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O conteúdo jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana

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Pesquisa realizada pelo Superior Tribunal de Justiça. 
é proibida a reprodução ou a transmissão, conforme a lei de direitos autorais. 
A conferência de reconhecimento do texto (OCR) não foi realizada.
Carlos Britto 
u vou falar sobre o princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito da 
Constituição Federal de 1988, pontuando alguns avanços em termos do que 
podemos chamar de humanismo. 
2. A Constituição, todos sabem, ocupa uma posição de centralidade no 
ordenamento jurídico. Não é à toa que é chamada de Lex Máxima, ou Carta Magna, 
ou Texto Maior, ou Lei Fundamental, Lei Republicana, Código Político, Lei Suprema, 
enfim. Porque, de fato, a Constituição tem de ser referida assim, superlativamente, no 
interior do ordenamento jurídico, dado que ela é a primeira e superior voz do Direito 
aos ouvidos da população. Aos ouvidos do povo. A Constituição, mais do que fazer 
parte de um ordenamento jurídico, funda, inaugura o próprio ordenamento. Mais do 
que inovar o ordenamento, ela instaura um ordenamento estalando de novo, e, por isso, 
é que, no âmbito do ordenamento jurídico de cada povo soberano, só ela pode ocupar 
essa posição de centralidade. 
3. Tudo gravita na órbita da Constituição, mas no seu próprio âmbito há uma cen-
tralidade que é ocupada pelos princípios. Sabemos que norma jurídica se tornou um 
gênero, de que são espécies os comandos veiculadores de princípios e os comandos vei-
culadores de regras ou preceitos. Então, a Constituição ocupa uma eminente posição de 
centralidade no âmbito do ordenamento jurídico e no, próprio círculo da Constituição, 
quem ocupa a posição de centralidade são os princípios. Princípios que encerram os 
valores que mais dão significado à vida de cada um de nós e da sociedade por inteiro. 
Os princípios, hoje, são mais do que normas: são supernormas. Basta que pensemos na 
legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência, igualdade, liberdade, solidariedade, 
dignidade da pessoa humana, para concluirmos pela eminência dos princípios. Se os 
preceitos veiculam interesses, são os princípios que veiculam ou encerram valores. Já 
vou listar outros valores, como a cidadania, soberania, República, separação dos po-
158 I Anais da VI Conferência dos Advogados do DF 
deres, Federação, desenvolvimento nacional. Basta pensarmos nesses princípios, cujos 
conteúdos mínimos são, de logo, aplicáveis, para chegarmos todos a uma conclusão 
evidente: eles são a base político-filosófica do ordenamento jurídico e da Constitui-
ção mesma; por isso que se qualificam como supernormas de Direito e conferem à 
Constituição aquilo que Konrad Hesse chama de força ativa. É como dizer: a força nor-
mativa da Constituição arranca, decola dos princípios que a vitalizam por excelência, 
mais do que das regras ou preceitos nela contidos. Até porque tais conceitos são mais 
bem interpretados se à luz dos princípios, sem prejuízo da proposição de que os pre-
ceitos densificam ou concretizam os princípios mesmos, numa relação de permanente 
dialeticidade. 
4. Mas se quisermos falar de uma terceira centralidade, podemos dizer que, na es-
fera dos princípios, a centralidade ou a posição mais eminente cabe à democracia. Ela, 
democracia, a comparecer como a menina dos olhos ou o princípio dos princípios da 
Constituição de 1988. O seu valor continente por excelência. Tudo mais é conteúdo, 
inclusive a dignidade da pessoa humana. Noutros termos, a democracia é o cântico dos 
cânticos, para falar numa linguagem bíblica. Entendida por democracia, entre outros 
elementos conceituais, tirar o povo da plateia e colocá -lo no palco das decisões coletivas. 
O povo a deixar de ser espectador e passar a ser ator, protagonista, artífice do seu pró-
prio destino. É como numa eleição: o povo sobe ao palco da urna e ali decide sobre os 
destinos da coletividade, na medida em que ele, o povo, é quem vai investir nos cargos 
políticos dos candidatos de sua preferência. Então, democracia é uma espécie de mo-
vimento ou deslocamento topográfico: o povo se desloca da plateia e sobe à ribalta das 
grandes decisões coletivas. Por isso é que se diz, desde Lincoln: democracia é o governo 
do povo, porque provém do povo; pelo povo, porque é exercido pelo povo, diretamente, 
ou por meio de seus representantes eleitos; e para o povo, porque a democracia, encara-
da do ponto de vista substancial ou de conteúdo, tem essa necessária vertente popular. 
Não basta que o Direito seja produzido pelo povo, direta ou indiretamente: é preciso 
que o Direito tenha compromisso com o povo; esteja a serviço do povo. Por isso, é que 
democracia é o valor dos valores, o princípio dos princípios, o cântico dos cânticos, a 
menina dos olhos, volto a dizer metaforicamente, da nossa Constituição de 1988. 
5. Já falamos da primeira centralidade: a Constituição, no interior do ordenamento 
jurídico; de uma segunda centralidade: os princípios, no âmbito da Constituição; de 
uma terceira centralidade: a democracia, no âmbito dos princípios. Há uma quarta cen-
tralidade: é que, no círculo da própria democracia, a posição de realce cabe à dignidade 
da pessoa humana. Se abrirmos a Constituição, vamos encontrar no artigo 1°, entre 
os fundamentos da República, cinco valores; cinco princípios estruturantes, fundantes 
do nosso Estado Democrático de Direito. Que princípios são esses? Pela ordem: So-
berania, Cidadania, Dignidade da Pessoa Humana, Valores Sociais do Trabalho e da 
Livre Iniciativa e Pluralismo Político. Pelo que a democracia brasileira se nos dá como 
uma feérica estrela de cinco pontas. Essas cinco pontas, começando pela soberania e 
terminando com o pluralismo. A posição de centralidade está na dignidade da pessoa 
humana. Desde que não se perca de vista o juízo de que o tamanho dessa dignidade se 
mede é com a trena da democracia: quanto maior a democracia, maior a dignidade da 
pessoa humana, e não o inverso. 
o conteúdo juridico do princípio da dignidade da pessoa humana em tema I 159 
de Direitos Fundamentais e os avanços da Constituição de 1988 
Pesquisa realizada pelo Superior Tribunal de Justiça. 
é proibida a reprodução ou a transmissão, conforme a lei de direitos autorais. 
A conferência de reconhecimento do texto (OCR) não foi realizada.
6. Mas eu faço uma advertência: dignidade da pessoa humana ainda não é todo 
o humanismo. Humanismo como culto à humanidade, reverência à experiência hu-
mana, segundo aquela linha de Protágoras, de que o homem é a medida de todas as 
coisas. Ou como na música de Tom Zé e Ana Carolina: "O homem é, sozinho, a casa 
da humanidade". O humanismo é mais do que a dignidade da pessoa humana. A 
dignidade da pessoa humana é um capítulo do humanismo, mas o humanismo ainda 
é maior que ela, porque também abarca a Soberania, a Cidadania, os Valores Sociais 
do Trabalho e da Livre Iniciativa e o Pluralismo Político. Vale dizer: humanismo é 
sinônimo de democracia. A positivação constitucional do humanismo como crença 
na humanidade, nos destinos da humanidade, no culto à humanidade, tem nome. A 
formatação positivo-constitucional do humanismo tem nome: democracia. Demo-
cracia é o novo nome do humanismo. É o humanismo juridicamente positivado. E o 
capítulo mais avançado da democracia é a dignidade da pessoa humana. Então, por 
favor, entendam. A dignidade da pessoa humana ainda não é todo o humanismo, 
mas é a parte principal dele. 
7. Muito bem. E o que significa dignidade da pessoa humana? Como pode ser 
juridicamente focada a dignidade da pessoa humana? Parece-me que sob dois pris-
mas, dois ângulos. O primeiro: dignidade da pessoa humana quer dizer que o ser 
humano é valioso por si mesmo. É portador de uma dignidade, de um valor, de 
um prestígio intrínseco ou inato. A pessoa humana, pelo fato exclusivo da sua hu-
manidade, é digna de toda proteção jurídica. A dignidade da pessoa humana é o 
reconhecimento de que o ser humano, pelo fato de ser um ser humano, digamos 
assim, em função da sua faticidade de pessoa natural, pessoa física, é merecedor de 
proteção constitucional.Não pode jamais ser reduzido à condição de animal. Por 
isso que Fernando Pessoa certa feita disse o seguinte no poema Tabacaria: "Não sou 
nada, nunca serei nada, não posso querer ser nada; à parte isso, tenho em mim todos 
os sonhos do mundo': Ou seja, eu sou um microcosmo. Se eu sou parte de algo, eu 
também sou um algo à parte, no gozo da minha individualidade irrepetível, inimi-
tável, inconfundível. Se eu sou parte de um todo, eu também sou um todo à parte. 
Então, o ser humano é, pela sua própria faticidade de pessoa que sobreviveu ao parto, 
o ponto ômega da escala animal. Tudo, nessa medida, é de ser direcionado para o 
reconhecimento dessa virginal dignidade do ser humano. Mas não é só isso, porque 
não basta proclamar esse reconhecimento da intrínseca dignidade do ser humano. É 
preciso que essa dignidade se traduza em qualidade de vida. Dignidade, aí, também 
significa isso: qualidade de vida. Se possível, excelência de vida. Aristóteles já dizia: 
ninguém quer viver simplesmente. Quer viver bem, quer viver na plenitude das suas 
aspirações materiais, espirituais, morais, democráticas e, contemporaneamente, eco-
lógicas, fraternais ou solidárias. Altruísticas. A dignidade da pessoa humana tam-
bém significa esse aporte de qualificação da vida em concreto, que é a vida vivida. 
Mais que simplesmente pensada. 
8. A nossa Constituição é insuperável. Insuperável nos méritos que traz consi-
go quanto à concepção da democracia enquanto feérica estrela de cinco pontas. E 
a Constituição faz desses cinco princípios estruturantes do artigo 1° suas normas-
base. São as normas que estão nos portais do Direito Constitucional. Na soleira do 
160 I Anais da VI Conferência dos Advogados do DF 
Direito Constitucional brasileiro. As principais ideias-forças com que trabalhou o 
poder constituinte são os princípios estruturantes da Constituição. Aquilo que mais 
inspirou a epopeia constituinte de 1987 e 1988 está traduzido nesse elenco, nesse rol 
de cinco valores estruturantes. São os portais do Direito ou a base de inspiração de 
tudo. Tudo começa com esses cinco princípios: Pluralismo, Valores Sociais do Tra-
balho e da Livre Iniciativa, Dignidade da Pessoa Humana, Cidadania e Soberania, 
invertendo a ordem, do número cinco para o número um. E os valores finalíticos que 
a Constituição colocou para a nossa democracia estão no artigo 3°. Quais são eles? 
Quais são esses valores? Construir uma sociedade livre, justa e solidária, garantir 
o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e encurtar as distâncias sociais e 
regionais. Finalmente, promover o bem de todos, sem preconceito de idade, de ori-
gem, de cor, raça e de sexo e quaisquer outras formas de discriminação. Logo, a nossa 
democracia, o nosso Direito Constitucional tem por fonte primeira de inspiração as 
normas do artigo 1°, que eu estou chamando de normas-base. E tem por destina-
ção, por finalidade, por objetivo, por desiderato os princípios de I a IV do artigo 30. 
Normas-base e normas-fim. 
9. Entre as normas-base e as normas-fim, a Constituição colocou estrategicamen-
te os Poderes da União (o artigo de número 2). Não é por acaso que os Poderes da 
União estejam no artigo 2°, fazendo o meio de campo, a ponte, a ligação entre os 
valores-base e os valores-fim. Os valores-base como ponto de partida, como ins-
piração, e os valores-fim como destinação da nossa democracia e de todo o nosso 
Direito. Vale anotar: quando a Constituição diz no artigo 2° que são três os Poderes 
da União, independentes e harmônicos entre si (o Legislativo, o Executivo e o Judici-
ário), a Constituição está dizendo: os Poderes existem para, inspirados nas normas-
base, concretizarem as normas-fim. A legitimidade dos nossos Poderes, juridica-
mente, está nessa mediação entre as normas-base e as normas-fim da Constituição. 
Os Poderes se legitimam, se justificam e se tornam dignos da nossa reverência, do 
nosso acatamento, da nossa admiração, na medida em que fiéis a esse desígnio cons-
titucional de fazer das normas-base o ponto de partida que, por desdobramento, 
vai dar no patamar das normas-fim da nova Constituição. Tudo na Constituição, 
portanto, é milimetricamente projetado, é filosoficamente estruturado, é racional-
mente formatado para que a nossa democracia, estrela de cinco pontas, seja uma 
realidade completa, um corpo vivo, integrando o nosso cotidiano existencial. Não 
um elefante branco. Não um latifúndio improdutivo, para lembrar feliz metáfora de 
Lenio Streck. 
10. Mas como nos cabe falar prioritariamente de dignidade da pessoa humana, 
eu avanço para os senhores a seguinte ideia: de que pessoa eu estou falando? Do em-
brião in vitro? Eu estou falando do zigoto no interior do corpo feminino? Eu estou 
falando do feto aninhado, alojado, nessa entidade mágica que é o útero da mulher? 
Não! Eu estou falando da pessoa nativiva. Daquela que sobreviveu aos trabalhos do 
parto. Eu estou falando do ser humano indivíduo, gente, alguém. Pessoa humana no 
sentido físico ou natural. Visível a olho nu, fazendo parte da sociedade civil, dotado 
de uma personalidade biográfica, notarial ou cartorária, espiritual, moral. Eu estou 
falando da pessoa humana como um rematado centro de imputação jurídica e, por-
o conteúdo jUlidico do plincípio da dignidade da pessoa humana em tema I 161 
de Direitos Fundamentais e os avanços da Constituição de 1988 
Pesquisa realizada pelo Superior Tribunal de Justiça. 
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A conferência de reconhecimento do texto (OCR) não foi realizada.
tanto, apta a contrair obrigações, assumir deveres e exercitar direitos. Por isso que a 
Constituição diz dignidade da pessoa humana. Não pessoa em sentido embrionário, 
mas pessoa em sentido biográfico. 
11. Claro que a Constituição possibilita que o Direito ordinário proteja todas as 
formas de vida humana, desde a concepção "em vidro" à concepção em vida. Tudo é 
digno de proteção porque tem potencialidade para se transformar em ser humano. 
Mas a pessoa de que trata a Constituição no artigo lo é aquela adornada da perso-
nalidade civil. Por isso que a Constituição diz que todos são iguais perante a lei sem 
distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros (brasileiro já é o nascido, 
porque o feto não tem nacionalidade, o embrião não tem nacionalidade, o embrião 
do primeiro dia, que se chama zigoto, não tem nacionalidade), garantindo-se aos 
brasileiros e aos estrangeiros resIdentes no País (não residente no útero, não resi-
dente numa placa de petri, não residente num tubo de ensaio) ... , e a Constituição vai 
adiante para dizer que esse brasileiro que ela protege pode ser nato, ou naturaliza-
do. Nato porque já nascido, naturalizado, porque também já nascido, mas capaz de 
optar pela nacionalidade brasileira. Depois, a Constituição vai falar da criança e do 
adolescente. Criança é um ser nascido, assim como o adolescente. A criança, depois 
do parto e até os doze anos incompletos. O adolescente, dos doze anos completos 
até os dezoito anos de idade. Então, dignidade da pessoa humana pressupõe um ser 
biográfico, já fazendo parte da sociedade civil, já dotado de uma nacionalidade e com 
endereço residencial (supõe-se). Logo, pessoa, para a Constituição, é sempre um ser 
já nascido. Porém com tanta originária dignidade, com tanta proteção constitucional 
que transborda para o Direito infraconstitucional; ou seja, a Constituição possibilita 
ao Direito infraconstitucional impedir a interrupção de uma gravidez por motivos 
frívolos, ou esdrúxulos, ou arbitrários, mas não há como confundir as coisas. O em-
brião de um ser humano não é um ser humano embrionário. O embrião de pessoa 
humana não é já uma pessoa em estado de embrião. Ainda não existe a pessoa. Existe 
o embrião a caminho de ser pessoa, se alojado no útero materno. É como a planta 
e a semente: a semente não é a planta; não pode haver planta sem a semente, óbvio, 
como não pode haver ser humano sem embrião. Ainda que o embrião sejaproduzi-
do em laboratório, artificialmente, não pode haver ser humano sem ele, o embrião. 
Mas o embrião de um ser humano ainda não é o ser humano senão em formação. 
É como a planta, repito: a semente não é a planta, mas contém o potencial de trans-
formar-se em planta. A nuvem não é a chuva, embora não exista chuva sem nuvem. 
Mas nem toda nuvem se transforma em chuva. A nuvem tem que experimentar uma 
metamorfose para então se transformar em chuva. O embrião experimenta uma me-
tamorfose para se tornar pessoa humana. A semente experimenta uma metamorfose 
para se transformar em planta. Não há crisálida sem lagarta, mas a lagarta ainda 
não é a crisálida, porque a crisálida não pode se antecipar à metamorfose de que é o 
produto. Por igual, não há borboleta sem crisálida, mas a crisálida ainda não é a bor-
boleta, porque esta não pode se colocar para trás de da metamorfose de que vai ser 
a resultante. Deus fecunda a madrugada para o parto diário do Sol, mas nem a ma-
drugada é o Sol, nem o Sol é a madrugada. Sinta-se que a palavra metamorfose vem 
do prefixo meta, que significa mudar de estado. Mas mudar de estado por uma forma 
162 I Anais da VI Conferência dos Advogados do DF 
tão radical que um ser deixa de ser ele mesmo para se transformar em outro ser. Por 
exemplo, é preciso que a semente morra para se transformar em planta. Metamor-
fose é isso, é preciso que a crisálida morra para se transformar em borboleta. Isso 
Gilberto Gil retrata muito bem numa de suas geniais músicas; aquela música "Drãd: 
em que ele diz que é preciso que a semente morra para se transformar em trigo, e 
que o trigo morra para se transformar em pão, e o pão morra para se transformar em 
víscera, sangue, cartilagem, ossos, nervos e tudo mais que faz parte da intimidade, da 
fisiologia de um ser humano ou da estrutura de uma pessoa humana. 
12. A Constituição, no campo da dignidade da pessoa humana, avança normas de 
proteção que habilitam o ser humano, por exemplo, a desfrutar da mais ampla liber-
dade de informação. Nós vivemos numa sociedade de informação, de comunicação, 
de manifestação do pensamento e da expressão lato sensu. Então, o ser humano se 
sente tanto mais digno quanto possa se informar das coisas, informar terceiros das 
coisas, ele sendo transmissor da informação, o transmissor da notícia, comunicar-
se pelo modo mais livre possível com seus interlocutores, é por isso que temos no 
Brasil a liberdade de pensamento e a liberdade da comunicação intelectual, artística 
e científica. Temos liberdade de locomoção, e, embora se possa dizer que a liberdade 
de expressão seja a maior expressão da liberdade, o fato é que a Constituição apare-
lhou um mecanismo processual, uma figura processual chamada habeas corpus, que 
é a mais desembaraçada de todas, a mais célere de todas, a de mais fácil manejo para 
proteger a liberdade de locomoção. Que é a liberdade de ir, de vir e de ficar. 
l3. A Constituição também trouxe um tipo de direito interessantíssimo: o direito 
de acesso à Justiça. Todos podem bater às portas do Judiciário. Mauro Capeletti e 
José Afonso da Silva chegam a dizer que tal acesso é o direito dos direitos, por ser a 
própria condição de gozo dos demais direitos. Mas o acesso à Justiça não apenas do 
ponto de vista formal. Não é somente poder entrar com uma ação perante o Poder 
Judiciário, postulando algo. Mas também do ponto de vista substancial, a significar o 
seguinte: é preciso que qualquer das partes tenha o poder de interferir no julgamen-
to do juiz, de ser ouvida pelo juiz, de poder intervir no processo de convencimento 
do juiz para a prolação da respectiva decisão. Por isso que os juízes têm o dever de 
receber os advogados, o dever de receber as partes, para que advogados e partes vo-
calizem sua pretensão, juntem os seus memoriais em reforço às peças propriamente 
processuais; isso é a democratização do acesso à Jurisdição. Sob o ponto de vista não 
apenas formal, como do ponto de vista substancial. 
14. Hoje em dia já se pode falar de uma terceira forma de democratização do 
acesso à Jurisdição, que é o juiz assumindo o dever democrático de se comunicar 
bem com os destinatários de sua decisão. Como? De que forma? Produzindo julga-
dos e despachos numa linguagem simples, sem rebuscamento, sem pose, sem latinó-
rio, fugindo da terminologia fechada ou hermética, chamada de juridiquês. Como, 
por exemplo, não precisa dizer "na exordial", ou "colacionou aos autos': ou "o ponto 
fulcral é esse", coisas desse tipo que o leigo não entende e o próprio jurisdicionado às 
vezes não sabe se ganhou a causa ou se perdeu (é preciso que o advogado lhe sirva de 
intérprete). Diga: "Olha, nós ganhamos a causà', e a parte responde: "É que eu estava 
presente e não entendi nada, inclusive não entendi quando o senhor disse para o 
o conteúdo jmidico do princípio da dignidade da pessoa humana em tema I 163 
de Direitos Fundamentais e os avanços da Constituição de 1988 
Pesquisa realizada pelo Superior Tribunal de Justiça. 
é proibida a reprodução ou a transmissão, conforme a lei de direitos autorais. 
A conferência de reconhecimento do texto (OCR) não foi realizada.
juiz: meritíssimo, o senhor é incompetente". Incompetente para conhecer da causa, 
para julgar a causa. Isso, aos ouvidos do leigo, significa "já perdi a causa, pois o meu 
advogado 'surtou', passou a ofender o magistrado". Então, a democracia, no âmbito 
também da jurisdição, manifesta-se hoje por uma linguagem mais direta, mais sim-
ples, mais instantaneamente compreensível. 
15. A Constituição brasileira de 1988 também é novidadeira no sentido de fazer 
do princípio da universalização da Justiça, do acesso desembaraçado às instâncias ju-
diciais, um processo democrático, substancialmente democrático. Ao dizermos que 
o juiz não deve falar senão nos autos, é preciso entender isso de modo atualizado. 
Claro que o juiz não pode decidir fora dos autos, porque obrigar o juiz a decidir de 
acordo com as provas dos autos é forçá-lo a ser imparcial e a fundamentar a sua deci-
são, objetivamente, tecnicamente. Mas isso não significa ser o juiz uma traça de pro-
cesso, um ácaro de papéis empilhados sob a forma de autos. Ele é um ser do mundo e 
deve, sim, abrir as janelas dos autos, as portas do Direito para o mundo circundante 
e assim dialogar com a sociedade; buscar informações, anseios que a sociedade tem, 
expectativas que a sociedade passa para ele, o juiz. E se for possível formatar juri-
dicamente essas informações, essas expectativas, esses anseios da sociedade, se for 
possível formatar juridicamente isso, é a glória. Porque o juiz concilia o Direito com 
a vida. Sabido que o Direito existe para servir à vida. Logo, nem tanto ao mar, nem 
tanto à terra. Vamos trilhar o sempre difícil, mas necessário caminho do meio. 
16. Agora, avanço para dizer que o princípio da dignidade humana não se exaure 
no catálogo, na lista dos direitos e garantias individuais. Não! Ele também se mani-
festa no artigo 6° da Constituição. O artigo 6° da Constituição fala da educação, da 
saúde, do transporte, da habitação, da previdência social etc. O artigo 6° também faz 
parte do princípio da dignidade da pessoa humana, com uma diferença. Enquanto 
no artigo 5° a pessoa humana é tratada em si mesma, e não imersa na sociedade, 
no artigo 6° a pessoa humana é tratada já convivendo com os outros. Mas o artigo 
6°, como substanciador dos direitos sociais, também contribui para a afirmação do 
princípio da dignidade da pessoa humana. O artigo 7°, não! São direitos dos traba-
lhadores urbanos e rurais, além de outros que a Constituição passa a enumerar em 
34 dispositivos. São 78 dispositivos no artigo 5° e 34 no artigo 7°. Esses são direitos 
sociais específicos, os trabalhistas propriamente ditos. Os do artigo 6° são direitos 
sociais genéricos. Para gozar do artigo 6° não é preciso ser trabalhador, mas para 
desfrutar do artigo 7° é preciso ser trabalhador. Manter uma relação de emprego com 
empregador, portanto. Empregado, empregador, relaçãode emprego. O artigo 7° já 
faz parte do inciso de número IV do artigo 1°: valores sociais do trabalho. Então, são 
direitos sociais? São. Mas já debaixo de uma outra categorização principiológica: in-
ciso IV do artigo 1°. Ao passo que os direitos do artigo 6° se somam aos direitos do 
artigo 5° para, juntos, servirem ou concretizarem, vamos dizer assim, concretizarem 
o princípio da dignidade da pessoa humana. 
17. Se os senhores me perguntarem: o que é que falta para a Constituição brasi-
leira deixar de ser um elefante branco, ou o mencionado "latifúndio improdutivo"? 
Porque, de fato, a Constituição brasileira é rigorosamente primeiro-mundista, é a 
mais avançada de todas, saiu de um estado de exceção, constritivo de direitos, para 
164 I Anais da VI Conferência dos Advogados do DF 
um estado construtivo de direitos. Se me perguntarem: o que é que falta para a Cons-
tituição brasileira sair do papel e qualificar a vida de todos, segundo a excelência dos 
seus enunciados? Se vocês me perguntarem: mas que abismo é esse entre o discurso 
constitucional e a prática constitucional? O que é que está faltando para todos nós, 
lidadores jurídicos, ou teóricos do Direito? O que está faltando para que façamos 
essa viagem da melhor normatividade para a melhor experiência? Sabido que, se no 
plano teórico o Direito é um padrão objetivo de justiça, a decisão judicial tem que ser 
concerta. O que está faltando para qualificar efetivamente a vida do povo brasileiro? 
Para o alcance da nossa emancipação? Para que sejamos primeiro-mundistas não 
apenas em teoria, porém economicamente, ecologicamente, eticamente, democrati-
camente, civicamente? Eu respondo. O que nos falta é o que faltou à seleção brasileira 
de futebol na Copa do Mundo de 2006 e agora nas Olimpíadas: atitude, disposição. A 
vontade da Constituição é excelente, mas a vontade de Constituição não é excelente. 
Nós ainda não estamos olhando a nossa Constituição pelo modo grato, reverente e 
orgulhoso que devíamos olhar, porque ela está predestinada a emancipar a popula-
ção brasileira de uma vez por todas, tais os seus insuperáveis méritos normativos. 
A Constituição não padece de defeitos de normatividade. Nós, os seus intérpretes e 
aplicadores, nós é que padecemos de déficits de interpretatividade. Estamos muito 
aquém da Constituição. Ela está adiante de nós. Numa música de Gilberto Gil, vou 
citar de novo, está dito assim: "Os filhos são todos sãos, os pecados são todos meus". 
Exatamente isso: as normas da Constituição, pelo menos no seu atacado, são óti-
mas; nós é que não somos ótimos. E quando, de repente, por efeito de uma evolução 
social, de um adensamento democrático, de um arejamento da imprensa, quando 
todos nós começamos a projetar sobre a Constituição um olhar contemporâneo, um 
olhar mais compatível com as novidades por ela introduzidas, somos logo tachados 
de usurpadores da função legislativa. Mas o fato é que não estamos usurpando fun-
ção legislativa. Nós estamos projetando sobre a Constituição um olhar mais condi-
zente com as expectativas da sociedade para este século XXI. Estamos em 2008 e, 
agora, sim, começamos a assentar que não há necessidade de lei para que os eleitos 
sejam fiéis aos partidos sob cuja legenda se elegeram. Não precisamos de lei para 
dizer que o Mandado de Injunção tem carga logicamente mandamental. Não faz 
sentido o Judiciário prolatar uma decisão de eficácia limitada, na matéria, porque só 
cabe Mandado de Injunção diante de uma norma constitucional de eficácia limitada 
(e é limitada porque precisa de regulamentação). Como é que nós vamos, diante de 
uma norma constitucional de eficácia limitada, produzir uma decisão também de 
eficácia limitada? A decisão tem de ser de eficácia plena, porque senão tudo não pas-
sa de um jogo de faz de contas. Um trabalho de prestidigitação decisória. Estaremos 
praticando ilusionismo jurisdicional. Não precisamos de lei para dizer que as mino-
rias parlamentares têm o direito de instalar comissões parlamentares de inquérito e 
assim exercerem seu direito elementar de oposição. Não precisamos de lei para dizer 
que, se o Presidente da República quer desobstruir a pauta do Congresso Nacional, 
revogando u'a Medida Provisória, pode fazê-lo; mas não pode reeditar essa Medida 
Provisória no curso da mesma sessão legislativa. Não precisamos de lei para dizer 
que o nepotismo agride mortalmente os princípios da eficiência administrativa, da 
o conteúdo juridico do princípio da dignidade da pessoa humana em tema I 165 
de Direitos Fundamentais e os avanços da Constituição de 1988 
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é proibida a reprodução ou a transmissão, conforme a lei de direitos autorais. 
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moralidade, da igualdade e da impessoalidade. Já não vale confundir tomar posse no 
cargo com tomar posse do cargo, como se o cargo público fosse um feudo, uma pro-
priedade privada, o prolongamento de um quintal de residência ou de uma chácara 
particular. Já não vale. O patrimonialismo, que é essa indistinção entre o espaço pú-
blico e o privado, tem no nepotismo um dos seus braços mais avançados. É preciso 
decepar o braço do nepotismo, e nós não precisamos de lei para isso. E olhem que 
não estamos discriminando o Poder Judiciário, porque o nepotismo é proibido não 
só no âmbito do Poder Judiciário, mas de toda a Administração Pública de qualquer 
dos Poderes, de qualquer das pessoas federadas. Esses novos ares interpretativos ad-
vêm de uma nova postura de compromisso com a Constituição e a sociedade. Eu 
diria aos senhores o seguinte, sem medo de errar: os novos tempos que estamos 
vivendo correspondem ao amadurecimento da própria Constituição. Ela vai fazer 20 
anos no dia 5 de outubro, e a providência divina resolveu dar um presente a ela. Disse 
o seguinte: olha, você não vai passar em branco o seu 20° aniversário, no dia 5. Ele vai 
coincidir com a eleição municipal em todo o País. A eleição municipal será realizada 
no dia 5 de outubro, dia de aniversário dessa admirável Constituição brasileira. 
18. Agora, para terminar minha exposição, afirmo: falta-nos atitude para cumprir 
a Constituição, compromisso para fazer da Constituição um corpo vivo. Falta-nos 
vontade de Constituição correspondente à vontade da Constituição, e na minha opi-
nião tudo isso é viável. Porém passa por uma postura nossa que significa, na linha 
de Shakespeare, uma transformação radical. Toda transformação radical significa 
abrir uma porta por dentro. Transformação é mesmo isso: uma porta que se abre 
por dentro. É uma questão de abertura de mentalidade. Traduz-se no seguinte: nós, 
operadores do Direito, não somos máquinas de pensar, nós não somos pura lógica, 
nós não somos puramente cartesianos. O cérebro humano é dual; ele tem uma estru-
tura binária, tipo o deus Jano, tem duas frontes. O cérebro tem o hemisfério direito 
e o hemisfério esquerdo. Cérebro não é sinônimo de mente. Mente é apenas uma 
dimensão do cérebro, mas não é todo o cérebro. Mente é a casa, o lo cus da inteligên-
cia, do intelecto, da racionalidade. A mente é necessária para toda a vida, inclusive 
para produzir ciência jurídica, interpretar as normas do Direito, mas a mente não é 
tudo. É preciso o uso do sentimento, que está do lado direito do cérebro. Sentimento 
é sinônimo de coração. De alma. Não é coração músculo cardíaco, que bate pen-
dularmente do lado esquerdo do peito. É coração-neurônio. Coração-alma, porque 
sentimento é categoria neural. Está no cérebro. Tudo é cerebral. O lado direito do 
cérebro é o lado da intuição. O lado esquerdo, da reflexão. O lado esquerdo é carte-
siano, lógico, matemático. É o lado do cálculo, do método, do planejamento. Ele é 
necessário, sim, mas é um lado frio, distante, que idolatra a segurança e muitas vezes 
sacrifica, nessa ideia radical de segurança, toda ideia de progresso ou de avanço so-
cial. O lado direito do cérebro não precisa conhecer por aproximações sucessivas, àdistância, friamente, calculadamente, indiretamente (conhecimento dito intelectivo 
ou especulativo). O lado direito, que é o lado feminino, e é o melhor lado do ser hu-
mano, conhece é de estalo. Conhece de chapa. Não precisa de degraus para chegar ao 
topo da escada. É o lado da sensibilidade, é o lado da imaginação, é o lado da criação 
virginal. O lado esquerdo descobre, o lado direito cria o virginalmente novo. Salta 
166 I Anais da VI Conferência dos Advogados do DF 
para a síntese sem precisar de análise. É preciso fazer esse casamento por amor entre 
pensamento e sentimento e assim partejar o rebento da consciência. 
19. Pascal dizia o seguinte: "Ciência sem consciência é ruína da alma': Esse mes-
mo Pascal que também falou: "O coração tem razões que a própria razão desconhe-
ce': Desse casamento por amor, repito, é que se parteja o rebento da consciência, e a 
consciência nos lapida, nos transforma para melhor. O operador jurídico é um, antes 
da consciência. É outro, depois da consciência. Antes da consciência ele é um már-
more bruto; depois da consciência, a Pietá de Michelangelo. E aí ele pode picotar o 
manto da noite e enxergar o dia escondido lá dentro. Ele plenifica o presente e anteci-
pa o futuro. Quando Vinícius de Moraes disse que "a vida só se dá pra quem se deu': 
ele quis dizer que a vida só se dá por inteiro a quem por inteiro se dá a ela. E a pessoa 
só é inteira quando maneja os dois lados do cérebro. O lado do pensamento e o lado 
do sentimento. O lado da reflexão e o lado da intuição. Então a pessoa resgata a sua 
inteireza e acessa a vida em plenitude. A norma jurídica é assim. Ela só se dá por 
inteiro a quem por inteiro se dá a ela. É preciso dialogar com o dispositivo jurídico 
para o intérprete desencadear, nele, angulações, possibilidades, propriedades norma-
tivas novas, inéditas. Não que tais possibilidades já não estivessem lá no dispositivo 
interpretado. Mas é que a norma não encontrava espaço psíquico, ou anímico, ou 
amoroso no intérprete para então se dar a ele por completo. Nós não temos muita 
disposição para quebrar o paradigma do imobilismo, da inércia, do marasmo, da 
recepção medíocre, porque usar o lado feminino demanda coragem. É preciso muita 
coragem para amar. O amor é como Deus: quem não se entrega a ele de vista fechada, 
não tem olhos abertos para mais nada. 
20. Observem que, em francês, coragem se chama courage. É uma palavra que se 
forma do substantivo coeur e do sufixo age. Coragem é o agir do coração, e quem age 
com o coração corre riscos. Já não planeja, já não calcula, já não metodiza. Entrega-
se, mas se entrega confiantemente. É por isso que manejamos muito pouco o lado 
direito do cérebro, porque temos medo do desconhecido; e mais ainda do incog-
noscível. E, no Direito, isso nos faz conservadores. O Direito é muito conservador. 
Os operadores do Direito são muito conservadores, porque são demasiadamente 
cartesianos. Homenageiam em excesso o princípio da segurança e se fecham para as 
possibilidades de avanço, de inovação naquilo que verdadeiramente interessa: frater-
nidade, distribuição de renda e de patrimônio, participação democrática, respeito à 
ecologia, ética na política. Ali onde fica e se espraia o reino da justiça material. 
21. Uma vez eu fiz um poema que dizia mais ou menos assim: "É preciso muita 
coragem para amar, pois aquele que ama é como uma porta sempre aberta. Pode 
entrar a chuva mais forte, o vento mais furioso, a mais fria madrugada. Mas de que 
serve uma porta sempre fechada?". Eu vou terminar dizendo aos senhores que certa 
feita eu li em Eduardo Galeano uma passagem em\que um garoto queria conhecer 
o mar. Vivia no interior, numa zona rural, e não conhecia o mar. E o pai, que era 
um caixeiro viajante, um dia disse ao filho: "Olha, eu vou levá-lo a conhecer o mar". 
Nesse belo dia, cumpriu a promessa. Colocou o menino no carro, rodaram por uma 
longa estrada, chegaram próximo ao mar e os dois desceram. O pai pegou na mão do 
filho, subiu umas dunas e foi da duna mais alta que o mar pôde finalmente ser divi-
o conteúdo jurídico do princípio da dignidade da pessoa humana em tema I 167 
de Direitos Fundamentais e os avanços da Constituição de 1988 
Pesquisa realizada pelo Superior Tribunal de Justiça. 
é proibida a reprodução ou a transmissão, conforme a lei de direitos autorais. 
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sado. E quando o garoto viu o mar pela primeira vez; aquela monumental estrutura 
líquida; aquela cor esverdeada; aquela luz faiscante que vinha do sol batendo de cha-
pa na lâmina móvel do mar, o garoto, em êxtase, tremendo em cada fibra do corpo, 
com as cordas vocais sem poder articular praticamente palavra, recobrou o fôlego, 
apertou a mão do pai e disse: "Pai, ajude-me a ver". Ou seja, era beleza demais para 
um olhar solitário. Era preciso um olhar coletivo, solidário. Pois bem, eu convido 
todos os senhores a projetar sobre a nossa Constituição, na perspectiva da dignidade 
da pessoa humana, o mais aberto e luminoso olhar coletivo. Aí, transitaremos em 
perfeito equilíbrio sobre o valor da segurança e o valor da justiça. Como está no 
preâmbulo da Constituição, expressamente. 
Obrigado. 
168 I Anais da VI Conferência dos Advogados do DF

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