as
leis á um systema harmonico, de modo que umas
nâo destruão as outras. Se a materia, estranha
á lei, nada de commum, ou nenhuma relação tem
com ella, não pôde, por certo, ser trazida para
interpretação : do contrario tudo torna-se-hia
incerto e arbitrario ; mas, se tem relação, pódè,
em alguns casos, determinar o sentido, que
a lei comporta exactamente. (1)
(l) E' o que Savigny chama ligação de todas as leia
e instituições de direito ao seio de sua vasta unidade.
Continuação do mesmo objecto.
§ 22 Sobre este assumpto, por certo diffi-
cil e delicado, é qnasi impossivel estabelecer re
gras positivas ; mas comprehende-se, 1.° que as
leis constitucionaes na parte, que estabelecem o
regimen politico, e garantem os direitos indivi-
duaes, exercem uma prepoderancia decidida so
bre todas as leis secundarias; 2.° as que procla-
mão novos princípios e verdades sociaes des
troem as antigas, que estão em opposição com
ellas, e, apenas representão um tempo, que já
acabou (1): 3.° as que créao novas instituições
por interesse publico podem explicar as antigas
HERMENÊUTICA JURIDICA 27
no que estas teem de coramum com ellas, sup-
prindo-as nos pontos, em que vão ficando incom
pletas e insuficientes em relação á evidencia e
a força das novas necessidades (2). E tudo isto
se dá em grandeextensão nos paizes, como o
Brazil, em que, tendo havido uma regeneração
com mudanças radicaes e profundas, não recebem
desde logo uma legislação completa e adaptada
á nova ordem de cousas ; pelo que precisa o in
terprete, com as habilitações que o sustentão, re
solver os conflictos virtuaes entre o pensamento
do antigo e do novo legislador.
(1) E' o que chamamos revogação implícita das
leis. Exemplo : Garantida a liberdade de consciencia pelo
artigo 179 § 5 da Constituição, revoguda ficou a orde
nação do liv. 3.° tit. 49 § 4 que autorisava a excepção de
excomunhão ; por quanto se além das penas espirituaes
continuassem a existir soffrimentos temporaes para o
excommungado, bem como o soffrimento da privação de
seus direitos civis, não poderia haver tolerancia religiosa,
etc., etc.
(2) Temos um exemplo na ordenação do liv. 3.° tit.
86, que na, gradação dos bens penhoraveis estabelecida
nos seus §§ 7, 8 e 9, não incluio as apolices da divida pu
blica e papeis de credito do Governo, lacuna esta, que
não podia continuar a existir, á vista das nossas leis fi
nanceiras, que fundarão a divida publica, representada
nestas apolices, transmissíveis, e vencendo um juro. E
nem era necessario para isto, que o decreto de 25 de Nov.
de 25 de Nov. de 1850 no art. 152 incluísse expressa
mente estes titulos entre os moveis penhoraveis, e, o
havendo com effeito incluido, seria intoleravel o não ap-
plicar-se esta disposição ás execuções civis pelo pretexto
de ser ella commercial, convertendo assim em razão de
decidir o que seria apenas futil motivo de duvidar.
28 HERMENEUTICA JURIDICA
O que o elemento scientifico comprehende em se
gundo lugar.
§ 23. Os usos e costumes, o direito romano,
as decretaes, os escriptos dos doutores e as leis es
trangeiras pódem também entrar no vasto domi
nio do elemento scientifico ; mas toda a luz, que
reflectem, recebem-na do espirito das leis pátrias,
dedusido de suas palavras, e razões ou antes das
fontes principaes, de que já tratei. (1)
(í) Assim, com as luzes, que emanão destas fontes,
é, que podemos, 1.° distinguir os usos e costumes, que tem
legitima origem (a communhão de convicções ou una
nimidade morai) e fundão se na boa razão até que alcan-
ção a dupla sancção do tempo, e da lei (a de 18 de Agos
to de 1769, que exige cem annos), dos abusos e corrup
telas, que ferem a razão, fraudão a lei, e expõem os direi
tos ás incertezas do arbitrio e dos caprichos : 2.° pode
mos entrar no Corpore Júris, e escolher os thesouros, que
teem resistido á tantos seculos sem desmerecerem de seu
valor, e abandonar o que alli existe para attestar apenas
o gentilismo dos primitivos tempos, e o que se não con
forma com as nossas leis e a nossa civilisação ; porquan
to, não reconhecemos autoridade de pretores e prudentes,
nem acreditamos na boa fé de Justiniano, quando disse
uão haver contradições n'aquelle corpo de leis, nem no ta
lento e exforço divino de Triboniano, que pourJe em tres
annos ler, e meditar sobre dois mil volumes compostos
de fragmentos desordenados e contraditorios ; nem somos
partidarios de nenhuma das duas parcialidades, a da es
cola de Labeo, e de Proculo sen successor, que, devota
da a antiga causa da republica, cujas leis e costumes
procurava manter,prendia-se ás subtilezas e rigor das pa
lavras- e não admittia, senão o strictumjue; e a de Capi
to, e de Sabino, seu successor, que, adherindo á causa da
monarchia, cujos costumes e interesses procurava conso
lidar, recorria até áo sentido impróprio rias palavras, c
HERMENÊUTICA JURIDICA 29
dava aos textos a intelligencia extensiva ou restrictiva,
que fosse mais conforme às exigencias do honesto e do
útil, uascendo d'ahi muitos textos pertencentes a mesma
cpocha e contraditorios entre si : 3.° podemos considerar
as decretaes, tanto as que revogarão o direito romano,
como as que o interpretarão somente, e conhecer a acção,
que cada uma dellas póde exercer no systema das leis
pátrias : 4." podemos entrar no labyrintho dos escriptos
dos Jurisconsultos, e apreciar cada um delles: 5.° e, final
mente, confrontar as leis estrangeiras com as patrias, e
conhecer perfeitamente a conformidade, analogias e con
trastes d'aquellas com estas.
. PÃHTE ESPSCIÃL
TITULO I
DAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO
CAPITNLO 1
DAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOM RELAÇÃO AOS
CASOS, EM QUE ELLA SE FAZ NECESSÁRIA
Simples advertência.
§ 24. Na impossibilidade do mencionar, um
a um, todos os casos, em que a interpretação se
faz necessaria, e as regras, de que se deverá usar
em cada um d'elles, tratarei do que é mais fre-
qnente, soccorrendo-meádistincções, queascien-
ein aconselha, e a matéria comporta. •
30 HERMENEUTICA JURIMDA
Casos em geral, em que a interpretação sefaz
necessária.
§ 25. A necessidade de interpretar uma lei
pôde nascer L° de defeitos em sua redacção,
resultando d'ahi obscuridade e equivoco em seu
sentido : 2.° da concisão habitual e inevitável,
com que são escriptas todas as leis, nascendo d'a-
hi duvidas não em seu sentido directo, mas em
sua conformidade ou não conformidade com os
diversos casos occorrentes, cumprindo, então, sal
var incoherencias e contradições virtuaes de seu
espirito com suas palavras: 3.° de seu silen
cio. (1)
(1) Assim pôde dizer-se, que cabe interpretação,
sempre que ha na lei ou alguma obscuridade a vencer, ou
alguma incoherencia e contradicção a evitar, ou alguma
lacuna a preencher.
Defeitos de redacção.
§ 26. Os defeitos de redacção podem ser
muitos, e mui diversos, e consistem principal
mente, 1." em erros de orthographia, em inter
polações ou má collocação de palavras, antepos
tas ou propostas de maneira, que fiquem em
duvida suas referencias, e concordancias gram-
maticaes, etc. 2.° em expressões indetermina
das (1) : 3.° e improrias. (2) Todos estes de
feitos rectificão-se, menos o de expressões in
determinadas, para o qual o único remédio pos
sivel é o da determinação !
(1) Este defeito pôde apparocer por diversos modos.
HERMENÊUTICA JURIDICA 31
e o mais frequente é, quando uma palavra, que em seu
sentido comprehende muitas individualidades da mes
ma, ou de differentes especies, é empregada por modo
vago e abstracto, ficando assim incerto qual, ou quaes as
individualidades realmente comprehendidas no sentido
concreto d'ella. Temos um exemplo disto no art. 89 do
Decreto de 25 de Novembro de 1850, que, no determi-
o processo commercial da excepção de suspeição, empre
ga as palavras " ouvidas as partee ; porquanto a pala
vra partes, que em seu sentidojuridicp significa as pessoas,
da ali por modo vago e indeterminado faz nascer a
duvida, e a incerteza, se designa as partes primitivas na
questão principal, o autor e o rêo, ou o suspeitador e o
jujz suspeito visto ser entre estes, como partes, que corre
a questão incidente da suspeição, sendo então de grande
força, como razão de decidir, a justa consideração de se
rem estes os que podem, e devem esclarecer o juiz que
tem de julgar essa questão incidente.
(2) De expressões improprias nasce um sentido di
recto ; mas que não 6 o verdadeiro pensamento da lei.
Um artigo de lei umnicipal dispunha. Nenhum habi
tante poderá neste municipio ter aniniaes soltos nas vil-
las e povoados Assim, das palavras "nenhum habitante"
vinha o sentido directo de que somente os munícipes, e
não a aquelles, que se achassem no municipio, por motivo
de doença, negocio, ou outro qualquer, é, que estavão
sujeitos a prohibição desta postura ; mas este não era,
por certo o pensamento d'ella, cujos motivos de interesse
particular, e publico exigião a rectificação do texto, como
se houvera sido, assim redigido " ninguem pode ter ani-
maes soltos etc. ou então " não é permitido á alguém ter
animaes soltos, eec. "
Meios de interpretação : 1.° exame na construcção
textual.
§ 27. Diversos, pois, deverão ser os meios
de interpretar uma lei obscura, ou ambígua. O
primeiro, que logo e naturalmente occorre, é
entre emprega
32 HERMENÊUTICA J UK1DICAo de exame na construcção do seu texto segundo
as regras de orthographia, da syntaxe, e do mais,
que respeita a pureza da lingoagèm, para ver
se existe nesta parte alguma falta, que motive a
obscuridade, e rectifical-a no caso de existir,
quer houvesse nascido da redacção, quer de er
ros dos copistas e typographos, ' devendo-se en-
nunciar as causas da obscuridade, e ps motivos,
que justifiquem a rectificação operada (1)
(1) Querem alguns, que este exame pertença a cri
tica ; mas, o certo é, que a critica precede a interpretação,
e é inseparavel (Tella.
2.° exame dos diversos sentidos das palavras.
§ 28. Deve-se tambem recorrer aos diversos
sentidos das palavras, o grammatical, jurídico,
usual, absoluto ou relativo, exemplificativo ou ta
xativo, simplesmente enunciativo ou disposivo,
etc, conforme o caso exigir, e sempre com o
cuidado de dar as palavras a significação, que
tinhão ao tempo, em que a lei foi feita. Conse-
guindo-se, assim, ligar ao texto seu verdadeiro
sentido, já não é licito aventurar-se á outros
meios, (1) salvo se servirem de corroborar este
mesmo sentido, redobrando sua força e authori-
dade (2).
(1) Lei de (5 Janeiro de 1755 e 18 de Agosto de 1769.
(2) Neste caso é costume dizer-se, que o sentido
dado a lei funda-se tanto na letra, como no espirito
d'ella (interpretação grammatical e logica) Exemplo :
O artigo JJ40 do codigo de processo criminal, dispõem
" todo XS cidadão, que entender, que elle ou outrem etc.
UEliMENEUTICA JURIDICA 33
Esta disposição será especial aos cidadãos brazileiros, ou
comprehenderá tambem os estrangeiros ? O elemanto
grammmatical diz, que a palavra "todo" é um adjectivo
collectivo universal ; e logo pois que ao substantivo col-
lectivo "cidadão" não está atado algum attributo limi
tativo, é visto, que foi aquelle adjectivo empregado em
toda a força de seu sentido, comprehendendo todos os
cidadãos de qualquer nação que sejão. E o elemento
logico e o scientifico corroborão este mesmo sentido ;
porque o Diíeito Natural e o Publico, scieucias em im-
mediata relação com o citado artigo de lei, dizem que o
Habeas Corpos é uma garantia da liberdade individual,
o que nas garantias da liberdade, propriedade, honra, e
vida, attributos da personalidade, não ha distinção entre
nacionaes. e estrangeiros. Contra a Decis. de 11 de
Out. e 5 dt Nov. de 1833 e contra o accordão da rela
ção da corte de 23 de Fev. de 1849, que negarão ao es
trangeiro o direito de requerer em seu proprio nome
"Habeas Corpus", precisando por conseguiute de algum
brasileiro caridoso, que quizesse lhe fazer esta esmola,
a interpretação expendida nesta nota e já expendida nas
duas edições anteriores deste livro foi ao depois abra
çada pelos tribunaes, ficou prevalendo, e já hoje é dis
posição escripta no § 8 do art. 18 da novíssima Lei de
reformas. Continuo ainda a apresental-a como optimo
exemplo de doutrina do § acima.
3." comparação da parte obscura com outras par
tes da mesma lei.
§ 29. Convém, em muitos casos, estudar a
lei em todas as suas partes, ou no complexo de
suas prescripções individuaes, comparando a par
te obscura com outras, cujas expressões empre
gadas em sentido determinado, ou cujo pensa
mento mais claro e desenvolvido possa fazer ces
sar toda a ambiguidade ou equivoco ; pois que
o mesmo espirito deveria ter presidido a redac
ção dc toda a lei (1).
5
34 HERMENEUTICA JURIDICA
(1) Ineivile est nisi tota lege perspeeta, una aliqua
paHicitla ejus proposta judicare vel respondere (L. Inei
vile 24 de legib 1. 1 t. 4). O Alvará de 18 de Fevereiro
de 1766 diz, que a conformidade dos §§ antecedentes
com os subsequentes da lei nos pontos essenciaes cons
tituo o seu espirito. Eu explicando, digo, que basta al
gumas vezes comparar umas palavras çom outras, per
tencentes todas ellas a mesma disposição. Exemplo :
8e uma loi condemna aquelle, que perturba a posse de
outrem, a pagar certa somma, e a restituir a posse, o
sentido da palavra posterior "restituir1'' mostra, que a
precedente "perturba" deve ser rectificada no sentido de
comprehender tanto o caso de força turbativa, como de
força espoliativa, cabendo a pena pecuniaria era ambos
estes casos, e a da restituição da posse no segundo caso
somente.
4.° Comparação da parte obscura da lei com ou
tras leis.
§ 30. 0 interprete tem ainda á sua disposi
ção, se o caso o exigir, comparar a parte obcu-
ra da lei com outras leis anteriores e análogas
pela justa razão de que o legislador deveria tel
as em consideração na occasião de fazer a lei,
para evitar incoherencias e contradicções, que
desdissessem de seu caracter (1), e tambem com
outras leis posteriores, que lhe não forem con
trarias. (2)
(1) AW est novum? ut priores leges aã posteriores
trahantur (L. 20, e 27 de leqib 1. 1. 3). Esta regra en
tra como fundamental, e como exemplo de excellente uso
que d'ella fez o legislador antigo nas leis de 4 de Julho
de 1768, 14 de Dezembro de 1774.
(2) Sed et posteriores leges adpriores pertinent, nisi
contraries sint (L 28 de leglb). Sendo evidentemente
contrarias, entende-se, então, como derogatorias das an
teriores, (argum da iei de 3 do Agosto de 1770, de 15
de Dezembro dc 1 774.
HERMENÊUTICA .IUKIDICA 35
5.° : Motivos da lei.
§ 31. Os motivos da lei (ratio legis), mos
trando o pensamento do legislador, pódem ser
vir de base á conjecturas mui justas, e á argu
mentos mui luminosos para com alto grão de cer
teza indicarem um sentido, que desfaça toda a
ambiguidade e equivoco, resultante de defeito na
redacção. E' mister, porém, ter em conside
ração a differença entre os motivos, remotos e Biib-
iectivos, que podião ter dado occasião a lei, e oh
próximos e objectivos, que lhe servem de funda
mento. Por quanto, os primeiros são extrinsecos,
e, supposto tivessem dado occasião a lei, bem
podia o legislador ter tomado differentes medi
das, que devâo ser explicadas por diversas ra
zões especiaes á cada uma d'ellas ; ao passo que os
segundos são intrínsecos, e, como diz Savigny,
estão com a lei na mesma relação logica, em que
estão os princípios com suas naturaes conse
quencias (1).
(1) Exemplo : A. L. 1 de postulando prohibio as
mulheres de procurarem negocios alheios. A origem, ou
motivo remoto desta lei foi a animosidade de certa mu
lher, que se entregara aos negocios forenses ; mas o
proximo e geral, deduzido dos bons costumes e decencia
publica, vem no começo da mesma lei : " Nis contra pu-
dicitiam sexui congruentem alienis causis se immisceant,
ne virilibus officiis fungantur mulieres.
Motivos e fim da lei.
§ 32. O fim da lei è sempre analogo aos
seus motivos fundamentaes; dê sorte que, conhe
cidos estes motivos, conhecidos estão os effei
36 HERMENÊUTICA JURIDICA
tos, que ella tem de produzir, e para cujo fim
fora feita (1). Assim, pois, o fim da lei (intentin
legis) se resolve á final em um motivo especial,
ou de futuro em natural e perfeita alliança com
seu motivo geral, preexistente e fundamental ;
pelo que, quando se recorre aos motivos da lei,
cumpre estudar toda ella na intima relação de
seu motivo com o seu fim como devendo ahi
existir o desenvolvimento systematico do pen
samento do legislador segundo suas previsões (2).
(1) Sendo a lei, segundo a elegante phrase de Leão
(Novell, 19) o olho da sociedade, destinado a vettar na
conservação commum, e bem estar de todos, é visto, que,
quando ella recebe algum pi-incipio de justiça, moralida
de, ordem, ou conveniencia publica, o desenvolve, e con
verte era preceito positivo, é para que este principio pro
duza effeitos tão justos, beneficos, e salutares, como elle
o é em si mesmo.
(2) Diz Savigni, que, sem quebra ou offensa da in
tima ligação do motivo geral e fundamental com o mo
tivo de futuro, este ultimo occupa o primeiro lugar- ou
antes é o ponto de vista predominante no direito singu
lar. O certo é, porém, que isto se verifica igualmente
em algumas outras leis, como sejão por exemplo as pro-
hitibivas em geral, em cujadisposição expressa se entende
como tacitamente comprehendido tudo aquillo, sem o
que a■ lei não attingiria seu fim. " Oum idprohibelur,
prohibentur omnia qitce sequuntur ex illo (Delisle). Tu
do isto já respeita á interpretação extensiva por força de
comprehensão, de que tratar-se-ha em lugar proprio.
6.° epigraphe, preambulos, trabalhos prepar-
tórios, etc.
§ 33. A epigraphe da lei, seu preambulo,
os trabalhos preparatórios para a sua confeição.
HERMENEUTICA JURIDICA :J7
como sejão as emendas seguidas de seus moti
vos na discussão, regeitadas, ou que, haven
do sido approvadas, modificarão o projecto pri
mitivo, e bem assim o exame do estado das cou
sas, existente antes ou ao tempo de fazer-se a lei,
servem d'esclarecer disposições obscuras e duvi
dosas, e supposto estes meios não sejão infalliveis;
todavia, em suas afinidades, mais ou meuos in
timas com o conteúdo da lei, podem, em alguns
casos, guiar o interprete, vacillante sobre diver
sos sentidos, na adopção d'aquelle, que designe
.ao certo, ou mais provavelmente, a intenção da
redacção (1)
(1) Semper vestigiavoluntatis sequimur (L. Quidam
5 Cod de necess. serv. fmred instií). Neste methodo de
interpretação entra o elemento historico, que, como já
disse, (nota 1.° § 8) faz parte do scientijico. Entre os
arestos do Trib. de Cass. de França existem muitos de
alto merecimento, fundados sobre os trabalhos preparató
rios do Cod. Civ.
7." regras auxiliares.
§ 34. Para o caso, em que a lei for suscep-
tivel de diversos sentidos, e duvidar-se qual del-
les seja o verdadeiro, sem haver uma razão, supe
rior, que decida, restará por ultimo recorrer á
certas regras auxiliares, para, segundo a aprecia
ção do resultado de cada uma das differentes in
terpretações, adoptar-se, d'entre os sentidos possi-
veit, 1." o que for mais conforme á lettra da lei
(i] : 2." á natureza e importância do necogio,
de que se tratar (2) : 3.° no direito commum o
mais conforme á equidade: (3)4.° nas leis cri
HERMENÊUTICA JURIDICA
minaes o mais humano : (4) e, para dizer tudo
de uma só vez, o que possa trazer menor mal (5).
(1) In dubio, si deratione nonplane certi simus, me-
Ihts est verbis legis servire (L. Utilit. 1 § 20 <?exert. ao
tion). In re, igitur, dubia, melius est verbis e dicti servi
re (L Labeo 7 § fln. de sup legai).
(2) Quoties idem sermo duas sententias exprim.it, ea
potissimo excipiatur, qwxe rei gerendm aptior est (L. 67
de regid. Juris.)
(3) Im omnibus quidera, tnaxime in jure, osquitas
epectanda est (L. In. omnib ffi de regul. jur.) JEligendum
est quod minimum habeat iniquitatis (L. Quoties D. de
dói. mal. et met except.)
(4) Interpretatio leguni painm moUiendai sunt potius,
quam asperandm (L. 42 ff. de psen.) Inpmnàlibis causis
benignius interpretandum est (L. 155 § 2 fl. de regul.
jur.)
(5) In re dubia benigniorem interpretai'tonem sequi
non minus justum est, quam tutius (L. 192 § 1. ff de
regul. jur.) A este respeito o Alv. de 15 de Junho de
1775 explica-se optimamente dizendo, que não é da
tenção do legislador, que a lei se entenda de modo mui
oneroso as partes : Em verdade, devendo sempre attri-
buir-se ao legislador um caracter justo e humano, d.'aqui
presume-se, que o resultado, á que por meio destas re
dor quiz, que fosse ; além de que, na falta de plena certeza
das cousas, resta a prudencia, que nos aconselha o lado,
que menos nos possa comprometter. Estas regras são,
por tanto, conjuntamente regras de probabilidade, e ver
dadeiros dictames de prudencia e sãa consciencia,
pelas quaes se attinge uma exactidão escrupulo
as. A regra " Semper in obscuris quod minimum est,
sequilur (L. Semper D. de reg. per.) parece referlr-se aos
casos de amphibologia nos testamentos, e escripturas de
contractos, e grandes são, por certo, as diffieuldades,
HERMENEUTICA JURIDICA
que apparecem em sua applicação. Exemplo : suppõem-
se na L. Si ita 43 § 1. D de legat 1. 31, t. 1, que certo tes
tador fe^ um legado equivalente ao valor da parte affe-
rente, na successSo, á um de seus herdeiros, sem deter-
n^inar o valor deste legado (palavras indeterminadas) ;
e' suppõem-se mais, que as partes dos coherdeiros são de-
siguaes, e decide a mesma Lei, que o legado é o equiva
lente ao valor da menor parte. Na mesma L. Si ita 14
pr. § 1. 1. 30, t. 1, figura-se, que um testador, depois de
haver feito dous legados de sonimas differentes á um uni
co legatário, declarou em testamento posterior, que revo
gava um dos dous legados sem determinar qual era,
(ainda expressões indeterminadas), e decide esta Lei, que
o legado revogado é o mais consideravel, para o fim de
ficar existindo o menor,' etc.
Lei duvidosa pela concisão de sua redacção : 1."
interpretação fundada em seus motivos.
§ 35 Da concisão, com que são escriptas
todas as leis, nascem muitas duvidas em sua ap
plicação, e conforme for a duvida, diversas serão
as razões de decidir, e os methodos de interpre
tação. O mais frequente é o que se funda nos
motivos** razão da lei (yatione legis) indispensável
para saber-se o verdadeiro espirito, que a anima
(mens legis). Por meio d'elle applicamos a lei
aos casos, em que se dá indentidade de razão ou
mais forte razão {ampliação) (1), e absten?o-nos
de applical-a aos casos, em que cessa a razão
d'ella (2), ou se dá razão contraria, restric-
ção (3).
(1) Assento de 18 dc Agosto de 1774. Exemplo:
Se vima lei prohibir a exportação de pão para eyitar a
falta deste genero no lngar, nesta prohibição está com-
prehendida a da exportação do trigo como uma dispQsi-
ção implicita com a mesma força, que a explicita. E1
40 HERM EX EUTIC A JURIDICA
assim quo nestes, o em outros casos iguaes, sendo o senti
do directo da lei claro, seus motivos servem de assigna-
lar os limites ou a extençãp do pensamento d'ella, de
modo a evitar incoherencias e contradicções virtuaes em
seu espirito com suas palavras ; entretanto que nos casos
de ambiguidade servem para determinar o sentido direetSJ^
que palavras indeterminadas ou improprias, uma redacção
defeituosa em fim, occultava, ou apenas simulava appa-
rencia. (§ 26).
(2) Cessante ratione legis, cessatlex ipstt. Exemplo :
A Oíd. liv. 4, tit. 95 § 4. ordena, que se não faça execu
ção nos bens de um cônjuge por dividas, que o outro
houvesse contrahido antes do cazamento. A regra supe
rior de direito, ou motivo geral e fundamental desta ler
é a equidade, que não permitte, que aquelle, que não deve,
seja privado do dominio e fruição de seus bens por divi
das, de que não tivera proveito. Logo, esta' disposição
deixa de ter applicação ao caso, ein que se provar, que o
esposo devedor contrahira a divida, compi-ando para a
esposa vestidos e joias, de que ella se utihsou.
(3) Exemplo : Um processo, em qne um menor foi
parte sem assistencia de seu tutor ou curador, e ganhou
a causa, é valido não obstante os termos geraes, com que
se exprime a Ord. liv. 3, tit. 41 § 8 ; por que o que a lei
dispõem em beneficio de certas pessoas, não pó^Je servir-
lhes de prejuízo : Quod fuvore quorundam constitutum
est, quibusdam cwsibus ad Icesionem earum nolumus in
ventam videri (L." 5 C. de legib). Assim, para evitar a con
tradição do pensamento da lei com as suas palavras, cor-
rige-se a expressão geral por uma interpretação restri-
ctiva. ■
Tramgressoes e abusos a evitar.
§ 36. Era nenhum caso, porém, é permit-
tido negar execução ou alterar o sentido de uma
lei clara por ser a sua lettra rigorosa, dura e
desarrezoada. e não se lhe poder attribuir um
HERMENEUTICA JURIDICA 41
motivo justo e razoavel (1) ; por quanto a igno
rancia dos verdadeiros motivos da lei não fal a
decahir de sua força e autoridade, e por muito
que o o interprete presuma de si, deverá conven-
cer-se de que, neste caso, a falta é antes sua, do
que do legislador (2).
(1) O contrario seria uma desobediencia formal, que
não teria de interpretação, senão o nome : durum est,
sed ita lex scripta est (Ulpin. L. Prospexit. 12 § 1 D.)
(2) Non omniani,quce a a majoribus constituía sunt,
ratio recldi potest / et ideo rationes earum, quce consti-
tuuntur inquiri non oportet ; alioquin midta ex his, qum-
certa sunt, subvertuntux (L. Non omninm 20 D. de legibe
2° Fundada no conhecimento das leis em seu
§ 37. Nas diversas relações dos individuos
entre si (que são immensas), o que a lei dispõem
sobre uma d'ellas, instituindo o direito, e regu
lando cr seu exercicio, nâo é necessario, que o
repita, quando dispõem sobre outras, e não dis
põem cousas contrarias. D'ahi resulta, que mui
tas de suas disposições devem ser ampliadas, ou
restringidas por outras ; e é isto o que se cha
ma espirito da lei, resultante do ajuntamento de
todas as suas disposições, concernentes a mesma
materia (1).
(1) Exemplo : A Ord. liv. 4 til. 87 § 1. concede ao
pai o direito de fazer uma substituição á seu filho pu-
pillo. Se, porém, substituir um estranho e por morte do
pupillo existir a mãe deste, em tal caso, em vista da Ord.
1. 1, t. 3)
complexo.
declara a mãe herdeira necessaria ã>>
6
42 HERMENÊUTICA JURIDICA
filho fallescido sem descendentes, a substituição pupillar
caducará, e a mãe do pupillo fallecido será sua herdeira ;
porquanto, se o mesmo pupillo podesse testar, não pode
ria em face da citada Ord, desherdar a mãe, como, tes
tando outro por elle (o pai) poderá fazel-o ? A mesma
restricção terá lugar por argumento tirado da Ord. L. 4.
t. 96 princ. quando, fallecida que seja a mãe, sobreviver
ao pupillo avô, ou outros ascendentes.
3.° Diversidade de casos : necessidade de distin
ções : transgressões a evitar.
§ 38. Se os casos occorrentes são de natu
reza diversa, algumas vezes não basta ter conhe
cimento das razões da lei ; mas é mister distin
guir as diversas especies, e procurar as razões de
decidir nos princípios scientificos, que regem as
diversas instituições de direito, á que cada uma
das especies pertence, principios estes que o le
gislador julgou como sabidos, evitando assim fa
zer uma lei casuistica, e por isto mesmo defei
tuosa (1). Fica subentendido, que, quando a
disposição da lei é clara e illimitada, se não de
ve fazer distincçôes arbitrarias, que enervem o
seu sentido, e destruão a sua generalidade (2).
(1) Exemplo. O artigo 16 § 3 do Codigo criminal
qualifica de circumstancia aggravante a reincidencia,
Pergunta-se : Estará comprehendido neste artigo o caso,
em que o primeiro crime fora amnistiado, e o caso, em
que, condemnado o réo, a pena lhe fôra perdoada ? A ra
zão da disposição do citado artigo é clara, e consiste re
sumidamente em que a reincidencia revela uma perver
sidade mais endurecida, que por isso mesmo provoca uma
expiação mais forte e energica. Mas não é d'ahi, que
nasce a luz precisa para a solução das duas questões.
Considerando, porém, L* que a amnistia (em grego am-
nestia. no latim oblitio) é o esquecimento do crimes : 2.
HERMENEUTICA JURIDICA 43
que, determinada por motivos, que se erguem em sobe
ranos, e só pelo Soberano podem ser conhecidos e apre
ciados, ella se colloca acima das leis da justiça,
desarma esta de todos os meios de acção concernen
tes ao conhecimento do crime: 3.° conseguintemente,
que o Decreto, que a concede, seria violado por aquel-
les, que o devem obedecer (juizes e tribunaes), logo que
o crime amnistiado entrasse por qualquer modo em uma
instancia judiciaria para ser devassado, discutido e pro
vado a fim de servir de causa á um accrescimo de pena
lidade, de tuo isto concluimos, decidindo a primeira
questão pela negativa. Mas, considerando que o per
dão não destroe a verdade da cousa julgada, pela qual o
réo fóra convencido do crime anteriormente commettido,
d'ahi concluimos, decidindo a segunda questão pela affir-
niativa.
(2) Tal ê o sentido da famosa regra " JJM lex non
distinguit, nec interpres distinguere potest " tão frequen
temente citada, e nem sempre á proposito. Saber quan
do se não deve distinguir, e saber bem distinguir nos
casos, em que cabem distincções, é este um dos pontos,
em que se manifesta o grande merecimento do Juriscon
sulto. Além dos Alv. de 22 Dezembro de 1774 § 17, e
de 25 Janeiro de 1777 os Assentos de 5 de Dezembro
de 1770 e de 23 de Julho de 1811, merecem ser citados
como cxcellente modelo do bom uso desta regra.
4.° Argumento á contrário censu:
§ 39. Pode-se tambem recorrer, se for ne
cessário e o caso o permittir, ao argumento a
contrario sensu, pelo qual de uma disposição cla
ra e precisa sobre uma especie conclue-se, que a
especie contraria está implicitamente excluida,
e se deve reger por principios tambem contrá
rios. (1)
(1) Tnchisio unim alterius est exclusio (Godefroy so
44 HERMENÊUTICA .JURIDICA
bre a L. Com prsetor, 12, pr. D. de jiidic) Exemplo : a
a Ord. 1. 4, 97, princ. manda, que o herdeiro traga a col-
lação os bens, que houve do pai ou mãe com as novida
des, que os ditos bens tivessem rendido depois da morte
d'aqnelle, de quem os houve. Logo, a contrario senmt,
não está obrigado a trazer a collação as novidades havi
das antes da morte.
õ.° Doutrina (fos correlativos.
§ 40. Pôde ainda ser preciso applicar a lei,
mediante certas regras de direito, á casos, que,
com quanto não estejâo na letra della, estão vir
tualmente comprehendidos no seu espirito, como
consequencias ou dependencias neceessarias ; e
taes são : que aquelle, á quem são concedldos
certos commodos, deve soffrer os encommodos,
que lhes estão annexos (1) : quem tem um di
reito a exercer, tem direito aos meios, sem os
quaes o direitoprincipal seria illusorio (2) : que
a lei, que rege o principal, é a mesma, que re
ge o accessorio (3) : que a espécie está compre-
hendida no género, a parte no todo, (4) etc. etc.
(1) Qui sentit onus, sentire debet commodum, et con
tra (Canon. Qui sentit 5& regul. jur.) Exemplo : se um
legado gravado de certos encargos se tornou caduco, e
o herdeiro, aproveitando-se desta caducidade, se apro
priou da cousa legada, está obrigado a satisfazer os en
cargos : Non enim ferendus est is, qui lucrum quiãem
amplectitur, onus autem ei annexum contemnit : assim
decidio a L. Et. Nomen 1.» § 4, de caducis tollendis, L
6, t. 51.
(2) Qui viãt consequens, vult etiam et disponit
omne antecedens necessarium ad illud (Dmnonlin).
(3) Accessorinm sequitur principale (Gloss. a L.
HERMENEUTICA JURIDICA 45
llujusmodi 84 § 10 D. de legat) Quce accessionum lo-
cum obtinent, extinguntur, cum principales res peremptce
fuerint (L. Nam 2 D. de peciãio legat. 1. 33, t. 8).
(4) Intotopurs continetur (L. 113 D. regid. jur).
Todas estas regras constituem o que os jurisconsultos
romanos umas vezes chamavão ratio disputanti (L. Item
vulneratns 51, § 2, D. ad leg. Aquil. 1. 9, t. 2] ; e outras
vezes " auctoritas júris scientice (L. si servum 91, § 3
D. de verb. obhgat). Ha quem diga, que estas conse
quencias, que nascem ou immediatamente da lei ou por
meio de argumentos são distinctas do acto da interpre
tação. Mas, se todas ellas concernem a boa intelligen-
cia, e applicação das leis, porque havemos de excluil-as
da hermeneutica jurídica, que não é, senão a logica le
gal ejudicial? Estas regras, que simplesmente, ditas,
parecem mui faceis, e infalliveis, casos ha complicados, em
que indicão apenas um sentido provavel ; e outros ha,
em que da perspicacia do interprete é, que lhes poderá vir
o merito de uma conveniente e esclarecida applicação.
Silencio da lei: 1." analogia.
§ 41. Pela interpretação analógica appli-
ca-se a lei á casos novos, e não previstos por"
ella, nos quaes se dão os mesmos motivos funda-
mentaes e geraes, que no caso previsto (1). A
extensão da lei neste caso funda-se, não tanto na
vontade do legislador deduzida de suas pala
vras (mente legis), como na harmonia organica do
direito positivo como scientifico : é um dos meios
de supprir as lacunas da lei escripta a respeito de
certos factos sujeitos ao domínio do direito em
sua universalidade. (2)
(1) Ubi eadem causa, ibi idem jus statuendam{L. 32
ad leg. Aquil.) Ea, qua)in radice et causa conveniunt,
conveniimt in effectu (Siehurd. consil. 22,. 1. 2, c. 10.) Al
46 HERMENEUTICA JURIDICA
guns escriptores distinguem a analogia proveniente da
identidade de motivos d'aqnella,que resulta da semelhança
substancial entre os dous casos comparados, e á esta ul
tima applicão especialmente a regra "cequitas inparibus
causispariajura desiderat. Mas cencebe-se facilmente,
que sem identidade de motivos, nenhuma importancia po
derá ter qualquer semelhança de casos ; e por conseguin
te, que esta ultima regra não exprime um pensamento es
pecial, e essencialmente distincto das precedentes. Exem
plo ; parece haver semelhança nos contractos sob condi
ção impossivel com a instituição de herdeiro sob nma
igual condição ; e, no entanto, as regras superiores do
direito scientifico em cada um destes dous casos são dif-
ferentes, e differentes as disposições do direito positivo.
Assim, os contractos sob condição impossivel são nullos ;
porque o direito natural considera não ter havido nas
partes vontade seria de contractar ; a instituição de her
deiro sob igual condição 6 valida ; porque o direito natu
ral considera ter havido engano no testador, quando es-
beleceo uma tal condição.
(2) Confunde-se muitas vezes a interpretaçãoporfor
ça de comp>rehensão com a analogica. Ambas são extensi
vas ; e todavia, uma differe da outra á certos respeitos.
Assim, na primeira a consequeneia, que o elemento logico
tira das premissas scientificas designa justamente aquillo
mesmo, que o legislador quiz determinar, e de feito deter
minara, e, se por ventura, as palavras disserão menos, os
motivos dizem tudo : na segunda, porém, a consequencia
tirada não designa o que o legislador quiz determinar ;
mas o que, ao certo, determinaria, se providenciasse sobre
o caso, que escapai-a ás sus previsões. A primeira é a tra-
ducção fiél de uma vontade manifestada por palavras, que
forão regular e scientemente entendidas pelo interprete :
a segunda 6 a traducção de uma vontade, que se prezume
com alto gráo de certeza. A primeira, finalmente, pode
fundar-se em diversas ordens de motivos, e razões, bem
como de ordem, moralidade, e conveniencia publica ; a
segunda porém, só pode fundar-se nos principios d''equida
de ; e é esta razão, porque a primeira pôde caber no direi
to singular, ao passo que a segunda cabe somente no di
reito commum, como logo veremos.
HERMENEUTICA JURIDICA 47
2." Paf-allelismo.
§ 42. Por meio doparallelismo pode-se não
só vencer, em certos casos, a obscuridade nas
leis, como, em outros, supprir suas lacunas se-,
gundo os termos e pensamentos de outra lei mais
precisa e completa, qualquer que seja o lugar, em
que se ache e a materia, sobre que verse, ainda
qne seja lei estrangeira (1). Exige toda a cir
cunspecção e criterio no apreciar a relação inti
ma e scientifica, que existe entre as duas leis com
paradas, e prende uma á outra por iguaes moti
vos de justiça, equidade, e bem publico (2).
(1) Exemplo : Segundo as nossas leis civis os filhos e
filhas familias se não podem casar s«m consentimento de
seus pais, tutores ou curadores sob pena de ficarem des-
naturalisadas de suas familias, inhabeis para dellas her
darem e pedirem alimentos (Ord. 1. 4, t. 88, §§ 1, 2, e 3,
alterada pela L. de 19 de Jun. de 1775 § 5.), havendo an
tigamente recurso da injusta denegação do consentimen
to para o Desembargo do Paço e Corregedores ou Ouvi
dores de Commarcas (Lei de 29 de Nov. de 1775, e de 6
de Outub. de 1784), attribuição esta hoje em dia perten
cente aos Juizes de Orphãos (Lei de 22 de Stemb. de
1828, art. 2, § 4). Mas, todas essas leis são mudas a respei
to das causas, que podem tornar justa ou injusta a dene
gação do consentimento, resultando d'ahi um vasio na
legislação patria, que segundo as relações intimas do di
reito se preenche com o Cod. da Pruss. p. 2. t. 1, art. 59
e seguintes, que considera causas legitimas todas, que
fazem receiar razoavelmente um matrimonio infeliz, bem
como se os esposos não teem modo, nem meios de se ali
mentarem, se algum delles é dado á vicios torpes, etc.
(2) Neste methodo de interpretação cresce a difficul-
dade, e faltão regras positivas ; de sorte que é com os re
cursos de um espirito penetrante e destro em exames apro
48 HERMENEUTICA JURIDICA
fundados, que o interprete poderá alcançar a verdade ; e
tal é a razão, por que alguns jurisconsultos bisonhos, que
fazem da posse material dos textos seu grande thesouro,
tanto o desdenhão ; outros, porém, o applicão mal, plan
tando a desordem no dominio das leis, e dajurisprudencia.
A interpretação fundada em disposições parallellas tem
duplo fim : supprir as lacunas de uma lei com outra lei, e
mpprirl-as, evitando a incoherencia no systema geral do
direito. D'ahi segue-se, que, se as duas leis comparadas
versão sobre materias especiaes e distinctas, como por
exemplo, se uma é criminal ou commercial, e a outra é
civil, deve-se penetrar habilmente o espirito de cada uma
d'ellas, e ver se os seus motivos e razões são especiaes á
cada uma d'ellas, ou geraes e communs á ambas. No pri
meiro caso as duas leis não serão parallelas ; mas desse
melhantes ; e por conseguinte, não poderão ser supple-
mentares uma da outra ; no segundo, porém, o que accres-
cer á uma d'ellas e fundar-se em motivos communs, servi
rá de supplemento á outra. Exemplo : A Ord. 1. 3, t. 86
§ 13 autorisa a prisão do executado, que vendera com
fraude os bens penhorados até que entregue estes bens,
ou o seu equivalente. O Decreto de 25 de Nov. de 1850
no § 525, lei commercial, repete estas mesmas palavras
da cit. Ord. e accrescenta : "ou ate um anno, se antes não
os entregar''' Ora, os motivos destas duas leis são sem duvi-
os mesmos : " reprimir a frande ". e os motives da nova
providencia da lei commercial: " ou até um anno ", não
são por certo especiaes ao commercio ; pelo contrario, se
a fraude é prejudicial nos negocios civis, e como tal deve
ser alli reprimida, nos negocios commerciaes pode ser ain
da mais desastrosa, e ahi deverá achar repressão mais ef-
ficaz ; mas são motivos geraes, motivas iVequidúde, que
tendem a evitar a perpetuidade na desgraça, e que cabem
igualmente na cit. Ord. embora lei civil, na qual o legis
lador, preoceupado somente com o coagir o vendedor
fraudulento a abrir mão dos fructos da fraude, não ante-
vira o caso, em que este poderia ter consummido ou ex
traviado o producto da venda d'esses bens, e achar-se tão
desamparado, que não pudesse remir sua liberdade nem
com o custo de seu sangue. E, entrando-se em novas
considerações sobre a redacção do cit . Decreto, vè-se ain
da, que, podendo o legislador limitar-se nesta lei commer
HERMENEUTICA JURIDICA 49
ciai á marcar um tempo de detenção pessoal, que julgas
se bastante para coagir o executado a entregar os bens
vendidos com fraude, ou seu equivalente, fez mais, do que
isto ; repetira primeiramente a disposição da lei civil para
addicionar-lhe uma nova providencia, que a modificava
por motivos geraes, mostrando assim, que aquella dispo
sição civil estivera presente ao seu espiriso na redação
do cit . Decr ; que reconhecera a ligação entre as duas
leis, a necessidade de tornal-as coherentes, como se am
bas fossem uma só, e a mesma lei.
3.° Usos e costumes.
§ 43. No silencio das leis, quanto á casos
especiaes, qne não podem ser previstos pelo le
gislador, e mesmo quando podessem ser, e real
mente fossem previstos, talvez não conviesse
crear, para elles, uma disposição igualmente es
pecial, fallão os usos e costume (1). A missão
do interprete limita-se, então, a certificar-se da
Existencia do uso, isto, é, se realmente existe
uma serie de actos individuaes constantes, unifor
mes, e publicos, como manifestações da convic
ção commum de alguma idéa de direito, mora
lidade, ou licita e geral conveniencia, da qual o
uso seja a ultima e viva expressão (2)
(1) De quibus camis scriptis legibus non utimur, iã
custodire oportet, quod moribuset consnetudwie inductum
est (L. 32 ff. de legib.) Exemplo: Independentemente das
leis geraes dos contractos, nos arrendamentos dos enge
nhos, quer por convenção de partes, quer feitos em praça
publica, é costume começar-se a contar o tempo, não da
data da escriptura da convenção, ou do acto d'arremata-
ção das rendas ; mas do mez de Maio seguinte por ser
este o tempo proprio para o rendeiro preparar as, terras,
plantar, e crear a safra, que deverá colher no fim do
anno seguinte até o principio do anno immediato ao se
7
50 HERMENÊUTICA JURIDICA
guinte e é tambem costume licar o rendeiro na propriedade
mais um anno além do tempo convencionado ou designa
do para colher a safra do anno antecedente, e ultimo de
seu arrendamento. Por este modo o proprietario nada
perde : pois que a renda desse anno, que accresce ao ar
rendamento findo, lhe é paga pelo novo rendeiro, que
desde logo toma posse dos campos para plantar e crear
sua primeira safra ; ao passo que o antigo rendeiro fica
somente na posse das machinas e utencis para tirar a sa
fra do ultimo anno de seu arrendamento findo, a fim de não
passar pela injustiça de pagar renda de um anno, que
não lucrou, vendo-se, pelo contrario, obrigado ou a dei
xar suas lavouras de cannas nos campos, ou a vendel-as
ao novo rendeiro pelo preço, que este quizesse impor-lhe.
Este costume, de longa data, pela primeira vez provocou
um litigio na comarca de Nazareth entre Joaquim da
Silva Pessoa e o Dr. Manoel Barroso de Moraes, litigio
este que pela relação desta província foi decidido no
sentido de existir realmente este uso, e de ser con
forme com a boa razão nos termos da Lei de Agosto
de 1769.
(2) O uso é um facto, se bem que complexo, que de
ve ser provado por quem o allega. O juiz é obrigado a
saber a legislação e o direito scientifico ; quanto aos usos
e costumes, porém, póde ignoral-os sem dezar, e sem res
ponsabilidade. Mas, visto que nos usos ha duas classes
de pessoas " assim ponderajudiciosamente Savinif"
uma, que está iniciada n'elles, e outra, que não está ; e
visto que elles varião segundo a natureza das indusrrias
e das necessidades á satisfazer, é do circulo dos inicia
dos em cada um dos usos, que deverá sahir aprova des
tes por testemunhas, ou peritos. Se, porém, algum uso
houver sido discutido em uma instancia judiciaria segui
da de julgamento, que, depois de maduro exame, o tenha
reconhecido, e applicado á uma outra igual especie, esta
decisão será sem duvida um testemunho official e prompto
da existencia d'elle.
HERMENEUTICA JURIDICA 51
CAPITULO II
DA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA, RESTRICTIVA E DE
CLARATIVA
§ 44. Do que se tem expendido vê-se, que
toda a interpretação, relativamente á seus effei-
tos, é ou extensiva, qual a que autorisa a appli-
cação do texto á casos, que, não estando inclui
dos na significação de suas palavras, estão, toda
via, incluidos em seu espirito : ou restrictwa,
qual a que recusa a applicação do texto á casos,
que, parecendo estar incluídos na significação de
suas palavras, contrastão evidentemente o sea
espirito ; ou declarativa, qual a que indica sim
plesmente o sentido do texto, para ser applicado
ao mesmo caso, de que elle trata, e tal qual tem
sido determinado por suas palavras, quer estas
sejão tomadas em sua significação natural, quer
usual, quer jurídica, quer própria, e quer impro
pria, etc. (1).
(1) Assim, a extensiva como que faz crer, que exis
tem mais pensamentos, do que palavras : a restrictwa
menos pensamentos, do que palavras : a declarativa es
clarece simplesmente o texto enunciado por uma forma
obscura, ambigua ou equivoca ; mas todas ellas tem por
fim a applicação racional da lei.
Se a extensiva tem lugar nas leis deivc/atorias
de direito commum.
§ 45. As leis, chamadas anormaes, deroga-
torias do direito commum {jus singularé) não
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comportão extensão por analogia; porquanto,
visto como são leis excepcionaes fundadas em
motivos estranhos ás razoes do direito (ratio Jú
ris, oo tenor rationis) (1) tudo, quanto se não
contem em suas disposições formaes, pertence
ao direito commum, que é o que existe fora del-
para o geral (3). Admittem, pcrém, interpre
tação extensiva por força de comprehensão, e in-
ducção como meio necessario de assegurar a exe
cução d'ellas em sua respectiva esphera ; de mo
do que não sejâo illudidas ou fraudadas. (4)
(1) Jus singulare est quod contra tenorem rationis
propter aliquam utilitatem aucioritate constituentium in-
troductum est (L. Jus sing. 16 D. de legib). A palavra
"íenor", com que esta lei caracterisa o direito commum
designava entre os Romanos a idéa de regularidade
constância e perpetuidade de alguma cousa, e, applicada
ao direito, designava o direito constante e perpetuo sobre
a materia. Outras leis designavão a mesma ideia com as
palavras ratio juris, e, atinal, qualquer destas expressões
designava o direito commum-.
(2) Jus commune accipire debemus id, quod, post
istud, singulare adhuc manet.
(3) Quod contra rationem júris receptum est, non
est producentem ad consequentias ; In his, qume contra
rationem júris constituía sunt, non possumus sequi re
gulamjnris. (L. 15 ff. de legib).
(4) Non dubium est in legem committere eum. qui
verba legis amplexus, contra legis nititur vohtntatem (L.
5 C. de legib). Infraudem vero facit qui, salvis legis
verbis, sententiam ejus circunvenit (L. 20 ff. de legib).
las (2) ; e do particular concluir
HERMENÊUTICA JURIDICA 53
Nas leis criminaes e fiscaes.
§ 46. Fóra dos termos formaes da lei não
ha crimes, e, quando reste algum acto máo e re-
prehensivel, é melhor ficar impune, do que uzur-
parem os juizes criminaes a autoridade legislati
va, acto este mais monstruoso, perigoso, e cri
minoso, do que qualquer dos que se quizesse pu
nir por semelhante ' meio (1) Tambem se não
pôde concluir de um caso para outro por iden
tidade de motivos nas leis fiscaes, nas quaes,
como nas criminaes, domina o principio scienti-
fico " o que a lei não ordena ou não prohibe, se
não pôde exigir, nem prohibir.
(1) Os que pensão o contrario, apoião-se nas seguin
te regra antiga " Interpretado lata summi debet, cum
agitur de âelicto pnniendo, e tambêm na L. 108 ff de re-
gtd. jur. " Fere in omnibus pmnalibns judiciis et metate,
et imprudentim suecurritur ; " e ainda na L. 7 C. de
pcenis : Nbn quidem quoad impunitatem ; nam id vetai
lex " Quanto a regra citada é um erro imperdoavel que
rer applicar ao direito criminal de hoje, na posse de mui
tas perfeições e melhoramentos, regras de tempos, em
que dominarão erros, absurdos, e até crueldades, e, sem
irmos mui longe, bastará conpulsar as ordenações do L.
5. Quantb as leis citadas, a L. 7, C. depwnis, referindo-
se a L. 108 de regul. jur. não autorisa a interpretação
extensiva nas leis criminaes por identidade de motivos ;
mas condemna apenas um erro, qual o de restringir im
prudentemente a lei, enervando o sentido d'ella, dei-
xando-a ficar sem effeito, erro este nocivo na interpre
tação de quaesquer leis, e mais nocivo ainda na das leis
penaes, que devem ser fortes, e não deixar esperança de
impunidade, terrível causa de recrudecencia de crimes.
Depois disto, pelo modo, porque erão redigidas as leis
criminaes dos romanos, empregando longas locuções para
qualificar os crimes, e por isto mesmo deixando outro*
54 HERMENÊUTICA JURIDICA
crimes fóra do texto, davão ellas lugar a argumentos
de semelhanças, ou por identidade de motivos, e sirva
de exemplo a L. Pompeia de parric, que punindo com a
pena de morte o que assassinasse pae, mãe, sogro, e ou
tros parentes por ella referidos, um a um, e porque não
mencionasse o assassino da madrasta ou da esposada do
pae, decidio-se, que este caso estava comprehendido na
lei " Noversce et sponsce omissoe sunt sententía, tamen,
legis continetur (L. Sed sciendum 3 Leg. Pomp. de par
ric. 1. 48, t. 9). Mas, segundo a redacção dos codigos -
modernos, inclusivamente o nossso, é quasi impossível
apparecer

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