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12 Ética e Felicidade_ Os Filósofos Helenísticos I

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O PENSAMENTO HELENÍSTICO OU PERÍODO ÉTICO 
Sugestão do imperador filósofo Marco Aurélio para o começo de cada dia: “Previna a 
si mesmo ao amanhecer: vou encontrar um intrometido, um mal agradecido, um insolente, 
um astucioso, um invejoso e um avaro” (Meditações) 
1. Contexto Histórico 
1. A. O que foi o período helenístico? Os estudiosos se referem ao termo “helenístico” 
para se referir à civilização que utilizava o grego como língua oficial a partir das conquistas 
de Alexandre, O Grande (336 a.C.) até o domínio romano sobre a Grécia Antiga, em 146 a.C, 
ou até o domínio romano sobre o Egito, em 30 a.C.. O termo foi criado pelo historiador 
alemão J.G. Droysen, no livro Hellenismus. Alguns historiadores, atualmente, preferem o 
termo “período das hegemonias”, em vez de “período helenístico”. Com a expansão de 
Felipe II e Alexandre, O Grande, as cidades gregas perderam grande parte autonomia e 
passaram a ser parte de um império. 
1.B. Quais suas características políticas? Depois de morte de Alexandre, sem 
herdeiros, o império entrou em decadência e, após várias disputas, se dividiu em três reinos, 
os Reinos Helenísticos, centrados na Macedônia (dinastia Antigônida), no Egito (dinastia 
dos Ptolomeus) e na Mesopotâmia/Síria (dinastia dos Selêucidas), comandados por 
generais macedônios. Os reinos helenísticos eram governados sob a forma das 
monarquias da Antiguidade Oriental: o poder concentrado no soberano absoluto, com uma 
corte vasta e uma poderosa burocracia; o rei tornou-se objeto de adoração, e as 
assembleias democráticas desapareceram; a terra e a manufatura (cerveja, têxteis, papiro 
ou óleo) tornaram-se monopólio estatal. Uma série de golpes e contragolpes se sucedeu e 
esses Estados logo se fragmentaram e foram paulatinamente anexados, nos séculos II e I 
a.C., pelos romanos. 
1.C. Como foi a cultura helenística? No mundo helenístico, suma cultura nova, nem 
grega, nem oriental, mas híbrida, sincrética, sendo, por isso, chamada de cultura helenística 
(não confundir com “cultura helênica”, que é o termo utilizado para referir-se à própria 
cultura grega). O modelo das cidades gregas era exportado para o Oriente: nos territórios 
conquistados Alexandre construiu cerca de 70 cidades, sendo Alexandria, no Egito, a maior 
cidade da época, eixo econômico e intelectual do Mediterrâneo Oriental. A principal 
característica desse mundo, dessa forma, era a convivência de inúmeros povos, com 
dezenas de línguas, governados por uma elite macedônica, e que tinham a língua grega 
 
 
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como elemento de comunicação oficial e universal. Alexandria, no Egito, foi o centro político 
e cultural do helenismo. 
1. D. Exemplos da hibridização e riqueza da época helenística? O maior exemplo 
dessa hibridização talvez seja a comunidade judaica em Alexandria, a qual não apenas 
adotou a língua grega, mas passaram a interpretar a sua tradição à luz da Filosofia grega, 
antecipando o próprio cristianismo. Fílon, o Judeu (25a.C.-50 d.C.) produziu tentativas de 
síntese entre o platonismo e o judaísmo. O Museum (literalmente, templo das Musas, 
divindades que presidem as artes e o saber), mais que uma biblioteca, foi um centro 
científico-cultural, contando com templos, anfiteatros, zoológicos e observatório. Nos 
séculos seguintes, será o principal núcleo da ciência grega. A biblioteca foi incendiada em 
47 a.C., por Júlio César, novamente em 390 pelo bispo cristão Teófilo e finalmente destruída 
pelos árabes em 643. No período Helenístico, Alexandria tornou-se uma região fértil para 
as ciências. O matemático Euclides, nos seus Elementos, desenvolveu as formas e 
teoremas da matemática. Erastótenes calculou a circunferência do planeta, com uma 
precisão quase absoluta. Arquimedes redigiu as leis da hidrostática e buscou o valor do Pi. 
Conta-se que Arquimedes, na época, conseguiu arrumar diversos espelhos convexos de tal 
maneira que manteve os barcos dos invasores romanos a distancia, queimando-os. 
Aristarco de Samos disse que a terra gira em torno do próprio eixo e cumpre uma rota em 
torno do sol, criando, assim, o primeiro modelo heliocêntrico de universo. Ptolomeu, para o 
qual o mundo era redondo, foi o primeiro a criar os conceitos de “latitude” e “longitude”, 
convencionou que nos mapas o norte seria para cima e leste à direita, além de dividir os 
graus em minutos e segundos. Ptolomeu calculou que a esfera terrestre teria 29 mil km de 
circunferência; por isso, baseado nesse erro de cálculo, Colombo acreditava ser rentável 
chegar ao Oriente navegando para o Ocidente. Dionísio Trácio foi autor da primeira 
gramática de língua grega. O Ocidente, é apenas o advento da filosofia cristã que rompe 
com diversos paradigmas do helenismo. Alguns datam o fim da filosofia helenística em 
Santo Agostinho (354-430) ou Boécio (480-524). 
1. E. O que esse contexto histórico tem a ver com a filosofia? As escolas helenísticas, 
assim, são profundamente ecléticas, por sintetizarem diferentes doutrinas, aproximando 
estoicismo e platonismo, aristotelismo e platonismo, neopitagorismo e platonismo, sendo 
que o próprio cristianismo absorveu elementos da ética estoica, da metafísica platônica e 
da lógica aristotélica. Elas são também influenciadas por filósofos orientais. No mundo 
 
 
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helenístico, em vez de valorizar o autor (com exceções notáveis, tal qual Plotino, Zenão de 
Cítio, Epícuro ou Cícero), o pensamento é usualmente associado a uma escola ou tradição. 
A originalidade, assim, tem menos valor que a vinculação a um grupo. Por fim, a filosofia 
helenítstica é fortemente marcada por uma preocupação central com a ética, aqui 
entendida como o estabelecimento de regras do bem viver, da “arte de viver”. É ilustrativo 
disso o famoso Manual do romano Epicteto (50-125). Em outras palavras, com o fim da 
polis grega e o advento das hegemonias (macedônica, romana ou bizantina), o homem 
deixou de ser analisado em sua condição “animal político”, que deveria viver pela sua 
cidadania, e, alijado ou desiludido com a política, passou a preocupar-se mais com sua 
felicidade pessoal. Num mundo pluralista e multicultural, ou seja, cosmopolita, o homem 
sentia-se desenraizado, e a polis deixou de ser sua referência básica. A Ataraxia (“Paz de 
espírito” ou “tranquilidade”), e não a política, leva os homens a Eudaimonia (“Felicidade”). 
Vejamos, então, as escolas helenísticas: 
 
2. Estoicismo 
2. A. Quem foram os estoicos? A Escola Estoica foi fundada em Atenas, em 300 a.C., 
por Zenão de Cítio (344-262), e desenvolvida por Cleantes (330-232 a.C.) e Crisipo (280-206 
a.C.). Em Roma, temos Sêneca (4 a.C.–65d.C.), Epicteto (60-138 d.C.) e o imperador Marco 
Aurélio (121-180). O termo “estoicismo” deriva stoa poikilé, “pórtico pintado”, local em 
Atenas onde os membros da escola se reuniam. O estoicismo é a primeira ética universal 
fundada numa igualdade de princípio de todos os homens: cada um deve se pensar como 
“cidadão do mundo.” 
2. B. A Árvore e as Virtudes: Para os estoicos, a filosofia é composta por três partes 
fundamentais: a física, a lógica e a ética. Como uma árvore, a física corresponderia à raiz, 
a lógica ao tronco e a ética aos frutos. Em suma, a ética é o fruto recolhido da árvore do 
saber, a finalidade última de todo o pensamento. São três as virtudes básicas para os 
estoicos: a inteligência, ou seja, o conhecimento do bem e do mal; a coragem, ou seja, o 
conhecimento do que temer e do que não temer; e a justiça, ou seja, o conhecimento que 
nos permite dar a cada um o que lhe é devido. 
2. C. A Alma Divina e o Destino: o homem é um microcosmo no macrocosmo, quer 
dizer, uma parte do universo, da natureza. A natureza é um ser divino animado, que possui 
uma almadivina ou um logos universal. Tudo que existe – os corpos, as almas, os deuses, 
 
 
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os astros – é animado por um fogo artista, Deus, princípio imperecível imanente ao mundo 
perecível, inteligência universal. O mundo acaba periodicamente num abrasamento 
universal (ekpyrosis), mas é restaurado conforme um templo cíclico, o eterno retorno: as 
mesmas pessoas reviverão, os mesmos acontecimentos se reproduzirão. O destino 
(heimarmené) é concebido como lei racional que estrutura o mundo e dispõe cada coisa em 
sua ordem. 
2. D. Destino: a noção de necessidade, ou destino (heimarmené), é muito forte no 
estoicismo: o homem deve resignar-se e aceitar os acontecimentos predeterminados. Isso 
não se traduz pela inação ou fatalalismo passivo; devemos agir de acordo com os preceitos 
éticos e fazer o que julgarmos devido, mas devemos também aceitar as consequências de 
nossa ação e o curso inevitável dos acontecimentos Segundo um exemplo famoso, se vejo 
alguém se afogando, devo salvá-lo, mas, se não o conseguir, não devo desesperar-me, pois 
tal morte era inevitável. É legítimo, portanto, um amor ao destino (amor fati). Assim, os 
estoicos acreditam que para manter nossa ataraxia (paz de espírito), devemos nos 
preocupar apenas com o que podemos modificar (nossos pensamentos, ações, 
sentimentos). O que não está ao nosso alcance, ou seja, o que não conseguimos modificar 
(morte, velhice, catástrofes naturais, a opinião dos outros) não deve ser alvo de nossas 
preocupações. O sábio, em vez de buscar mudar a ordem do mundo, deve saber mudar 
seus desejos, para assim alcançar a paz. primeira. 
2. E. Nihil Mirari: Pra o estoicismo, a felicidade consiste na tranquilidade (ataraxia). 
Alcançamos esse estado através do autocontrole, contenção, indiferença (apatheia), não 
admiração (nihil mirari) e austeridade, aceitando o curso dos acontecimentos e tornando-
se independente do que lhe é exterior. A felicidade, assim, é a soberania da “cidadela 
interior”, quer dizer, quando nos sentimos invulneráveis e possuidores de reservas de 
energia nos fornecidas pela razão. 
 
“Deve-se aprender a viver por toda a vida e, por mais que tu talvez te espantes, a vida 
toda é um aprender a morrer.” (Sêneca, Sobre a Brevidade da Vida) 
 
“Concedei-nos, Senhor, a Serenidade necessária 
para aceitar as coisas que não podemos modificar, 
 
 
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Coragem para modificar aquelas que podemos, 
e Sabedoria para distinguir umas das outras” 
Oração da Serenidade, de origem desconhecida, 
recitada pelos Alcoólicos Anônimos 
 (ela possui um tom estoico, não acha?) 
 
3. Epicurismo 
3. A Quem foi Epicuro? Epicuro (341-271 a.C.), notabilizado por seu tratado Da 
natureza, fundou sua escola em Atenas, em 306 a.C., reunindo-se com seus discípulos no 
Jardim (Kepos). O Jardim tornou-se uma comunidade filosófica que põe em prática a ideia 
de frugalidade, serenidade e amizade, rejeição das superstições religiosas e vaidades 
sociais. Os sábios constroem um pequeno mundo amistoso em que reina livremente a 
sabedoria e a amizade, no qual são recebidos abertamente mulheres, crianças, escravos e 
estrangeiros. Disse Epicuro: “nunca me preocupei em agradar a multidão. Porque o que lhe 
agradava, eu ignorava, e o que eu sabia superava de longe o seu entendimento.” A ética 
epicurista, como a estoica, postulava como um princípio básico a felicidade (eudaimonia), 
obtida pela tranquilidade (ataraxia). Porém, os epicuristas divergiam dos estoicos quanto 
ao caminho para se chegar a essa felicidade. 
3. B. Os Quatro Grandes Medos: para Epicuro, o que nos afasta do Soberano bem 
(felicidade) são os Quatro Grandes Medos Humanos: medo dos deuses, medo da morte, 
medo do sofrimento e medo da dor. Os quatro medos não têm razão de ser, pois são 
alimentados por crenças vãs: “se não fossemos atormentados pelo terror que os 
fenômenos celestes nos inspiram, pelo temor que a morte seja algo para nós e pela 
ignorância em que nos encontramos dos limites traçados tanto para os nossos sofrimentos 
como para os nossos desejos, não teríamos necessidade de estudar a natureza” (Máxima 
XI). Deve-se, portanto, livrar-se dos mitos religiosos e perceber que tudo se explica no 
universo sem intervenção dos deuses. Aliás, nossos sonhos, segundo Epicuro, são 
compostos por seres corpóreos, que levam uma existência indestrutível e feliz. 
3. C. Qual, então, a sabedoria prática para ser feliz? Primeiro, os epicuristas 
valorizavam a inteligência prática (phronesis), considerando não existir conflito entre razão 
e paixão. O homem age eticamente na medida em que dá vazão a seus desejos e 
necessidades naturais de forma equilibrada ou moderada: é isso que garante a ataraxia, 
 
 
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porque “aprender e gozar andam juntos” (Sabedoria, 27). A valorização do prazer (hedoné) 
como algo natural e a concepção de que a realização de nossos desejos naturais é positiva 
são fundamentos do pensamento epicurista. Estas ideias, entretanto, deram origem a uma 
imagem absolutamente distorcida de Epicuro, segundo a qual ele defende uma vida 
cirenaica de prazeres irrestritos. Ao contrário, para Epicuro, o prazer excessivo joga-nos na 
dor, que por sua vez nos leva à ação viciosa. Que prazer ele defende? 
 3. D. Três Prazeres: existem três tipos de prazeres: os naturais e necessários, que 
devemos buscas, pois a não satisfação causaria em nos uma dor real, e eles são, portanto, 
a expressão do que é bom; os nem naturais nem necessários, cuja não-satisfação não 
causariam uma dor verdadeira, e portanto, são artifícios da vaidade e devem ser evitados; 
os naturais, mas não necessários (como um bom vinho ou o amor), que devem ser evitados. 
A amizade, fonte de prazer desejável por si mesma, merece que se assuma um risco por 
ela: “é preciso escolher uma pessoa virtuosa, amá-la e tê-la sempre diante de si, para viver 
como se ela nos observasse e agir sempre como se ela nos visse” (Sentenças). Aliás, o 
sábio, diz Epicuro, não deve se casar. 
3. E. A Morte: a morte não deve ser temida, pois, se pensarmos, veremos que não há 
motivos para ansiar a imortalidade: certamente, ela seria motivo de grande tédio ou 
sofrimento. Além disso, se todo o sofrimento provém das sensações, sendo a morte o fim 
das sensações, ela não causa sofrimento algum; a morte “não é nada em relação ao 
homem: ou ela existe e ele não existe ou ele existe e ela não existe.” A morte de um amigo 
não nos deve fazer infelizes, pois não é um mal para ele. 
 3. F. Quádruplo Remédio: para ser feliz, em resumo, devemos adotar o Quádruplo 
Remédio: os deuses não devem ser temidos; a morte não nos diz respeito; o sofrimento e a 
dor são suportáveis; a felicidade é acessível.

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