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O Direito na modernidade PROVA MARCOS COTRIM CONSULTA

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1 
 
O Direito na modernidade 
Um passeio pela história do Direito moderno 
Adeilson Oliveira 
Houve momentos históricos em que o direito era a expressão dos costumes consolidados 
em sociedades que ocupavam territórios relativamente pequenos e dotados de 
homogeneidade cultural. No imaginário típico dessas culturas, Como em toda 
organização tradicional, os valores tinham um caráter absoluto e inquestionável, e os 
modos corretos de agir eram aqueles reconhecidos pelos costumes. 
E o costume ninguém tinha autoridade para modificar, nem mesmo os chefes políticos, 
que não podem alterar os valores sobre os quais se assentam tanto o seu poder. Essas 
autoridades até podiam transgredir certas regras sem sofrer punições, mas não fazia 
parte do seu imaginário a possibilidade da mudança da norma, pois a tradição é sagrada, 
inclusive aos seus próprios olhos. 
A sacralidade da tradição impede o seu questionamento e, nessa medida, não possibilita 
o surgimento de uma mentalidade reflexiva e histórica, capaz de perceber que somente 
existem valores criados pelo próprio homem. 
Isso não quer dizer que os homens criam intencionalmente seus próprios valores, mas 
que eles surgem como resultado de processos culturais que ocorrem na convivência 
humana. Porém, em toda sociedade tradicional, os valores não são percebidos 
como culturais, mas como naturais, no sentido de que a sua validade independe da 
cultura e que, por isso, tampouco pode ser alterada por meio de decisões políticas. 
Por isso mesmo, o processo de modernização do direito pode ser encarado como 
uma destradicionalização do direito, que é gradualmente trasladado do campo 
dos costumes para o campo da política, em uma passagem que modifica profundamente 
a percepção das relações entre o direito e o indivíduo. 
Como expressão coletiva, o direito consuetudinário era a expressão de uma determinada 
tradição cultural, cuja imposição heterônima às pessoas que compõem a comunidade 
dispensava qualquer tipo de justificação, pois estava no campo da obviedade. 
Quer dizer, não existe, nas sociedades tradicionais, a construção de um lugar de fala a 
partir do qual o indivíduo poderia questionar a validade das obrigações que lhe eram 
impostas pelo costume. Com isso, a fixação das normas jurídicas não era um atributo 
da política (exceto para o direito acerca da própria administração do poder), pois não 
era uma questão de decisão. 
Esse era o mundo do Capitão Rodrigo Cambará, que, no começo do século XIX, bateu-
se em duelo de facas com o filho do Coronel Amaral, chefe político de Santa Fé, uma 
cidade no interior dos pampas gaúchos. A luta foi travada em um lugar ermo, pois o 
duelo era proibido pelo direito estatal, embora reconhecido pelos costumes. Ambos os 
participantes haviam deixado suas pistolas na cidade e prometido lutar apenas com 
armas brancas. Porém, ao sentir que era inevitável a derrota, Bento Amaral atirou contra 
o Capitão e fugiu. Essa traição não era admitida nos códigos jurídicos e morais vigentes 
e, por mais que ninguém tenha punido o jovem filho do Coronel, a imoralidade da 
traição era evidente para todos, inclusive para seu pai. Assim, a regra que veda 
a traição não era percebida por nenhum dos personagens deste drama como uma norma 
que pudesse ser alterada por meio de uma decisão política. 
2 
 
E as regras costumeiras sobre o duelo continuavam sendo válidas, apesar de serem 
excluídas pelo direito estatal vigente, pois Érico Veríssimo situa esses acontecimentos 
numa época em que poder central não tinha a possibilidade de se impor sobre a rede de 
autoridades locais que governava cada região do Brasil. 
O desenvolvimento do direito moderno vai mudando gradualmente essa situação, pois 
ele faz parte de um processo de unificação do poder, em que as normas legisladas 
passaram a excluir cada vez mais eficazmente os costumes locais que lhe eram 
contrários. Esse foi o caso da proibição do duelo, uma das primeiras atitudes dos 
Estados em sua tentativa de monopolizar o uso da violência social. 
Também foi o caso da exclusão das milícias armadas que atuavam em nome das 
autoridades não-estatais, como era o caso dos cangaceiros, contada com maestria 
no Grande Sertão: Veredas, cujo pano de fundo é a substituição do poder 
descentralizado dos coronéis pelo poder centralizado do Estado, que que impôs uma 
nova ordem ao Sertão, com sua polícia e seu exército. E quem nos conta essa estória é 
Riobaldo, convertido de chefe de bando em um respeitável fazendeiro na nova ordem 
estatal e legislada. 
Na Europa, porém, a passagem do direito costumeiro para o legislado, foi mais lenta, 
mais antiga e não se deu de maneira direta. Se o Estado brasileiro do início do século 
XX já impunha seu poder por meio de um direito codificado (e a codificação do direito 
civil antecedeu inclusive a estatização do direito em muitas regiões do país), isso foi 
porque ele atuava inspirado por um modelo cuja consolidação na Europa foi fruto de 
processo de centralização longo e gradual, em que foram moldados os Estados 
modernos. Esse processo remonta ao séc. 
XIII, marcado por uma série de transformações sociais e políticas que determinaram a 
decadência do feudalismo na Europa ocidental e um paulatino fortalecimento do poder 
do Estado, acompanhado por uma crescente centralização do poder político nas mãos 
dos monarcas e do poder econômico nas mãos da burguesia. 
Essa nova sociedade que surgia não se fundava na afirmação das autoridades locais, 
mas na criação de Estados compostos por territórios amplos e integrados por regiões 
com costumes e valores diferentes. O que dava unidade a esses estados não era a 
homogeneidade cultural, mas a submissão a um único soberano, o que exigia estratégias 
jurídicas que superassem o localismo das soluções consuetudinárias e dessem margem 
a uma organização mais homogênea dos Estados nascentes. 
Era preciso incorporar elementos jurídicos que superassem a dimensão notadamente 
local dos costumes, que tipicamente estruturam a vida de sociedades culturalmente 
homogêneas e têm um estreito âmbito de validade territorial. Porém, quando vários 
ordenamentos consuetudinários passam a ser regidos pela a mesma autoridade política, 
o exercício do poder exige uma certa uniformidade de regulação, o que faz com que 
ganhem relevo elementos que têm a potencialidade de oferecer uma certa unidade 
jurídica a comunidades heterogêneas e a grandes territórios. 
Tais elementos são justamente aqueles fundados na autoridade central, e não nos 
costumes locais. Assim, na medida em que os reinos europeus passaram a abranger 
áreas de costumes jurídicos muito diversos, o que ocorreu especialmente a partir do 
século XIII, adquiriram relevância os elementos que poderiam servir como padrões de 
unificação que permitissem o exercício centralizado do poder em uma sociedade 
heterogênea. 
3 
 
Naquela época, o grande modelo que se mostrou capaz de organizar essa nova sociedade 
foi o direito romano, que era o direito de um império unificado e que foi utilizado como 
uma espécie de modelo para a orientação do desenvolvimento de um novo direito, mais 
adaptado à realidade política e econômica que se consolidava. Houve, então, um 
renascimento dos estudos romanísticos. Especialmente na recém fundada universidade 
de Bolonha, passou-se a estudar o Corpus iuris civilis, uma compilação de textos 
romanos realizada no século V por ordem do imperador Justiniano 
a qual passou a ser a base da formação dos juristas e serviu como alicerce para a 
construção do direito europeu moderno. Assim, começou a ser formada uma classe de 
juristas que tinhas sua formação baseada no direito romano, o que implicou a transição 
de um modo de pensar enraizado no particular (pois os costumes eram fruto das 
concepções e valores cristalizados na sociedade medieval) para um pensamento de 
matriz universalizante, que buscava retirar do direito romano padrões aplicáveisde 
maneira universal. 
Essa universalidade rompe os padrões de pensamento do direito tradicional, que não 
pretende ter aplicação fora do seu próprio campo de abrangência cultural. O direito 
romano não é válido porque está baseado nas tradições, mas porque se trata de um 
direito superior, cuja validade não deriva dos costumes, mas do fato de tratar-se de 
padrões jurídicos corretos 
Essa adoção de um padrão de correção que suplanta os valores das tradições enraizadas 
localmente é um dos principais elementos da construção do direito moderno. Porém, 
não se tratou de uma ruptura com o modelo anterior, mas de uma transformação gradual, 
que partiu inicialmente de um certo equilíbrio entre o universal e o particular, de uma 
harmonização entre a tradição local (representada pelo direito costumeiro) e de uma 
ideia de universalidade (implícita no estudo do direito romano). 
Esse equilíbrio era obtido especialmente porque durante muito tempo o direito romano 
somente foi aplicável de maneira subsidiária, ou seja, ele somente era utilizado onde o 
direito costumeiro local era insuficiente para resolver os conflitos. Porém, o direito 
romano foi gradualmente ganhando espaço na mentalidade dos juristas, o que gerou 
uma perspectiva cada vez mais vinculada aos imperativos de universalidade e abstração 
que culminaram no jusracionalismo do século XVIII. 
Inicialmente (séc. XIII e XIV), os textos romanos foram tratados praticamente como 
textos sagrados, com incontestável autoridade, pois traziam o conhecimento de uma 
época áurea do passado e eram dotados de uma sofisticação jurídica inigualável nos 
tempos de então. O tratamento dado a esses textos era o de um respeito cerimonioso e 
a primeira grande escola de juristas a estudá-los limitava-se a explicar, mediante glosas 
(comentários colocados às margens dos textos), o sentido de cada uma das frases e 
expressões usadas no Corpus iuris civilis, motivo pelos quais esses juristas são 
chamados de glosadores. 
Porém, com o tempo, foi ganhando espaço a ideia de que não bastava esclarecer o texto 
de forma fragmentária, pois, por maior que fosse a sabedoria jurídica romana, a 
aplicação do direito romano aos casos concretos ocorridos na Europa do séc. XV 
(período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna) exigia uma adaptação dos 
textos às novas situações. 
Assim, os juristas que enfrentaram os problemas da adaptação do direito romano à 
realidade da época se impuseram o desafio de superar o modo tradicional de análise 
fragmentária dos textos e passaram a construir um conhecimento jurídico mais 
4 
 
sistematizado, induzindo conceitos gerais a partir das regras romanas, conceitos esses 
cuja generalidade e abrangência permitia sua aplicação às situações contemporâneas. 
Não se tratava mais de simplesmente aplicar as regras romanas às situações atuais, mas 
de entender os institutos romanos, constituídos por conceitos extraídos da 
multiplicidade fragmentária dos textos do Corpus iuris, e não pelas próprias regras. É 
essa passagem do nível dos textos em si para os nível mais abstrato dos institutos que 
podiam ser extraídos dos textos que marca o surgimento da escola 
dos comentadores ou pós-glosadores (séc. XV e XVI), cujo principal trabalho foi o de 
proporcionar uma análise integrada das fontes romanas, criando um conhecimento 
jurídico cada vez mais sistematizado e abstrato. 
Passou-se, gradualmente, de um estudo exegético constituído basicamente de 
comentários a textos isolados, para uma análise sistematizada do direito romano. Além 
disso, cada vez mais os juristas passavam da simples descrição das fontes históricas do 
direito romano, para um estudo do então denominado usus modernus pandectarum, ou 
seja prática atualizada do direito romano, que implicava uma leitura renovada das fontes 
romanas adaptando-o às novas necessidades sociais e relacionando-o com o direito 
legislado e consuetudinário. 
Esse esforço de sistematização prosseguiu nas escolas jurídicas até o século XVII, 
momento em que o passo definitivo no sentido da construção de um sistema jurídico 
autônomo foi dado pelos jusracionalistas, que libertaram o direito de sua vinculação 
estrita ao direito romano e defenderam a criação de um sistema jurídico baseado na 
própria razão. 
Tal processo de autonomização entre o sistema jurídico e o direito romano começa com 
Hugo Grócio no século XVII, passa por Hobbes, Leibniz, Puffendorf e culmina na obra 
de Christian Wolff, que, inspirado nos ideais racionalistas do iluminismo e no modo 
matemático de argumentar mediante deduções, elaborou em meados do século XVIII 
uma exposição sistemática do direito more geométrico (ao modo dos geômetras), por 
meio “de uma dedução exaustiva dos princípios de direito natural a partir de axiomas 
superiores até os mínimos detalhes”. 
Contudo, como bem adverte o historiador português António Hespanha, apesar de os 
jusracionalistas do século XVIII se oporem ao modelo romanista que os precede, eles 
somente puderam elaborar um sistema jurídico autônomo porque estavam calcados na 
progressiva construção sistemática do usus modernus. 
Assim, se Wolff foi capaz desenvolver um sistema dedutivo tão sofisticado, era porque 
naquele momento o sistema já estava praticamente perfeito, com seus axiomas 
elaborados: era possível, então, que o pensamento jurídico se limitasse a explicá-los de 
forma dedutiva. E é justamente esse passo que inaugura o pensamento jurídico 
moderno: construído a partir de uma depuração dos conhecimentos tradicionais, o 
jusracionalismo negou precisamente o seu apego à tradição, rejeitou sua ligação com a 
autoridade tradicional e buscou reconstruir seus fundamentos a partir de referências 
meramente racionais. 
Na medida em que se opõem à tradição que lhe deu vida e busca afirmar-se como uma 
teoria universalizante fundada na razão objetiva, o jusracionalismo se afirma como 
radicalmente moderno. 
Mas a contribuição mais perene do jusracionalismo não foram os múltiplos sistemas de 
direito natural (que, no fundo, repetem basicamente a tradição romanista e, portanto, 
5 
 
não trazem grande inovação), mas o oferecimento das bases para o desenvolvimento da 
teoria de justificação mais relevante da modernidade, que é o contratualismo. 
O contratualismo é uma argumentação que assenta seus fundamentos em uma visão 
jurídica de mundo, pois ele acentua o fato de que os vínculos que estabelecem a base da 
sociedade são estabelecidos por um “contrato”, ou seja, por um instrumento jurídico 
derivado da vontade individual das partes envolvidas. Dado que os homens eram 
entendidos como indivíduos livres e iguais, a única legislação válida seria uma espécie 
de auto-legislação, estabelecida por meio de uma decisão política fundada em critérios 
racionais. 
Assim, já não se trata mais da mera aceitação das verdades tradicionais, nem da 
justificação das autoridades constituídas, nem da afirmação de que a sociedade é uma 
derivação espontânea da natureza humana. Frente à crescente heterogeneidade das 
sociedades modernas e ao individualismo que as marca, era preciso uma teoria que 
religasse o homem à sociedade, e a única saída que se mostrou plausível foi a de 
estabelecer um vínculo jurídico, fundado no uso autônomo da razão. 
Hobbes, por exemplo, que elaborou pela primeira vez um sistema contratualista sólido, 
articula em seu conceito de direito natural os dos dois conceitos que sustentam as teorias 
contratualistas, que são o interesse e a razão individuais, afirmando, no Leviatã, que: 
“o direito da natureza, a que os autores normalmente chama de jus naturale, é a 
liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, 
para a preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente 
de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios 
adequados para esse fim.” 
Essa razão autônoma e livre, utilizadapelos sujeitos no sentido de garantir os seus 
interesses individuais, é uma marca do pensamento moderno que se mostra claramente 
no contratualismo e no seu caráter propriamente revolucionário, que é o de recusar 
veementemente todas as justificações tradicionais do poder oferecidas pelas vertentes 
jusnaturalistas precederam o jusracionalismo. Com isso, o jusracionalismo ofereceu 
uma linguagem na qual foi possível formular a ideia do contrato social abstrato, 
vinculado à razão e ao interesse individuais, e não à tradição e à autoridade posta. 
Essa tentativa de assentar a validade do contrato em uma lei natural derivada da própria 
razão humana foi repetida, com variações relevantes, por Locke (que sustentou um 
jusnaturalismo liberal contra o absolutismo hobbesiano) e por Rousseau (que construiu 
uma teoria contratualista democrática). 
Porém, em todos esses casos, a razão humana foi colocada na base de um contrato que 
estabelecia as bases para a organização de uma autoridade social legítima. E, na base 
da sociedade, não estava mais a autoridade, nem o sagrado, nem a tradição, nem a 
solidariedade, nem o vínculo com os antepassados, mas a norma, com sua abstração e 
generalidade. Portanto, foi o jusracionalismo que fixou a norma como o elemento 
jurídico fundamental, abrindo espaço para o positivismo normativista que veio a tornar-
se a concepção jurídica hegemônica do século XIX. 
Crise do jusracionalismo 
Os séculos XVII e XVIII foram o ápice do jusracionalismo, ou seja, das correntes 
jurídicas que entendiam ser possível descobrir regras jurídicas racionalmente 
necessárias e, nessa medida, universalmente válidas. Antes dessa época, o direito 
6 
 
natural era entendido como um conjunto de princípios genéricos, ligados à ideia de 
justiça, que serviam como padrão para aferir a legitimidade do direito positivo. 
Era assim, por exemplo, em São Tomás, que afirmava que o direito natural resumia-se 
basicamente no princípio faz o bem e evita o mal, sem decompô-lo em um sistema de 
regras específicas e hierarquicamente estruturadas, tal como vieram a fazer vários dos 
jusnaturalistas da Idade Moderna. 
Ademais, como ensina o historiador francês Michel Villey, tanto na Antiguidade 
clássica como na Idade Média, o próprio termo direito não se referia a um conjunto de 
regras. Nessa época, a palavra empregada para designar o direito era derivada do 
adjetivo latino jus, sendo que o direito não era tratado como uma coisa (ou conjunto de 
coisas), mas como um predicado a ser atribuído. 
Assim, o termo “direito” não era utilizado como um substantivo que designava um 
objeto determinado, mas como um adjetivo que indicava aquilo que é justo, sendo que 
esse modo de emprego, derivado da cultura greco-romana, permaneceu na cultura 
europeia até a época do jusracionalismo iluminista, quando se consolidou o uso 
substantivo da palavra. 
Um dos motivos dessa mudança foi que, na modernidade, construiu-se a noção de que 
cada sujeito individualmente poderia estudar o mundo utilizando-se de sua própria razão 
e descobrir, a partir da observação acurada e da análise cuidadosa, as regras que o 
regiam. Era isso o que fizeram os físicos, como Newton, reduzindo a complexa natureza 
a reflexos da aplicação de um punhado de regras muito gerais. Era isso o que tentaram 
fazer os juristas, que utilizavam a razão para extrair da natureza das coisas os princípios 
fundamentais que eram válidos porque racionais. Dessa maneira, 
“o direito natural tornou-se não só uma mera coleção de algumas ideias importantes 
ou dogmas, mas um sistema jurídico detalhado semelhante àquele do direito positivo”. 
Porém, embora cada jurista considerasse que as regras que “descobria”eram 
universalmente válidas, cada um deles construía um sistema diferente, fundado em seus 
próprios preconceitos. Afirmando descobrir regras universais a partir de critérios de 
evidência, terminavam por afirmar como válidas (porque lhe pareciam evidentes) as 
regras fundamentais de sua cultura e/ou ideologia. 
Como afirmou Michel Villey, por mais que soe absurdo aos ouvidos contemporâneos 
(acostumados com o relativismo de valores que se implantou desde o momento em que 
se tentou levar às últimas consequências o direito de liberdade), houve um tempo em 
que as mentes mais brilhantes acreditavam que a racionalidade humana, fundada em 
raciocínios pensados conforme as regras da lógica, poderia nos mostrar quais eram os 
valores naturalmente corretos, porque racionalmente necessários. 
Torna-se, então, evidente o importante papel desempenhado pelo jusracionalismo na 
derrubada do antigo regime, pois muitos dos grandes jusracionalistas do séc. XVIII 
defendiam a naturalidade dos direitos vinculados ao ideário liberal. Nesse campo, 
especial destaque deve ser dado a Locke, que qualificou como naturais os direitos 
ligados à concepção liberal. 
Tão forte era essa ligação com a ideia de direitos naturais que, na célebre Declaração 
dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, os revolucionários franceses resolveram 
“declarar solenemente os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem”, entre os 
quais a liberdade, a igualdade e a propriedade. 
7 
 
Entretanto, vitoriosa a revolução contra o antigo regime, um jusracionalismo muito livre 
transformava-se em um elemento de instabilidade, pois os juristas vinculados a essa 
corrente poderiam buscar, individualmente, os princípios do direito natural e, com isso, 
sobrepor as regras que encontrasse (ou pensasse encontrar) ao direito positivo imposto 
pelo Estado. 
Com isso, o jusnaturalismo de combate que animou os revolucionários precisava ser 
convertido em um jusnaturalismo conservador, que justificasse a ordem de poder 
instaurada pela revolução. 
A justificação de todo poder envolve uma espécie de mitologia, e as revoluções liberais 
substituíram o mito do direito divino dos reis pelo mito da representação popular. Os 
deputados franceses não eram mais representantes do povo do que Luís XIV era 
representante do deus cristão, mas era impossível articular dentro da ideologia liberal 
um discurso que questionasse a sua legitimidade, pois as bases ideológicas que 
justificavam a instauração dos Estados Liberais, fundados no princípio da representação 
democrática, não permitiam a elaboração de uma crítica a modelo de organização 
política. 
Além disso, no plano da filosofia, foi-se consolidando paulatinamente a ideia de que a 
razão não era capaz de discernir o justo do injusto, mas tratava-se de um instrumento 
capaz apenas de discernir o verdadeiro do falso. Aos poucos, foi sendo minada a 
confiança em que um indivíduo seria capaz de identificar as regras justas por natureza, 
mediante critérios de evidência racional. 
Assim, embora não tenha sido abandonada a ideia do direito natural enquanto 
fundamento da ordem positiva, perdeu terreno a ideia jusracionalista de que cada jurista 
poderia descobrir os princípios justos por natureza, mediante um esforço individual de 
reflexão. 
Especialmente a partir da Revolução Francesa de 1789, somente ao legislador cabia a 
revelação do direito natural, restando ao juiz apenas o papel de aplicar o direito legislado 
aos casos concretos. Portanto, o juiz agia em nome do direito natural (que justificava a 
autoridade que o povo transmitia ao legislador), mas não poderia invocar o direito 
natural contra as decisões legislativas. 
Foi, então, abandonado o ideal cartesiano, deveras revolucionário, do indivíduo que 
buscava identificar racionalmente na natureza as suas leis, e consolidou-se a ideia de 
que as normas jurídicas válidas eram aquelas determinadas pelos poderes sociais 
estabelecidos. Assim, o jusnaturalismo liberal deixou de ter uma função iconoclasta, 
pois já não era mais uma arma para combater uma tradição hegemônica, mas a base 
mítico-ideológica para a instauração de uma nova tradição. 
Essa conversão exigiu que fosse inviabilizada uma ligação diretaentre o juiz e o direito 
natural, estabelecendo-se entre esses dois elementos uma relação 
necessariamente mediada pela lei: a lei deveria refletir as regras naturais, mas os 
juristas não poderia questionar a validade da lei com base em argumentos 
jusnaturalistas. E, como no início do século XIX não havia um discurso crítico para 
além do jusnaturalismo iluminista, a perda do sentido revolucionário do jusnaturalismo 
privou o discurso jurídico de seus instrumentos de crítica. 
Assim, como todo revolucionário que ascende ao poder, o jusnaturalismo tornou-se um 
conservador bastante inflexível, pois o que o movia não era o respeito relativista às 
diversidades, mas a afirmação apaixonada da utopia que ele ergueu contra a tradição 
que destronou. E, como esse jusnaturalismo propunha uma espécie de sacralização 
8 
 
do direito positivo, a sua cristalização como discurso legitimador do direito moderno 
foi primeiro grande passo para a formação da mentalidade positivista, que veio a tornar-
se hegemônica na teoria jurídica desde o século XIX. 
A formação do positivismo 
O positivismo jurídico normativista é a segunda grande matriz do pensamento jurídico 
moderno e, em suas diversas variações, tornou-se a concepção dominante no direito no 
decorrer do século XIX e ainda hoje domina o senso teórico dos juristas. Para manter 
essa posição hegemônica por tanto tempo, esse positivismo teve de modificar-se várias 
vezes, incorporando parcela das críticas que outras teorias concorrentes levantaram, 
mas sempre mantendo um certo núcleo: a pretensão de constituir em uma avaliação 
objetiva do direito positivo. 
O positivismo maduro é um discurso que se pressupõe científico, na medida em que 
elege um objeto empírico determinado (o direito positivo), um arsenal teórico comum 
(a teoria geral do direito) e um método específico (os métodos de interpretação 
apresentados por cada escola para proporcionar uma compreensão objetiva do direito 
positivo). 
Na medida em que adota o discurso científico, o positivismo aparentemente se liberta 
do jusracionalismo, pois enquanto este precisava justificar racionalmente a validade 
das normas que seus teóricos elaboravam, os positivistas percebem sua função como a 
de simplesmente descrever o direito vigente. 
Na medida em que se desoneram da necessidade de justificar metafisicamente a 
validade das normas positivas (o que conduz fatalmente a raciocínios metafísicos) e se 
limitam a uma postura descritiva (ligada ao discurso científico da modernidade), os 
positivistas resolvem o problema da fundamentação do direito de modo bastante 
peculiar: eles simplesmente abandonam o problema, por entender que se trata de uma 
questão filosófica e não científica. 
Essa separação entre filosofia e ciência permite que um mesmo jurista harmonize dentro 
de si o jusracionalismo contratualista dominante na filosofia jurídica (que lhe reforça o 
compromisso com o sistema e assegura um sentido ético para sua própria atividade) e o 
positivismo dominante no discurso prático (que limita-se à construção de uma 
dogmática que exclui de si mesma todo debate filosófico). 
Não é por outro motivo que Alf Ross afirma que os normativistas dogmáticos são 
normalmente jusnaturalistas disfarçados, pois o seu positivismo se assenta sobre um 
jusnaturalismo implícito, que não encontra espaço na linguagem dogmática, mas que 
está na base do edifício de crenças ideológicas que organizam a atividade prática dos 
juristas. Trata-se, portanto, de uma concepção eminentemente moderna, tanto no tipo 
de racionalidade que o estrutura (cientificista, monológica e unitária) quanto no tipo de 
cegueira ideológica que o caracteriza (e que o torna incapaz de enxergar em si suas 
próprias bases filosóficas 
Cumpre ressaltar que embora o positivismo tenha se instaurado tanto no Common 
law quanto na tradição romano-germânica, ele adquiriu feições peculiares em cada uma 
dessas tradições. No Common law, por mais que a autoridade do parlamento tenha sido 
afirmada pelas constituições burguesas, o direito comum, de matriz jurisprudencial 
continuou sendo hegemônico, mesmo que o direito legislado ganhasse espaço em uma 
série de âmbitos do jurídico. 
9 
 
Porém, tal como o statutory law (direito legislado), o common law é estatal, escrito e 
positivo (é inferido da jurisprudência dos tribunais, a partir da leitura das suas decisões). 
Na Europa continental e em sua área de influência, a implantação dos Estados liberais 
envolveu um processo de redução do direito à lei, que erigiu ao status de fonte primária 
o direito legislado pelos parlamentos. Nessa nova realidade, o direito romano perdeu 
sua função de direito subsidiário e o direito costumeiro foi reduzido a fonte secundária, 
subordinada à lei. 
Conclusão 
Esse direito legislado moderno (no sentido do direito característico das sociedades 
modernas) impô-se em grande parte da Europa continental antes que fosse possível 
desenvolver um arsenal de conceitos adequados à sua compreensão e aplicação. 
Portanto, era preciso elaborar algo que ainda não existia: uma teoria jurídica capaz de 
lidar com o direito legislado, o que forçou uma ruptura com o jusnaturalismo e a tradição 
costumeira, pois a dogmática do direito moderno já não mais podia admitir como fonte 
primária senão o próprio direito legislado. 
Nessa medida, várias correntes do positivismo contemporâneo podem ser vistas, ao 
menos parcialmente, como uma forma de adaptação da teoria jurídica a uma mudança 
efetiva na realidade político-jurídica subjacente. Ressalte-se que isso não significa 
afirmar uma espécie de primazia do empírico sobre o simbólico, como se o 
conhecimento jurídico fosse apenas uma superestrutura voltada à sustentação ideológica 
do direito existente. 
Em grande medida, o direito moderno foi moldado pelas pretensões jusnaturalistas, com 
suas pretensões de clareza e sistematicidade. Portanto, as concepções modernas de 
mundo estão inscritas na própria estrutura do direito, não se tratando apenas de uma 
forma derivada de justificação ideológica. Porém, o direito que nasceu influenciado 
pelas pressões ideológicas da modernidade escapava dos critérios tradicionais dos 
saberes jurídicos, o que fez com que, nesse caso específico, a teorização sobre o direito 
legislado fosse posterior ao seu próprio surgimento. 
Peculiarmente, as bases metodológicas para pensar o direito legislado não foram 
desenvolvidas nos países de direito codificado, mas nos países germânicos, onde 
predominou até o final do século XIX uma mistura de direito costumeiro e de direito 
romano. A inexistência de um direito codificado fez com que a modernização do direito 
passasse por uma espécie de “cientificação” dos saberes jurídicos, que se organizaram 
sob inspiração das ciências exatas e adquiriram um novo patamar de rigor sistemático e 
conceitual. 
Porém, essa sistematização dos saberes jurídicos terminou por consolidar-se na forma 
do Código Civil alemão de 1900, que uniu as duas grandes vertentes do positivismo 
oitocentista: o legalismo de origem francesa e o formalismo conceitual de origem 
germânica, que foram os grandes vetores da formação do senso comum que dominou o 
senso comum dos juristas no século XX. 
 
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/111983995/c%C3%B3digo-civil-lei-10406-02

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