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Metodologia do ensino de língua portuguesa na educação do caMpo revista e ampliada A Editora da UFRR é filiada à: UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA - UFRR editora da uFrr diretor da eduFrr Cezário Paulino B. de Queiroz conselHo editorial Alcir Gursen de Miranda Anderson dos Santos Paiva Bianca Jorge Sequeira Sergio Edlauva Oliveira dos Santos Georgia Pratrícia F. da Silva Guido Nunes Lopes José Ivanildo de Lima Jose Manuel Flores Lopes Luis Felipe Paes de Almeida Luiza Câmara Beserra Neta Núbia Abrantes Gomes Rafael Assumpção Rocha Rileuda de Sena Rebouças reitor Jefferson Fernades do Nascimento Vice-reitor Américo Alves de Lyra Júnior Editora da Universidade Federal de Roraima Campus do Paricarana - Av. Cap. Ene Garcez, 2413, Aeroporto - CEP.: 69.310-000. Boa Vista - RR - Brasil e-mail: editora@ufrr.br / editoraufrr@gmail.com Fone: + 55 95 3621 3111 UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA EDUFRR Boa Vista - RR 2019 Jairzinho Rabelo Luzineth Rodrigues Martins organizadores Metodologia do ensino de língua portuguesa na educação do caMpo revista e ampliada Todos os direitos reservados ao autor, na forma da Lei. A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação dos direitos autorais (Lei n. 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Copyright © 2019 Editora da Universidade Federal de Roraima Revisão Ortográfica Elecy Rodrigues Martins Projeto Gráfico Aline dos Santos Rodrigues diagramação Naiara Cardoso da Silva Dados Internacionais de Catolagação na Publicação (CIP) Biblioteca Central da Universidade Federal de Roraima Ficha Catalográfica elaborada pela Bibliotecária/Documentalista: Maria de Fátima Andrade Costa - CRB-11/453-AM A exatidão das informações, conceitos e opiniões é de exclusiva responsabilidade dos autores M593 Metodologia do ensino de língua portuguesa na educação do Campo: revista e ampliada / Jairzinho Rabelo, Luzineth Rodrigues Martins organizadores. - Boa Vista: Editora da UFRR, 2019. 199 p.: il. Inclui bibliografias. ISBN: 978-85-8288-225-2 1 - Língua portuguesa. 2 - Metodologia do Ensino. 3 - Educação do campo. 4 -Formação de professores. I - Título. II - Rabelo, Jairzinho (org.). III - Martins, Luzineth Rodrigurs (org.). CDU - 373.3(1-22) Projeto: A Educação do Campo e suas Metodologias de Ensino, referente ao processo 405586/ 2012-4; Chamada CNPq/MDA- INCRA N°. 26/ 2012 - do Programa de Ciência e Tecnologia para o Agronegócio - Residência Agrária coordenação de curso Evando Ghedin Alessandra Peternella Osvaldo Piedade Valdemar Vilhena Miquéias Ambrósio a História do ensino da língua portuguesa e seus desafios na Atualidade Luzineth Rodrigues Martins Jairzinho Rabelo...................................................................................17 Novos Olhares Sobre o Processo de compreensão leitora Luzineth Rodrigues Martins Ana Aparecida Vieira de Moura............................................................49 O processo de Mediação da Escrita: Da leitura à produção de texto Luzineth Rodrigues Martins Luciana dos Reis da Silva....................................................................75 possibilidades de uso da Variação Linguística em Atividades de Sala de Aula da Educação do Campo Jairzinho Rabelo Luzineth Rodrigues Martins................................................................101 Pesquisa na Formação e na Prática do professor Luzineth Rodrigues Martins................................................................121 1 2 3 4 5 suMÁrio preFÁcio........................................................................................7 Evandro Ghedin introdução.............................................................................11 Material Didático: Uso e Reflexão na Construção do Conhecimento Jairzinho Rabelo.................................................................................141 Metodologia e Planejamento: A Sequência Didàtica no Ensino da Língua Portuguesa Jairzinho Rabelo.................................................................................159 6 7 considerações Finais......................................................197 7 preFÁcio O conhecimento é nossa condição ontológica. Dele deriva a possibilidade de sermos tudo que podemos inter- pretar do que somos no mundo. O advento da “virada linguística” marca um novo momento em nossa ontologia e no modo como nos rela- cionamos com o mundo. Essa relação é sempre mediada. O que podemos saber de nós mesmos está limitado aos instrumentos cognitivos (internos a nós) e objetivos. A principal mediação que nos antecede e se perpetua para além de nossas limitadas vidas mundanas é a língua. Uma língua é integradora do que somos, fomos e seremos. Ela constitui o instrumento de nossa identidade e media nossa relação com o mundo. Essa relação transforma a subjetividade em objetivida- de, pois “o mundo se divide em fatos”, mas o próprio fato é divisível: “aquilo que acontece, o fato, é a existência de fatos atômicos”. E os fatos atômicos são constituídos por objetos simples: estes são substância do mundo. “O fato atômico é uma combinação de objetos (entidades, coisas)”. O objeto é simples. “Os objetos constituem a substância do mundo, por isso não podem ser compostos”. “O fixo, o consistente e o objeto são uma só coisa”. “O objeto é fixo, o consistente; a configuração é o mutável, o instável”1. Nessa lógica, à teoria da realidade corresponde a te- oria da linguagem, que é uma representação projetória da 1 Wittgenstein, Ludowig. Tractatus logico-philosophicus. 8 realidade. Fazemos representações dos fatos e a represen- tação é um modelo da realidade e o que a representação deve ter em comum com a realidade para poder represen- tá-la é a forma de representação. A primeira vista não parece que a proposição seja representação da realidade de que trata. Mas a notação musical também não parece, à primeira vista, representa- ção da música, assim como a nossa escritura fonética (ou letras) também não parece uma representação da nossa linguagem falada. No entanto, esses símbolos se revelam representações daquilo que representam. Todas essas relações estão naquela relação interior representativa que se estabelece entre língua e mundo. O que é comum a to- das essas coisas é a estrutura lógica. Deste modo, o pensamento ou proposição represen- ta ou espelha projetivamente a realidade. A cada elemento constitutivo do real corresponde outro elemento no pen- samento. A realidade consta de fatos que se resumem em fatos atômicos, compostos por seu turno de objetos sim- ples. Analogamente, a linguagem é formada de proposi- ções complexas, que podem ser divididas em proposições simples ou atômicas (elementares) não ulteriormente divisíveis em outras proposições. Essas proposições ele- mentares constituem o correspondente dos fatos atômicos. São combinações de nomes, correspondentes aos objetos: o nome significa o objeto. O objeto é o seu significado. Portanto, não há significado descolado dos objetos que lhe são correspondentes. Esse constitui um dos critérios mais significativos para avaliar um programa científico. 9 Nesse sentido, desenvolve-se uma epistemologia da correspondência entre linguagem, objeto e pensamento. O real é concreto e pensado. Pensado porque concreto, con- creto porque pensado. Assim há correspondência entre re- alidade e abstração e esta não existe sem aquela. O pensamento é constitutivo do real na mesma pro- porção em que corresponde ao próprio pensamento. Por essa razão, há a necessidade de dominar a língua. Ter do- mínio da língua significa tomar posse de si. Ação que não é possível sem a apropriação do mundo, que não se dá sem propriedade de pensamento. O conhecimento plano da língua significa a posse do mundo, o poder sobre ele. Não um poder de domínio e de posse como queiram os modernos, especialmente os cartesianos. Mas uma relação de conhecimentodo mundo como condição de interpretação compreensiva de nossa condição de sujeitos que pertencem ao mundo. O mundo que temos é o mundo que criamos pela linguagem e pela língua. Sem língua e linguagem não há mundo. O nosso mundo depende da existência da língua e da linguagem como condição de nosso ser. É nesse sentido que se justifica o esforço que fazem os autores para expressar a Metodologia do ensino da Língua Portuguesa na Educação do Campo. Seu conteúdo expressa profundo conhecimento dessa nossa condição ontológi- ca mediada pela língua e pela Linguagem, condições de nossa existência. Sem a língua para expressar nossos senti- mentos, emoções, medos, bravura, coragem, virtude, ver- dade, amor não há nada disso em nosso mundo. O que as 10 tornam visíveis é a língua. Nela encontram-se nossa con- dição, nosso limite e toda nossa potência. Esse é o sentido mais profundo deste trabalho, pois faz existir o ser onde antes havia o NADA. Isso parece matéria de alquimistas. Parece mágico. Mas essa é justamente a magia de tudo isso: onde havia o nada a Língua cria o SER. O ser só existe em sua expressão. Ele só pode expri- mir-se por meio da língua e da linguagem. Portanto tomar posse delas é tomar posse de si, condição sem a qual não existe autonomia e essa como condição para a cidadania e a vida social. Assim sendo, este é um trabalho da mais alta rele- vância para a população do campo, pois à medida que lhe dá posse da língua, lhe permite a expressão de seu ser, de sua voz, de seu grito. Rompe o silencio da opressão para em seu lugar fazer emergir o ser da libertação. Evandro Ghedin 11 introdução Promover discussões e reflexões sobre a educação do campo é enveredar-se por um lócus repleto de desafios e possibilidades, uma vez que o contexto desta educação é extremamente rico como cenário de pesquisa, por isso mesmo, um espaço multifacetado na condição de campo de formação do professor. Ao mesmo tempo demanda grandes desafios, seja pela dificuldade de recursos peda- gógicos disponíveis nas escolas de campo, seja pela ne- cessidade de formação continuada atualizada inerente à profissão docente. Cientes dessa realidade, o objetivo deste livro é for- necer subsídios teórico-metodológicos para a disciplina Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa na Educa- ção do Campo, integrante do curso de Especialização em Educação do Campo e suas metodologias de ensino, que tem como desafio de pesquisa para essa disciplina “saber com quais perspectivas teórico-epistemológicas opera-se o ensino de Língua Portuguesa na educação do campo e como os valores linguísticos da população do campo são considerados e valorizados neste ensino”. Com essa perspectiva, o desafio que se propõe nes- te livro e na disciplina referida é promover uma reflexão sobre possibilidades de ensino na educação do campo que sejam produtivas para os alunos, no sentido de que estes se identifiquem e se reconheçam como sujeitos que estão na escola com a finalidade de compreender a importância 12 do conhecimento escolar mas, sobretudo, que reconheçam as competências linguísticas que já possuem e entendam a necessidade de ampliá-las. Para tanto, utiliza-se funda- mentos, metodologias e atividades que podem ser ade- quadas à educação do campo, conforme a necessidade e realidade de cada professor. Nessa direção, esperamos dar aos alunos da disci- plina Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa na Educação do Campo condições de eles reconhecerem as competências já desenvolvidas por seus alunos, em seu convívio cotidiano, mas de reconhecerem, especialmente, sua capacidade de mediação nas atividades de ensino pro- postas aos alunos. Além disso, serem capazes de refletir sobre suas práticas e, ao mesmo tempo, registrar essas re- flexões em forma de trabalhos acadêmicos que possam ser socializados com os colegas e demais professores. A exemplo de uma situação de ensino nesse contexto, reportamo-nos ao fato da existência de grande variação linguís- tica produzida pelos sujeitos do campo, que devem chegar a escola como possibilidade de reflexão e análise linguística do valor social de determinados usos da língua. Lembramos o caso do sujeito que produz a variação “mio” no lugar da palavra milho, assim dicionarizada na língua portuguesa. O papel do professor neste contexto é conhecer a teoria da variação linguís- tica, acolher a fala do sujeito, discutir a produtividade dela no convívio diário do aluno e apresentar a ele a variante de maior prestígio social, como aquela que se espera ser produzida por um sujeito em contexto de escolarização. Com essa postura, o professor cumpre o papel de mediador da aprendizagem do aluno, ajudando-o a ampliar a sua capacidade comunicativa. 13 Sendo assim, a língua portuguesa ensinada na escola deve ser aquela em uso nas mais diversas situações e con- textos, em que os sujeitos a reconheçam como instrumento de mediação do homem com o seu meio e, por isso mes- mo, modifica-se de acordo com a situação de uso. Imbuídos destes pressupostos, este livro está assim organizado: no primeiro capítulo, com o título A história do ensino da língua portuguesa e seus desafios na atualidade, traz-se a discussão da história do ensino de língua por- tuguesa, percorre-se um caminho de complexidade, por- que a prática de ensino está imbricada no contexto social em que o país se encontra. Nesse percurso, faz-se neces- sária a reflexão sobre quem aprende, quem ensina, o que se aprende, o que se ensina, como se aprende a ensinar e como se ensina. Essa discussão conduz, portanto, a uma análise dos sujeitos do ensinar e do aprender e do contexto sociocultural em que estes estão submetidos. Com o título Novos olhares sobre o processo de compre- ensão leitora, o capítulo dois traz à baila discussões sobre a nessecidade de a escola reconhecer a prática da leitura e sua importância para a inserção social do sujeito. A escola ainda tem encontrado dificuldades em assumir a leitura como uma atividade sistêmica, visto que essa prática exige do professor não somente atuação mais eficaz em sala de aula, mas conhe- cimento sistematizado de um conjunto de fundamentos que constituem a prática pedagógica do ensino da leitura, isto é, procedimentos didáticos e metodológicos que se harmoni- zem em prol do desenvolvimento da leitura, delimitando, as- sim, o papel do professor como o de mediador dessa prática. 14 Já o terceiro capítulo, O processo de mediação da escrita: da leitura à produção de texto, apresenta um relato de expe- riência com a mediação da escrita ocorrida durante o Está- gio Supervisionado na Regência do Ensino Fundamental, disciplina obrigatória do Curso de Letras da Universidade Estadual de Roraima, realizado em uma turma do 8.º ano do Ensino Fundamental, de uma escola da rede pública estadual da cidade de Boa Vista, capital de Roraima, sob a supervisão da professora Luzineth Rodrigues Martins. Uma proposta de compreensão da pesquisa pela prática. Em Possibilidades de uso da variação linguística em ativi- dades de sala de aula da educação do campo, o quarto capítulo, faz-se um breve estudo sobre a variação linguística visan- do ao entendimento das motivações para essa variação. Ao mesmo tempo propõe uma orientação de como podemos entender a variação linguística produzida em contextos de não monitoramento. Na sequência, faz-se uma abordagem sociolinguística educacional sobre a variação linguística no ensino, com a finalidade de mostrar aos professores como podem eles assumir uma postura de esclarecimento sobre as variações ocorridas nas falas dos trabalhadores rurais ou dos filhos destes, com o fim de evitar o precon- ceito linguístico. Já no quinto capítulo, com o título Pesquisa na forma- ção e na prática do professor, apresenta-se a relação intrínse- ca entre ensino e pesquisa. Para tanto, defende-se a pes- quisa como via de construção do letramento acadêmico, em seguida, apresentam-se vivências com a pesquisa em diversosmomentos da formação de professor, com o pro- 15 pósito de mostrar como se torna esta aliada na produção do conhecimento, na análise e no enfrentamento de ques- tões da prática pedagógica. O sexto capítulo, Material didático: uso e reflexão na cons- trução do conhecimento, discute o dilema do material didático de forma a compreender como e quando utilizarmos. Além disso, faz reflexão sobre o professor e as possibilidades de uso de materiais diversificados no ensino de língua portu- guesa em busca de compreender o papel docente na forma- ção dos alunos. Também discute o uso crítico do material didático e avalia seu uso e construção. Fecha-se com a apre- sentação da produção de material didático e apresenta-se relato de construção de alguns deles. Para fechar a discussão, trazemos no capítulo Meto- dologia e planejamento: a sequência didática no ensino da língua portuguesa a discussão sobre o ensino da língua materna como uma tarefa complexa considerando o contexto em que ela ocorre. Esperamos que a leitura desta obra seja significati- va para a formação continuada dos alunos do Curso de Especialização em Educação do Campo e suas metodolo- gias de ensino e para os demais professores que sentirem a necessidade de conhecer os fundamentos teóricos-meto- dológicos do ensino de Língua Portuguesa na atualidade, uma vez que a obra discute esses fundamentos e os situa no ensino de modo geral, convocando os professores a in- teragirem em seu contexto de ensino. 17 1 a História do ensino da língua portuguesa e seus desafios na Atualidade Luzineth Rodrigues Martins Jairzinho Rabelo Introdução Trazer à baila a discussão sobre a história do ensino de Língua Portuguesa é percorrer um caminho de com- plexidade, porque a prática de ensino está imbricada no contexto social em que o país se encontra. Nesse percurso, faz-se necessária a reflexão sobre quem aprende, quem en- sina, o que se aprende, o que se ensina, como se aprende a ensinar e como se ensina. É necessário, pois, discutir a formação dos professores e a valorização do ato de ensinar e do objeto do ensino. Essa discussão conduz, portanto, a uma análise dos sujeitos do ensinar e do aprender e do contexto sociocultural em que estes estão submetidos. Propomos, então, uma discussão partindo de um breve histórico do ensino, seguido de uma reflexão sobre uma prática legitimada pela formação do professor, ques- tão ampliada por uma análise das dificuldades da prática de ensino voltada ao texto. Em seguida, faz-se uma defe- sa da efetivação do ensino através de gênero textual nas aulas de língua materna. Neste sentido, os professores do campo são convidados a refletir sobre a sua realidade de ensino, considerando as discussões aqui apontadas. 18 1.1 Um pouco da história do ensino de língua portuguesa Compreender o percurso do ensino de Língua Por- tuguesa implica o entendimento da história dessa língua, uma vez que o ensino passa pelo movimento histórico, que, como se sabe, é marcado pelo processo de colonização do Brasil pela coroa portuguesa e de seus interesses mais emer- gentes. O Quadro 1 mostra de forma cronológica os acon- tecimentos que marcam a história do ensino dessa língua. Como veremos no referido quadro, os movimentos que orientam o ensino de língua portuguesa até o surgi- mento dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) são marcados por uma busca de entendimento por parte dos professores e dos especialistas, que se dedicam a pensar o ensino, sobre o melhor método, capaz de promover a me- lhoria na qualidade da aprendizagem. Quadro 1 – Linha do tempo do ensino de Língua Portuguesa no Brasil linHa do teMpo do ensino de língua portuguesa no Brasil 1759 Língua Portuguesa nas escolas. A intenção é transmitir o conhecimento da norma culta da língua materna aos filhos das classes mais abastadas. 1800 A linguagem é vista como uma expressão do pensamento e a capacidade de escrever é consequência do pensar. Na escola, os textos literários são valorizados e os regionalismos, ignorados. 1850 A maneira unânime de ensinar a ler é o método sintético. As letras, as sílabas e o valor sonoro das letras servem de ponto de partida para o entendimento das palavras. 19 1860 Desde os primeiros registros sobre o ensino da língua, a escrita é vista independentemente da leitura e como uma habilidade motora que demanda treino e cópia do formato da letra por parte do aprendiz. 1876 O poeta João de Deus (1830-1896) lança a Cartilha Maternal. Defende a palavração, modelo que mostra que o aprendizado deve basear-se na análise de palavras inteiras. É um dos marcos de criação do método analítico. 1911 O método analítico torna-se obrigatório no ensino da alfabetização no estado de São Paulo. A regra é válida até 1920, quando a Reforma Sampaio Dória passa a garantir autonomia didática aos professores. 1920 Início de uma disputa acirrada entre os defensores dos métodos analíticos e sintéticos. Alguns professores passam a mesclar as ideias básicas defendidas até então, dando origem aos métodos mistos . 1930 O termo “alfabetização” é usado para determinar o processo inicial de aprendizagem de leitura e escrita. Esta passa a ser considerada um instrumento de linguagem e é ensinada com a leitura. 1940 As primeiras edições das cartilhas Caminho Suave e Sodré são lançadas nessa década, respeitando a técnica dos métodos mistos, e marcam a aprendizagem de gerações. 1970 A linguagem passa a ser vista como um instrumento de comunicação. O aluno deve respeitar modelos para construir textos e transmitir mensagens. Os gêneros não literários são incorporados às aulas. 1984 Lançamento do livro Psicogênese da Língua Escrita, de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. A concepção de linguagem é modificada nessa década e influencia o ensino até hoje: o foco deveria estar na interação das pessoas. 1997 Publicados os PCNs pelo governo federal para todo o Ensino Fundamental defendendo as práticas sociais (interação) de linguagem no ensino de Língua Portuguesa. Fonte: Mortatti (2000). In novaescola.org.br/conteudo/303.o-que-ensinar-em- lingua-portuguesa. 20 Ensinar e aprender são duas questões com relações intrínsecas permeadas por uma concepção ampla de sujei- to, de papel das escolas e dos sujeitos que nela se encon- tram, pois o que se faz no ato de ensinar é reflexo do modo como se concebe a relação língua, ensino e sociedade. Os Quadros 2, 3 e 4 detalham um pouco essa relação nas dé- cadas de 1970, 1980 e 1990. 21 Quadro 2 – Panorama histórico do ensino de Língua Portuguesa no Brasil na década de 1970 D éc ad a de 1 97 0 Concepção de Língua Diretriz de Ensino Foco do Ensino Expressão ou tradução do pensamento, isto é, a capacidade do indivíduo de organizar o seu pensa- mento. Desse modo, usar a língua portuguesa era o mesmo que pensar e pen- sar certo. Seria utilizar a linguagem de modo cor- reto, seguir regras univer- sais (divisão, classificação e organização). A dicotomia saussureana langue/parole ganha for- ça dos estudos linguísticos na formação dos professo- res, mas nas escolas, como na universidade, estuda- -se sobretudo, a langue, ou seja, sistema estruturado de signos, não a parole, a manifestação individual da língua. Influenciada pelos ideais de Jakobson, a escola irá valorizar as funções da linguagem, preocupando- -se em categorizar. O indi- víduo utiliza a linguagem levando em consideração onde, quando, com quem, a fim de comunicar algo. Chegada dos docu- mentos escolares e de alguns manuais e livros didáticos, das ideias da linguística, misturando concei- tos estruturalistas e pós-estruturalistas. Surgem as áreas de comunicação e ex- pressão, englobando Língua Portuguesa, Educação Física, Arte, e Língua Es- trangeira Moderna, sem, contudo, con- seguir, de fato, uma aproximação entre esses componentes curriculares. Na prática, contudo, foram os vestibula- res que se encarre- garam de organizar o currículo. Além disso, afor- mação do professor começa a priorizar a quantidade forma- da, e não a qualidade docente. O salário da categoria docente co- meçam a se achatar e as fórmulas prontas soam preferíveis a quaisquer escolhas consciente dos pro- fessores. Os estudos gramaticais – a par dos estudos retóricos – são aqueles que desenvolverão a técnica para falar e escrever bem e certo, estabelecendo um íntimo diálogo com a vi- são positivista de mundo. As regras no estudo escolar são vistas como o modo de orga- nizar o mundo, por meio da obtenção da ordem, pode-se caminhar para o progresso. A gramática escolar incide, principalmente, em exercí- cios estruturais de morfos- sintaxe frasal, na busca da internalização inconsciente da norma culta (tomada como variedade de prestí- gio e aquela que promove- rá o cidadão). As regras possibilitam in- ternalizar um modo de fa- zer (aplicação das regras) que será desenvolvido em circunstâncias sociais fora do ambiente escolar, ou seja, o como e quando o falante faz uso das regras que aprende na escola não é preocupação da discipli- na Língua Portuguesa. Ler e escrever bem são as consequências do pensar, e as propostas dos professo- res se baseavam na discus- são sobre as características normativas da língua. Fonte: Landeira (2012). In landeira-educablog.blogspot.com 22 Quadro 3 – Panorama histórico do ensino de Língua Portuguesa no Brasil na década de 1980 D éc ad a de 1 98 0 Concepção de Língua Diretriz de Ensino Foco do Ensino Surgimento dos Parâ- metros curriculares Na- cionais. Esse documento definirá linguagem como espaço psicossocial em que os indivíduos atuam, constituem outros e se constituem, ou seja, tra- balho coletivo (discurso) orientado para uma fina- lidade em situação de uso. O conceito é complexo, não imediatamente absor- vido pelos professores, o que trouxe uma série de incompreensões e a oposi- ção “tradicional/ constru- tivista” usualmente mal interpretada e aplicada. Nesse conceito de lingua- gem, contudo, todo discur- so manifesta-se por meio de textos e todo texto se organiza dentro de deter- minado gênero discursivo. Os gêneros discursivos são elementos organiza- dores do processo discur- sivo, ou seja, enunciados relativamente estáveis caracterizados por: a) conteúdo temático; b) construção composi- cional; c) estilo (recursos ex- pressivos e marcas au- torais. Teoricamente o estudo gramatical dá vez à análise linguística – processo re- flexivo dos movimentos dos recursos lexical e gramaticais e da construção composicional de textos, considerando seu gênero discursivo, suporte, meio/ época de circulação e de interlocução (contexto) e relaciona-se com as ativida- des (ações) de leitura e escrita (reescrita). O que se deseja é que o conhecimen- to e a reflexão das regras visem à ati- vidade (reais e contextualizadas) de recepção e produção. A área de Comunicação e Expressão é substituída pela área de Lingua- gem, Códigos e suas Tecnologias, englobando as disciplinas Língua Portuguesa, Educação Física, Artes e Língua Estrangeira Moderna. A Língua Espanhola ganha grande espaço no cenário educativo e se ini- ciam movimentos para, efetivamen- te, aproximar as disciplinas entre si, constituindo uma área. Tarefa na qual ainda há muito a fazer. Merece consideração especial o espa- ço dos estudos literários nesse cená- rio. A visão dominante na escola, era, até o surgimento dos PCN, de valo- rizar a literatura no ensino médio (chamado de 2.º grau), pelo prisma histórico, centrado em relacionar ca- racterísticas de obra de característica de estilo de época. O Ensino Fundamental (chamado de 1.º grau), priorizava o prazer da leitu- ra, conforme visto em obras ditas pa- raliterárias de forte cunho moralista. A década de 1980, no que diz respeito à documen- tação oficial, continua va- lorizando a autonomia do professor e começa a dar um es- paço maior ao texto. A formação docente con- tinua prio- rizando a quantidade e com os bai- xos salários pagos à ca- tegoria. Há uma fuga de talentos na área. A profissão passa a ser vista, por al- guns, como um “bico” que com- plementa a renda. Divulga-se a máxima que “quem sabe faz, quem não sabe, en- sina”. Fonte: Landeira (2012). In landeira-educablog.blogspot.com 23 Quadro 4 – Panorama histórico do ensino de Língua Portuguesa no Brasil na década de 1990 D éc ad a de 1 99 0 Concepção de Língua Diretriz de Ensino Foco do Ensino As correntes acadêmicas avan- çaram e a proposta de Mikhail Bakhtin (1895- 1975) chegou à educação. Bakhtin apresentou uma nova concepção de linguagem, a enunciativo-discursiva, que considera o discurso uma prá- tica social e uma forma de inte- ração-tese que vigora até hoje. O contexto de produção dos textos, as diferentes situações de comunicação, os gêneros, a interpretação e a intenção de quem produz passaram a ser peças-chave. Desse modo, a expressão não era mais vista como uma re- presentação da realidade, mas o esforço de quem produziu e o impacto que terá no receptor. O ensino não é mais visto como uma sucessão de etapas, e sim um processo contínuo. Desse modo, de- senvolve compe- tências e habilida- des diferentes ao longo dos anos. O aluno passou a ser visto como su- jeito ativo, e não um reprodutor de modelos, e atuante, em vez de ser pas- sivo, no momento de ler. O foco é a análise dos textos, e não o ensino da gramática. As situações didáti- cas essenciais para o Ensino Fundamental passaram a ser: ler e ouvir a leitura do do- cente, escrever, pro- duzir textos oralmen- te e fazer atividades para desenvolver a linguagem oral, além de enfrentar situa- ções de análise e re- flexão sobre a língua e a sistematização de suas características e normas. Fonte: Landeira (2012). In landeira-educablog.blogspot.com Conforme demonstram os Quadros 2, 3 e 4, o foco do ensino na atualidade deveria ser o texto ou o gênero, mas essa é uma realidade que ainda não ocorre na maioria das escolas brasileiras. O que se tem ainda hoje são ações isoladas, de professores com maior consciência do obje- to do ensino de Língua Portuguesa, consequência de uma formação mais atualizada e das condições externas propi- ciadas a esses professores, que lhes permite pôr em prática a formação obtida na universidade. 24 1.2 A formação recebida pelo professor torna legítimo o trabalho com o gênero na sala de aula? Hemais e Biasi-Rodrigues (2005) denominam o conjun- to de textos recorrentes em um contexto discursivo como co- munidade discursiva,1 denominada lócus social, que desen- volve uma gama de gêneros falados e escritos para orientar e monitorar os objetivos e as propostas de determinado grupo. Para os membros dessa comunidade, os gêneros compõem um sistema ou rede interativa, que tem a função adicional de validar as atividades da comunidade fora de sua esfera. É, pois, de se esperar que, na interação de uma comunidade discursiva, o sujeito adquira conhecimentos que lhe possili- tem interagir naquela comunidade e possa representar suas práticas por meio da linguagem. Essa, no entanto, não é uma lógica tão clara, pois como Figueiredo e Bonini (2006) eviden- ciam na introdução do seu texto Práticas discursivas e ensino do texto acadêmico: concepções de alunos de mestrado sobre a escrita, que muitos alunos, embora já façam parte de um programa de mestrado há algum tempo, mostram pouca (ou nenhuma) familiaridade com a capacidade de utilização eficiente dos gêneros do discurso científico. A situação supracitada também acontece no univer- so docente. O professor está tentando entender o como fazer, como sistematizar e como tornar o uso do gênero possível na sala de aula. A falta de trabalho com os gêne- ros na escola, contudo, não é somente uma questão de sis- tematização de procedimentos, pois, se assim fosse, esse 1Para mais esclarecimentos sobre esse tema, ver Biasi-Rodrigues, Araújo e Sousa (2009). 25 problemajá estaria solucionado, considerando que há na literatura obras destinadas a esse enfoque metodológico em formatos diversos. A questão é compreender que o trabalho com os gê- neros não é simplesmente uma opção de metodologia de ensino, mas o resultado da concepção de língua como uma prática social, e entendê-la assim é entender que as diver- sas situações discursivas realizadas pelos sujeitos são or- ganizadas em forma de gênero, que representa o modo como esses sujeitos interagem, ou seja, um modo de ex- pressão do dizer que se materializa pelo texto. Neste caso, a metodologia de ensino de gêneros é reflexo da concep- ção de língua, e não uma mera opção de ensino. Durante anos, a educação concentrou-se em como ensinar e deixou em segundo plano o aprender. Com in- fluência dos estudos interacionistas, fica clara a necessi- dade de a escola, por conseguinte, o professor, olhar para o processo pedagógico de outra maneira. É importante entender como os alunos desenvolvem sua aprendizagem para propor um ensino que possa promovê-la. É necessária a compreensão de que o conhecimento não é concebido como uma cópia do real, incorporado dire- tamente pelo sujeito; pressupõe uma atividade que ocorre à medida que o indivíduo recebe os conhecimentos, orga- niza-os e os integra aos já existentes. O aprendiz só se tor- na sujeito protagonista de seu processo de aprendizagem quando transforma as informações que recebeu em conhe- cimento próprio e passa por um processo de reorganização desse conhecimento. Desse modo, para que a aprendiza- 26 gem ocorra, é necessário um sujeito ativo, que dê sentido às informações disponíveis, acionando os diversos conheci- mentos em busca de recursos suficientes para avançar. Em se tratando de conhecimento sobre a língua, Co- roa (2003) destaca três formas de entendê-la: 1) concepção de língua como estrutura, cuja ênfase dá-se na estrutu- ra morfológica e sintática; 2) concepção de língua como comunicação, com ênfase na mensagem constituída pela sentença; 3) concepção de língua como interação ou atua- ção social, cuja evidência dá-se na unidade do texto. Nessa última perspectiva, o professor precisa enten- dê-la como uma atividade interacional eminentemente humana, que ocorre em contextos sociais reais, de forma colaborativa, em que o indivíduo atua e se constrói na re- lação com o outro. Tal concepção reconhece como sujeito ativo aquele que, nas suas relações interacionais, realiza um trabalho resultado da exploração dos recursos da lín- gua postos à sua disposição como falante. Essa concepção de língua deve atender ao propósi- to de possibilitar a construção dos discursos sociais, como instrumento de ação da sociedade, portanto mecanismo social para atender aos mais diversos propósitos dos sujei- tos, a depender da necessidade e do contexto de interação. Sendo assim, o papel do professor é de extrema responsa- bilidade, pois ele deverá criar situações que permitam ao aluno vivenciar os usos sociais da linguagem, de acordo com os diferentes contextos discursivos. Desse modo, a inclusão de uma abordagem mais atualizada sobre os estudos linguísticos, especialmente 27 nos cursos de Letras, tem sido defendida por muitos espe- cialistas, considerando o avanço significativo dessas abor- dagens nos estudos da linguagem nas últimas décadas. Ilari (1997, p. 16-17) defende a difusão dos estudos da linguística moderna nos cursos de formação por várias razões, entre elas, está a de que ela traz aos professores que lidam com o ensino de língua portuguesa um suporte teórico que os ajudará na compreensão do fenômeno glo- bal da linguagem, e não somente em uma única face da língua. O autor considera que a linguística: 1. introduz na formação do professor um elemento formativo porque o ajuda a avaliar as potenciali- dades e as limitações que caracterizam a expres- são e a comunicação dos seus alunos; 2. ajuda-o a fixar os objetivos viáveis e possibilitar o exame crítico dos recursos didáticos que a indús- tria editorial proporciona; 3. ajuda também a desautomatizar a visão corren- te dos fatos da língua, bem como proporciona a oportunidade de método da investigação próprio das ciências naturais. 4. suscita a todo momento contraste entre cultura dominante e culturas relegadas entre o material didático e o “didatizado”. A relevância dos estudos linguísticos, especialmente aqueles que se voltam à questão discursiva da língua, resi- de no fato de que tais abordagens se voltam não somente para as questões gramaticais e formas textuais; ultrapas- 28 sam essa visão para um olhar sobre o texto na observância da materialidade linguística e textual e dos processos dis- cursivos envolvidos. As abordagens das teorias do texto e dos discursos para o ensino da língua materna revelam a compreen- são do que ocorre no processamento textual, mostrando a linguagem como a capacidade humana de simbolizar e de realizar ações também simbólicas, que é própria do arcabouço teórico das abordagens sociointeracionistas da aprendizagem e do desenvolvimento da psicologia vi- gotskyana (MATENCIO, 2001). Essas abordagens ajuda- rão o professor a compreender a dinamicidade da língua e a assúmi-la como prática social interativa e ainda subsidia a formação do professor de língua materna tanto do ponto de vista dos aspectos psicológicos quanto dos aspectos te- óricos e metodológicos do ensino. Também a formação sociolinguística do professor o ajuda a compreender as condições em que as ações de lin- guagem são produzidas pelos falantes. Mollica (2009, p. 32) destaca a emergência desses conhecimentos na formação do professor como fundamentos para a compreensão “de traços sociolinguísticos na leitura, na escrita de gêneros e nos estilos formais”. Não é por acaso, pois, que a inclusão de abordagens mais atualizadas sobre os estudos linguísti- cos nos cursos de Letras tem sido defendida por muitos es- pecialistas. Vejamos o que diz Coroa (2002) a esse respeito: A formação de um professor apto a transitar pelos espaços teóricos previstos nos PCNs deve visar a um profissional capaz de trabalhar com o discurso – como alvo – e no 29 discurso – como caminho; deve se instaurar na dialética entre a formação técnica e a formação ideológica, pois não basta ao condutor do processo pedagógico conhecer as bases teóricas de uma abordagem discursiva, é necessário, sobretudo, querer e saber se situar como um dos sujeitos dos discursos que constituem e são constituídos no espaço escolar. (COROA, 2002, p. 5). A formação é, portanto, uma grande aliada do pro- fessor na condução de um ensino que tenha como finali- dade desenvolver competências e habilidades dos alunos. 1.3 Uma análise do que ainda ocorre no ensino de língua portuguesa nas escolas: a ação do professor diante do texto Nas instâncias pedagógicas e nos ambientes acadêmi- cos, a discussão a respeito do ensino da língua materna tem ocupado muitos especialistas que não se furtam a considerar a complexidade dessa atividade em razão das circunstâncias que envolvem a docência. Ciente desse fato, faremos aqui um recorte para discutir o ensino da língua materna enfa- tizando a mediação do professor com os objetos de ensino. Começamos recorrendo à Matencio (2001) para a ca- racterização desse ensino. Para que se tenha a noção do que é a língua materna, deve-se ter em mente não apenas a variação encontrada nas práticas e atividades discursivas dos diversos grupos sociais como também o fato de a materialidade textual ser indicativa 30 dos diferentes modos de apropriação da realidade, que atualizados nas formas de interação desse grupo, pela internalização de recursos linguísticos e mobilização de estratégias igualmente linguísticas, produzem a tessitura de seus textos. É nesse sentido, pois, que se pode dizer que uma língua nacional se constitui pelos usos linguísticos que constituem uma realidade e se materializa pelos usos linguísticos que constituem ostextos e os discursos produzidos em diferentes instituições. (MATENCIO, 2001, p. 5). Desse ponto de vista, ensinar a língua materna é en- sinar os diferentes modos de interação verbal produzidos nos diversos ambientes discursivos e suas características linguísticas e interacionais. Dito de outro modo, significa assumir o gênero como o objeto global do ensino, quando o objetivo é o desenvolvimento da competência escrita. Em defesa desse pensamento, muitos argumentos são apresentados, entre eles, está o fato de o gênero textual poder ser assumido como o lugar das correlações sociais, possibilitando discussão de vários aspectos que favorecem as práticas de letramento. Destacamos a defesa apresenta- da por Dionísio, Machado e Bezerra (2010), Nascimento (2009) e Schneuwly e Dolz (2010), que comungam a ideia do gênero como o megainstrumento de ensino. Apesar dos muitos argumentos apresentados na literatura atual e da orientação contida nas Diretrizes Nacionais, o ensino do gênero ainda é um grande desafio. A ação do professor diante do texto na sala de aula pode ocorrer em várias perspectivas e formas, dependen- 31 do de suas condições. Um trabalho de compreensão do texto implica uma ação complexa, porque muitos pontos de vista podem ser lançados a ele, de modo a atender aos vários objetivos que se deseja. Uma ação necessária, no en- tanto, é a observação da linguagem e do conteúdo comuni- cativo do texto. Assim, discutir a função social do gênero e as ações de linguagem nele produzidas, em atendimento à situação discursiva em que o sujeito está envolvido, é a condição para que o texto seja compreendido. Em termos metodológicos, o professor precisa apon- tar o universo de referência (ANTUNES, 2010) para a aná- lise que deseja fazer com seus alunos, pois eles precisarão ter a consciência de quais dimensões serão abordadas no trabalho de análise. O professor pode selecionar a dimen- são discursiva do texto, aquela que responde à pertinên- cia em razão da situação comunicativa e sua eficácia no contexto discursivo, e a dimensão de construção do texto, onde residem as escolhas do sistema linguístico-discursi- vo. Pode ainda selecionar a dimensão informacional, que responde à análise do nível comunicativo do texto. Essa ação analítica torna-se um grande subsídio à produção escrita do aluno, porque direciona o olhar para o fazer interacional por meio da linguagem. Esse trabalho é fundamental para que o discente adquira subsídios ne- cessários à produção textual. Para exemplificar as dificuldades que ainda perduram no ensino com o texto, Martins (2012) apresenta um proto- colo verbal de sala de aula, produzido para a tese de dou- torado, cujo tema aproxima-se com o que se discute aqui. Vejamos como o texto é trabalhado nesse evento. 32 Fragmento 04 – Protocolo 072 Evento: Leitura de texto A professora entra na sala e os alunos que ali se encon- tram estão bastante dispersos, enquanto os outros vão chegando. [...] (5) P: W, amor, começa a ler pra gente, por favor? (6) A3: A primeira questão ou o texto. (7) P: Só o texto. O aluno lê o texto, mas a professora o corrigiu quase sempre, por errar as palavras. Os alunos também corrigiram. (8) P: Até aí, ok. Uma mulher que fica olhando em cima do muro, espiando o morango do vizinho. Aí puxou uma conversa, dizendo que o morango tava bonito, dis- se aquilo pra ver se ele oferecia. Ele não ofereceu e ela, pediu pra ela, né? Pediu. (9) A4: Cara de pau. (10) P: É, cara de pau, pediu mesmo. E aí, o que ele fez? Pegou e mudou de assunto. Disse: eu preciso sair porque vou trabalhar. Num foi? Aí? Continua. O aluno continua lendo o texto (Muitos ruídos). Profes- sora continua ajudando. (11) P: Tá, ele foi trabalhar, voltou de noite, [...] Só que ele viu que não podia comer. Vamos ver o porquê que não podia comer.(O aluno continua lendo). (12) P: Tá, aí começou a falar de uma certa companheira dele, falando mal, que era isso, aquilo e tal. (13) A3: Que era sebosa. (14) P: Tá, sebosa. (15) E ainda reclamava que ele ganhava pouco. Aí? Con- tinua aí. O aluno lê. (16) P: E aí? (17) A3: E aí que num entendi nada desse texto! (Risadas) (18) P: Alguém entendeu? (19) A4: (? ) (20) P: Enterraram no jardim. E aí? 2 Cf. MARTINS, 2012, p. 55. 33 (21) A3: Fala de novo que eu num entendi não, professora. (22) P: Ele teve a gentil ideia de plantar os morangos de- pois que a enterraram no jardim. (23) A3: Ah tá, mataram a mulher, enterraram ela no jar- dim e plantaram os morangos em cima da catacumba. (24) P: Aí os morangos nasceram, só que não podia co- mer porque a mulher tava enterrada lá. (25) A3: Com o adubo da mulher. (26) P: Só que não diz se ele matou, não diz se ela morreu de morte matada ou morrida, não diz nada. Diz que ela morreu e foi enterrada lá. Agora, subentende-se que ele a matou. (27) A3: Ele pagou alguém pra matar ela. (28) P: Como se o salário dela era pouco? (29) A3: Mas ele a matou. Os alunos falam ao mesmo tempo. (30) P: Bora ao que interessa. (31) A3:Bora. (32) P: Na frase, [...] a palavra seu é um pronome posses- sivo, certo? (33) TA: Certo (34) P: Aponte uma frase do texto em que o seu tenha sido usado como um pronome de tratamento [...] (42) P: Retire do texto uma frase em que esse pronome de tra tamento para apareça na sua forma culta. (43) A5: Senhor ( ?) [....] (50) P: Como que eu vou colocar o seu na forma culta de pronome de tratamento? Quais são os pronomes de tratamento? O texto lido foi retirado do livro didático de Ernani Terra e José de Nicola (2000, p. 26 apud MARTINS, 2012, p. 55) e apresentado como exercício de fixação. A professo- ra escreveu esse texto no quadro na aula anterior à leitura. 34 Duas questões relativas a esse momento merecem reflexão. A primeira delas é o fato de que a cópia do texto durou o tempo de uma aula inteira, tempo didático que poderia ser melhor aproveitado com discussões sobre con- textos e usos da língua no texto. Poderia ser utilizado para o estudo do texto, considerando que, conforme vimos no Fragmento 04, Protocolo 07, a professora não dispensou tempo suficiente para alguns alunos entenderem a infor- mação implícita do texto: a morte da suposta esposa do personagem que dialogava com a vizinha. A segunda questão refere-se à habilidade leitora do aluno. O sujeito leitor revelou pouca desenvoltura na leitura, pela dificuldade de pronunciar corretamente al- gumas palavras do texto, necessitando assim da colabo- ração de seus colegas e da professora. Expôs seu baixo ní- vel de leitura quando, ao terminar de ler o texto, afirmou não tê-lo entendido. Sabemos que os alunos com baixa proficiência de lei- tura têm mais dificuldades de compreensão textual por- que acabam dispensando grande esforço cognitivo no pri- meiro momento da leitura, fato que compromete a etapa seguinte, a da compreensão. Eles dispensam muito de sua concentração ao processo de pronúncia do léxico do texto, de percepção da organização sintático-estrutural das ora- ções e da organização discursiva, marcada pela pontuação do texto, restando pouca energia e capacidade cognitiva para a compreensão leitora, mas não podemos aqui alon- gar esse tema, remetemos à leitura de Moura e Martins (2012). As autoras destacam a necessidade de o professor 35 considerar a leitura uma fonte de interação e de produção de conhecimentos, centrada em uma metodologia de me- diação que visa a desenvolver no aluno habilidades cog- nitivas e metacognitivas, proporcionando, assim, o desen- volvimento da competência discursiva. No que tange à mediação da leitura, o estudo do texto, por meio da análise da situação discursiva que o suscitou, é um recurso didático favorável à construção da competência discursiva, uma vez que essa ação permite ao aluno ir aprendendo, com a leitura do texto, os modos de agir pela linguagem. Ação que será complementada quan- do ele tiver a oportunidade de tornar-se também leitor crí- tico do seu texto. A respeito da seleção de aspectospara a análise tex- tual, Antunes (2010, p. 45) diz que precisamos considerar que as dificuldades apresentadas na análise de texto são naturais “porque a tarefa de ‘analisar’ implica ‘separar os elementos’ de um conjunto, e, em um texto, nada é total- mente separável”. Lembra ainda: Grosso modo, podemos dizer que tudo pode ser analisado em textos. De fato, neles toda a língua, em suas múltiplas dimensões pode estar presente. Evidentemente, um determinado texto não abarca todos os fatos linguísticos e todos os aspectos responsáveis por sua funcionalidade sociointerativa. Contudo – repito – os textos são o campo natural para a análise de todos os fenômenos da comunicação humana. Neles é que os aspectos da produção e da recepção de nossas atuações verbais se tornam acessíveis à observação. (ANTUNES, 2010 p. 55). 36 A ação da professora, descrita no fragmento anterior, ficou distante dessa perspectiva, pois o texto foi utilizado como pretexto para o trabalho gramatical. A ação ocorrida durante a leitura limitou-se a comentários da professora sobre algumas ações dos personagens, e quando os alunos tentaram compreender o homicídio citado no texto, ela iniciou o exercício de gramática, não permitindo nenhum diálogo sobre a questão. Apenas explicitou o motivo dos morangos não poderem ser consumidos. Nas falas: “Retire do texto uma frase em que esse pronome de tratamento agora apareça na sua forma cul- ta” e “Como que eu vou colocar o seu na forma culta de pronome de tratamento?”, a professora não considerou as condições de interação em que o pronome seu apresentou- -se no texto. Assumiu como foco da aula apenas o aspecto morfossintático da língua. No primeiro enunciado “O se- nhor não colhe, seu Agenor? Estão no ponto”, o pronome seu já havia sido usado, no início da oração, na forma de pronome de tratamento mais formal. Assim, a escolha fei- ta pelo sujeito produtor do texto pode indicar o uso de uma variante de mesmo valor, como estratégia de não re- petição de item lexical; mas o foco do evento não permitiu uma discussão a esse respeito. O evento parece revelar também uma compreensão equivocada sobre o uso do texto na sala de aula, pois ele é levado à sala para iniciar o trabalho com a gramática, mas- carando, assim, sua finalidade como produto de uma ação social de uso da língua. Também destaca que a concepção de ensino assumida pela professora é de transmissão/co- 37 municação de conhecimentos gramaticais, e não de uma atividade de mediação da aprendizagem dos alunos que tem na interação a via de promoção dessa aprendizagem. 1.4 Em busca da efetivação do ensino com o gênero discursivo Há muitos anos, os estudos linguísticos procuram subsi- diar a formação do professor para o desenvolvimento de uma prática de ensino voltada não somente ao discurso oficial do ensino da língua, mas, sobretudo, à necessidade de inserção dos alunos nas práticas sociodiscursivas. Esses estudos pau- tam-se, segundo Neves (2003), nos dois marcos de alteração da história do uso e ensino da gramática promovidos pelo de- senvolvimento da ciência da linguística, quais sejam: 1. O aparecimento dos estudos variacionistas (sociolinguística) que passaram a vincular padrões a usos, usos a registros, registros a eficácia, com isso obtendo reverter a avaliação, no campo da atuação linguística, de diferença, como possível deficiência, para diferença, como garantia de eficiência de comunicação. 2. O desenvolvimento dos estudos sobre a oralidade (análise da conversação), que perpassam a relativizar o padrão e a vincular escolha de padrão a modalidade de língua, especialmente no sentido de satisfação das necessidades ditadas pelas características particulares de cada situação, portanto, no sentido de obtenção de adequação. (NEVES, 2003, p. 34, grifos da autora). 38 Considerando a necessidade de incorporação desses conhecimentos no ensino da língua materna, Neves (2010) discute a necessidade de o professor transformar a aula de gramática em espaço de observação da funcionalidade da língua, por meio de atividades que visem ao estudo da lín- gua e da linguagem empregada pelos sujeitos nas diversas situações de uso. Também autores como Antunes (2007), Bagno (2001, 2004, 2011) e Silva (2003) têm discutido a necessidade de o professor ultrapassar a visão restrita da língua, que se faz pelo ensino da gramática, seja ela normativa, seja descritiva. Antunes (2007) orienta o ensino da língua por meio de uma perspectiva que vá além da gramática, conside- rando que esta representa apenas as normas da língua. A autora nos complementa pela discussão que faz em seu livro Muito além da gramática. Entre outros esclarecimen- tos, ela lembra que ensinar a língua materna vai além do ensino da gramática, pois esta é somente um dos aspectos da língua, além do léxico, da composição do texto e da si- tuação discursiva que promove o uso da língua. Em complementação a esse ponto de vista, Bagno (2001) tem orientado o ensino da norma-padrão em um mo- delo comparativo entre o que prevê a gramática tradicional e o que é contemplado na fala dos brasileiros. Afirma: [...] ensinar a norma-padrão não quer dizer simplesmente levar o aluno a conhecer todas as regras, a familiarizar-se com elas, a fazer ele saber aplicá-las com precisão e adequação. É muito mais do que isso, na minha proposta. Defendo um ensino crítico da norma-padrão. E para empreender essa 39 crítica, é necessário despejar sobre o pano de fundo homogêneo do cânon linguístico da heterogeneidade da língua realmente usada. Para tanto, a escola deve dar espaço ao máximo possível de manifestações linguísticas, concretizadas no maior número possível de gêneros textuais e de variedades de línguas: rurais, urbanas, orais, escritas, formais, informais, cultas, não-cultas etc. Proponho como Matos e Silva (1995:37) ‘uma pedagogia voltada para o todo da língua e não para algumas de suas formas’. (BAGNO, 2001, p. 156-157, grifos do autor). Bagno, ao referir-se a esse todo da língua, diz que a esco- la deve ensinar não somente algumas das formas linguísticas de prestígio, isto é, as socialmente reconhecidas, mas todas as variedades de uso da língua. Esclarece que essa abordagem de ensino ajudará o aluno a refletir sobre a língua e a ter consciência de que sabe falar a língua que fala todo dia, mas que precisa saber mais sobre ela e sobre outras formas de expressar-se nessa língua e, além disso, que esse saber pode crescer com ele por toda a vida. (BAGNO, 2001, p. 37). Sob o tratamento dado à gramática, Possenti (2006) defende-o como um recurso para o aluno galgar novos modos de uso da língua, aquela socialmente prestigia- da, para ampliar a competência discursiva dele. Martins e Moura (2014) também discutem o ensino da gramática na escola. Pelo viés da sociolinguística educacional, tra- tam o caráter didático reflexivo no âmbito da sala de aula, com a ideia de apresentar uma abordagem de ensino que permita ao aluno entender melhor nossa língua e seu uso, 40 utilizar com proficiência a variedade padrão do português quando necessário e, ao mesmo tempo, permita ao pro- fessor assumir um ensino efetivamente mais próximo da realidade linguística brasileira. Essas posturas e orientações didáticas para o ensino da língua materna convergem para o entendimento de que as normas gramaticais da língua não podem ser isoladas da situação discursiva que suscitou o seu uso. Em sua pesquisa de doutorado, Martins (2012) ana- lisou em um grupo focal, a compreensão dos professores a respeito do ensino com o gênero. A esse respeito, os professores acreditam que é necessário mudar o foco do ensino da gramática para o gênero, mas revelam suas li- mitações, mesmo quem disse já ter alguma experiência de ensino com o gênero, caso citado a seguir. Evento: Grupo Focal – Protocolo 193 [...] (27) C7: Eu não acho ruim e não tenho dificuldade em trabalhar com o gênero não. Masassim, quando você entra numa sala de aula hoje e a visão é a nota, fica difícil realmente fazer com que eles queiram aprender. Mas eu acho que tudo é questão de contexto, professora [...]. Pra mim é complicado assim. Como é que eu vou trabalhar só gênero na sala de aula, né? Aí eu acho difícil, [...] fica difícil você trabalhar em muitas salas a produção de texto. Como vimos, a professora em um primeiro momen- to declara sentir-se bem com a proposta de gênero, mas em seguida revela sua falta de compreensão, mostrando 3 Cf.: MARTINS, 2012, p. 141. 41 que o gênero não é entendido como um modo de agir pela linguagem, que congrega questões de natureza diversa. Outro aspecto igualmente preocupante para os pro- fessores é a seleção e a progressão dos gêneros, nas vá- rias etapas da escolarização básica, questão abordada pela mesma professora. Evento: Grupo Focal – Protocolo 194 [....] (30) C7: Mas aí eu pergunto a questão da sequência didática no ensino médio. Por exemplo, eu tenho salas de primeiro ano, de segundo ano, aí eu aplico no primeiro e no segundo ano, e as dificuldades geralmente são as mesmas, então não tem sequência didática? (31) P: ... (32) C7: Quer dizer assim, em relação ao primeiro ano, segundo ano e terceiro ano? É em relação a isso. (33) P: Você tá falando de quais gêneros escolher? (34) C7: Não. Gêneros pra mim pode ser qualquer um né? Qualquer um pode ser utilizado. Tô dizendo assim, que sequência didática se dá? Por exemplo, eu trabalho gênero esse ano, aí ano que vem tem o segundo ano, e eu trabalho de novo o gênero, e terceiro ano novamente. Então, como vai ser a documentação disso? Primeiro, segundo e terceiro o mesmo assunto? (35) P: Não. (36) C7: A minha dúvida é essa. (37) P: Você está falando do programa do ensino com gêneros, né? (38) C7: [...] Pela sequência lógica, se existe. Quinta, sexta série existe uma sequência. (39) P: Você tá falando de programa. 4 Cf. MARTINS, 2012, p. 141 42 Esta é uma questão bastante inquietante nos estudos dos gêneros, apesar de encontrarmos na literatura contri- buições a esse respeito. Antunes (2009) apresenta um es- boço de proposta para o ensino com os gêneros nas sé- ries iniciais do Ensino Fundamental, e Schneuwly e Dolz (2010) sistematizam metodologicamente uma proposta provisória de gêneros partindo de cinco agrupamentos que abrangem os domínios sociais de comunicação, os as- pectos tipológicos e as capacidades de linguagem domi- nantes, com os respectivos exemplos. Quadro 5 – Proposta provisória de agrupamento de gêneros agrupaMento ciclo 1.º e 2.º 3.º e 4.º 5.º e 6.º 7.º, 8.º e 9.º Narrar -O livro para completar -O conto mavilhoso -A narrativa de aventura -O conto do porquê e do como -A narrativa de aventura -A paródia de conto -A narrativa de ficção -A novela fantástica Relatar -O relato de xperiência vivida -O testemunho de uma experiência vivida -A notícia -A nota biográfica -A reportagem radiofônica Argumentar -A carta de solici- tação -A carta de resposta ao leitor -O debate regrado -A carta de leitor -Apresentação deromance -A petição -A nota crítica de leitura -O ponto de vista -O debate público 43 Transmitir conhecimentos -Como funciona? Apresentação deum brinquedo e de seu funcionamento -O artigo ciclopédico -A entrevista radiofônica -Exposição escrita à nota de síntese -A exposição oral -A apresentação de documentos -O relatório científico -A exposição oral à Entrevista radiofônica Regular comportamentos -A receita de cozinha -A descrição de um itinerário -As regras do jogo Fonte: Schneuwly e Dolz (2010,106). A orientação dada pelos autores à seleção e à pro- gressão dos gêneros é que, em cada fase escolar, devemos contemplar alguns gêneros de cada um dos agrupamen- tos, de modo a atender a princípios didático-pedagógicos, psicológicos e sociais conforme objetivos, interesses e fina- lidades do processo de ensino. O professor pode fazer as adaptações necessárias à realidade dos alunos. O importante é contemplar os agru- pamentos para poder possibilitar aos alunos aquisição das competências inerentes a cada capacidade de linguagem. A mediação do professor, nesse sentido, ajuda o alu- no a compreender melhor a prática do campo discursivo do texto, ação que colabora no entendimento do modo como os sujeitos produzem suas interações por meio da linguagem. Essa ação torna-se objeto de estudo quando discutimos o texto como produto de interação social, que reflete lugares e intenções de quem o produz. Também é necessário discutir as finalidades do agir pedagógico pautado por princípios que sistemati- 44 zam a ação do professor: a legitimidade do ensino, a pertinência e a solidificação dos saberes escolares na sua relação com o contexto sociodiscursivo dos alunos (SCHNEUWLY; DOLZ, 2010). Diante do exposto, estamos cientes de que outros aspectos podem e devem ser acrescentados, assim como temos consciência também de que a prática cotidiana des- sa perspectiva de trabalho docente precisa ser construída em processos de formação, e assumidos na sala de aula. Também parece ser questão fulcral incluir o trabalho de mediação na proposta escolar para que a ação do profes- sor seja mais viável. 1.5 Considerações finais Como vimos, discutir o ensino sob qualquer que seja a perspectiva é enveredar-se por um caminho de muitas nuan- ces, que obriga necessariamente uma discussão sobre a relação formação e prática do professor. Esses dois eixos são realmen- te o que define a melhoria da relação ensino-aprendizagem. Neste texto iniciamos com um breve histórico com a finalidade de provocar nos leitores a compreensão das ações dos sujeitos historicamente situados. Devemos pen- sar na possibilidade de uma prática de ensino em conso- nância com o contexto cultural atual e assim compreender as necessidades dos alunos e o papel do ensino na melhoria da vida dos sujeitos. Isso implica compreender as relações sociais da atualidade, situando o ensino nessa relação. 45 Na educação do campo, o ensino deve partir das prá- ticas de letramento vivenciadas pela comunidade escolar e ir até aquelas que, de modo geral, são mais utilizadas na sociedade moderna, como um recurso de ampliação da competência comunicativa dos alunos, em cumprimento ao papel social da escola. Questões para debate 1. Faça uma análise comparativa entre as práticas de ensino que você conhece e os quadros do pa- norama e do processo histórico do ensino de lín- gua portuguesa e suas concepções. 2. Reflita sobre sua prática de ensino na relação com a prática que privilegie o texto como a unidade de ensino e descreva as dificuldades que devem ser superadas para a assunção de um ensino com ênfase na língua, e não da gramática. 3. Analise a proposta de agrupamentos de gêneros e avalie em que medida ela pode adaptar-se à ne- cessidade da sua turma. 4. Reflita sobre o ensino com base na interação dos alunos com a língua em uso e descreva um pro- cesso de ensino pautado na interação por meio da linguagem. 5. Explique de que modo a ação da professora, no Protocolo 07, poderia ter sido organizada para o estudo da linguagem, e não apenas do texto como pretexto para ensinar a gramática. 46 Referências ANTUNES, Irandé. análise de textos: fundamentos e prática. São Paulo: Parábola, 2010. (Coleção Estratégias de Ensino, 21). ANTUNES, Iradé. língua, texto e ensino. São Paulo: Parábola, 2009. (Coleção Estratégias de Ensino, 10). ANTUNES, Iradé. Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho. São Paulo: Parábola, 2007. BAGNO, Marcos. Dramática da língua portuguesa: tradição gramatical, mídia e exclusão social. São Paulo: Edições Loyola, 2001. BAGNO, Marcos. Gramática pedagógica do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2011. BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro: um convite à pesquisa. 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No contexto atual, saber ler passou a ser me- canismo de defesa e de luta, ao considerar as manobras de enculturação polarizadas na produção e bens culturais que predominam nos meios de comunicações sociais. Embora, no contexto educacional, essa prática seja reconhecida e valorizada à inserção social do sujeito, edu- cadores, de um modo em geral, ainda encontram dificul- dades em assumí-la a leitura como uma atividade sistêmi- ca inerente ao trabalho pedagógico, visto que essa prática exige do professor não somente atuação mais eficaz em sala de aula, mas conhecimento sistematizado de um con- junto de fundamentos constituintes ao ensino da leitura, 5Doutora em Linguística pela Universidade de Brasília com a tese Sociolinguística e seu lugar nos letramentos acadêmicos na formação de professores do campo, sob a orientação da professora Stella Maris Bortoni-Ricardo. Mestre em Educação do Ensino Superior. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa SOLEDUC – Sociolinguística, Letramentos e Educação, UnB/LEdoC/CAPES. Professora de língua portuguesa do Instituto Federal de Roraima, Campus Boa Vista – Centro. 2 50 isto é, procedimentos didáticos e metodológicos que se ar- ticulem em prol do ensino da leitura, desenvolvimento e formação de leitores, delimitando, assim, o papel do pro- fessor como o de mediador dessa prática. Em conformidade com os Novos Estudos do Letra- mento (STREET, 2001), as práticas sociais da leitura devem atender às necessidades dos sujeitos nelas envolvidas, rela- cionam-se com as práticas sociais de letramentos de deter- minada realidade e comunidade. Além de considerar que os sujeitos devem formar-se protagonistas das transforma- ções inerente à própria realidade, a educação deve ponde- rar e reconhecer quem são os sujeitos que ali frequentam. É no sentido de colaborar para uma mediação de lei- tura mais coerente com as práticas sociais dos sujeitos que adaptamos este trabalho, resultado da pesquisa do Projeto Leitura e Mediação Pedagógica, coordenado pela professora Stella Maris Bortoni-Ricardo (2012), pesquisadora da UnB/ CNPq, e que traz ideias desenvolvidas em dois textos an- teriores: A sequência didática aplicada à leitura: os explícitos, os implícitos e a mediação do professor, de autoria de Moura, Mar- tins e Caxangá (2010) e A mediação da leitura: “fritando o peixe e olhando pro gato” de Martins e Moura (2010).6 O texto, entre outras coisas, enfatiza que todo profes- sor deve atuar como mediador de leitura, visando a desen- volver nos alunos habilidades discursivas e cognitivas no sentido de tornarem-se autônomos e críticos no ato de ler 6Os textos referidos foram apresentados no III Congresso Latino Americano de Compreensão Leitora –COMLEI, Brasília. E como resultam de projeto do Projeto de Leitura e Medicação Pedagógica Coordenado pela Professora Stella Maris Bortoni-Ricardo estão disponíveis no site <www.stellabortini.com.br 51 para aprender. Para essa proposição, argumentamos que a mediação do professor precisa ocorrer de maneira siste- mática, contextualizada e seguir alguns parâmetros, como por exemplo o da interação aluno-professor, no momento da leitura, pois essa abordagem possibilitará ao aluno en- tender não só o que está na superfície do texto, mas tam- bém o implícito. Dessa forma, organizamos o texto dando destaque à relação entre leitura e compreensão leitora; bem como os fundamentos teóricos e metodológicos da compreensão leitora; o processo de organização didática para mediação pedagógica; Dimensões da compreensão leitora e conside- rações finais. 2.1 Leitura e compreensão leitora O conceito de leitura vem incansavelmente sendo debatido nos diferentes âmbitos sociais, o que lhe imputa diferentes sentidos, haja vista a produção acadêmica de monografias, dissertações e teses referentes ao tema, isso também pode nos dar indicativo da importância para a formação de professores. Diferentes visões ou abordagens sobre a leitura podem ser encontradas da literatura, isto é, o ato de ler pode ser compreendido a partir de diferentes modelos de leitura. De modo geral, segundo Kato (1985), os distintos modelos sobressaem-se devido as seguintes hipóteses de processamentode informações: hipótese ascendente (bot- tom-up) e a hipótese descendente (top-down). A primeira 52 dá mais importância ao texto; enfatiza o texto e os dados contidos como ponto de partida para a compreensão; pro- vém de uma visão estruturalista e mecanicista da lingua- gem. A segunda dá importância ao leitor; vê o leitor como a fonte única de sentido, de forma que o sentido seria ape- nas como confirmador de hipóteses. A partir de Kato (1985), é possível definir o perfil do leitor em conformidade com os modelos de leitura ado- tados e, para essa autora, o leitor maduro é aquele que utiliza das duas formas de processamento de informações. Os estudos do letramento, na década seguinte, pas- saram a subsidiar a pesquisa sobre a leitura, nesse cená- rio, iniciaram-se trabalhos a partir do conceito de leitura como prática social com o pressuposto de que o desen- volvimento de capacidades no leitor o possibilitaria in- teragir com diferentes gêneros textuais, contínuos e não contínuos, pertencentes a múltiplos domínios discursi- vos, e o tornaria capaz de usar a leitura como instrumen- to para continuar aprendendo. Segundo Koch e Elias (2008), a leitura é uma ativi- dade altamente complexa de produção de sentidos que se realiza com base em elementos textuais e requer a mo- bilização de um vasto conjunto de saberes. Considera-se, portanto, um modelo interativo de leitura que conside- ra o leitor situado historicamente em um contexto social complexo e dialético, caso dos educandos da Educação do Campo. Dessa forma, a leitura passou de uma atividade meramente de decodificação, ou centrada unicamente no leitor, para uma atividade de compreensão, envolvendo texto, autor, leitor. 53 As estratégias que o sujeito mobiliza, segundo Koch e Elias (2008), no ato da leitura, para realização do proces- samento textual, envolvem três grandes sistemas de co- nhecimentos: o linguístico, o enciclopédico e o interacio- nal. O conhecimento enciclopédico corresponde ao capital cultural do sujeito, ao conhecimento prévio do leitor sobre o que lê, enquanto o conhecimento linguístico refere-se ao que se conhece sobre a gramática, o léxico, os meios coesi- vos que são importantes para o entendimento do texto. Já o conhecimento interacional envolve as formas como esse sujeito interage por meio da linguagem. Diz respeito ao seu conhecimento sobre as diversas formas de interação mediadas pela linguagem. A leitura, comprovadamente, não é uma das ope- rações cognitivas mais simples de fazer, pois o ato de ler consiste, segundo González Fernández (1992), em um con- junto de habilidades que vão desde a motora mais simples como a ação ocular até as ações cognitivas mais comple- xas, como o domínio do léxico, das estruturas sintáticas gerais da língua e, principalmente, dos objetivos de leitura a serem alcançados, entre outras. A ação de leitura do texto e das relações que o permeiam é ao mesmo tempo uma ação de leitura do mundo pelo texto, porque na produção textual estão embutidas as marcas do sujeito produtor e de sua relação com o mundo, por isso há a negação de que a leitura seja uma ação individual, e sim uma tríade autor-texto-leitor (KOCH; ELIAS, 2008). 54 2.2 Fundamentos teóricos e metodológicos da compreensão leitora A leitura é considerada como uma atividade que ne- cessita de um conjunto amplo de habilidades e estratégias encaminhadas a compreender e a aprender a partir do tex- to. As diretrizes curriculares nacionais, os PCNs dos dife- rentes níveis de ensino e uma série de outros documentos oficiais referentes à educação no Brasil têm colocado – em consonância com uma tendência mundial – a necessidade de centrar o ensino e aprendizagem no desenvolvimento de competências e habilidades por parte do aluno, em lu- gar de centrá-lo no conteúdo conceitual. Isso implica mu- dança de todos que fazem parte da escola. Para que tais mudanças se efetivem, são necessárias discussões acerca da compreensão e do processo em que todos estarão envolvidos. Nesse conjunto de mudanças, merece atenção a forma como a leitura é trabalhada. Como vimos no capítulo anterior nas discussões dos protocolos de leitura (MARTINS e RABELO, p. 32-33) a atenção é retida nas ações mecânicas de decodificação de símbolos gráficos e não desencadeiam aprofundamentos e compre- ensões críticas das leituras, uma evidência de que na es- cola tem-se dificuldades de lidar com as competências e habilidades da leitura. Para superar essa problemática é necessário que o leitor aprendiz transforme os sinais gráficos em sonoros, mas que compreenda o significado da mensagem escrita (ação mecânica x ação cognitiva). Desse modo, é impor- 55 tante que a escola se responsabilize pelo desenvolvimen- to de ações cognitivas, levando os alunos, no processo de construção dos seus conhecimentos, a comparar, classifi- car, analisar, discutir, opinar e julgar. Além disso, a fazer generalizações, analogias, diagnósticos de tal forma que solidifiquem sua criticidade. Discutir o tema sobre leitura no contexto da Educa- ção do Campo é de extrema relevância, haja vista vir ao encontro das necessidades dos povos campesinos, já que essa população se encontrou durante muito tempo à mar- gem do processo de uma educação de qualidade. Assim, para considerar a melhoria do quadro de superação das dificuldades, há que se pensar que o processo formativo seja visto de forma contextualizada. A mediação do professor é fundamental para que ocorra a leitura compreensiva. Kleiman traz a visão de Vygotsky, ao dizer que: a aprendizagem é construída na interação de sujeitos cooperativos que têm objetivos co- muns, (contextualizamos aqui na Educação do Campo). Como, no caso, trata-se de aprender a ler no sentido cabal da palavra (em que ler não é o equivalente a decifrar ou decodificar), a aprendizagem que se dará nessa interação consiste na leitura com compreensão. Isso implica que é na interação, isto é, na prática comunicativa em pequenos grupos, com o professor ou com seus pares, que é criado o contexto para aquele sujeito que não entendeu o texto, entenda. (KLEIMAN, 1998, p. 10.) Com efeito, para que a prática pedagógica não per- maneça estática, é preciso estabelecer diálogos entre sujei- 56 tos da comunidade, educandos e professores das diferen- tes áreas do conhecimento. Considerando a falta de acesso aos bens materiais e imateriais, o interesse pelos livros não é algo que aparece de repente, para que isso aconteça é preciso ajudar ao aluno a descobrir o que eles [os livros] podem oferecer, a descobrir que cada livro pode trazer no- vas ideias, dessa forma, aos poucos, o aluno ganha intimi- dade com o objeto/livro. Com isso, observamos que há a necessidade de o profes- sor ter embasamento que norteie sua prática de mediação de leitura. Para tanto, apresentamos alguns desses fundamentos. 1. Leitura como prática social – é a leitura contex- tualizada e constituída de significado para o gru- po que a utiliza. A prática social da leitura ganha sentido quando exercida autonomamente nos di- versos domínios da vida, seja na escola, em uma biblioteca, na igreja, na comunidade, no grupo social, nos assentamentos. Ler implica construir sentido de um texto integralmente, localizar infor- mações pretendidas e poder compará-las; possibi- lita ao sujeito desenvolver-se melhor e situar-se so- cialmente, conforme as circunstâncias lhe exigem. Para tanto é preciso aprender a ler e posicionar-se criticamente sobre o que se lê, buscando relações intertextuais nos textos e nos gêneros textuais, ou seja compreender que a produção de sentido se dá social e culturalmente, na produção de inferências geradas pela interação do leitor com os demais lei- tores, além do professor mediador. 57 O texto não é visto como um produto, mas como um processo, como um trabalho que deve ser explorado, valorizado e vinculado aos usos sociais, isto é, segundo Mascuschi (2008), como um evento comunicativo em que convergem
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