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HARVARD LAW LIBRARV 3 2044 059 025 700 ™~ ► y 1 . . . 1 PAULA BAPTISTA Compendio de hermenêutica juridica 3. ed. 1872 ARVARD HARVARD LAW SCHOOL LIBRARY COMPENDIO DE HERMENÊUTICA JURÍDICA I COMPENDIO litlMITICA JURÍDICA DAS ,. PABA USO '~ ÊSpE DIREITO DO IMPÉRIO PELO a|Lta LENTE DA FACULDADE DE DIREITO DA CIDADE 1)0 RECIFE OOM O TITULO DE CONSELHO, OOMMENDADOB DA ORDEM DA ROSA, E ADVOGADO NOS AUDITÓRIOS DA MESMA CIDADE DO RECIFE TERCEIRA EDICAO i Revista e considerarelmente augmentada PERNAMBUCO ■ A' VENDA NAB SEGUINTES CASAS LIVRARIA ACADÉMICA. LIVRARIA INDUSTRIAL de J. W. de Medeiros & C.a de Walfredo & Souza Livreiros — editores Rua do Barão da Victoria n. 1 2 Rua do Imperador n. 79 (Outr'ora rua Nova) 1872 TODOS OS EXEMPLARES ESTÃO P* M'M RUBRICADOS. ' ' PROLOGO Tirar a hermeneutica jurídica da confusão, em que tem estado com o falso titulo de systema, tal fora o meu desígnio, compondo este livro para compendio desta interessante materia nas faculdades de direito do Imperio. No isolamento de minhas lucubrações per corri diflerentes espaços, andei por diversos ca minhos, tropeçando sempre em mil dificuldades, até que, afinal, pude chegar ao fim de minha es pinhosa jornada. Vae, pois, este livro ser lido e criticado : critiquem-no sem comiseração ; pois que me julgo livre de orgulho e vaidade. Devo, porém, dizer, (e o digo consciosamente) que os poucos, que sabem o quanto custa estabelecer methodo e ordem na exposição das doutrinas, e conhecem os maravilhosos fructos, que d'ahi provém para o ensino, são os unicos, que podem ser meus juizes. HEKMENEUTICA JUKIDICA P1HTE GBBÃL TITULO ÚNICO DA HERMENEUTICA JURIDICA E DA INTERPRETAÇÃO O que é hermeneutica jurídica. * § 1. Hermeneutica juridica é o systema de regras para interpretação das leis. Sua importancia e autoridade. § 2. A sua importancia e autoridade é immensa, e deriva do interesse publico, que exi ge, que as leis tenhão applicaçâo fiel ao pen- \ samento do legislador. (1) (1) Bona est lex, si quis ea legitime iitatur (Panl. a Thimoth. 1." cap. 1." v. 8.°) Esta maxima é suscep tivel de grande desenvolvimento, e maior, talvez, do que se pense. CAPITULO I DA INTERPRETAÇÃO O que é interpretação : quando não tem lugar. § 3. Interpretação é a exposição do verda k 8 HERMENEUTICA JURIDICA ãeiro sentido de uma lei obscura por defeitos de sua redacção, ou duvidosa com relação aosfactos occorrentes ou silenciosa. Por conseguinte, não tem lugar sempre que a lei, em relação aos factos sujeitos ao seu dominio, he clara, e precisa. (1). (1) Interpretatio cessat in claris (Cephal concil 132 n. 2.) Quando verba suni clara, non admittitur mentis interpretai^) (L. Continuus 137 § cum ita 2." ff. .verb. oblig.) Savigny (tratado de Dir. Rom. tom. l.°) censura os que limitão a interpretação aos casos accidentaes de obscuridade nas leis : diz, que ella acompanha a applica- ção de todas as leis á vida real, (seus discipulos accres- centão " ainda as mais claras) e a define reconstrucção do pensamento contido na lei. " Uma semelhante dou trina, tam vaga e absoluta, pode fascinar o interprete, de modo a fuzel-o sahir dos limites da intepretação para entrar no dominio da formação do Direito. Ou existem motivos para duvidar do sentido de uma lei, ou não exis tem. No primeiro caso, cabe interpretação, pela qual lixamos o verdadeiro sentido da lei, e a extenção do seu pensamento : no segundo, cabe apenas obedecer ao seu preceito litteral. No primeiro caso, ha sempre uma questão de direito a decidir ; no segundo, porém, poderá haver, quando muito, alguma questão de facto, cuja de cisão dependa de apreciação da prova. E' verdade que á todo o escripto acompanha a condicção natural de de ver ser entendido segundo o pensamento de seu autor ; mas d'ahi se não segue, que em todo o escripto se dê a necessidade dè tornar esta condição effectiva pelo acto positivo da interpretação ; qelo que, se á Savignx pa- receo singular o caber interpretação somente nos casos accidentaes de obscuridade nas leis, á mim parece mais, que extraordinario, o não poder haver uma só lei, se quer, clara e precisa em relação aos factos sujeitos ao seu dominio, de modo que não seja preciso in terpreta-la. Façamos portanto, as necessarias distinc- ções (e nisto consiste toda a sciencia, principalmente a do direito e jurisprudencia) : aos casos de obscuridade ac- crescentemos aquelles, em que as leis, pela concisão com que são escriptas, apresentão lacunas e duvidas a respei HERMENEUTICA JURIDICA 9 to de certos factos occorrentes, e desde logo concebere mos facilmente, que fora desta tríplice relação não é possivel haver interpretação : mas, sim, ou cavilllação, ou usurpação á autoridade legislativa. Auihentica e doutrinal. § 4. Com relação a sua origem é ou au thentiea, se emana do legislador, ou doutrinal, se emana dos juizes, ou dos administradores, como inherente a applicação e execução positiva das leis, ou dos jurisconsultos como simplesmente consultiva ou instructiva, (1) (1) Contra a opinâo d'aquelles, que, firmados no art. 14 § 18 da constituição e em diversos textos de Justi niano, teimão em não admittir a interpretação doutrinal digo, como Vinnio (Quest sel et, 2, § 3) : que não basta ter uma lei a applicar ; mas o que tmporta sobre tudo é o poder de dicidir alguma cousa. E como poderão os juizes decidir as contestações sobre os diversos sentidos, que interesses rivaes dêem ao mesmo texto sem a faculda de de interpretar? Os juizes, " diz Carré, são devedo res da justiça de hoje, e não da justiça de amanhã, hon rosa divida, que jamais poderião pagar aos litigantes, seus credores, se fossem obrigados a absterem-se de julgar sempre que cada uma das contestações, submettidas á sua decisão, não estivesse prevista em algum texto es pecial. As leis não pódem prever todos os casos fortui tos e especiaes.- " Jura consiituere ex his, quoz plurimum accidunt, non qce ex inopinato (L. 3, ff de legib.) pelo que -o querer fazer todos os dias novas leis para reduzir os juizes á acção material de applicar textos especiaes, seria uma tentativa tão pueril, como a de quem quizesse con tar as estrellas do Céo ; e, afinal, quando se pensasse ter prevenido julgamentos arbitrarios, ter-se-hia lan çado a legislação em terrivel cahos, só propicio ás iniquidades. He, portanto, de interesse publico, que os juizes tenhão o direito, e mesmo o dever de in 2 10 HERMENEUTICA JURIDIDA terpretar, (art. 4 do Cod Civ. franc.) Isto posto, por uma exquisita anomalia vivião os nossos juizes de 1." instancia a encommodar constantemente o Governo com consultas sobre pontos de direito, cuja decisão notoria mente lhes competia, prejudicando, assim, as partes com decisões tardias, até que a circular de 1 de Fevereiro de 1856 veio por termo á este abuso. Em que differem. § 5. Differem naturalmente uma de outra em que a authentíca é estatuida por meio de disposição geral, que pôde modificar a lei, sem que perca, por isto, o caracter de interpreta ção (1) ; a doutrinal' è restricta ao caso sub- mettido a exame, no qual o interprete, sujeito á regras positivas, limita-se a expor o pensamento da lei, tal qual nella se contém (2) ; 2." a authen tíca é obrigatoria, como o são todas as leis (3); a doutrinal, porém, só tem a força e importancia, que merecerem seus motivos e razões fundamen- taes. (4) (1) Penso, que assim deve ser ; porque o legislador, quando interpreta, attenta sua alta missão, e attentos seus grandes poderes, não pôde ficar indifferente á moti vos superiores, que na ocsasião existão, e reclamem al guma modificação na lei, para o fim de ser aperfeiçoada ; e, por outro lado, como a lei interpretado, não exprimia clara e precisamente a vontade do legislador, é na lei interpretativa, que esta vontade deverá existir, toda in teira; e por conseguinte é ahi, que dever-se-ha procu ra-la em toda a sua pureza e extensão, e é por istoque a lei interpretada e a interpretativa ficão naturalmente unidas, e como que formando ambas um só corpo de disposições. (2) He por isto, que dão tambem á esta interpreta HERMENEUTICA JURIDICA 11 ção a denominação de privada. Mas, podendo ella ema nar do poderjudiciario ou do administrativo, não sei como aos actos officiaes e publicos dos agentes destes dous poderes, cada um d'elles na respectiva esphera de suas leis, se possa dar o nome de privados. Se, além da distinecão, que vem no paragrapho, querem mais al guma outra, venha então a de interpretação por via de autoridade, ou por via dr sciencia ; pois que, se rCau- thentica sobresahe a autoridade do legislador, na doutri nal sobresahem as luzes e a sciencia do interprete. (3) Ella é essencialmente uma verdadeira lei, que fica sendo contemporanea da lei interpretada, para pro- duziz effeito desde a publicação desta, sem todavia re- trotrahir, salvos, porém, os direitos adquiridos. Este principio de doutrina é disposição escripta no art. 6 do novo Cod. civ. port. sanecionado naquelle reino pela car ta de lei do 1." de Julho de 1867. (4) Quer isto dizer, que quem se não convencer por esses motivos e razões, pôde em presença de outras, que pareção melhores, seguir diversa opinião. Sirva esta quasi escusada advertencia de resposta aos que, em re futação á esta doutrina, avocão para a interpretação doutrinal a força obrigatoria dos julgados confundindo assim entidades jurídicas essencialmente distinctas por não ponderarem devidamente, que a força obrigatoria dos julgados nasce de uma lei, que lhes é especial, e fal-a restricta aos que forão partes no litigio " Hes ju- dicata inter alios aliis non nocet neeprodest. " Além de que illudem-se em supporem que só ha interpretação dou trinal quando esta apparece como expressão de alguma decisãojudiciaria ! Importância da exacta determinação de cada especie. § 6. No acto intellectual da interpretação, além do estudo da lei segundo as regras de di reito, que lhe forem adaptadas, importa, em al 12 HERMENÊUTICA JURIDICA guns casos, considerar devidamente o facto, e determinar com exactidão a especie, na qual nma modificação qualquer, supposto que leve em apparencia, acarreta muitas vezes profundas mu danças nos principios e disposições, que deverão rege-la ; e por tanto, nos direitos, e obrigações que d'ahi resultarem. (1) %' » (1) Esta doutrina é de Delisle, e, convencido de sua influencia pratica, adoptei a Qucelibit mínima facti varietas jus reformai (X. 13 C. de transact) Modica unius circumstantice varietas plurimum jus immutat. (Dumoulin). A este respeito a Glos. sobre a L. Si ex plag. 52, § assim se exprime com rigorosa concisão "jus in causa ponitur, ou como diz o brochardo jus ex facto oritur. Exemplo: Certo proprietario de um fundo ribeirinho construio um dique para impedir, que o rio em suas enchentes destruisse, como d'antes, suas lavou ras e edifícios, resultando desta obra igual beneficio á um seu visinho, então ausente : e considerando-se, a res peito deste seu visinho, gestor de negocios, demandou-o pela indemnisação proporcional ás despezas feitas com a construcção do dique. Ora, a gestão de negocios fun- da-se na presumpção jurídica de que todos approvão o que em sua ausencia se fez para segurança de seus direi tos, e em seu proveito : a regra superior de direito, de não dever alguém locupletar-se com jactura alheia, é o fundamento da obrigação, em que fica o dono do degocio de pagar ao gestor as dispezas feitas com a gestão. Mas quem applicasse esta regra á hypothese figurada, appli- ca-la-ia erroneamente por não haver attendido uma cir- cumstancia especial, e essencial ao facto da gestão, a sa ber : que aquillo, que o gestorfizer, seja no interesse itn- mediato do dono, circumstancia que se não deu no caso figurado, em que o autor no letigio construio o dique no seu immediato interesse, embora d'ahi resultasse o inte resse mediato de alguem. O Trib. de Cass. de França assim decidio uma questão identica por aresto de 6 de Nov. de 1838, HERMENÊUTICA JURIDICA 13 Habilitações para bom uso de suas regras. § 7. Probidade, illustração e criterio de intelligencia, taes são as habilitações, que devem acompanhar o interprete no uso e appli- cação das regras de interpretação, quaésquer que ellas sejâo ; de sorte que, quanto maior valor e realce estas habilitações derem ao seu espirito, melhor interprete elle será, (1) (1) E' preciso, 1.°, probidade, para que haja sincero empenho e cxforço eru procurar o sentido da lei segun do ols dictames da justiça e da recta razão : a improbi dade tem por consocias naturaes a ma fé e a depravação, capazes de corromperem com o sophisma o sentido e a ap- plicação das melhores leis : 2.° illustração, para que, dis pondo de grande somma de conheçimentos, possa alcan çar todas as razões de duvidar, e todas as razões de decidir : 3.", criterio, para que possa discernir o certo do provavel, o apparente do real, o verdadeiro do falso, o essencial do accidental, etc. etc. CAPITULO II ELEMENTOS DE INTERPRETAÇÃO Grammatical, lógico, e scientifico. § 8. Nas leis, como preceitos da razão imi nentemente social, devemos achar tres cousas ; palavras, pensamentos e exacta conformidade des tes pensamentos com a razão natural, justiça, or dem e bem geral, inseparaveis de todas as asso ciações humanas. Os elementos de interpreta 14 HERMENEUTICA JURIDICA ção, por conseguinte, devem ser tres : gramma- tical, lógico e scientifico. (1) 0 primeiro diz res peito á forma exterior da lei, sua letra ; o se gundo e terceiro dizem respeito á sua força in tima, seu espirito. (1) Savigny dá o nome de systernatico ao elemento, que achei mais proprio chamar scientifico, e accreseenta um outro, o historico, que, quanto a mim, está incluido no scientifico. Tudo isto havemos de ver claramente no desenvolvimento successivo destas ideas. Objecto e influencia do yrammatical. § 9. 0 grammatical tem por objecto a lin- goagem da lei : sua influencia está na construc- ção textual, e nas diversas accepções,das palavras, grammatical, usual, juridica, geral ou particu lar, própria ou imprópria, ampliativa, taxativa, ou exemplificativa, imperativa ou facultativa etc. Logico. § 10. 0 lógico tem por objecto o pensa mento : sua influencia está no raciocinio e na ana- lyse, pela qual decompomos o pensamento da lei, dividimol-a, creamos as especies, que segun do as regras de direito, ou antes segundo o ele mento scientifico são, ou não adaptadas ao seu preceito : examinamos a ordem e methodo seguido na destribuiçâo das materias, e na re dacção de toda a lei ; de modo que se compre- henda o antecedente pelo subsequente, e vice- versa : explicamos as contradicções, conciliando as disposições individuaes da lei umas com as outras, e com as de outras leis, etc. HERMENÊUTICA JURIDICA 15 Scientifico. § 11. O scientifico; sem duvida muito mais vasto, é o que presta ao lógico as premissas e dados para, sob a dupla relação das palavras e dos pensamentos e por meio de legitimas conse quencias, não só attingir o sentido normal, e sem defeitos, (1) como adoptar, d'entre os sentidos possíveis, o que exprimir com maior segurança possível a vontade do legislador. (1) In ambígua voce potius accipienda ea aignifica- tio, quoe vitio caret (L. In ambig. ff. de legib). Inteipre- tatio in dublo facienda, quoe periculo et vitio vacat (Si- chard. consil, 6, n. 34. Do sentido anormal. § 12. Do sentido defeituoso e anormal deve o interprete abster-se, e tal se diz em geral : 1.° o que attribue alei algum absurdo, que fere a razão natural (1) ; o que enerva o sentido da lei ao ponto de ficar illusoria (2), sendo que é tão deffectivo o sentido, que a deixa ficar sem effeito, como o que não fa-la produzir effeito, se não em hypotheses tão gratuitas, que o legisla dor evidentemente não teria feito uma lei para preveni-las (3) ; 3.° attribue-ihe superfluidades (4) fa-lacontradictoria e destructiva de si mes ma, etc. (5) (1) lnterpretatio Ula sumenda, quoe absurdum evi- tetur (Jason L. si sic stipul n. 5 de verb ub\ig.) Seneca, faltando da rasão natural,disse que della vem cousas não es- criptas, que valem tanto,ou mais, que as escriptas. De fei to, se, relativamente aos actos individuacs, os contractos 16 HERMENÊUTICA JORIDIUA por exemplo, se não pode comprehender como incluído na obrigação, o que simplesmente não é verossimil, que uma das partes exigisse da outra, como será possível, que, em relação ao legislador, sabio, justo, e previdente, se deva ter como incluido na lei, o que ao certo, possa ha ver de vergonhoso, indigno, econtrario a razão natural ? O que é, pois, absurdo não se póde dar como motivo po sitivo ; mas como motivo negativo da lei. Assim nen huma lei pode ser entendida de modo, que autorise a -vin gança, o crime e a fraude contra os direitos de alguem : que o contumaz fique em melhores condições, do que o obediente á lei, que confia nella, etc. etc. Na pratica é que este sentido se reproduz em grande extensão e por diversos modos. (2) Interpretatio in dtibio capienda semper, ut actua et dispositio potius valeat, quampereat. (L. Quoties 12 ff. de reb. dub.) (3) Quod raroftt, sicut vetus sapientia docet, non observant legiislatores ; sed quodjitplenonque, respiciunt et medentur. (Novell. 94 ch. 2) Ex his qnce forte uno aliquo casu accidere possunt, jura non constit Quuntur. (L. Ex his 5 D. de legib)'. (4) Interpretatio in quacumque dxspositione ne sic facienda, ut verba non sint superflua, et sine virtute ope- randi. (RolL a Vall. cansil 61 61 n. 44. O Assento de 22 de Outubro de 17 7 8 consagra a regra : que no texto da lei se deve entender não haver phrase, nem mesmo pala vra superflua. (5) A contradição e incompatibilidade na lei não é cousa admissivel. Lei de 6 de Agosto de 1770 § 11, e Lei de 15 de Dezembro de 1774. Concurso simultaneo dos tres elementos. § 13. Pode qualquer destes elementos exer cer tal preponderância, ou tomar tamanha parte HEBMENEUTIOA JUMDiCA 17 no acto da interpretação, que seja desnecessario * fazer menção dos de mais. Assim, umas vezes são as palavras que com suas significações pro prias determinâo o sentido da lei (interpretação geralmente conhecida por grammatical), outras vezes b pensamente em sua verdade é que de termina o sentido, rectificando as palavras (inter pretação logica) ; mas em qualquer dos dous me- thodos, que segundo as circumstancias for em pregado, os tres elementos estarão presentes como necessarios para dar ao interprete plena conscien cia da lei. O que ha de mais certo e positivo a este respeito. § 14. De qualquer modo que os tres elementos se combinem, o certo, é: 1." que o pensamento da lei em todo o caso é, que è a lei (1) : 2.° conseguintemente, que em pôr as palavras em , harmonia com o pensa mento é, que consiste toda a interpretação regular: 3.° se, para conseguir este fim, bastão as noções naturaes é regulares1 das palavras, tanto melhor (2) : 4.° se não bastão, deve-se re correr a influencia do pensamento, cuja verdade e exactidão não devem ser sacrificadas as imperfei ções e inconsequencias da linguagem: (3) 5." por conseguinte, que somente as palavras é, que são susceptíveis de rectificação e modificação para exprimirem mais ou menos, do que naturalmen te sôão: : 6.° finalmente no conhecimento do espirito das leis é que consiste a verdadeira scien- cia do Jurisconsulto. (4) (1) Ltxest quod kx voluit. (L. non. dub, C. delegib) 3 18 HERMENEUTICA JURIDICA iVtwi enim lex est quod scriptum est. ; sed quod legislator voluit quodjudicio suo probavit et recepit (L. de quib. ff de legis. (2) Lei de 18 de Agosto de 1769, § 11. A razão é obvia: é porque desde logo se tem conseguido o fim desejado. TJma vez que as noções proprias e regulares dos termos removem toda a duvida, mostrando o verda deiro sentido da lei, seria absurdo deixar este sentido por conjecturas já então arriscadas, e fataes ao principio salu tar da fixidade das leis, sem a qual não haverá certeza na legislação. (3) Com razão, pois, o Assento de 10 de Junho de 1817 condemna a supersticiosa observancia da lei, que, com olhos fitos somente na letra della, destroe sua in tenção. (4) Scire leges non est verba earum, sed vim acpotes- iatèm tenere (L. 67, legib). Nisto é que consiste' o se gredo de alguns mestres, que não fazem seus alumnos decorar simplesmente a letra da lei ; mas exforção—se tambem por inicial-os nos motivos della, instruindo-os nos princípios geraes da sciencia, e na philosophia dos diversos ramos do direito. Não val a menoria " disse um professor de direito em França, " quando o raciocínio lhe não serve de buril. A este respeito basta-me a autoridade veneranda do Chanceller de Aguesseau. ^.O poder dejulgar, diz elle, não he dirigido em seu exercício por preceitos formões. O templo dajustiça não deve ser menos consagraao á sciencia, do que ao estudo das leis escripías, e a doutrina, que consiste no conhecimento do espirito das leis, e superior a que consiste no simples co nhecimento de sua letra. SECÇÃO ÚNICA 1K) ELEMENTO SCIENTIFICO 0 que este elemento comprehende priiicipalmente. § 15. 0 elemento scientifim comprehende HERMENÊUTICA JURIDICA 19 principalmente o direito natural, opublico, amo ral, a historia das leis, a materia, sobre que ellas versão, e a ligação entre todas as leis, segundo as diversas instituições de direito, a que pertenção, JHreito natural. § 16. O direito civil não he, senão o com plemento da lei natural, cujos principios eter nos e immutaveis devem ser applicados, no si lencio da lei positiva, aos factos sujeitos ao do- minio do direito em sua universalidade, e, nos casos ambíguos e duvidosos, devem determinar o sentido, que fôr mais conforme com a justiça universal (1) e a equidade. (2) (1] Alguns negão a existencia do direito natural, e dizem, que o direito positivo em suas lacunas se com pleta por si mesmo em virtude de sua força organica, derivada dos attributos de sua universalidade e unidade e desta opinião é Savigny no seu tratado de Dir, Rom. l.° § 46. Mas o que e o direito em sua universalidade e unidade, senão o mesmo direito natural? Cicero falla de muitas interpretações fundadas na lei natural, a cujo respeito no seu tratado da " Republica " citado por Lactando assim se exprime " Huic legi nec abrogarifas est, neque derogari ex hac aliquid lieet, neque tota abroga- ri potest ; nec vero autern per senatum, aut perpopulum solvi hão lege possumus. Neque est qucerendus explana- tor, aut interpres ejus alius, nee erit alia lex Roma), alia Athenis, alia nunc, alia posthac ; sed et omnes gentes, et omni tempore una lex et sempiterna et immutabilis continebit. A lei de 18 de Agosto de 1769, a mais im portante, senão a unica que temos sobre materias de in terpretação, no § 9 assim se exprime," Mando por ou tra parte, que aquella boa ruzão, que a Ord. do l. 3 tit. 64 determinou que fosse ua pratica dejulgar subsidiaria seja aquella boa razão, que consiste nos primitivos, prin 2(1 HERMENÊUTICA JURIDICA cipios, que a ethica dos mesmo* romanos havia estabe lecido, c o direito dino e o direito natural formalizarão ■para servirem de regrast civis e moraes entre o Christia- nismo. " O novo Codigo Civil Port. no art. 16 assim se exprime : " as questões sobre direitos e obrigações, que não poderem ser resolvidas nom pelo texto da lei, nem pelo seu espirito, nem pelos casos analogos pevenidos em outras leis, serão decididas pelo direito natural. (2) O que é equidade ? Em sua noção etymolo- giea osquitas ou aiqualitas, id est, duorum plurimumvc ratio vel proportio comistit in harmonia vel congruentia (Leibnitz meth. noy. disc. doe. jurisp. p. 11, § 76.) En tretanto, tem tido diversas tlifinições. Segundo Aristó teles é uma mitigação da lei escripta por circumstan- cias, que occorrem em relação ás pessoa», ás comas,, ao lugarou tempos ; e nesta accepção designa certa aptidão que destingue o juiz esclarecido d'aquelle, que o não é, ou é menos. Segundo, Wolfio e uma virtude, que nos ensina a dar á outrem aquillo, que só imperfeitamente lhe e devido ; e nesta accepção designa o cumprimento ou pratica de certos deveres moraes. Segundo Grocio, e uma virtude correctiva do silencio da lei por causa da generalidade de suas palavras '• e nesta accepção designa uma virtude em termos vagos e abstractos. Segundo Richer êuma certa benignidade que inclina o juiz para o lado, que parece mais conforme á honestidade natural: e nesta accepção designa uma certa propensão ou dispo sição do espirito para a justiça, e o bem moral, etc. Eu, porém, aqui fallo da equidade judiciaria, de que muito se oceuparão os jurisconsultos romanos, pela qual os juizes, no silencio, duvida ou obscuridade das leis escrip- tas, devem submetter-se por um modo esclarecido â von tade suprema da lei, para não commetter em nome della injustiças, que não deshonrão, senão os seus executores e neste sentido é, como entendem os escriptores moder nos, o mesmo direito natural : Juspluribus hwdis dicitur: ■uno modo cum id, quod semper ceqttum et bonum est, dicitur, ut est jus naturale ; altero modo quod omnibit* aut pluribus in quacumque civitate utile est, ut est Jus Cirile (L. Jus plurib, 11 I). dejust etjur.) Píacuit, in omnibus rebws pr/pcipuant esse justitif*? fpquí/atisqiie, HERMENEUTICA JURIDICA 21 fju&m stricti júris, rationem (L. Placuit. 8Cod. dc jitdicii) Sligendwm est quod minimum habeat iniquitatis L. Quoties D. de áol. mal. etmet. exeept. I. 44, í, 4. Direito publico. . . § 17. Mesmo quando as leis estatuem, não sobre os diversos elementos da associação politi ca c administração publica ; mas sobre as diver sas re.lações entre, os indivíduos, 6. sempre para o lim de collpear estes em ^estado de participarem de todas as. vantagens da; associação ; pelo que não ha nejlas uma utilidade privada, que não es teja unida á um fim de ordem e intei*esse geral : D'ahi se vê, que existem intimas e perpetuas li gações das leis civis, commerciaes e criminaes com. ;p: direito publico, (1) as quaes devem, ser apreciadas pelo Jurisconsulto Publicista, para na combinação1 do interesse privado com o publico procurar, segundo as circumstancias, os motivos da lei, que servem como que de medida ao pen samento do legislador, e poder assim bem enten de1-* (2). . ,', . (1) Bacon (aforismo 3.») chegara ao ponto' de diser, que o direito privado vive sob a protecção do direito pu blico: " sub tutela júris publici latetjnsprivatvtm. " (2) Ha leis,' em que a utillidade publica é tão pro nunciada, que a execução dellas fica subordinada a im pulsão dos juizes como orgãos da administração publica. Sirvão de exemplo as appellações officlaes nos termos do art. 7í> da,lei.de 3 de dez. de 1841, e arfo». 448, 449 do de creto de 31 de .Ian. de 184-2. 24 HERMENEUTICA JURIDICA especificai; em' que o legislador a eòncebêra, a razão e fim, que ò determirarão a fazel-â, aeóm- panha o movimente no. espirito de suas altera ções e reformas, e chega, a final, ao conhecimen to de toda a acção,que a ultima lei existente teni de exercer no sysfema geral 'do direito, mormen te se ha referencias á disposições precedentes, que ficarão em vigor como parte ou complemen to do pensamento do legislador (1); .'. *. ,, (1) Algumas vezes a historia da lei éa sua melhor arialyse,e é por isso, que Heineeio, 'querendo explicar as leis Aquilia Atilia e outras, não fez mais, do que apresen tar a historia dellas.' *' ViçiA, , . , A materia sobre que versam as leis'.' \ ;"'*?" ..,"W.u. :..<.... .: . ,' .. :.,.„!,'„ .Iru,uS. § 20. As leis, em relação ás diversas^ma terias, sobre que Versão, não exprimem mero arbitrio; mas um systemà sábio Com' princípios e meios adaptados á fins certos, e a superar todas as resistencias: a ordem é a sua ultima expres são (1). Estes princípios fundamentáes, meios e fins são outras tantas regras de interpretação, ou: meios scientificos de destinguír o sentido anormal ão perfeito ou normal. Assim, a inter pretação, que der a lei commercial um sentido desastroso ao credito, será anormal : igualmente o será a que nas leis administrativas indicar um sentido tal, que ponha a acção d'administração publica á mercê dos interesses privados : a que nas leis constitucionaes indicar um sentido con trario a harmonia dos poderes politicos, ou ás verdades de organisação social : a que nas leis do processo sacrificar o direito de defeza do réo HEHMENEUTICA JURIDICA 25 aos iuteresses do autor etc- (2). D'ahi resulta, que o interprete deve ser tão instruido e versado nestas materias, que possa conhecer qualquer imperfeição na lei, identificar-se com o pensa mento d'ella, penetrar os seus designios, enten de-la, e applica-la scientemente (3). Veja-se o § 13. (1) Poncet define lei " a ordem estabelecidapor um poder, que pensa, raciocina e quer. (2) Aqui cabe a regra. Interpretatio illa sumenda qcee magis convenit subjectoe materice (Menoch. Consil. 179, iv 14). Foi d'ahi, que alguns autores allemães ti rarão motivos, para dividirem a interpretação em tantas especies, quantos os ramos de direito : interpretação po litica, civil, criminalfiscal etc. nomenclatura esta inutil. (3) Um exemplo : O artigo 643 do Decreto de 25 de Novembro de 1860 determina, que, se os embargos a sen tença contiverem factos novos, que devão ser provados com testemunhas, o juiz pol-os-ha em prova com a di lação de dez dias, e julgal-os-ha afinal. Ora a sciencia das leis do processo nos diz, que sem contestação não ha juizo, e, sem juizo, não pôde haver conhecimento da verdade, fim principal, para o qual elle é instituido. Logo, não se podendo attribuir ao legislador o duplo ab surdo de querer destituir do direito de defeza aquelle, contra quem esses novos factos são allegados, para, assim fundar uma justiça, que não é justiça, cega e escravisada á ignorancia, d'ahi concluimos que o embargado está man tido no direito de contrariar esses novos factos; e que a dilação de dez dias é commum á ambas as partes ; e, por conseguinte, que e redacção do citado artigo de lei cahio no defeito de ser em extremo concisa, de modo a não exprimir, como devia, seu pensamento inteiro. 4 26 HERMENÊUTICA JURIDIDA Ordem geral, que domina todas as leis. § 21. Além da ordem especial, em que estão as leis entre si quanto as materias de seu especial e exclusivo dominio, d'onde resulta, que, em regra, é preciso, em cada genero de nego cios, consultar as leis, que lhe são proprias, exis te uma outra ordem geral, que prende todas as leis á um systema harmonico, de modo que umas nâo destruão as outras. Se a materia, estranha á lei, nada de commum, ou nenhuma relação tem com ella, não pôde, por certo, ser trazida para interpretação : do contrario tudo torna-se-hia incerto e arbitrario ; mas, se tem relação, pódè, em alguns casos, determinar o sentido, que a lei comporta exactamente. (1) (l) E' o que Savigny chama ligação de todas as leia e instituições de direito ao seio de sua vasta unidade. Continuação do mesmo objecto. § 22 Sobre este assumpto, por certo diffi- cil e delicado, é qnasi impossivel estabelecer re gras positivas ; mas comprehende-se, 1.° que as leis constitucionaes na parte, que estabelecem o regimen politico, e garantem os direitos indivi- duaes, exercem uma prepoderancia decidida so bre todas as leis secundarias; 2.° as que procla- mão novos princípios e verdades sociaes des troem as antigas, que estão em opposição com ellas, e, apenas representão um tempo, que já acabou (1): 3.° as que créao novas instituições por interesse publico podem explicar as antigas HERMENÊUTICA JURIDICA 27 no que estas teem de coramum com ellas, sup- prindo-as nos pontos, em que vão ficando incom pletas e insuficientes em relação á evidencia e a força das novas necessidades (2). E tudo isto se dá em grandeextensão nos paizes, como o Brazil, em que, tendo havido uma regeneração com mudanças radicaes e profundas, não recebem desde logo uma legislação completa e adaptada á nova ordem de cousas ; pelo que precisa o in terprete, com as habilitações que o sustentão, re solver os conflictos virtuaes entre o pensamento do antigo e do novo legislador. (1) E' o que chamamos revogação implícita das leis. Exemplo : Garantida a liberdade de consciencia pelo artigo 179 § 5 da Constituição, revoguda ficou a orde nação do liv. 3.° tit. 49 § 4 que autorisava a excepção de excomunhão ; por quanto se além das penas espirituaes continuassem a existir soffrimentos temporaes para o excommungado, bem como o soffrimento da privação de seus direitos civis, não poderia haver tolerancia religiosa, etc., etc. (2) Temos um exemplo na ordenação do liv. 3.° tit. 86, que na, gradação dos bens penhoraveis estabelecida nos seus §§ 7, 8 e 9, não incluio as apolices da divida pu blica e papeis de credito do Governo, lacuna esta, que não podia continuar a existir, á vista das nossas leis fi nanceiras, que fundarão a divida publica, representada nestas apolices, transmissíveis, e vencendo um juro. E nem era necessario para isto, que o decreto de 25 de Nov. de 25 de Nov. de 1850 no art. 152 incluísse expressa mente estes titulos entre os moveis penhoraveis, e, o havendo com effeito incluido, seria intoleravel o não ap- plicar-se esta disposição ás execuções civis pelo pretexto de ser ella commercial, convertendo assim em razão de decidir o que seria apenas futil motivo de duvidar. 28 HERMENEUTICA JURIDICA O que o elemento scientifico comprehende em se gundo lugar. § 23. Os usos e costumes, o direito romano, as decretaes, os escriptos dos doutores e as leis es trangeiras pódem também entrar no vasto domi nio do elemento scientifico ; mas toda a luz, que reflectem, recebem-na do espirito das leis pátrias, dedusido de suas palavras, e razões ou antes das fontes principaes, de que já tratei. (1) (í) Assim, com as luzes, que emanão destas fontes, é, que podemos, 1.° distinguir os usos e costumes, que tem legitima origem (a communhão de convicções ou una nimidade morai) e fundão se na boa razão até que alcan- ção a dupla sancção do tempo, e da lei (a de 18 de Agos to de 1769, que exige cem annos), dos abusos e corrup telas, que ferem a razão, fraudão a lei, e expõem os direi tos ás incertezas do arbitrio e dos caprichos : 2.° pode mos entrar no Corpore Júris, e escolher os thesouros, que teem resistido á tantos seculos sem desmerecerem de seu valor, e abandonar o que alli existe para attestar apenas o gentilismo dos primitivos tempos, e o que se não con forma com as nossas leis e a nossa civilisação ; porquan to, não reconhecemos autoridade de pretores e prudentes, nem acreditamos na boa fé de Justiniano, quando disse uão haver contradições n'aquelle corpo de leis, nem no ta lento e exforço divino de Triboniano, que pourJe em tres annos ler, e meditar sobre dois mil volumes compostos de fragmentos desordenados e contraditorios ; nem somos partidarios de nenhuma das duas parcialidades, a da es cola de Labeo, e de Proculo sen successor, que, devota da a antiga causa da republica, cujas leis e costumes procurava manter,prendia-se ás subtilezas e rigor das pa lavras- e não admittia, senão o strictumjue; e a de Capi to, e de Sabino, seu successor, que, adherindo á causa da monarchia, cujos costumes e interesses procurava conso lidar, recorria até áo sentido impróprio rias palavras, c HERMENÊUTICA JURIDICA 29 dava aos textos a intelligencia extensiva ou restrictiva, que fosse mais conforme às exigencias do honesto e do útil, uascendo d'ahi muitos textos pertencentes a mesma cpocha e contraditorios entre si : 3.° podemos considerar as decretaes, tanto as que revogarão o direito romano, como as que o interpretarão somente, e conhecer a acção, que cada uma dellas póde exercer no systema das leis pátrias : 4." podemos entrar no labyrintho dos escriptos dos Jurisconsultos, e apreciar cada um delles: 5.° e, final mente, confrontar as leis estrangeiras com as patrias, e conhecer perfeitamente a conformidade, analogias e con trastes d'aquellas com estas. . PÃHTE ESPSCIÃL TITULO I DAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO CAPITNLO 1 DAS REGRAS DE INTERPRETAÇÃO DOM RELAÇÃO AOS CASOS, EM QUE ELLA SE FAZ NECESSÁRIA Simples advertência. § 24. Na impossibilidade do mencionar, um a um, todos os casos, em que a interpretação se faz necessaria, e as regras, de que se deverá usar em cada um d'elles, tratarei do que é mais fre- qnente, soccorrendo-meádistincções, queascien- ein aconselha, e a matéria comporta. • 30 HERMENEUTICA JURIMDA Casos em geral, em que a interpretação sefaz necessária. § 25. A necessidade de interpretar uma lei pôde nascer L° de defeitos em sua redacção, resultando d'ahi obscuridade e equivoco em seu sentido : 2.° da concisão habitual e inevitável, com que são escriptas todas as leis, nascendo d'a- hi duvidas não em seu sentido directo, mas em sua conformidade ou não conformidade com os diversos casos occorrentes, cumprindo, então, sal var incoherencias e contradições virtuaes de seu espirito com suas palavras: 3.° de seu silen cio. (1) (1) Assim pôde dizer-se, que cabe interpretação, sempre que ha na lei ou alguma obscuridade a vencer, ou alguma incoherencia e contradicção a evitar, ou alguma lacuna a preencher. Defeitos de redacção. § 26. Os defeitos de redacção podem ser muitos, e mui diversos, e consistem principal mente, 1." em erros de orthographia, em inter polações ou má collocação de palavras, antepos tas ou propostas de maneira, que fiquem em duvida suas referencias, e concordancias gram- maticaes, etc. 2.° em expressões indetermina das (1) : 3.° e improrias. (2) Todos estes de feitos rectificão-se, menos o de expressões in determinadas, para o qual o único remédio pos sivel é o da determinação ! (1) Este defeito pôde apparocer por diversos modos. HERMENÊUTICA JURIDICA 31 e o mais frequente é, quando uma palavra, que em seu sentido comprehende muitas individualidades da mes ma, ou de differentes especies, é empregada por modo vago e abstracto, ficando assim incerto qual, ou quaes as individualidades realmente comprehendidas no sentido concreto d'ella. Temos um exemplo disto no art. 89 do Decreto de 25 de Novembro de 1850, que, no determi- o processo commercial da excepção de suspeição, empre ga as palavras " ouvidas as partee ; porquanto a pala vra partes, que em seu sentidojuridicp significa as pessoas, da ali por modo vago e indeterminado faz nascer a duvida, e a incerteza, se designa as partes primitivas na questão principal, o autor e o rêo, ou o suspeitador e o jujz suspeito visto ser entre estes, como partes, que corre a questão incidente da suspeição, sendo então de grande força, como razão de decidir, a justa consideração de se rem estes os que podem, e devem esclarecer o juiz que tem de julgar essa questão incidente. (2) De expressões improprias nasce um sentido di recto ; mas que não 6 o verdadeiro pensamento da lei. Um artigo de lei umnicipal dispunha. Nenhum habi tante poderá neste municipio ter aniniaes soltos nas vil- las e povoados Assim, das palavras "nenhum habitante" vinha o sentido directo de que somente os munícipes, e não a aquelles, que se achassem no municipio, por motivo de doença, negocio, ou outro qualquer, é, que estavão sujeitos a prohibição desta postura ; mas este não era, por certo o pensamento d'ella, cujos motivos de interesse particular, e publico exigião a rectificação do texto, como se houvera sido, assim redigido " ninguem pode ter ani- maes soltos etc. ou então " não é permitido á alguém ter animaes soltos, eec. " Meios de interpretação : 1.° exame na construcção textual. § 27. Diversos, pois, deverão ser os meios de interpretar uma lei obscura, ou ambígua. O primeiro, que logo e naturalmente occorre, é entre emprega 32 HERMENÊUTICA J UK1DICAo de exame na construcção do seu texto segundo as regras de orthographia, da syntaxe, e do mais, que respeita a pureza da lingoagèm, para ver se existe nesta parte alguma falta, que motive a obscuridade, e rectifical-a no caso de existir, quer houvesse nascido da redacção, quer de er ros dos copistas e typographos, ' devendo-se en- nunciar as causas da obscuridade, e ps motivos, que justifiquem a rectificação operada (1) (1) Querem alguns, que este exame pertença a cri tica ; mas, o certo é, que a critica precede a interpretação, e é inseparavel (Tella. 2.° exame dos diversos sentidos das palavras. § 28. Deve-se tambem recorrer aos diversos sentidos das palavras, o grammatical, jurídico, usual, absoluto ou relativo, exemplificativo ou ta xativo, simplesmente enunciativo ou disposivo, etc, conforme o caso exigir, e sempre com o cuidado de dar as palavras a significação, que tinhão ao tempo, em que a lei foi feita. Conse- guindo-se, assim, ligar ao texto seu verdadeiro sentido, já não é licito aventurar-se á outros meios, (1) salvo se servirem de corroborar este mesmo sentido, redobrando sua força e authori- dade (2). (1) Lei de (5 Janeiro de 1755 e 18 de Agosto de 1769. (2) Neste caso é costume dizer-se, que o sentido dado a lei funda-se tanto na letra, como no espirito d'ella (interpretação grammatical e logica) Exemplo : O artigo JJ40 do codigo de processo criminal, dispõem " todo XS cidadão, que entender, que elle ou outrem etc. UEliMENEUTICA JURIDICA 33 Esta disposição será especial aos cidadãos brazileiros, ou comprehenderá tambem os estrangeiros ? O elemanto grammmatical diz, que a palavra "todo" é um adjectivo collectivo universal ; e logo pois que ao substantivo col- lectivo "cidadão" não está atado algum attributo limi tativo, é visto, que foi aquelle adjectivo empregado em toda a força de seu sentido, comprehendendo todos os cidadãos de qualquer nação que sejão. E o elemento logico e o scientifico corroborão este mesmo sentido ; porque o Diíeito Natural e o Publico, scieucias em im- mediata relação com o citado artigo de lei, dizem que o Habeas Corpos é uma garantia da liberdade individual, o que nas garantias da liberdade, propriedade, honra, e vida, attributos da personalidade, não ha distinção entre nacionaes. e estrangeiros. Contra a Decis. de 11 de Out. e 5 dt Nov. de 1833 e contra o accordão da rela ção da corte de 23 de Fev. de 1849, que negarão ao es trangeiro o direito de requerer em seu proprio nome "Habeas Corpus", precisando por conseguiute de algum brasileiro caridoso, que quizesse lhe fazer esta esmola, a interpretação expendida nesta nota e já expendida nas duas edições anteriores deste livro foi ao depois abra çada pelos tribunaes, ficou prevalendo, e já hoje é dis posição escripta no § 8 do art. 18 da novíssima Lei de reformas. Continuo ainda a apresental-a como optimo exemplo de doutrina do § acima. 3." comparação da parte obscura com outras par tes da mesma lei. § 29. Convém, em muitos casos, estudar a lei em todas as suas partes, ou no complexo de suas prescripções individuaes, comparando a par te obscura com outras, cujas expressões empre gadas em sentido determinado, ou cujo pensa mento mais claro e desenvolvido possa fazer ces sar toda a ambiguidade ou equivoco ; pois que o mesmo espirito deveria ter presidido a redac ção dc toda a lei (1). 5 34 HERMENEUTICA JURIDICA (1) Ineivile est nisi tota lege perspeeta, una aliqua paHicitla ejus proposta judicare vel respondere (L. Inei vile 24 de legib 1. 1 t. 4). O Alvará de 18 de Fevereiro de 1766 diz, que a conformidade dos §§ antecedentes com os subsequentes da lei nos pontos essenciaes cons tituo o seu espirito. Eu explicando, digo, que basta al gumas vezes comparar umas palavras çom outras, per tencentes todas ellas a mesma disposição. Exemplo : 8e uma loi condemna aquelle, que perturba a posse de outrem, a pagar certa somma, e a restituir a posse, o sentido da palavra posterior "restituir1'' mostra, que a precedente "perturba" deve ser rectificada no sentido de comprehender tanto o caso de força turbativa, como de força espoliativa, cabendo a pena pecuniaria era ambos estes casos, e a da restituição da posse no segundo caso somente. 4.° Comparação da parte obscura da lei com ou tras leis. § 30. 0 interprete tem ainda á sua disposi ção, se o caso o exigir, comparar a parte obcu- ra da lei com outras leis anteriores e análogas pela justa razão de que o legislador deveria tel as em consideração na occasião de fazer a lei, para evitar incoherencias e contradicções, que desdissessem de seu caracter (1), e tambem com outras leis posteriores, que lhe não forem con trarias. (2) (1) AW est novum? ut priores leges aã posteriores trahantur (L. 20, e 27 de leqib 1. 1. 3). Esta regra en tra como fundamental, e como exemplo de excellente uso que d'ella fez o legislador antigo nas leis de 4 de Julho de 1768, 14 de Dezembro de 1774. (2) Sed et posteriores leges adpriores pertinent, nisi contraries sint (L 28 de leglb). Sendo evidentemente contrarias, entende-se, então, como derogatorias das an teriores, (argum da iei de 3 do Agosto de 1770, de 15 de Dezembro dc 1 774. HERMENÊUTICA .IUKIDICA 35 5.° : Motivos da lei. § 31. Os motivos da lei (ratio legis), mos trando o pensamento do legislador, pódem ser vir de base á conjecturas mui justas, e á argu mentos mui luminosos para com alto grão de cer teza indicarem um sentido, que desfaça toda a ambiguidade e equivoco, resultante de defeito na redacção. E' mister, porém, ter em conside ração a differença entre os motivos, remotos e Biib- iectivos, que podião ter dado occasião a lei, e oh próximos e objectivos, que lhe servem de funda mento. Por quanto, os primeiros são extrinsecos, e, supposto tivessem dado occasião a lei, bem podia o legislador ter tomado differentes medi das, que devâo ser explicadas por diversas ra zões especiaes á cada uma d'ellas ; ao passo que os segundos são intrínsecos, e, como diz Savigny, estão com a lei na mesma relação logica, em que estão os princípios com suas naturaes conse quencias (1). (1) Exemplo : A. L. 1 de postulando prohibio as mulheres de procurarem negocios alheios. A origem, ou motivo remoto desta lei foi a animosidade de certa mu lher, que se entregara aos negocios forenses ; mas o proximo e geral, deduzido dos bons costumes e decencia publica, vem no começo da mesma lei : " Nis contra pu- dicitiam sexui congruentem alienis causis se immisceant, ne virilibus officiis fungantur mulieres. Motivos e fim da lei. § 32. O fim da lei è sempre analogo aos seus motivos fundamentaes; dê sorte que, conhe cidos estes motivos, conhecidos estão os effei 36 HERMENÊUTICA JURIDICA tos, que ella tem de produzir, e para cujo fim fora feita (1). Assim, pois, o fim da lei (intentin legis) se resolve á final em um motivo especial, ou de futuro em natural e perfeita alliança com seu motivo geral, preexistente e fundamental ; pelo que, quando se recorre aos motivos da lei, cumpre estudar toda ella na intima relação de seu motivo com o seu fim como devendo ahi existir o desenvolvimento systematico do pen samento do legislador segundo suas previsões (2). (1) Sendo a lei, segundo a elegante phrase de Leão (Novell, 19) o olho da sociedade, destinado a vettar na conservação commum, e bem estar de todos, é visto, que, quando ella recebe algum pi-incipio de justiça, moralida de, ordem, ou conveniencia publica, o desenvolve, e con verte era preceito positivo, é para que este principio pro duza effeitos tão justos, beneficos, e salutares, como elle o é em si mesmo. (2) Diz Savigni, que, sem quebra ou offensa da in tima ligação do motivo geral e fundamental com o mo tivo de futuro, este ultimo occupa o primeiro lugar- ou antes é o ponto de vista predominante no direito singu lar. O certo é, porém, que isto se verifica igualmente em algumas outras leis, como sejão por exemplo as pro- hitibivas em geral, em cujadisposição expressa se entende como tacitamente comprehendido tudo aquillo, sem o que a■ lei não attingiria seu fim. " Oum idprohibelur, prohibentur omnia qitce sequuntur ex illo (Delisle). Tu do isto já respeita á interpretação extensiva por força de comprehensão, de que tratar-se-ha em lugar proprio. 6.° epigraphe, preambulos, trabalhos prepar- tórios, etc. § 33. A epigraphe da lei, seu preambulo, os trabalhos preparatórios para a sua confeição. HERMENEUTICA JURIDICA :J7 como sejão as emendas seguidas de seus moti vos na discussão, regeitadas, ou que, haven do sido approvadas, modificarão o projecto pri mitivo, e bem assim o exame do estado das cou sas, existente antes ou ao tempo de fazer-se a lei, servem d'esclarecer disposições obscuras e duvi dosas, e supposto estes meios não sejão infalliveis; todavia, em suas afinidades, mais ou meuos in timas com o conteúdo da lei, podem, em alguns casos, guiar o interprete, vacillante sobre diver sos sentidos, na adopção d'aquelle, que designe .ao certo, ou mais provavelmente, a intenção da redacção (1) (1) Semper vestigiavoluntatis sequimur (L. Quidam 5 Cod de necess. serv. fmred instií). Neste methodo de interpretação entra o elemento historico, que, como já disse, (nota 1.° § 8) faz parte do scientijico. Entre os arestos do Trib. de Cass. de França existem muitos de alto merecimento, fundados sobre os trabalhos preparató rios do Cod. Civ. 7." regras auxiliares. § 34. Para o caso, em que a lei for suscep- tivel de diversos sentidos, e duvidar-se qual del- les seja o verdadeiro, sem haver uma razão, supe rior, que decida, restará por ultimo recorrer á certas regras auxiliares, para, segundo a aprecia ção do resultado de cada uma das differentes in terpretações, adoptar-se, d'entre os sentidos possi- veit, 1." o que for mais conforme á lettra da lei (i] : 2." á natureza e importância do necogio, de que se tratar (2) : 3.° no direito commum o mais conforme á equidade: (3)4.° nas leis cri HERMENÊUTICA JURIDICA minaes o mais humano : (4) e, para dizer tudo de uma só vez, o que possa trazer menor mal (5). (1) In dubio, si deratione nonplane certi simus, me- Ihts est verbis legis servire (L. Utilit. 1 § 20 <?exert. ao tion). In re, igitur, dubia, melius est verbis e dicti servi re (L Labeo 7 § fln. de sup legai). (2) Quoties idem sermo duas sententias exprim.it, ea potissimo excipiatur, qwxe rei gerendm aptior est (L. 67 de regid. Juris.) (3) Im omnibus quidera, tnaxime in jure, osquitas epectanda est (L. In. omnib ffi de regul. jur.) JEligendum est quod minimum habeat iniquitatis (L. Quoties D. de dói. mal. et met except.) (4) Interpretatio leguni painm moUiendai sunt potius, quam asperandm (L. 42 ff. de psen.) Inpmnàlibis causis benignius interpretandum est (L. 155 § 2 fl. de regul. jur.) (5) In re dubia benigniorem interpretai'tonem sequi non minus justum est, quam tutius (L. 192 § 1. ff de regul. jur.) A este respeito o Alv. de 15 de Junho de 1775 explica-se optimamente dizendo, que não é da tenção do legislador, que a lei se entenda de modo mui oneroso as partes : Em verdade, devendo sempre attri- buir-se ao legislador um caracter justo e humano, d.'aqui presume-se, que o resultado, á que por meio destas re dor quiz, que fosse ; além de que, na falta de plena certeza das cousas, resta a prudencia, que nos aconselha o lado, que menos nos possa comprometter. Estas regras são, por tanto, conjuntamente regras de probabilidade, e ver dadeiros dictames de prudencia e sãa consciencia, pelas quaes se attinge uma exactidão escrupulo as. A regra " Semper in obscuris quod minimum est, sequilur (L. Semper D. de reg. per.) parece referlr-se aos casos de amphibologia nos testamentos, e escripturas de contractos, e grandes são, por certo, as diffieuldades, HERMENEUTICA JURIDICA que apparecem em sua applicação. Exemplo : suppõem- se na L. Si ita 43 § 1. D de legat 1. 31, t. 1, que certo tes tador fe^ um legado equivalente ao valor da parte affe- rente, na successSo, á um de seus herdeiros, sem deter- n^inar o valor deste legado (palavras indeterminadas) ; e' suppõem-se mais, que as partes dos coherdeiros são de- siguaes, e decide a mesma Lei, que o legado é o equiva lente ao valor da menor parte. Na mesma L. Si ita 14 pr. § 1. 1. 30, t. 1, figura-se, que um testador, depois de haver feito dous legados de sonimas differentes á um uni co legatário, declarou em testamento posterior, que revo gava um dos dous legados sem determinar qual era, (ainda expressões indeterminadas), e decide esta Lei, que o legado revogado é o mais consideravel, para o fim de ficar existindo o menor,' etc. Lei duvidosa pela concisão de sua redacção : 1." interpretação fundada em seus motivos. § 35 Da concisão, com que são escriptas todas as leis, nascem muitas duvidas em sua ap plicação, e conforme for a duvida, diversas serão as razões de decidir, e os methodos de interpre tação. O mais frequente é o que se funda nos motivos** razão da lei (yatione legis) indispensável para saber-se o verdadeiro espirito, que a anima (mens legis). Por meio d'elle applicamos a lei aos casos, em que se dá indentidade de razão ou mais forte razão {ampliação) (1), e absten?o-nos de applical-a aos casos, em que cessa a razão d'ella (2), ou se dá razão contraria, restric- ção (3). (1) Assento de 18 dc Agosto de 1774. Exemplo: Se vima lei prohibir a exportação de pão para eyitar a falta deste genero no lngar, nesta prohibição está com- prehendida a da exportação do trigo como uma dispQsi- ção implicita com a mesma força, que a explicita. E1 40 HERM EX EUTIC A JURIDICA assim quo nestes, o em outros casos iguaes, sendo o senti do directo da lei claro, seus motivos servem de assigna- lar os limites ou a extençãp do pensamento d'ella, de modo a evitar incoherencias e contradicções virtuaes em seu espirito com suas palavras ; entretanto que nos casos de ambiguidade servem para determinar o sentido direetSJ^ que palavras indeterminadas ou improprias, uma redacção defeituosa em fim, occultava, ou apenas simulava appa- rencia. (§ 26). (2) Cessante ratione legis, cessatlex ipstt. Exemplo : A Oíd. liv. 4, tit. 95 § 4. ordena, que se não faça execu ção nos bens de um cônjuge por dividas, que o outro houvesse contrahido antes do cazamento. A regra supe rior de direito, ou motivo geral e fundamental desta ler é a equidade, que não permitte, que aquelle, que não deve, seja privado do dominio e fruição de seus bens por divi das, de que não tivera proveito. Logo, esta' disposição deixa de ter applicação ao caso, ein que se provar, que o esposo devedor contrahira a divida, compi-ando para a esposa vestidos e joias, de que ella se utihsou. (3) Exemplo : Um processo, em qne um menor foi parte sem assistencia de seu tutor ou curador, e ganhou a causa, é valido não obstante os termos geraes, com que se exprime a Ord. liv. 3, tit. 41 § 8 ; por que o que a lei dispõem em beneficio de certas pessoas, não pó^Je servir- lhes de prejuízo : Quod fuvore quorundam constitutum est, quibusdam cwsibus ad Icesionem earum nolumus in ventam videri (L." 5 C. de legib). Assim, para evitar a con tradição do pensamento da lei com as suas palavras, cor- rige-se a expressão geral por uma interpretação restri- ctiva. ■ Tramgressoes e abusos a evitar. § 36. Era nenhum caso, porém, é permit- tido negar execução ou alterar o sentido de uma lei clara por ser a sua lettra rigorosa, dura e desarrezoada. e não se lhe poder attribuir um HERMENEUTICA JURIDICA 41 motivo justo e razoavel (1) ; por quanto a igno rancia dos verdadeiros motivos da lei não fal a decahir de sua força e autoridade, e por muito que o o interprete presuma de si, deverá conven- cer-se de que, neste caso, a falta é antes sua, do que do legislador (2). (1) O contrario seria uma desobediencia formal, que não teria de interpretação, senão o nome : durum est, sed ita lex scripta est (Ulpin. L. Prospexit. 12 § 1 D.) (2) Non omniani,quce a a majoribus constituía sunt, ratio recldi potest / et ideo rationes earum, quce consti- tuuntur inquiri non oportet ; alioquin midta ex his, qum- certa sunt, subvertuntux (L. Non omninm 20 D. de legibe 2° Fundada no conhecimento das leis em seu § 37. Nas diversas relações dos individuos entre si (que são immensas), o que a lei dispõem sobre uma d'ellas, instituindo o direito, e regu lando cr seu exercicio, nâo é necessario, que o repita, quando dispõem sobre outras, e não dis põem cousas contrarias. D'ahi resulta, que mui tas de suas disposições devem ser ampliadas, ou restringidas por outras ; e é isto o que se cha ma espirito da lei, resultante do ajuntamento de todas as suas disposições, concernentes a mesma materia (1). (1) Exemplo : A Ord. liv. 4 til. 87 § 1. concede ao pai o direito de fazer uma substituição á seu filho pu- pillo. Se, porém, substituir um estranho e por morte do pupillo existir a mãe deste, em tal caso, em vista da Ord. 1. 1, t. 3) complexo. declara a mãe herdeira necessaria ã>> 6 42 HERMENÊUTICA JURIDICA filho fallescido sem descendentes, a substituição pupillar caducará, e a mãe do pupillo fallecido será sua herdeira ; porquanto, se o mesmo pupillo podesse testar, não pode ria em face da citada Ord, desherdar a mãe, como, tes tando outro por elle (o pai) poderá fazel-o ? A mesma restricção terá lugar por argumento tirado da Ord. L. 4. t. 96 princ. quando, fallecida que seja a mãe, sobreviver ao pupillo avô, ou outros ascendentes. 3.° Diversidade de casos : necessidade de distin ções : transgressões a evitar. § 38. Se os casos occorrentes são de natu reza diversa, algumas vezes não basta ter conhe cimento das razões da lei ; mas é mister distin guir as diversas especies, e procurar as razões de decidir nos princípios scientificos, que regem as diversas instituições de direito, á que cada uma das especies pertence, principios estes que o le gislador julgou como sabidos, evitando assim fa zer uma lei casuistica, e por isto mesmo defei tuosa (1). Fica subentendido, que, quando a disposição da lei é clara e illimitada, se não de ve fazer distincçôes arbitrarias, que enervem o seu sentido, e destruão a sua generalidade (2). (1) Exemplo. O artigo 16 § 3 do Codigo criminal qualifica de circumstancia aggravante a reincidencia, Pergunta-se : Estará comprehendido neste artigo o caso, em que o primeiro crime fora amnistiado, e o caso, em que, condemnado o réo, a pena lhe fôra perdoada ? A ra zão da disposição do citado artigo é clara, e consiste re sumidamente em que a reincidencia revela uma perver sidade mais endurecida, que por isso mesmo provoca uma expiação mais forte e energica. Mas não é d'ahi, que nasce a luz precisa para a solução das duas questões. Considerando, porém, L* que a amnistia (em grego am- nestia. no latim oblitio) é o esquecimento do crimes : 2. HERMENEUTICA JURIDICA 43 que, determinada por motivos, que se erguem em sobe ranos, e só pelo Soberano podem ser conhecidos e apre ciados, ella se colloca acima das leis da justiça, desarma esta de todos os meios de acção concernen tes ao conhecimento do crime: 3.° conseguintemente, que o Decreto, que a concede, seria violado por aquel- les, que o devem obedecer (juizes e tribunaes), logo que o crime amnistiado entrasse por qualquer modo em uma instancia judiciaria para ser devassado, discutido e pro vado a fim de servir de causa á um accrescimo de pena lidade, de tuo isto concluimos, decidindo a primeira questão pela negativa. Mas, considerando que o per dão não destroe a verdade da cousa julgada, pela qual o réo fóra convencido do crime anteriormente commettido, d'ahi concluimos, decidindo a segunda questão pela affir- niativa. (2) Tal ê o sentido da famosa regra " JJM lex non distinguit, nec interpres distinguere potest " tão frequen temente citada, e nem sempre á proposito. Saber quan do se não deve distinguir, e saber bem distinguir nos casos, em que cabem distincções, é este um dos pontos, em que se manifesta o grande merecimento do Juriscon sulto. Além dos Alv. de 22 Dezembro de 1774 § 17, e de 25 Janeiro de 1777 os Assentos de 5 de Dezembro de 1770 e de 23 de Julho de 1811, merecem ser citados como cxcellente modelo do bom uso desta regra. 4.° Argumento á contrário censu: § 39. Pode-se tambem recorrer, se for ne cessário e o caso o permittir, ao argumento a contrario sensu, pelo qual de uma disposição cla ra e precisa sobre uma especie conclue-se, que a especie contraria está implicitamente excluida, e se deve reger por principios tambem contrá rios. (1) (1) Tnchisio unim alterius est exclusio (Godefroy so 44 HERMENÊUTICA .JURIDICA bre a L. Com prsetor, 12, pr. D. de jiidic) Exemplo : a a Ord. 1. 4, 97, princ. manda, que o herdeiro traga a col- lação os bens, que houve do pai ou mãe com as novida des, que os ditos bens tivessem rendido depois da morte d'aqnelle, de quem os houve. Logo, a contrario senmt, não está obrigado a trazer a collação as novidades havi das antes da morte. õ.° Doutrina (fos correlativos. § 40. Pôde ainda ser preciso applicar a lei, mediante certas regras de direito, á casos, que, com quanto não estejâo na letra della, estão vir tualmente comprehendidos no seu espirito, como consequencias ou dependencias neceessarias ; e taes são : que aquelle, á quem são concedldos certos commodos, deve soffrer os encommodos, que lhes estão annexos (1) : quem tem um di reito a exercer, tem direito aos meios, sem os quaes o direitoprincipal seria illusorio (2) : que a lei, que rege o principal, é a mesma, que re ge o accessorio (3) : que a espécie está compre- hendida no género, a parte no todo, (4) etc. etc. (1) Qui sentit onus, sentire debet commodum, et con tra (Canon. Qui sentit 5& regul. jur.) Exemplo : se um legado gravado de certos encargos se tornou caduco, e o herdeiro, aproveitando-se desta caducidade, se apro priou da cousa legada, está obrigado a satisfazer os en cargos : Non enim ferendus est is, qui lucrum quiãem amplectitur, onus autem ei annexum contemnit : assim decidio a L. Et. Nomen 1.» § 4, de caducis tollendis, L 6, t. 51. (2) Qui viãt consequens, vult etiam et disponit omne antecedens necessarium ad illud (Dmnonlin). (3) Accessorinm sequitur principale (Gloss. a L. HERMENEUTICA JURIDICA 45 llujusmodi 84 § 10 D. de legat) Quce accessionum lo- cum obtinent, extinguntur, cum principales res peremptce fuerint (L. Nam 2 D. de peciãio legat. 1. 33, t. 8). (4) Intotopurs continetur (L. 113 D. regid. jur). Todas estas regras constituem o que os jurisconsultos romanos umas vezes chamavão ratio disputanti (L. Item vulneratns 51, § 2, D. ad leg. Aquil. 1. 9, t. 2] ; e outras vezes " auctoritas júris scientice (L. si servum 91, § 3 D. de verb. obhgat). Ha quem diga, que estas conse quencias, que nascem ou immediatamente da lei ou por meio de argumentos são distinctas do acto da interpre tação. Mas, se todas ellas concernem a boa intelligen- cia, e applicação das leis, porque havemos de excluil-as da hermeneutica jurídica, que não é, senão a logica le gal ejudicial? Estas regras, que simplesmente, ditas, parecem mui faceis, e infalliveis, casos ha complicados, em que indicão apenas um sentido provavel ; e outros ha, em que da perspicacia do interprete é, que lhes poderá vir o merito de uma conveniente e esclarecida applicação. Silencio da lei: 1." analogia. § 41. Pela interpretação analógica appli- ca-se a lei á casos novos, e não previstos por" ella, nos quaes se dão os mesmos motivos funda- mentaes e geraes, que no caso previsto (1). A extensão da lei neste caso funda-se, não tanto na vontade do legislador deduzida de suas pala vras (mente legis), como na harmonia organica do direito positivo como scientifico : é um dos meios de supprir as lacunas da lei escripta a respeito de certos factos sujeitos ao domínio do direito em sua universalidade. (2) (1) Ubi eadem causa, ibi idem jus statuendam{L. 32 ad leg. Aquil.) Ea, qua)in radice et causa conveniunt, conveniimt in effectu (Siehurd. consil. 22,. 1. 2, c. 10.) Al 46 HERMENEUTICA JURIDICA guns escriptores distinguem a analogia proveniente da identidade de motivos d'aqnella,que resulta da semelhança substancial entre os dous casos comparados, e á esta ul tima applicão especialmente a regra "cequitas inparibus causispariajura desiderat. Mas cencebe-se facilmente, que sem identidade de motivos, nenhuma importancia po derá ter qualquer semelhança de casos ; e por conseguin te, que esta ultima regra não exprime um pensamento es pecial, e essencialmente distincto das precedentes. Exem plo ; parece haver semelhança nos contractos sob condi ção impossivel com a instituição de herdeiro sob nma igual condição ; e, no entanto, as regras superiores do direito scientifico em cada um destes dous casos são dif- ferentes, e differentes as disposições do direito positivo. Assim, os contractos sob condição impossivel são nullos ; porque o direito natural considera não ter havido nas partes vontade seria de contractar ; a instituição de her deiro sob igual condição 6 valida ; porque o direito natu ral considera ter havido engano no testador, quando es- beleceo uma tal condição. (2) Confunde-se muitas vezes a interpretaçãoporfor ça de comp>rehensão com a analogica. Ambas são extensi vas ; e todavia, uma differe da outra á certos respeitos. Assim, na primeira a consequeneia, que o elemento logico tira das premissas scientificas designa justamente aquillo mesmo, que o legislador quiz determinar, e de feito deter minara, e, se por ventura, as palavras disserão menos, os motivos dizem tudo : na segunda, porém, a consequencia tirada não designa o que o legislador quiz determinar ; mas o que, ao certo, determinaria, se providenciasse sobre o caso, que escapai-a ás sus previsões. A primeira é a tra- ducção fiél de uma vontade manifestada por palavras, que forão regular e scientemente entendidas pelo interprete : a segunda 6 a traducção de uma vontade, que se prezume com alto gráo de certeza. A primeira, finalmente, pode fundar-se em diversas ordens de motivos, e razões, bem como de ordem, moralidade, e conveniencia publica ; a segunda porém, só pode fundar-se nos principios d''equida de ; e é esta razão, porque a primeira pôde caber no direi to singular, ao passo que a segunda cabe somente no di reito commum, como logo veremos. HERMENEUTICA JURIDICA 47 2." Paf-allelismo. § 42. Por meio doparallelismo pode-se não só vencer, em certos casos, a obscuridade nas leis, como, em outros, supprir suas lacunas se-, gundo os termos e pensamentos de outra lei mais precisa e completa, qualquer que seja o lugar, em que se ache e a materia, sobre que verse, ainda qne seja lei estrangeira (1). Exige toda a cir cunspecção e criterio no apreciar a relação inti ma e scientifica, que existe entre as duas leis com paradas, e prende uma á outra por iguaes moti vos de justiça, equidade, e bem publico (2). (1) Exemplo : Segundo as nossas leis civis os filhos e filhas familias se não podem casar s«m consentimento de seus pais, tutores ou curadores sob pena de ficarem des- naturalisadas de suas familias, inhabeis para dellas her darem e pedirem alimentos (Ord. 1. 4, t. 88, §§ 1, 2, e 3, alterada pela L. de 19 de Jun. de 1775 § 5.), havendo an tigamente recurso da injusta denegação do consentimen to para o Desembargo do Paço e Corregedores ou Ouvi dores de Commarcas (Lei de 29 de Nov. de 1775, e de 6 de Outub. de 1784), attribuição esta hoje em dia perten cente aos Juizes de Orphãos (Lei de 22 de Stemb. de 1828, art. 2, § 4). Mas, todas essas leis são mudas a respei to das causas, que podem tornar justa ou injusta a dene gação do consentimento, resultando d'ahi um vasio na legislação patria, que segundo as relações intimas do di reito se preenche com o Cod. da Pruss. p. 2. t. 1, art. 59 e seguintes, que considera causas legitimas todas, que fazem receiar razoavelmente um matrimonio infeliz, bem como se os esposos não teem modo, nem meios de se ali mentarem, se algum delles é dado á vicios torpes, etc. (2) Neste methodo de interpretação cresce a difficul- dade, e faltão regras positivas ; de sorte que é com os re cursos de um espirito penetrante e destro em exames apro 48 HERMENEUTICA JURIDICA fundados, que o interprete poderá alcançar a verdade ; e tal é a razão, por que alguns jurisconsultos bisonhos, que fazem da posse material dos textos seu grande thesouro, tanto o desdenhão ; outros, porém, o applicão mal, plan tando a desordem no dominio das leis, e dajurisprudencia. A interpretação fundada em disposições parallellas tem duplo fim : supprir as lacunas de uma lei com outra lei, e mpprirl-as, evitando a incoherencia no systema geral do direito. D'ahi segue-se, que, se as duas leis comparadas versão sobre materias especiaes e distinctas, como por exemplo, se uma é criminal ou commercial, e a outra é civil, deve-se penetrar habilmente o espirito de cada uma d'ellas, e ver se os seus motivos e razões são especiaes á cada uma d'ellas, ou geraes e communs á ambas. No pri meiro caso as duas leis não serão parallelas ; mas desse melhantes ; e por conseguinte, não poderão ser supple- mentares uma da outra ; no segundo, porém, o que accres- cer á uma d'ellas e fundar-se em motivos communs, servi rá de supplemento á outra. Exemplo : A Ord. 1. 3, t. 86 § 13 autorisa a prisão do executado, que vendera com fraude os bens penhorados até que entregue estes bens, ou o seu equivalente. O Decreto de 25 de Nov. de 1850 no § 525, lei commercial, repete estas mesmas palavras da cit. Ord. e accrescenta : "ou ate um anno, se antes não os entregar''' Ora, os motivos destas duas leis são sem duvi- os mesmos : " reprimir a frande ". e os motives da nova providencia da lei commercial: " ou até um anno ", não são por certo especiaes ao commercio ; pelo contrario, se a fraude é prejudicial nos negocios civis, e como tal deve ser alli reprimida, nos negocios commerciaes pode ser ain da mais desastrosa, e ahi deverá achar repressão mais ef- ficaz ; mas são motivos geraes, motivas iVequidúde, que tendem a evitar a perpetuidade na desgraça, e que cabem igualmente na cit. Ord. embora lei civil, na qual o legis lador, preoceupado somente com o coagir o vendedor fraudulento a abrir mão dos fructos da fraude, não ante- vira o caso, em que este poderia ter consummido ou ex traviado o producto da venda d'esses bens, e achar-se tão desamparado, que não pudesse remir sua liberdade nem com o custo de seu sangue. E, entrando-se em novas considerações sobre a redacção do cit . Decreto, vè-se ain da, que, podendo o legislador limitar-se nesta lei commer HERMENEUTICA JURIDICA 49 ciai á marcar um tempo de detenção pessoal, que julgas se bastante para coagir o executado a entregar os bens vendidos com fraude, ou seu equivalente, fez mais, do que isto ; repetira primeiramente a disposição da lei civil para addicionar-lhe uma nova providencia, que a modificava por motivos geraes, mostrando assim, que aquella dispo sição civil estivera presente ao seu espiriso na redação do cit . Decr ; que reconhecera a ligação entre as duas leis, a necessidade de tornal-as coherentes, como se am bas fossem uma só, e a mesma lei. 3.° Usos e costumes. § 43. No silencio das leis, quanto á casos especiaes, qne não podem ser previstos pelo le gislador, e mesmo quando podessem ser, e real mente fossem previstos, talvez não conviesse crear, para elles, uma disposição igualmente es pecial, fallão os usos e costume (1). A missão do interprete limita-se, então, a certificar-se da Existencia do uso, isto, é, se realmente existe uma serie de actos individuaes constantes, unifor mes, e publicos, como manifestações da convic ção commum de alguma idéa de direito, mora lidade, ou licita e geral conveniencia, da qual o uso seja a ultima e viva expressão (2) (1) De quibus camis scriptis legibus non utimur, iã custodire oportet, quod moribuset consnetudwie inductum est (L. 32 ff. de legib.) Exemplo: Independentemente das leis geraes dos contractos, nos arrendamentos dos enge nhos, quer por convenção de partes, quer feitos em praça publica, é costume começar-se a contar o tempo, não da data da escriptura da convenção, ou do acto d'arremata- ção das rendas ; mas do mez de Maio seguinte por ser este o tempo proprio para o rendeiro preparar as, terras, plantar, e crear a safra, que deverá colher no fim do anno seguinte até o principio do anno immediato ao se 7 50 HERMENÊUTICA JURIDICA guinte e é tambem costume licar o rendeiro na propriedade mais um anno além do tempo convencionado ou designa do para colher a safra do anno antecedente, e ultimo de seu arrendamento. Por este modo o proprietario nada perde : pois que a renda desse anno, que accresce ao ar rendamento findo, lhe é paga pelo novo rendeiro, que desde logo toma posse dos campos para plantar e crear sua primeira safra ; ao passo que o antigo rendeiro fica somente na posse das machinas e utencis para tirar a sa fra do ultimo anno de seu arrendamento findo, a fim de não passar pela injustiça de pagar renda de um anno, que não lucrou, vendo-se, pelo contrario, obrigado ou a dei xar suas lavouras de cannas nos campos, ou a vendel-as ao novo rendeiro pelo preço, que este quizesse impor-lhe. Este costume, de longa data, pela primeira vez provocou um litigio na comarca de Nazareth entre Joaquim da Silva Pessoa e o Dr. Manoel Barroso de Moraes, litigio este que pela relação desta província foi decidido no sentido de existir realmente este uso, e de ser con forme com a boa razão nos termos da Lei de Agosto de 1769. (2) O uso é um facto, se bem que complexo, que de ve ser provado por quem o allega. O juiz é obrigado a saber a legislação e o direito scientifico ; quanto aos usos e costumes, porém, póde ignoral-os sem dezar, e sem res ponsabilidade. Mas, visto que nos usos ha duas classes de pessoas " assim ponderajudiciosamente Savinif" uma, que está iniciada n'elles, e outra, que não está ; e visto que elles varião segundo a natureza das indusrrias e das necessidades á satisfazer, é do circulo dos inicia dos em cada um dos usos, que deverá sahir aprova des tes por testemunhas, ou peritos. Se, porém, algum uso houver sido discutido em uma instancia judiciaria segui da de julgamento, que, depois de maduro exame, o tenha reconhecido, e applicado á uma outra igual especie, esta decisão será sem duvida um testemunho official e prompto da existencia d'elle. HERMENEUTICA JURIDICA 51 CAPITULO II DA INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA, RESTRICTIVA E DE CLARATIVA § 44. Do que se tem expendido vê-se, que toda a interpretação, relativamente á seus effei- tos, é ou extensiva, qual a que autorisa a appli- cação do texto á casos, que, não estando inclui dos na significação de suas palavras, estão, toda via, incluidos em seu espirito : ou restrictwa, qual a que recusa a applicação do texto á casos, que, parecendo estar incluídos na significação de suas palavras, contrastão evidentemente o sea espirito ; ou declarativa, qual a que indica sim plesmente o sentido do texto, para ser applicado ao mesmo caso, de que elle trata, e tal qual tem sido determinado por suas palavras, quer estas sejão tomadas em sua significação natural, quer usual, quer jurídica, quer própria, e quer impro pria, etc. (1). (1) Assim, a extensiva como que faz crer, que exis tem mais pensamentos, do que palavras : a restrictwa menos pensamentos, do que palavras : a declarativa es clarece simplesmente o texto enunciado por uma forma obscura, ambigua ou equivoca ; mas todas ellas tem por fim a applicação racional da lei. Se a extensiva tem lugar nas leis deivc/atorias de direito commum. § 45. As leis, chamadas anormaes, deroga- torias do direito commum {jus singularé) não 52 HERMENEUTI^Y JURIDICA comportão extensão por analogia; porquanto, visto como são leis excepcionaes fundadas em motivos estranhos ás razoes do direito (ratio Jú ris, oo tenor rationis) (1) tudo, quanto se não contem em suas disposições formaes, pertence ao direito commum, que é o que existe fora del- para o geral (3). Admittem, pcrém, interpre tação extensiva por força de comprehensão, e in- ducção como meio necessario de assegurar a exe cução d'ellas em sua respectiva esphera ; de mo do que não sejâo illudidas ou fraudadas. (4) (1) Jus singulare est quod contra tenorem rationis propter aliquam utilitatem aucioritate constituentium in- troductum est (L. Jus sing. 16 D. de legib). A palavra "íenor", com que esta lei caracterisa o direito commum designava entre os Romanos a idéa de regularidade constância e perpetuidade de alguma cousa, e, applicada ao direito, designava o direito constante e perpetuo sobre a materia. Outras leis designavão a mesma ideia com as palavras ratio juris, e, atinal, qualquer destas expressões designava o direito commum-. (2) Jus commune accipire debemus id, quod, post istud, singulare adhuc manet. (3) Quod contra rationem júris receptum est, non est producentem ad consequentias ; In his, qume contra rationem júris constituía sunt, non possumus sequi re gulamjnris. (L. 15 ff. de legib). (4) Non dubium est in legem committere eum. qui verba legis amplexus, contra legis nititur vohtntatem (L. 5 C. de legib). Infraudem vero facit qui, salvis legis verbis, sententiam ejus circunvenit (L. 20 ff. de legib). las (2) ; e do particular concluir HERMENÊUTICA JURIDICA 53 Nas leis criminaes e fiscaes. § 46. Fóra dos termos formaes da lei não ha crimes, e, quando reste algum acto máo e re- prehensivel, é melhor ficar impune, do que uzur- parem os juizes criminaes a autoridade legislati va, acto este mais monstruoso, perigoso, e cri minoso, do que qualquer dos que se quizesse pu nir por semelhante ' meio (1) Tambem se não pôde concluir de um caso para outro por iden tidade de motivos nas leis fiscaes, nas quaes, como nas criminaes, domina o principio scienti- fico " o que a lei não ordena ou não prohibe, se não pôde exigir, nem prohibir. (1) Os que pensão o contrario, apoião-se nas seguin te regra antiga " Interpretado lata summi debet, cum agitur de âelicto pnniendo, e tambêm na L. 108 ff de re- gtd. jur. " Fere in omnibus pmnalibns judiciis et metate, et imprudentim suecurritur ; " e ainda na L. 7 C. de pcenis : Nbn quidem quoad impunitatem ; nam id vetai lex " Quanto a regra citada é um erro imperdoavel que rer applicar ao direito criminal de hoje, na posse de mui tas perfeições e melhoramentos, regras de tempos, em que dominarão erros, absurdos, e até crueldades, e, sem irmos mui longe, bastará conpulsar as ordenações do L. 5. Quantb as leis citadas, a L. 7, C. depwnis, referindo- se a L. 108 de regul. jur. não autorisa a interpretação extensiva nas leis criminaes por identidade de motivos ; mas condemna apenas um erro, qual o de restringir im prudentemente a lei, enervando o sentido d'ella, dei- xando-a ficar sem effeito, erro este nocivo na interpre tação de quaesquer leis, e mais nocivo ainda na das leis penaes, que devem ser fortes, e não deixar esperança de impunidade, terrível causa de recrudecencia de crimes. Depois disto, pelo modo, porque erão redigidas as leis criminaes dos romanos, empregando longas locuções para qualificar os crimes, e por isto mesmo deixando outro* 54 HERMENÊUTICA JURIDICA crimes fóra do texto, davão ellas lugar a argumentos de semelhanças, ou por identidade de motivos, e sirva de exemplo a L. Pompeia de parric, que punindo com a pena de morte o que assassinasse pae, mãe, sogro, e ou tros parentes por ella referidos, um a um, e porque não mencionasse o assassino da madrasta ou da esposada do pae, decidio-se, que este caso estava comprehendido na lei " Noversce et sponsce omissoe sunt sententía, tamen, legis continetur (L. Sed sciendum 3 Leg. Pomp. de par ric. 1. 48, t. 9). Mas, segundo a redacção dos codigos - modernos, inclusivamente o nossso, é quasi impossível apparecer
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