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Btnohlstória, htstória indÍgena e educação I contribuições ao
debate / Ana Lúcla Vulfe Nõtzold, Helena Alpini Rosa'
Sandor Fernando Bringmann, orgs. - Porto Alegre :
Pallotti,2012.
406 p. : il., gráfs., tabs., maPas
Inclui bibliografra
ISBN 978-85-62689 -7 9 - 6
1. Índios - Brasil - História. 2. Índios - Educação. 3.
Etnohistória. I. Nõtzold, Ana Lúcia Vulfe' II. Rosa, Helena
Âlpini, I.II. Bringmann, Sandor Fernando.
CDU:397(=82:81)
0s DEsAFtos DA Eot|cA0Ao tiloícEilA
INTER0UIïURAI N0 BRASIL: AUAN00S E LIMfTES
r{A coilsTnt|0Ao DE p0lÍilcAs púBLrcAS
Gersem Bqniwo
Intrãduçõo
Um dos Pressupostos considerados no debate sobre as novas bases concei-
tuais da educação escolqr indÍgena no Brasil, é que tanto a escola colonizadora
considerada etnocêntrica e destruidora de culturas indígenas, quanto a escola in-
digenizada, em geral adjetivada como bilíngue/multilingue, específica, diferencia-
da, intercultural, não foram capazes de responder satisfatoriamente às demandas
e interesses atuais dos povos indígenas. A escola colonizadora buscou sufocar e
negar as persPectivas indígenas e a escola indígena diferenciada busca muitas vezes -
sufocar e diminuir a importância dos conhecimentos, das tecnologias e dos valores
modernos. Tudo está relacionado ao(s) modelo(s) de escola até hoje experimen-
tados. Os desafios da escola indígena na atualidade não estão limitados à pouca
qualidade de infra-estrutura, recursos humanos e materiais didáticos, mas também
de dllemas polÍtico-conceituais, filosóficos e pedagógicos.
A idéia de escola indígena éspecífica, diferenciada e intercultural no âmbito
das políticas públicas governa-errtãis foi inaugurada no Brasil pela Constituição
Federal de 1988 e regulamentada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
cional de 1996 que,definiu a escola indÍgena como responsável por assegurar aos
Povos indígenas uma educação "diferenciada'l onde3 eixo seja o respeito intercul-
tural e a necessidade de adequar os conteúdos e práticas pedagógicas às realidades
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úvenciadas pelas comunidades indÍgenas, A escola diferenciada e intercultural sur-
ge, portanto, como contraponto ao modelo de escola colonial integracionista.
Os limites impostos à perspectiva intercultural no camPo da educação indí-
gena originaÍn-se da falta de consideração da prática de diálogo, de reciprocidade
e de complementarieda de no fazer pedagógico da escola. Tais princípios formam a
base filosófica de convivência dos povos ameríndios e, na atualidade, como estra-
tégia política diante das perspectivas que desenham Para o futuro, levando-se em
consideração as possibilidades que a modernidade pode lhes oferecer.
Esta visão de mundo baseada na complementaridade e organicidade que
move o planeta é a marca das pedagogias indígenas. As noções de interculturali-
dade e multiculturalismo para esses povos significam essa capacidade de organi-
cidade, interdependência e holismo do mundo e da vida. O diálogo e a conúvên-
cia complementar entre distintos saberes na escola, enquanto entrelaçamento de
diferentes conhecimentos, valores e modos de üda, trazem novas possibilidades
de convivência humana no mundo. Resgatar e atualizar esses saberes, fundado
na ética da complementaridade do saber, poderá possibilitar a construção de uma
nova racionalidade pedagógica dentro e fora da escola que recoloque a riqueza da
pluralidade de saberes e de fazeres sob novos termos, como força viva e propulsora
da história (LUCIANO, 201I, passim).
A noção de complementaridade das cosmologias indígenas é similar à noção
de incompletude de Boaventura (SANTOS,2003). Essa incompletude está referen-
ciada nos próprios mitos de origem do mundo, raz,ão pelaqual, a missão primordial
dos povos, e principalmente, dos sábios pajés é o aperfeiçoamento permanente do
" mundo por meio da agregaçáo de conhecimentos e experiências intra e interétni-
cas. É nesse contexto que, nq mundo espiritual, os pajés travam Permanentemente
batalhas de auto-superação, que Passam por busca de apropriação de conhecimen-
tos de outros povos e culturas, Para estes, o conhecimento é infinito, assim como a
incompletude ontológica e cosmológica. A busca incessante por escola e universi-
dade, se encaixa nessa visão de incompletude sistêmica das sociedades ameríndias
e a necessidade de ampliação de conhecimentos, onde o importante não é o alcance
da completude, mas o gue se consegue para melhorar as condições de vida.
Os povos indígenas, desde os primórdios do mundo, se guiam em busca
de interação positiva com todos os mundos - indígena e não-indígena - na Pers-
pectiva de consolidação de suas autonomias étnicas e capacidade de manejo do
mundo. A entrada da modernidade na vida desses povos é sempre muito avas-
saladora e irreversível, mas cada cultura interpreta esta "vida moderna" do seu
modo e segundo suas necessidades históricas, sempre conjunturais e transitórias.
A inevitável dominação gërada a partir dessa escolha seletiva de elementos da
vida moderna, nunca é total. Pensar, portanto, os direitos indígenas como emana-
dos da sociodiversidade é pensar a autonomia étnica (intra-étnica) e a autonomia
relacional ou tutelar (intra-Estado).
A escola indígena é o espaço, por excelência, de diversidade, não apenas ét-
nica, cultural e linguistica, mas também de gênero, diferenças etárias, de úsões de
mundo, projetos *l.tivot e valores. Nas aldeias indígenas é comum a existência
de escolaì em que estudam pessoas de diferentes culturas, línguas e idades. Essa
experiênciarnúiétni.u de vida alicerçada em contextos múltiplos da sociodiversi
daàe humana se choca com a experiência escolar colonial monocúuralista. Mes-
mo na escola indígena, a convivência intercultural não é uma tarefa fácil, uma vez
que também essaJestão referenciadas na matriz monocultural da escola ocidental.
óeste modo, muitas vezes àriqueza da sociodiversidade indígena'se transforma em
instrumento de exclusão e desigualdade no ambiente escolar.
Processo histórico
A implantação das primeiras escolas nas comunidades indígenas no Brasil
remonta aolnício do empreendimento colonial euroPeu. Isso não quer dizer que os
povos indígenas não tivessem seus Processos próprios de educação antes da chegada
ãos portug-ueses. Processos educativos são inerentes a qualquer sociedade humana'
pois e por-meio deles que produzem' reproduzem, difundem seus conhecimentos
e valoies para garantir-sua sobrevivência e continuidade histórica (MELIÀ, L979,
passim). O moáelo de escola convencional trazida e implantada pelos Portugueses
é totalmente estranho às culturas indÍgenas, mas aos Poucos foi sendo necessária
para a vida Pós-contato.
A proposta de educação escolar indígena intercultural, bilínguee diferencia-
drsurgú nô Brasil na década de t970 em contraponto ao projeto colonizador da
escolaìradicional oferecida aos povos indígenas. A Constituição Federal de 1988
mudou o rumo da política indigenista ofrcial tutelar e integracionista, incluindo
a educaçáo escolar indÍgena, ao iuperat a concepção equivocada da incapacidade
indÍgena que fundam.ritou o prirrcÍpio jurídico da tutela, por meio do qual, era
coni-edido ao Estado o poder e a responsabilidade de decidir pela vida e destino
dos povos indígenas. A Íei é explícita quanto à garantia dos direitos dos povos indí-
g.rr.r.o ,.conh...t suas culturas, tradições, línguas, organizaçôes sociais, crenças'
ãnfim, o direito de continuarem vivendo segundo suas culturas.
Educação escolarindígena especifica e diferenciada é aquela compreendida
a partir da escola, tendo como fundamento e referência os PressuPostos metodo'
lóiicos e os princípios geradores de transmissão, produção e reprodução de co-
núcimentos dos distintos universos socioculturais específicos de cada povo. Uma
educação que garanta o fortalecimento das identidades étnicas e a continuidade dos
sistemas dã súeres próprios da comunidade indígena e a desejável complemen'
taridade de conhecimentos científicos e tecnológicos, de acordo com a vontade e
decisão de cada comunidade.
Aspolíticas de educação escolar indígena no Brasil avançarÍìm em três dire-
ções: no estabelecimento de um arcabouço jurídico e normativo
que reconhece e
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Legislação
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Nota
Processos próprios de ensino e aprendizagem
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garante as autonomias pedagógicas e de gestão dos processos educativos dos povos
údÍgun.r, superando a velha visão e prática política colonial de educação integra-
cionista e tutàar; o reconhecimento político e jurídico da educação escolar especí-
fica e diferenciada como direito coletivo que orientou a expansão do atendimento
da oferta escolar no âmbito do sistema nacional de ensino; o reconhecimento da
importância do protagonismo indÍgena em todo o Processo educativo das comu'
nidades indígenãs com o surgimento de professores e técnicos indÍgenas na gestão
de suas ur.oÍ.r, Quanto a esia última conquista, em 2011, dos 12.000 professores
atuando nas escolas indígenas, 11.000 era professores indÍgenas, o que rePresenta
91,60%. Há 20 anos o quadro era exatamente inverso, os professores brancos atuan'
do nas escolas indÍgenas rePresentavarrt9í%.
Do ponto de vista da política pública de Estado, podemos dizer que no Bra-
sil vivenciâmos dois mo1;1.ntos e modelos muito distintos de política educacionaÌ
para povos indígenas. O primeiro foi o da educação escolar colonial integracio-
nista, autoritária, assistencialista e paternalista. O segundo modelo foi o instau-
rado com a Constituição Federal de 1988, baseado nos princÍpios de uma escola
indígena autônoma e voltado para o fortalecimento das identidades, culturas e
conÀecimentos tradicionais associados ao processo de empoderamento político
e técnico na luta por seus direitos mais amplos como o território, saúde, auto-
-sustentação e ao acesso adequado e qualificado aos conhecimentos científréos e
técnicos da escola tradicional.
As experiências até aqui vivenciadas nos levam a Pensar na necessidade de
trabalhar pelo aperfeiçoamento do último modelo, uma vez que identificamos vá-
rias contradiçõei,limites e gargalos no âmbito do poder público, mas também no
âmbito das comunidades indígenas. Trata'se de valorizá-lo aperfeiçoando-o, pois
ele é sem dúvida uma conquista histórica importante, tanto do ponto de vista estra-
tégico de espaço político, qüanto como Processo pedagógico inovador no seio do
pensamento educacional do PaÍs.-
É nessa perspectiva que verifrcamos um significativo crescimento de escolas
e estudantes inãtgenas em todos os níveis e modalidades de ensino. Segundo dados
do INEP/MEC (Õenso Escolar 2011), em 2011 havia no Brasil2.819 escolas indÍge-
nas e 194.254 mil estudantes indígenas matriculados na educação básica, além de
mais de 10.000 no ensino superior. Estes números su{Preendem se considerarmos
que em 1990, último ano da gestão da FUNAI tais números erâÍn de754 escolas e
40.000 alunos indÍgenas (CUNHÂ, 1990, passim).
Esse crescimento revela uma nova postura dos povos indígenas diante da
escola e do Estado brasileiro, uma vez que até o frnal da década de 1970, esses Povos
ainda apresentavam muita desconfiança e dúvidas sobre a importância e a neces-
sidade ãa escola para suas vidas. Na atualidade, o seguimento social brasileiro que
mais apresenta demanda e cobra do poder público políücas adequadas para atender
essa demanda por educação escolar é o seguimento indígena,
t z
Educoçóo Escolor lndígeno, específico, diferenciodo e inter-
culturol: ovonços e l imites
As possibilidades trazidas pelas ideias inovadoras da escola indígena ani-
maram os povos indÍgenas no Brasil na luta por ela. Em resposta a essa deman-
da, os sistemas de ensino também em diferentes níVeis, formas e compromissos,
passaram a se organizar Para ampliar o atendimento, mas na mesma proporção
do crescimento no atendimento também cresceram os problemas acumulados ao
logo do tempo.
Em termos de avanços, podemos citar as inovações conceituais e práticas
pedagógicas geradas a partir dos novos marcos normativos no âmbito da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e dos instrumentos normativos
do Conselho Nacional de Educação (CNE), destacadamente, â resolução 0311999,
além do decreto 686L12OO9 que criou os Territórios Etnoeducacionais. Tais mu-
danças jurídicas e políticas permitiram a inclusão da escola indígena no âmbito do
Regime de Colaboração no Sistema Nacional de Ensino. A escola indÍgena deixa de
ser-uma figura isolada e por vezes excludente para inte$ar a polÍtica pública nacio-
nal por tnãio do Plano Nacional de Educação (PNE) e do Programa de Desenvol-
vimento da Educação (PDE) do país. Tais avanços possibilitaram o surgimento das
primeiras experiências de escolas indígenas com razoável autonomia pedagógica
ã administrativa. Essas escolas inovadoras se esforçam por valorizar as pedagogias
indígenas e seguir os Processos próprios de ensino-aprendizagem de cada povo'
Uma das conquistas mais importantes nesse campo da diferenciação qualificada da
escdla indÍgena é o reconhecimento de suas categorias específicas, tais como as de
professor indÍgena, magistério indígena e escola indígena com normas e ordena-
mento jurÍdico PróPrio.
Em termos gerenciais é importante destacar o processo gradativo de amplia-
ção dos investimentos de recursos financeiros destinados às escolas indÍgenas. No
campo de participação indígena destaco a conquista da representação no Conselho
Nacional de Educação (CNE), da criação da Comissão Nacional de Educação Es-
colar Indígena, da realização da I Conferência Nacional de Educação Escolar Indí'
gena - t õONgfI (2009) e da participação indígena na Conferência Naciond de
Educação - CONAE (2010).
O crescente aumento de investimento para a manutenção das escolas indf
genas deve-se ao processo iniciado em 1991, quando elas passaram à responsabili-
ãade do MEC, dos Estados e dos MunicÍpios, sendo, portanto incluÍdas como be-
neficiárias das polÍticas de frnanciamento da educação nacional, como o FUNDEB
e o pNAE. Essa inclusão foi seguida por um olhar diferenciado do ponto de vista
de custos, emrazãoda qual os coeficientes para os alunoS indÍgenas também foram
específicos, sendo que no PNAE este valor é o dobro do duno não indígena e no
fúNpSg, o coefrciente do aluno indÍgena é20% superior ao aluno não indigena.
Além desses fundos Permanentes de frnmciamento da educação, as esco-
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las indígenas ainda foram beneficiadas com a criação do Plano de Ações Articula-
das (PAR) em2007. Os estados e municÍpios passarÍrm a receber apoio financeiro
suplementar e específico para atendimento às escolas indígenas por meio de seus
planos de trabalho denominados de PAR indígena, além de outros recursos su-
plementares transferidos pelo MEC aos estados, municípios, instituições de ensi-
no superior e ONGs, por meio de editais e convênios.
Mesmo diante de avanços conceituais, pedagógicos e gerenciais, as escolas
indígenas ainda enfrentam problemas oriundos não apenas dos limites do mo-
delo político'administrativo do governo e do Estado, mas também dos limites e
contradições dos modelos conceituais da escola indígena.
Um dos problemas está na prática pedagógica dos conceitos inovadores
da educação escolar indÍgena. Os sistemas de ensino resistem às essas mudanças.
Os governantes, os gestores e os técnicos locais apresentam forte resistência à
mudança de mentalidade e cultura política. O conservadorismo dos sistemas de
ensino tem dificultado ou mesmo impedido o reconhecimento das iniciativas pe-
dagógicas e gerenciais inovadoras. Muitas escolas indígenas têm elaborado seus
projetos político-pedagógicos inovadores com organizaçáo do tempo escolar de
acordo com os sistemas sociais e educativos da comunidade, mas que os Con-
selhos de Educação ou mesmo as secretarias de educação não tem reconhecido.
Os sistemas de ensino não conseguiram construir estruturas e qualificar
suas equipes para atender adequadamente as demandas das escolas indígenas,
resultandona baixa capacidade de execução das políticas e dos progrÍrmas, como
as de atendimento de toda educação básica nas próprias aldeias, construção de
escolas, formação de professores, elaboração de material didático, transporte es-
colar e alimentação escolar. Esse leque de problemas no âmbito dos sistemas de
ençino é agravado pela dificuldade de coordenação das polÍticas que deveria ser
exercida pelo MEC a partir do Regime de Colaboração entre os sistemas, mas que
esbarra no discurso de autononiia dos sistemas.
A fragilidade do Regime de Colaboração resulta na inexistência histórica
no âmbito dos sistemas de ensino de políticas e programas específicos voltados
para atender as demandas e realidades específicas das comunidades indígenas
nos campos do transporte escolar (fluvial e aéreo), distribuição e descentralizaçâo
flexível da alimentação escolar, construção de escolas diferenciadas para comu-
nidades indígenas nômades, de áreas de várzea (prédios suspensos, flutuantes,
móveis ou barco-escola). Para estas realidades os processos licitatórios conven-
cionais são impraticáveis para viabilizar as construções.
Outro campo importante que precisa ser considerado na avaliação das di'
ficuldades enfrentadas é o papel das comunidades indígenas, fortalecidas com
o crescente protagonismo indígena na condução local da gestão e do processo
pedagógico das escolas. A grande maioria dos professores, gestores e técnicos que
trabalham nas escolas das aldeias são indígenas que podem fazer a, diferença no
camPo do fazer pedagógico e na gestão da escola indígena. Na prática isso ainda
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não acontece, o que pode significar a necessidade de melhorar e ampliar os seus
processos de formação iniciãl e continuada. Os professores, os gestores e as lide-
,.nç., indígenas precisam assumir suas responsabilidades pela transformação da
escola indígena para atender os anseios e os projetos societários.
A eslola irrdig.rr. renovada passou a conviver com o dilema de atender
preferencialmente as demandas pelo resgate, manutenção e valorização dos co-
nhecimentos, das culturas, das tiadições e dos valores tradicionais próprios dos
povos indÍgenas quase sempre em detrimento do acesso aos conhecimentos, às
iécnicas e aos valores da sociedade envolvente. É necessário considerar a legitimi-
dade dessa dupla missão da escola indígena contemPorânea. o problema reside
em como atenìer de forma equilibrada, coerente e com razoável efrciência essa
dupla demanda a partir do modelo de escola que temos hoje' -
Em geral asiscolas indígenas tem se esforçado para atender essa dupla mis-
são, mas enfrentam sérias limitações e contradiçóes internas geradas a partir da
falta de clarezanão do que se quer, mas do como fazet patase alcançar os resulta-
dos desejados. Um exemplo clìro dessa limitação é querer que a escola indÍgena'
seguindo o mesmo modìlo organizativo da escola tiao indígena em termos de
tempo, espaço e estrutura curricular, atender as duas perspectivas ao mesmo tem-
po.
'S.
ZOõ úas letivos por ano e três anos de ensino médio já são considerados
poucos para o que se pretende transmitir aos alunos dos conhecimentos técni-
co-cientificos, imaginemos quando a isso se acrescenta também a transmissão
de conhecimentos tradicionais. Nessa tentativa, muitas escolas indígenas tem se
transformado em escolas híbridas e igualmente questionáveis, do ponto de vista
ã. r"..n.ecia em dar respostas e gerar resultados esperados pelas comunidades
indígenas que é formar ciáadãos indÍgenas caPazes de conviver e contribuir tanto
.o*-o seu mundo étnico-cultural próprio quanto com e no mundo do branco'
Além disso, há o problema Pouco tãfl.iido que é a transferência da responsabili-
dade pela educaçâo das pessoas que, tradicionalmente entre os povos indígenas'
é de risponsabilidade da família, ãos mais velhos e da comunidade para a escola,
sabendó-se que muitas formas de ensinamento ou mesmo muitos conhecimentos
tradicionais neo podem ser escolarizáveis, pois não podem ser de domínio púbi-
co como é sala dã aula ou de um profrssional de ensino, mesmo sendo indígena'
Essas limitações e contradições da moderna escola indígena trazem algu-
mas preocupações. Uma escola que se esforça Para ser intercultural ou híbrida'
em çral, p.rr. "
trabalhar de foima superficial os diferentes cÍrmPos de conhe-
cimãnto tradicional e científico' o que acaba formando um cidadão indígena
potencialmente vítima de exclusão edesigualdade. Com a formação superficial
híbrida, não consegue nem sé integrar satisfatoriamente na vida da sua aldeia
e nem na vida forrda aldeia (sociedade regional, nacional e global)' Sem um
equacionamento mínimo dessas questões no âmbito das escolas indÍgenas' corre-
rnt, o risco de estarmos formando novas gerações de indígenas frustradas con-
sigo mesmo e com o Processo de sua formação escolar, pois não conseguem
se
realizar como membros de suas comunidades étnicas e nem no mundo branco,
por não conseguir comPetir em Pé de igualdade no mercado de trabalho ou no
acesso a formação acadêmica.
Privar ou reduzir a possibilidade das crianças e dos jovens indígenas de
terem acesso pleno aos conhecimentos próprios da sociedade dominante, pode
ser também uma forma de exclusão, geradora de desigualdades entre indivíduos
e coletivos étnicos no Plano cultural, econômico, profissional e humano, tão Per-
versa quanto à negaçãã do direito âva\oúzaçâo e à continuidade das identidades
e culturas tradiciónais. Essa problemática nos remete à necessidade urgente de
repensar a escola indígena, seja para defrnir melhor sua missão ou Para buscar
ootro, modelos de escóh ou de processos educativos alternativos capazes de dar
conta dessa complexa demanda interna e externa dos povos indígenas.
Há ainda outro aspecto complexo de exclusão e desigualdade na escola in-
dígena que diz respeito ao seu lugar constituído no âmbito das políticas do Esta-
do, que impOe rigoroso limite ao seu alcance político-pedagógico. A escola indí-
g.n. por rãr um. instituição do Estado, este se sente no direito de impor limite à
ãutonomia pedagógica e gerencial. Neste caso, a sociodiversidade só é admitida
e tolerada no âmbito da escola indígena, até o ponto em que ela representa uma
vantagem para o capital no sentido de ampliar e diversificar o mercado ou até o
ponto em que não questione os interesses das elites políticas e econômicas que
detém o domínio do poder.
Além disso, as escolas indígenas, por inevitável influência do mundo exter-
no, sofrem tendência de reproduzir os processos político-pedagógicos excludentes
das escolas não indígenas,'onde a sociodiversidade se transforma em princípio de
desigualdade. A escola indÍgena precisa ajudar a combater esse tipo de exclusão e
desigualdade que se sustenta no discurso de que todos fazemos parte da mesma
sociedade, mas cada um vale, cOhforme a sua origem escolar, seu pertencimento
étnico e sua condição econômica. Os povos indígenas além de serem classificados
como pobres são também indÍgenas, como se ser Índio fosse ser inferior e indigno,
o que muitas vezes os impede de ter acesso a serviços, bens e direitos.
A educoçõo escolor indÍgeno: ovonços e limites no orticuloçõo
entre diversidode e desiguoldodes
A escola indÍgena é o espaço institucional, por excelência, de diversidade,
não apenas étnica, cultural e linguistica, mas também de gênero, diferenças etá-
rias, de visões de mundo, projetos coletivos, valores e experiências vividas' Nas
aldeias indígenas é comum a existência de escolas ou mesmo salas de aula em que
estudam crianças, jovens e adultos de diversas culturas e de diferentes línguas.
Essa conüvência multiétnica e multicultural cria sensibilidades para lidar com a
diversidade humana e faz deles os maiores defensores da interculturalidade como
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rcalizar como membros de suas comunidades étnicas e nem no mundo branco,
por não conseguir competir em pé de igualdade no mercado de trabalho ou no
acessoa formação acadêmica.
Privar ou reduzir a possibilidade das crianças e dos jovens indígenas de
terem acesso pleno aos conhecimentos próprios da sociedade dominante, pode
ser também uma forma de exclusão, geradora de desigualdades entre indivíduos
e coletivos étnlcos no plano cultural, econômico, profissional e humano' tão per-
versa quanto à negação do direito á valortzação e à continuidade das identidades
e culturas tradicionais. Essa problemáüca nos remete à necessidade urgente de
repensar a escola indígena, seja para definir melhor sua missão ou PaÍa buscar
outros modelos de escola ou de processos educativos alternativos caPazes de dar
conta dessa complexa demanda interna e externa dos povos indÍgenas.
Há ainda outro aspecto complexo de exclusão e desigualdade na escola in-
dÍgena que diz respeito ao seu lugar constituído no âmbito das políticas do Esta-
do, que impÕe rigoroso lirnite ao seu alcance poUtico-pedagógico. A escola ind!
gena por ser uma instituição do Estado, este se sente no direito de impor limite à
autonomia pedagógica e gerencial. Neste caso, a sociodiversidade só é admitida
e tolerada no âmbito da escola indígena, até o ponto em que ela representa uma
vantagem para o capÍtal no sentido de ampüar e diversifcar o mercado ou até o
ponto em que não questione os interesses das elites políticas e econômicas que
detém o domÍnio do poder.
Além disso, as escolas indÍgenas, por ineütável influência do mundo exter-
no, sofrem tendência de reproduzir os processos polÍtÍco-pedagógicos gxcludentes
das escolas não indígenas;onde a sociodiversidade se transforma em princÍpio de
' desigualdade. A escola indÍgena precisa ajudar a combater esse tipo de exclusão e
desigualdade que se sustenta no discurso de que todos fazemos parte da mesma
sociedade, mas cada um vale, cohforme a sua origem escolar, seu pertencimento
étnico e sua condição econômica. Os povos indÍgenas além de serem classificados
como pobres são também indígenas, como se ser índio fosse ser inferior e indigno,
o que muitas vezes os impede de ter acesso a serviços, bens e direitos.
A educoçõo escolor indígeno: ovonços e limites no orticuloçõo
entre diversidode e desiguoldodes
A escola indígena é o espaço institucional, por excelência, de diversidade,
não apenas étnica, cultural e linguistica, mas também de gênero, diferenças etá-
rias, de visões de mundo, projetos coletivos, valores e experiências vividas. Nas
aldeias indígenas é comum"a existência de escolas ou mesmo salas de aula em que
estudam crianças, jovens e adultos de diversas ctilturas e de diferentes línguas.
Essa convivência multiétnica e multicultural cria sensibilidades para lidar com a
diversidade humana e faz deles os maiores defensores da interculturalidade como
forma de vida, no sentido de convivência solidária,
recíproca, interdependente e
complementar .Ci tocomoexemplo,osmaisdel0mi l indígenasnoensinosu.
;;;üt ou mais da metade da
população indígena lo,Btu:tl1Ï-**
em centros
urbanos, que mesmo sofrenãolnúmeras dúculdades,
não abrem mão de seus
sonhos, Projetos e ideais de vida'
o direito de acesso a uma escola própria é resultado.de
luta dos povos in-
dígenas. Além disso,ï.a"..çao escolar indÍgena
é um direito conquistado no
âmbito mais amplo da luta mundial dos direitos
humanos' A luta histórica por
direitos humanos ,ro morrdo pós-colonial e pós-contato
coirtribuiu para a con-
quista dos direitos específicos dos povos indígenas,
dentre eles, o acesso a edu.
cação escolar. O proiesso de reconhecimentã
dos direitos humanos dos povos
indígenasnocenáriointernacionalrepresentouopróprioreconhecimentodahu.
manidade e da cidadania indígena. Isso Porque dúrante
a fase inicial da conquista
os colonizadores tiveram dúúas sobre a humanidade
dos indígenas' levando-os
a serem considerados ,.* .utto'", sem alma, sem
lei e sem fé. E se eles não eram
humanos então não p'ài". ser frlhos de Deus, cidadâos
ôu súditos'
o direito , igi"rãiã. no canÌpo do direito humano
universal foi funda-
mental para a garantia dos direitos ãe cidadania
indígena, como os direitos ao
território, à educação, à saúde, ao emPÍego' à alimentação
e.outios' No caso bra-
sileiro, os direitos humanos avançaram muito mais
que os direitos indígenas es-
pecíficos. nrt. .uunfo àos direitos humanos sobre
os direitos indígenas trouxe
difrculdades
"o
recorrhecimento da importância dos direitos humanos
para os
povos indÍgenas e ao mecmo tempo garantir os seus direitos
específicos' Isso por-
que os direitos humanos universais não podem sobrepor-se
aos direitos indÍge-
nasespecÍf icos,namedidaemqueosprimeirostendemsemPreauniversalizar
. ioriog.neizar todos os direitos, enquanto que
os direitos indÍgenas primam
pelas especiflcidaa.s e parucularidade, d. dir.itor,
que garantem a continuidade
ã;;;.t p:o*r, culturalmente específicos e diferenciados'
Quando estamos falandó das especificidades
indÍgenas, estamos nos refe-
rindo a algumas caracterÍsticas comuns entre eles,
tais como: são povos origi-
nários habitantes do país e do continente americano
muito antes da chegada e
ocupação dos conquiitadores euroPeus e são povos
com ascendência e perten-
cimento histórico, étnico, cultural, territorial e espiritual
próprio' A ascendência
étnica é uma relação ancestral fundamental Para a
auto-úrmação identitária e
continuidade histórica do Povo'
A educação escolar indÍgena está caracte izadapelos
diteitos diferenciados
e especÍfrcos para g"r*ti, a ãohtinuidade da sociodiversidade
indígena' Os
dois campos de direitos (iurrr*o, e indígenas) sofrem
lirnitações e problemas de
ordens conceituais . fieìi.or. Nos últimãs anos, o
campo dos direitos humanos
passou a ser urn *d;;lr"do, manipulado e por vezes
perveftido por parte de
iadicais fundament"iirt"t de grupos religiosos e polÍticos,
coÍno o que vem acon-
;]j;ï';'ii;:tt ."#;J;títprecoïceituosa sobre o tema do
"infanticídio"
entre povos indÍgenas, criminalizando as culturas indígenas, tudo
em nome dos
,oporãr direitos-humanos universais. Na prática é o autoritarismo
cultural do
ocidente que se considera e se impõem aoJ outros como portadores
de civiliza-
ii" ma.i*" ou perfeita, que levou à no.çáo
de que osdireitos humanos (ociden-
tais) são superiores a quaisquer outros direitos ispecíficos, se consolidando
deste
modo o paàrnalis*o i tut.l. Jurídica dos direitos humanos.
Disso resulta que os diróitos indÍgenas, sofrem limitações e dilemas'
princi-
p.lm.nt. quanto e atviaa gerada do uiiversalismo dos direitos humanos'
de que
aqueles poãu* ser tratado-s como direitos adicionais ou complementares
neces-
sários para suprir a vulnerabllidade ou incapacidade indÍgena
(humana)' o que
;ustificãria a proteçao paternalista do
Estadò. Nosso entendimento é de que os
direitos indígenas, não'sáo complementares nem adicionais, são equivalentes
ou
no mínimo úter-relacionados. ô, pouos indÍgenas ganharam o direito
de serem
cidadãos plenos, ou seja, podem ser cidadãos específicos-pertencentes
aos seus
povos e nacionalidades ao mesmo tempo gozam também da cidadariia brasileira'
importantes para se pensar a autonomia élnica (interna), a autonomia
relacional
ou'tutelar (intra-gstado) e para a auto-rePresentação e representação.
Masaautonomiapressupõeliwepensamentoedecisáo,queprecisaY.'.
carada como conquista, exercício e vivência. É aqui gue- entra o desafio
político-
-fedagógico da educação escolar indígena. Como conciliar, na prática pedagógi-
ca a antinomia entre o direito universal à igualdade de condições e oPortunidades
e o respeito às diversidades étnicas e socióculturais, principalmente se levarmos
em consideração as inevitáveis seduções do mundo capitalista e classista globali-
zado que arrastam Pessoas' Povos e culturas inteiras'
' Essa encruzilhada soliopolítica é o principal dilema da escola indígena
atual. Como sair dessa armadilha? Cremos que ainda não temos respostas' Mas
é importante termos clarezae conCciência desses desafros para ajudar os Povosindígenas na busca Por resPostas e caminhos próprios'
A escola indígena, pãr valorizar os conhecimentos, as culturas e os valores
indígenas, não pode ser usada para justificar sua exclusão. Mas também ela não
podã ser induÍãa de forma irreÍletida nas chamadas políticas inclusivas, pois isso
seria um retrocesso histórico ao tempo das políticas integracionistas e assimila-
cionistas do Estado colonial, quando inclusão, integraçáo e assimilação indígena
significava negação, condenação e destruição'das culturas indígenas, como forma
de limpez" étnica. Só se pode admitir políticas inclusivas nos termos próprios dos
povos indÍgenas quando se trata de reconhecer e garantir os direitos específicos
como é a educação escolar indÍgena específrca e diferenciada no âmbito da políti'
ca nacional ou como direito humano universal, mas garantindo suas distinções e
diferenciações próprias, sendo necessário para isso o estabelecimento de políticas
públicas especÍficas com normas e procedimentos administrativos igualmente es-
pecíficos. euerer aplicar os procedimentos financeiros e administrativos destina-
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dos às escolas não indígenas para as escolas indígenas é outra forma profunda de
exclusão que gera desigualdades inconsequentes para a garantia de direitos dos
povos indígenas à educação própria, na medida em gue desiguala em termos de
possibilidades e oportunidades aos grupos sociais diferenciados, minoritários e
historicamente excluídos.
Nosso intento aqui foi de demonstrar a necessidade do aperfeiçoamento
da escola indÍgena. Afrnal de contas, a formação escolar tem igUalado ou desi-
gualado os indivÍduos e os coletivos indígenas? O domínio da escrita sobre a
oralidade tem igualado ou desigualado os indMduos e os coletivos indÍgenas?
 escola indígena pode ter profundas contradições e limitações, mas tem sido e
continua sendo fundamental para a conquista e a garantia dos direitos indÍgenas,
para reduzir a brutal verticalização da dominação política, cultural e econômica,
para reduzir a assimetria na relação povos indÍgenas e Estado/sociedade nacional
e ainda para melhorar a correlação de forças políticas necessárias no plano da
convivência regional, nacional e global.
, O ponto principal da análise parte da percepçãorde que as ProPostas de
especifrcidade, diferenciação, interculturalidade, diálogo intercultural no âmbito
da escola indígena contemporânea não foram suficientemente caPâz$, tanto no
campo teórico quanto na prática, de responder às necessidades,e demandas indí-
genas esperadas dela.
Experiências em curso sugerem que a escola indígena tem nivelado Por
baixo a qualidade do ensino, forjando um novo indígena que, Por um lado, Pouco
conlrece sua realidade e cultura indígena em decorrência do processo de distan-
ciamento gradativo em função da escola e, por outro lado, também pouco domina
a realidade e os códigos da sociedade nacional e global. Ou seja, em função da or-
ganizaçâo do tempo, espaço e conteúdos adotados pela escola indÍgena, copiada
ou espelhada no modelo de escola branca, não é possível atender adequadamente
as demandas e os anseios das comunidades indígenas. Há consenso entre edu-
cadores de que a escola atual não consegue atender adequadamente a sua tarefa
junto à sociedade nacional. Como se pode esperar que dê conta das demandas
especÍficas dos povos indÍgenas, que demandam além dos conhecimentos mo-
dernos, os conhecimentos e valores tradicionais?
Também existe a ideia de que a escola indígena precisa resolver todos os
problemas das relações altamente assimétricas entre os dirigentes da sociedade
nacional e os povos indígenas. Em uma sociedade de imensa desigualdade socid,
como é a brasileira, a escola não pode resolver tudo. Se não resolve para os não-
-indígenas porque deveria resolver para os indÍgenas? Essa incipiência do empre-
endimento escolar produz novas gerações de indígenas em parte incomodadas ou
preocupadas por não conseguirem corresponder às expectativas de suas comuni-
dades, principalmente quando se trata de jovens que saíram para estudar fora de
suas aldeias com o mandato de suas comunidades, como é o caso dos estudantes
universitários das Ações Afrrmativas que em geral conseguem as vagas c9m anu-
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ência formal (carta de recomendação) de suas lideranças. O mesmo acontece no
campo profrssional pelas dificuldades que enfrentam na concorrência no mundo
do mercado de trabalho ou no próprio processo escolar em níveis mais elevados'
Esta pode ser arczáoprincipal páa qual, muitos jovens estudantes indíge-
nas não conseguem voltar p.t. to.t comunidades após conclusão de seus pro-
cessos formativos, por insegurança ou mesmo pela cetteza de que não poderão
contrlbuir com suas .o-oiid.des nem mesmo nas práticas cotidianas da vida
tradicional, pois até isso perderam, em consequência do longo tempo fota das al-
deias. O retorno à comunidade só é facilitado nos casos em que se trata de empre-
go garantido, portanto, na condição de assdariado, e em geral, como funcionário
itúi.o, .o*o ocorre com maior frequência no cÍlso dos
p:ofessores indÍgenas'
Na prática, os povos indígenas esperam que a escola indígena ajude a re-
solver suas necessidaâes concretas a partir das técnicas do mundo branco' Dos
estudantes indÍgenas é esperado que dominemt Por exemplo, as técnicas de agri-
cultura, piscicultura, saúãe e outros bens e serviços de que precisam Para melho-
rar suas condiçóes de trabalho e de vida. Tudo isso não precisa ser em detrimento
das tradições, culturas e identidades dos estudantes indÍgenas.
É importante destacar que Para os Povos indígenas a instituição escolar é
hoje uma "necessidade pós-contato" (DLAS D,{ SILVA, 1998, p. 31), um desejo e
um direito, qualquer que seja suavertente político-pedagógica e ideológica' Esses
povos não abrem mão do acesso à escola, pois lutaram ao longo do tempo para
qoe esse acesso se tornasse um direito e uma realidade. É importante considerar
qo. .tn muitas situações, a escola não foi imposta a eles, mas sim, por convenci'
Àento de que ela é o instrumento de civilização e progresso do homem branco,
,incorporad-a à visão local. Deste modo, o que foi imposto foi a visão de mundo
própr1o dos povos euroPeus e não a escola, embora ela seja um dos instrumentos
ãesia visão, rnas não necessariamente. A escola não preçisa ser aPenas instru-
mento de reprodução da üsão de mundo do ocidente euroPeu' pois se abrem
possibilidadãr prt. se repensar as escolas indígenas como jnstrumento também
ãe produção e reprodução de outras visões de mundo e de modos de vida. Os
povos indÍgenas ãstáo desenvolvendo proçessos de apropriaçôo da antiga escola
colonial pala atender suas demandas e interesses atuais. Os povos indígenas no
Brasil ainda nao pautaram de forma sistemática e gualificada em sua agenda in-
terna a reflexão e o debate sobre o papel e o impacto da escola na e Para a vida fu-
tura de suas coletividades,limitando-sé à discussão de sua necessidade e impor-
tância como direito subjetivo e instrumental. Ísso pode ser percebido pela pouca
importância conferida à participação indígena quando se trata de discussão de
ptõj.to político-pedagógico da escola ou nos momentos e esPaços privilegiados
de mobilização e articulação do movimento indígena junto ao governo.
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A demondo por outogestõo e os territórios elnoeducocionois: em
üìãã iã ,"itistãmoïe educoçõo escolor indígeno próprio?
Em 2009 o presidente Lula assinou o Decreto 6861 criando os Territórios
Etnoeducacionais. É uma nova base de planejamento e gestão das políticas da
educação escolar indígena no paÍs a partir da configuração dos etnoterritórios
inAj.n.r no lugar das-divisóes territoriais dos municÍpios e dos estados. A idéia
cential é a neceJsidade de aprofundar e quálificar o que.preconiza o artigo 23lda
constltuiçõo Federal de tg-gg, quanto à implementação depolítlcas de reçonhe'
cimento das dlferençasculturais e dos proJetos de continuidade sociohistórica de
cada povo indígena, referenciados nas relações simbólicas e práticas que estabe-
lecem com os seus territórios.
Territórios Etnoeducacionais são áreas territoriais específicas que dão úsi-
bilidade às relações interétnicas construídas como resultado da história de lutas
e reafirmação éinica dos povos indígenas, para a gaçantia de seus territórios e de
políticas específicas tt.s árear de saúde, educação e etnodesenvolvimento (FGV
bnhne, em acessado 20tA512012), A ideia de etnoterritório búsando políticas
públicas voltadas aos povos indígenas é uma importante inovação histórico-con-
ceitual que pode mudar as estruturas de pensamento dos dirigentes, gestores e
técnicoJgovernamentais. Seu alcance em termos de impactos e resultados é de
médio. úttgo prazo,pois sabemos a morosidade com que Pensametttos e cultu-
ras enraizadas mudam'
A nova organizaçáo dos serviços de atendimento educacional precisa cor-
responder aos reipectivos etnoterritórios indígenas, que leve etn consideração a
disiribuição das terras, das línguas, do patrimônio material e imaterial e, princi-
palmente, as relaçóes sociais, culturais, políticas e econômicas.
Existe também a expectativa de que os Territórios Etnoeducacionais for-
Ínem uÍna base gerencial do futuro Sistema Nacional de Educação Escolar Indl
gena ou Sistema Próprio, amplamente discutido e aprovado pela I Conferência
úacional de Educação Escolar IndÍgena, rcalizadtem 2009. O Sistema Próprio de
Educação Escolar Indígena seria um conjunto ordenado e articulado de normas
jurÍdicas, administrativas, financeiras e pedagógicas
" Pyel
de garantir o cum-
primento efetivo das obrigações do Estado por meio dos diferentes nÍveis de go-
u.rno quanto aos direitos indÍgenas no caÍnPo da educação escolar, já garantidos
pela Constituição Federal e normas infraconstitucionais.
A necessidade de um sistema próprio se justifica pela incapacidade dos
atuais sistemas de ensino do país de atender as realidades indÍgenas no camPo
do ensino escolar, conforme preconizam as leis nacionais e internacionais vi-
gentes. Os tais sistemas de ensino se estruturam e oPerÍIm com base em visões
e práticas homogeneizantes e universalizantes da educação, não contemPlando
as diversidades e especifrcidades socioculturais, pedagógicas e epistemológicas
dos povos indíg.nas.
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Nosso foco é a relevância do conceito "etnoterritório" como referência só-
cio-espacial para a concepção e organtzação da política pública, principalmente
por úolocai a importância sirnbóÍca e prática da noção de território indÍgena'
superando a noção tutelar de "terra lndÍgena" que segUndo Little é "uma categoria
luitdica que originalmente foi estabelecida
pelo Estado brasileiro para lidar com
pouo, inâtgenaJdentro do marco da tutela" (LITTLE, 2002, p.13). Isso confir-
ma a existência de uma pluralidade de usos não hegemônicos do território que
buscam aproximar potÍtiia e território, que constroem estratégias de autonomia
a partir de lutas etnoterritorializadas. Essa constatação da importância das et-
nóterritorialidades indígenas ainda presente nos dias atuais se contrapõe à visão
comum de que um dosirincipais efeitos da globalização e do multiculturalismo
(hibridismoj é a fragüizáção do vÍnculo entre um fenômeno cultural e.a sua situ'
ação geográfica.-Assim,
o Estado brasileiro reconhece o processo histórico de etnoterrito'
rializaçáo dos povos indÍgenas e abre novas possibilidades de recuperação das
autonomias étnicas no htãrior do Estado, na PersPectiva do que |oão Pacheco de
Oliveira Filho denomina de tertitorialização indlgena como o movimento pelo
qual um objeto polÍtico-administrativo - no Brasil - as comunidades indÍgenas
- rr.* . se transfõrmar em uma coletividade organizada, formulando uma identi-
dade própria, instituindo mecanismos de tomada de decisão e de representaçfo'
e ,.ustrrriurando as suas formas culturais (OLIVEIRÂ FILHO, 2004, p.24). No
caso dos territórios etnoeducacionais, o sentido é ainda mais abrangente, por in'
cluir também a dimensão administrativa das políticas públicas, sob a responsabi'
lidade do Estado.
Segundo Oliveira Filho
'h dimensão estratégica PÍìra se Pensar a incor-
poração ãe populações etnicamente diferenciadas dentro de um Estado-nação é
a teriitorial'; 1ibid. p. 23). Na vida cotidiana dos povos indÍgenas no âmbito da
educação escolar, as fronteiras impostas e representadas por meio dos diferentes
e diveisifrcados sistemas de ensino significaram quase semPre segregação, discri'
minação, destgualdade e fragmentação dos direitos.
Essa forma de divisão político-administrativa do Estado brasileiro gerou
profundas desigualdades e injustiças aos Povos indígenas' Em primeiro lugar re'
iorçou a histórita divisáo e fragmentação étnica desses povos, enfraquecendo sua
resistência frente à dominação colonial, dificultando sua articulação, mobüzação
e organização intra e interétnica, no momento em que deveriam suPerar suas
diferenças intertribais para se unirem em torno de interesses e objetivos comuns
diante do processo devastador da frente colonizadora.
Em segundo lugar, impôs profundas desigualdades no atendimento aos seus
direitos e interesses coletivos, na media em que ficaram à mercê de uma diversida'
de de orientações e vontades políticas dos dirigentes dos estados e dos municípios.
Assim, temos hoje situaÇões em que um Povo que fala a mesma lÍngua, mas' em
um estado este povo é atendido com uma escola bilíngue e ensino médio, material
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didático próprio e com formação de professores em nível superior, enguanto que
em outro estado, este mesmo povo não dispõe de nada disso e sua luta ainda se
concentra pelo atendimento nas primeiras séries do ensino fundamental.
Em terceiro lugar, o modelo atual de planejamento e gestão fragmentada
criou enormes dificuldades no campo das políticas públicas para o atendimento
adequado à grande diversidade sociocultural dos povos indígenas. Um estado
como o Amazonas, que possui mais de 64 povos indígenas, enfrenta gigantesco
desafio para planejar e executÍu políticas capazes de atender adequadamente essa
diversidade, pois nesse caso, seria necessáriopensar pelo menos 64 programas de
formação de professores, 64 políticas linguísticas com pelo menos um especialista
em cada uma das línguas faladas, 64 ações de elaboração de material didático, e
assim por diante.
Além disso, há um aspecto extremamente relevante para a vida nacional
que são as terras indígenas, que hoje somaÍn mais de 13% do território nacio-
nal e mais de 22% na Amazônia Legal. Isso significa dizer que 13% do território
nacional estão sob a responsabilidade direta dos povps indígenas na sua gestão
e segurança sociaÌ, territorial, ambiental e econômica. Os povos indígenas, por-
tanto, precisam adquirir competências técnicas e políticas para uma boa gestão
desses territórios, que só conseguirão por meio de uma educação adequada e de
qualidade oferecida e garantida pelo Estado brasileiro.
Existem alguns aspectos relevantes que os Territórios Etnoeducacionais
inovam no campo da cultura política, administrativa e pedagógica. O primeiro
diz lespeito ao reconhecimento pelo Estado brasileiro, de que os povos indígenas
possuem suas territorialidades próprias, muito diferentes daquela estabelecida
pelas divisões polÍtico-administrativas do Estado que separou povos e famÍlias
indígenas inteiras em nome da imaiinada unidade nacional. Esta visão e prâ-
tica política não resolveram a questão da unidade nacional e nern a integração
dos povos indígenas a esta preconizadaunidade nacional, exatamente porque em
primeiro lugar, gerou profundas desigualdades e injustiças sociais, econômicas e
culturais e em segundo lugar, porque o povo brasileiro deseja que o país continue
sendo pluricultural e multiétnico, representado, por exemplo, pelos mais de 200
línguas faladas no Brasil, das quais180 são línguas de mais de225 povos indÍge-
nas reconhecidos pela Constituição Federal.
O segundo aspecto diz respeito à possÍvel retomada e reconstrução das au-
tonomias ou autogestão dos territórios indÍgenas no âmbito dos planos coletivos
de vida desses povos. O exercício da autonomia indÍgena no âmbito interno pres-
supõe referências sócio-espaciais e sócio-históricas para uma governança c^paz
de articular as diferentes dimendões da vida coletiva e indiüdual. Os povos indí-
genas do Brasil buscaram nos ultimos 30 anos recuperar o aspecto sócio-histórico
(ancestralidade, origem étnicia/etnicidade, culturas, tradições) e o aspecto espa-
cial (terra) como meio para sobrevivência principalmente física. Buscam recom-
Por agora o aspecto sócio-espacial que completaria um importante período cíclico
de sua história de resistêncla e afirmação étnica pós-contato.
Deste ponto de vista, é possível e desejável gue, no futuro, os Territórios
Etnoeducaciónais (TEEs/MEC), os Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DI-
SEIs/MS) e as Coordenações Regionais da FUNAI (CR/FUNÁ'I/MJ), se trans-
formem em exercícios e experiências pioneiras de autonomia de gestão pública
territorializada dos Povos indÍgenas.
O terceiro aspecto refere-se à possibilidade de construir uma experiência
de participação e controle social indÍgena mais efetiva no âmbito das polÍticasde
educaçaoiscolar tndígena, na mcdlda cm gue se devem criar dinâmicar dc pla-
ncjamento e gcstüo confguradas segundo as territorialidades defintdar coleüva'
mente com permanente participaçõo e euvolvimento de represententes lndígenas
por meio das Comissões Gestoras de cada Etnoterritório.
Mas tudo isso depende, em primeiro lugar, da forma como os povos indí-
genas irão se apropriar ou não deste instrumento e' em segundo lugar, até onde o
Éstado brasileiro e em particular o MEC e os sistemas de ensino estão disPostos e
preparados a ir quanto à implementação desta ideia. Não tenho dúvida do potcncial
da proposta, no sentido de possibilitar possÍveis avanços na construção de novos
parâmetros de relação do Estado brasileiro com os povos indígenas, em particular
no."mpo da educação escolar indígena. O tamanho dos avanços depende funda-
mentalmente do tamanho de autonomia que o Estado garantirá aos Povos indíge-
nas na autogestão de seus etnoterritórios e na viabilidade política, administrativa'
estrutura institucional, pedagógica e financeira dos territórios etnoeducacionais'
imoginondo olgumos possibi l idodes
Diante dos desafios apresentados, arrisco pensar algumas possibilidades.
A primeira idéia é limitar o papel da escola à transmissão de conhecimentos do
mundo moderno e retomar a responsabilidade da comunidade ou do povo in-
dígena pela educação tradicional de seus membros e pela reprodução de seus
conhecimentos tradicionais. A questão posta aqui é como garantir o diálogo in-
tercultural na prática? Ou seja, como e em que Ínomento a comunidade deve
fazer esse diálogo com ou.junto à escola? Devolver à comunidade e às famÍlias
a responsabilidade pela educação das èrianças, jovens, adultos e velhos (função
que a escola roubou e de fato nunca cumpriu) seria um momento oPortuno Para
recuperar e retomar as diferentes formas de educar, transmitir conhecimentos e a
partir disso, quem sabe, descobrir outras formas e outros instrumentos de acesso
a conhecimentos tecnológicos e cientÍficos. Isso também estimularia definir com
maior clarezae praticidade o.papel da escola, da família e da comunidade no pro-
cesso de educação indígena. Essa perspectiva atenderia a idéia de uma "educação
indígena na escola" defenãida por Bartomeu Melià (1999), tornando a escola ape-
nas um dos instrumentos de diálogo, de conexão e de exercício da reciprocidade
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de sua história de resistência e afirmação étnica pós-contato-'
Deste ponto de üst", é possívei e desejável que, no futuro'
os Territórios
Etnoeducacionais (TEEs/MEC), os Distritos Sanitários Especiais
Indígenas (DI-
sEIs/MS) e as Coordenaçôes Regionais da FUNAI
(CR/FUNAI/MD' se trans-
formem em exercícios e Ëxperiêricias pioneiras de autonomia
de gestão pública
territorializada dos Povos indígenas'
O terceiro aspecto referã-se à possibilidade de construir uma
experiência
de participação e controle social indígena mais efetiva no âmbito
das políücas de
educação escolar indílena, na medidã em que se devem cilar
dinâmicas de pla-
nejamento e gestão .oïngot"a.s segundo ai territorialidades
definidas coletiva-
mente com permanente participação e envolvimento de rePresentantes
indígenas
por meio das Comissões Gestoras de cada Etnoterritório'
Mas tudo isso depende, em primeiro lugar, da forma como os
povos indí-
genas irão se apropriar ãu nao deste instru-.ttto e' em seg'ndo lugar,
até onde o
Estado brasileiro e em particular o MEC e os sistemas de ensino estão
dispostos e
preparados a ir quanto i i*pt.*.ntução desta ideia. Não tenho dúvida
do potencial
da proposta, no sentido de possibitiiar possíveis avanços na construção
de novos
p"ratnitor de relação do Bsiado brasileiro com os Povos indígenas,
em particular
no campo da educação escolar indígena. o tamanho dos avanços depende
fu1da-
mentalmente do tamanho de autonomia que o Estado garantirá aos Povos
indíge-
nas na autogestão de seus etnoterritórios e na viabilidade política,
administrativa'
estrutura institucional, pedagógica e financeira dos territórios etnoeducacionais'
lmoginondo olgumos possib i l idodes
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Diante dos desafios apresentados, arrisco Pensar algumas possibilidades'
A primeira idéia é limitar o papel da escola à transmissão de conhecimentos
do
mundo moderno e retomarì iesponsabilidade da comunidade ou do
povo in-
dígena pela educação tradicion.f d. seus membros e pela reprodução
de seus
cúhecimentos tradicionais. A questão posta aqui é como garantir o diálogo
in-
tercultural na prática? ou seja, como e em que momento a comunidade
deve
fazer esse diálógo com ou lunto à escola? Devolver à comunidade e às
famflias
a responsabilidide pela educação das crianças, jovens, adultos e velhos
(função
que a escola roubou e de fato nunca cumpriu) seria um momento oportuno para
,i.,rprr", e retomar as diferentes formas de educar, transmitir conhecimentos e
a
partir disso, quem sabe, descobrir outras formas e outros instrumentos de acesso
a conhecimentos tecnológicos e científicos.Isso também estimularia definir com
maior clarezae praticidade o papel da escola, dafamília e da comunidade no pro-
cesso de educação indígena. Ègu prrtpectiva atenderia a idéia de uma "educação
indígena na escola" defãndida por Bartomeu Melià (1999), tornando a escola ape-
nas um dos instrumentos de diálogo, de conexão e de exercício da reciprocidade
e da complementaridade, perdendo seu suPerespaço
social e o seu superpoder de
substituii a família e a comunidade'
A segunda ta.i. I inventar outra(s) escola(s)
capaz(es) de dar conta ao
mesmo tempo . no ,,,.rrno espaço das duás
perspectivai: tradição e modernida-
de. Seria a escola do hibridismo ou da interc;ltu;alidade
no seu sentido limitado
de múltipla, p.rrp.liiuas ou, como denomina
Gadamer (2002), de "fusões de
horizontes,,. No entanto, náo acredito que
esse modelo tenha espaço na estrutura
elógicaatualda.,.otu.dassociedadesindígenas,pois'demandariaoutraforma
de organização, principalmente em termos
ãe tenr,po (suficiente para dar conta
da dupla função: t.Jilún.r e moderno)
e espaço (que não seja coletivo ou sala
de quatro paredes), Jtgttt"çu" cu*icular
t gs'iao' ̂ UT.'1t:to'o modelo conti-
nuaria retirando a..oï,r.riiade e da f".ffiu't
responsabilidade primordial pela
educaçãointegraldeseusmembros.Massequeremosdefatoatenderosinteres-
seslegít imosdospovosindígenasocaminhoéinventarumanovaescola,com
outralógica,outrafunção'outraorganiztçã'o'outropodereoutraconcepçãode
temPo e
iïrïÍï." refere-se a uma definição -1r.t1y {o eue
se compreende
e se espera ao, pro..lro, au aiaogo . d,
interculturalidade no âmbito da escola
indígena.como ;á iencionei, a=relaçáo
de diálogo intercultural pressupõe o
encontro de duas ou mais culturas ou
sociedades ãutônomas' Se as
gociedades
são autônom.r, ,ao i"rrruém legítimas.
os princípios fundamentais que norteiam
autonomias e alteridades cuúais são o
rãconhecimento e o respeito mútuo' Se
foraqsim,entãonãosepodeadmitir ingerênciasexterna:s..aessasautonomiase
alteridades. Nenhuma das partes, portaïto,
pode reivindicar ingerências sobre
outras autonomias. Neste sentido, ,. u ar.olu
ou a universidade que existem hoje
fazemparte do o,,iuurso sociocultural das
sociedades ocidentais européias, os
povos indÍgenas
";;;;ã.^
reivindicar ingerências sobre elas em respeito
à au-
tonomia dessas socieãades' do mesmo
toão que a escola' a universidade ou as
sociedadesmodernasnãopodemreivindicarouProPormudançasnosmodos
próprios au .ao..fiã ão, ir*"r indígenas
em respeito às suas autonomias so-
cietárias. Mas não é isso que vemos acontecer,
pois os P_ovos indígenas' Por um
lado, reivindicam o direito de terem s.os
modos de vida respeitados, inclusive
suas instituiçÓes próprias; por outro lado,
reivindicam o direito de participação
nas tomadas de decisões e ãe intervenção
nas estruturas socioculturais' políticas
e econômicas no mundo branco'
ffifi:Ï#ïïJ'iacionat e as instituições governamentais
do mundo
- - - . - l r . - ^ . i n Á { c e n q c
urrn.ilïi';ir"t**;uo ou exercendo pressão
para que as culturas indígenas
.o Nãn ectort de-
::'â:ï:iïï J5ì;;. ro,-* de organização
da:ã: !1"ï*
Não estou de-
Árhi.^c ennrranto Daftgs dase adequem aos rruLruü::::;,:".;,;:;; ,quanto partes da
fendendo com isso que os índios ou outros Srulos..étnl:oj^::^,-^. áo viâe na-
:ïï;.ï1:"i: ffiffi;il;ãJ; *nu*"o áireito
de participar da vida na-
i r i rc t f l r rnêntos e
:ïrffi ,*ïïto d" Ãï, inr**do a ne ce s sidade
de .:i'1,'"ï
:':,::::ïï "::"",ÏïiiïJi.,1ffiiï;ffi; J;;; conce ituais
e práticas. Por exempro'
além dos povos indígenas reivindicarem mudanças nas estruturas das institui-
ções socioculturais .lro..rro, políticos da sociedade
dominante, deveriam tam-
bém construir suas estruturas e Processos próprios para atender suas demandas
e
necessidades, mesmo que incorporando modelos e experiências do mundo
bran-
co. Neste sentido, ao invés de rãivindlcar que o Estado brasileiro ofereça escolas
indígenas desejáveis, as próprias comunidades indígenas deveriam construir
suas
escolas de acordo com sãus desejos e interesses com apoio do Estado' Ao invés
de
propor e forçar que as universiáades, enquanto instituição e instrumento socio-
cultural das sociedades brancas europeias, os Povos indígenas deveriam construir
e criar suas universidades próprias, segundo seus modos de fazet, seus interesses
e seus desejos, mesmo que seja com apoio dos brancos e espelhados nas
suas
universidades.
Essa compreensão sobre a limitação dos projetos e modelos' mesmo bem
intencionados, é necess âtïa p43 evitar ilusões e frustrações, tanto por parte dos
povos indígenas e seus aliados, quanto por agentes do Estado que Por vezes ten-
tam construir processos alternativos em diálogo e parceria com os Povos indíge-
nas. É necessário, portanto, Pensar outros instrumentos e Processos para
lidar
com realidades e demandas atuais desses Povos. Os conceitos e ideais de intercul-
turalidade e diferenciação pedagógica possibilitaram avanços históricos impor-
tantes nas políticas e prátic;s edúcacionais das escolas indígenas e náo indígenas'
possibilitando questiãnar processos pedagógicos monoculturais historicamente
iregemônicor. Á bor." por esses novos caminhos deve começar pela avaliação
daiapacidade dos modelos de escolas que temos e idealizamos Para dar conta
das atuais perspectivas dos povos indígenas, profundamente dinâmicas e muitas
vezes únicas.
Porf im,lançoo,desafiodeProvocaranecessidadedeaprofundarocará.
ter intercultural de práticas pedagógicas no âmbito das escolas indígenas,
para
indagar se de fato .rtá r. .ottìttnúdo diálogos horizontais ou reproduzindo' in-
versamente, o processo de relação hierárquica, dualista e polarizada da relação
assimétrica entre os Povos indígenas e as sociedades dominantes, passando
a pri-
úlegiar e sobrepor os projetos indígenas aos projetos nacionais. Isso pode levar a
,.pJnr., as estratégia, dr lot. Por retomada das autonomias indígenas no
âmbito
do Bstado nacional; reconhecldas e apoiadas pelo Estado, mas não necessaria-
mente executadas Por ele.
Conclusõo
No campo da política nacional de educaçáo esçolar indígena, tivemos nos
últimos anos importantes avanços políticos e conceituais, fruto de luta dos povos
indígenas e de maior sensibilidade por parte dos agentes públicos operadores da
poliãc". Um desses avanços é a valorização crescente da sociodiversidade indíge-
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Realce
na na prática pedagógica, fruto do seu reconhecimento e de sua visibilização no
espaio governamental e na sociedade em geral.
Mas ainda há um longo caminho a percorrer com a necessidade de supe-
ração de vários obstáculos. Um desses obstáculos é transformar a sociodiversida-
de indigena do país, de instrumento de exclusão e desigualdade, para oportuni-
dade de transfoimação da escola e da sociedade mais solidária e igualitária, que
respeitem e valorizem a diversidade de culturas, de valores humanos, de visões de
mundo e de modos de vida, mas garantindo acesso qualifrcado aos conhecimen-
tos, tecnologias e valores próprios da modernidade.
No ambito governamental o desafio é grande, mas as possibilidades e as
oportunidades para superá-los também são muitas. A política dos Territórios Et-
nàeducacionais é a grande oportunidade, mas depende darrontade e da deter-
minação de garantir seu funcionamento efrcaz e efrciente. É a oportunidade de
superar ., põHti.ut excludentes e precárias dos sistemas de ensino, mudando o
que precisa ser mudado: mentalidade e cultura política para abrir-se aos novos
temios das políticas públicas da diversidade, melhorar iiifra-estrutura e cons-
tituir equipes qualifrcadas e investir de forma séria no protagonismo indígena
como o único meio para consolidar e qualificar qualquer política pública voltada
aos povos indígenas.
Notos.
I Em 199t, por decreto presidencial 026llggg, a responsabilidade pela oferta da educaçío
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