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INVESTIGAÇÃO DE RISCOS E FRAUDES CORPORATIVAS AULA 3 Prof. Francisco de Assis do Rego Prof. Guilherme Frederico Tobias de Bueno 2 CONVERSA INICIAL Nosso objetivo com o presente texto é a realização de uma análise a respeito das modalidades mais comuns de fraudes corporativas, e as suas respectivas repercussões em nosso sistema jurídico. Nosso intento, por essa razão, não é o de debater todos os âmbitos de responsabilidade jurídica de todas as fraudes corporativas, mas sim realizar um recorte que leve em consideração dois elementos: i) as mais comuns e frequentes fraudes corporativas, conforme dados das mais recentes pesquisas internacionais sobre o tema; e ii) o enquadramento jurídico que essas fraudes recebem no sistema jurídico brasileiro. TEMA 1 – APROPRIAÇÃO INDÉBITA E ESTELIONATO A apropriação indébita está assim regulada pelo Código Penal: “Art. 168 – Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção. Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa”. Como se verifica da redação da referida norma, o que o legislador pretendeu proteger foi o direito de propriedade (Hungria, 1967, p. 128 et seq.) – no caso, da empresa, contra eventuais abusos por parte dos colaboradores, terceirizados ou outras pessoas que, no cumprimento de suas tarefas, disponham de bens e valores da empresa, ainda que momentaneamente. Por outro lado, o estelionato está assim tipificado: “Art. 171 – Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa [...]”. A ocorrência desse crime exige alguns elementos, como a fraude propriamente dita, a indução da vítima ao erro etc. TEMA 2 – FURTO, INVASÃO DE DISPOSITIVO INFORMÁTICO E CORRUPÇÃO O furto qualificado, nos termos do art. 155, parágrafo 4º, II, do Código Penal, assim dispõe: “Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel. Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. [...] § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: [...] II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza” (Brasil, 1940). A Lei n. 12.737/2012 alterou o Código Penal, inserindo o art. 154-A, que estabeleceu o 3 regramento penal para a hipótese de invasão de dispositivo informático, nos termos a seguir descritos (Brasil, 2012): Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. Por fim, a corrupção está assim regulada: “Art. 333 - Oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa” (Brasil,1940). TEMA 3 – LAVAGEM DE DINHEIRO E CONCORRÊNCIA DESLEAL A lavagem está descrita no art. 1º da Lei n. 9.613/1998 (Brasil, 1998), que assim dispõe: “Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. Pena: reclusão, de três a dez anos, e multa”. O art. 195 da Lei n. 9.279/1996 enuncia todas as condutas que consubstanciam o crime de concorrência desleal em seus diversos incisos. Comete crime quem (Brasil, 1996): I – publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem; II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem; III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem; IV – usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos; V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências; VI – substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento; VII – atribui- se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve; VIII – vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave; IX – dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem; X – recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador; XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término 4 do contrato; XII – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou XIII – vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser; XIV – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos. Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. TEMA 4 – CONFLITO DE INTERESSES E NORMAS REGULAMENTARES Apesar de não serem crime, segundo nosso sistema jurídico, as questões sobre as quais passamos a discutir estão longe de serem temas de menor importância. Há uma lei que regula o conflito de interesses em nosso país, qual seja, a Lei n. 12.813/2013. Contudo, a lei se limita a regular o conflito de interesses no exercício de cargo ou emprego do Poder Executivo federal e impedimentos posteriores ao exercício do cargo ou emprego a ele atrelados. Isso significa dizer que, além de não contemplar os Poderes Judiciário e Legislativo, ela tampouco se aplica à iniciativa privada. Há ainda todo um conjunto de regras impostas pelo poder público, usualmente pelo poder executivo, ou por agências de controle, ou ainda por órgãos de classe, que estabelecem como deve ser exercida uma determinada profissão, ou uma determinada atividade. Essas regras são conhecidas como regulamentares ou de compliance. TEMA 5 – A IMPORTÂNCIA E A NECESSIDADE DOS PROGRAMAS DE COMPLIANCE A essa altura dos debates, imaginamos que já tenha ficado claro, mais do que a importância, a absoluta necessidade de serem implementados programas de compliance em empresas: trata-se de fator fundamental para se evitar a ocorrência de fraudes. Evitar fraudes não pode ser uma política de corporações constituída unicamente pela incidência do marco legal existente em nosso país. Necessitamos, como já foi exposto com maior verticalização na aula 2, de outros mecanismos para coibir e prevenir as fraudes corporativas. Assim, por exemplo, há a adoção de regras impessoais, de modo a padronizar o exercício do juízomoral, tornando-o mais isento e independente da subjetividade e do viés pessoal 5 de cada um (Fonseca, 2005, p. 186-187), o que faria com que atingíssemos padrões mais elevados de ética e governança corporativa. NA PRÁTICA Ao invés de imaginar que poderíamos separar do grupo os predispostos à fraude, haja vista que todos os demais seriam desestimulados da sua prática pela ameaça da sanção, temos que apostar nossas fichas em métodos mais abrangentes, que incluem mecanismos diversos, perenes e constantemente revisados, de modo a nortear as ações dos colaboradores no sentido da ética corporativa. Isso ocorre em um programa efetivo de compliance. Como indicam as pesquisas realizadas no âmbito da economia comportamental, mais do que qualquer norma abstrata, lembretes para mantermos o caminho da retidão são um excelente método para evitar fraudes. Um dos inúmeros experimentos realizados por Dan Ariely pedia que os alunos assinassem uma declaração de que estavam inseridos nas diretrizes do código de honra da Universidade. O resultado foi que a taxa de fraudes foi drasticamente reduzida, ainda que nenhuma das universidades contasse com qualquer código de honra! FINALIZANDO Nosso objetivo com a presente aula foi a realização de um diagnóstico das consequências jurídico-penais do cometimento de fraudes empresariais, bem como das consequências jurídicas que vão além dos limites do direito penal. Assim, procuramos demonstrar quais elementos, nas fraudes corporativas, poderiam redundar no cometimento de crimes de apropriação indébita, estelionato, furto e invasão de dispositivo informático, corrupção ativa, lavagem de dinheiro e concorrência desleal. Da mesma forma, procuramos debater as consequências jurídicas não penais do cometimento de algumas fraudes corporativas, tais como conflitos de interesses e desobediência a normas regulamentares e de compliance, dando especial atenção à necessidade de implementação de programas de compliance. 6 REFERÊNCIAS BADARÓ, G. H.; BOTTINI, P. C. Lavagem de dinheiro: aspectos penais e processuais penais – comentários à Lei 12.683/2012. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. BITENCOURT, C. R. Tratado de Direito Penal 5: parte especial – dos crimes contra a administração pública e dos crimes praticados por prefeitos (lei 10.028/2000). São Paulo: Saraiva, 2007. BRASIL. Decreto Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 31 dez. 1940. _____. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 14 maio 1996. _____. Lei n. 9.613, de 3 de março de 1998. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 3 mar. 1998. _____. Lei n. 12.737, de 30 de novembro de 2012. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 30 nov. 2012. CALEGARI, A. L.; WEBER, A. B. Lavagem de dinheiro. São Paulo: Atlas, 2014. GRECO, R. Curso de Direito Penal: parte especial. 2. ed. Niterói: Impetus, 2006. v. III. HUNGRIA, N. Comentários ao Código Penal: decreto-lei n. 2.848 de 7 de dezembro de 1940. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1967. v. VII.
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