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REFORMA TRIBUTÁRIA NOTA TÉCNICA FENACON SOBRE CONTEXTO ATUAL Não é de hoje que a sociedade brasileira clama pela reforma tributária, por mais equilíbrio e razoabilidade na tributação do país, trazendo racionalização, simplificação de normas, redução das desigualdades e necessária segurança jurídica. Neste ano, com a crise sanitária sem precedentes, e por consequência, uma crise econômica ainda não mensurável, ficou ainda mais visível a necessidade urgente desta medida. As reformas tributárias em discussão são mais que essenciais para a retomada econômica e o desenvolvimento sustentável do Brasil sem, contudo, deixarmos de mencionar os urgentes ajustes nas contas públicas e a necessária reforma administrativa em todos os entes federativos. CONTEXTO ATUAL A discussão sobre reforma tributária não pode estar dissociada do custeio da máquina pública. Entendemos que seria muito mais racional priorizar nesse momento uma reforma administrativa plena para posteriormente termos uma nova dimensão do estado e a carga tributária necessária para suportar os serviços oferecidos à nação. Indubitavelmente precisamos acabar com o manicômio tributário que vivemos, estabelecendo regras claras e proporcionando segurança jurídica a todos. PROBLEMAS APRESENTADOS DO ATUAL SISTEMA TRIBUTÁRIO Alta Complexidade Guerra Fiscal entre Estados e Municípios Alta Carga Tributária Insegurança Jurídica Regressividade Constante mudança nos ordenamentos legais O QUE ESPERAR DE UM NOVO MODELO TRIBUTÁRIO Simplificação do Sistema Eficiência Estabilidade legislativa nas mudanças tributárias (trâmites normais) Equidade Fiscal Segurança jurídica PROPOSTAS DISCUTIDAS NO CONGRESSO NACIONAL As propostas apresentadas até o momento no Congresso Nacional com maior aderência à aprovação referem-se aos tributos indiretos (consumo), sendo uma apresentada no Senado Federal – PEC 110/19 – Davi Alcolumbre e outras duas na Câmara de Deputados – PEC 45/19 – Baleia Rossi e PL 3887/20 – do Executivo. A reforma tributária não é de simples solução e requer uma análise reflexiva importante. Analisando as propostas oficialmente apresentadas até agora, todas voltadas ao consumo, nos deparamos com um discurso de que atualmente nossa tributação é extremamente regressiva e que com a reforma mudaremos este cenário, o que não condiz com a verdade, pois para que isto ocorra teremos que aumentar a tributação sobre renda e diminuir a tributação sobre o consumo, o que não está acontecendo nas propostas apresentadas. Ao nosso ver, a dificuldade da escolha de bases tributáveis, renda ou consumo, define qual a estratégia que o governo e o legislativo pretendem seguir e o impacto que esta medida dará na sociedade brasileira como um todo, trazendo de fato mais justiça social, por um lado, e atração de investimentos, de outro. Talvez com a utilização de meio termo em uma proposta, mantendo os conceitos de simplificação e desburocratização, poderemos contemplar mais os objetivos propostos e adicionar maior equidade ao processo. Dentro desta lógica, e não menos complexo, sugerimos um modelo de tributação que alcance todos os setores econômicos (Indústria, comércio, serviços e agropecuária), respeitando suas bases e suas características, não fugindo dos conceitos já aprovados nas PEC’s apresentadas. Outras propostas estão em andamento no Congresso Nacional também com o cunho tributário, mas sem o holofote e atenção que merecem das mídias, por justamente referirem-se a tributação sobre renda, especificamente, sobre lucros e dividendos, nesse particular atingindo as pessoas físicas (PL 1952/19 e PL 2015/19) e outras sobre grandes fortunas como as PLP 183/19 e PLP 277/08. Sobre o tema, o governo já anunciou que irá apresentar novas propostas complementares, ampliando os tributos que passarão por uma reformulação, deixando a proposta do executivo mais completa e adequada. Análise: PEC 45/2019 e PEC 110/19 A Proposta de Emenda à Constituição 45/19, simplifica a legislação a partir da fusão de cinco tributos: os FEDERAIS (IPI, PIS e COFINS), o ESTADUAL (ICMS) e o MUNICIPAL (ISS), substituindo por um único, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que tem a característica do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), a ser cobrado no destino e não mais na origem. A matéria cria ainda o imposto seletivo para alguns produtos. A Proposta de Emenda à Constituição 110/19 simplifica a legislação a partir da fusão de nove tributos: os FEDERAIS (IPI, PIS/PASEP, COFINS, IOF, CIDE COMBUSTÍVEIS e SALÁRIO EDUCAÇÃO), o ESTADUAL (ICMS) e o MUNICIPAL (ISS), substituindo por um único, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) de competência estadual. A matéria cria também o imposto seletivo (IS) de competência federal para alguns produtos, extingue a CSLL incorporada no IRPJ tendo sua alíquota ampliada e altera a competência de outros tributos. Em ambas propostas se propõe a criação de uma alíquota uniforme única entre os entes federativos que deve ser padronizada por lei federal. A PEC 45 acaba com todas as isenções e incentivos fiscais, inclusive, da Zona Franca de Manaus (ZFM) e as Áreas de Livre Comércio (ALC’s). A PEC 110 ainda mantém os incentivos à ZFM. Pontos de atenção: 1) Ambas as PEC’s não apresentam em nenhum de seus artigos qual a carga tributária será atribuída a este novo imposto que está sendo criado, deixando a critério de lei regulamentar esta incumbência a ser efetuada posteriormente. Como justificativa do legislador, “primeiro devemos equilibrar a carga para depois efetivá-la”, na prática dando uma carta branca aos órgãos fiscalizadores para esta definição. 2) Também não consta, em ambas as PEC’s, qualquer artigo que regulamente as empresas que estão no Regime Diferenciado do Simples Nacional, neste novo cenário tributário. A alegação é que “não iremos alterar o sistema simplificado, as empresas permanecerão como estão”. Isto na verdade não irá acontecer, pois todos os tributos que compõe as tabelas deste sistema serão extintos neste novo modelo, portanto, se faz necessário regulamentar, dentro destas PEC’s a preservação deste sistema, incluindo a metodologia de transição bem como a criação de um IVA – Simplificado. 3) As microempresas e empresas de pequeno porte têm, no artigo 179 da Constituição Federal, a garantia de tratamento diferenciado por parte do Estado. No entanto, de acordo com a PEC 45, empresas optantes pelo Simples Nacional não poderão repassar seus créditos, como permite o sistema atual, o que pode resultar no esvaziamento gradual deste regime. 4) O período extenso de transição sugerido nas propostas, PEC 45 e PEC 110, fará com que o país conviva com dois mecanismos tributários por um longo tempo, com dupla estrutura de fiscalização do Estado e das empresas. Na prática, esse modelo resultará em forte crescimento de burocracia, de custeio e de pessoal. 5) A uniformização da alíquota (única) para todos os setores econômicos em ambas propostas, não traz equidade fiscal, pois temos situações específicas para muitos setores. O ideal é que tivéssemos ao menos três alíquotas diferenciadas para amenizar tal situação, e com certeza não prejudicar a filosofia simplificadora das propostas. Uma alíquota referencial para Comércio e Indústria, outra com redução sobre a alíquota referencial para serviços e uma terceira com redução significativa também sobre a alíquota referencial para os serviços essenciais (saúde, educação e transportes). Para que se mantenha a equidade fiscal, se justifica a redução para os setores de serviços, pela não geração de crédito em etapas anteriores, ou uma fração significativamente menor de crédito nos setores econômicos representados. 6) A ampliação de bases desta nova tributação, que já carrega outros tributos, trará provável judicialização neste processo, mantendo, infelizmente, insegurança jurídica na apuração deste IBS em ambas propostas. Nos parece que os exemplos atuais não sensibilizaram os legisladores para uma mudança importante neste contextopois, nos dias de hoje, para as empresas que estão no regime NÃO CUMULATIVO, as demandas judiciais são enormes entre fisco x contribuinte em razão das interpretações dadas aos créditos aproveitados pelos contribuintes e glosa da fiscalização. Achamos importante abrir discussão ampla sobre estas definições. Análise: PL 3887/2020 O governo federal apresentou, finalmente, a proposta de reforma tributária sobre o consumo, através do Projeto de Lei instituindo a unificação das contribuições sociais, PIS e COFINS, em uma única contribuição intitulada CBS – Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços. Na verdade, o governo deixou claro que esta será uma das ações tomadas pelo executivo federal no contexto da ampla reforma que pretende encaminhar ao Congresso Nacional, ou seja, fará a apresentação de mais alguns projetos de maneira fracionada, porém com abrangência não somente na tributação de consumo, mas também na tributação de renda e patrimônio. O projeto de lei apresentado desvincula os tributos federais inclusos nos principais projetos do Congresso Nacional, as PEC 45 e PEC 110, criando um IVA federativo independente. Nesta primeira fase da reforma tributária apresentada pelo governo federal, voltada ao consumo, traz em seu texto uma alíquota geral de 12% a ser aplicada ao valor da receita bruta auferida em cada operação. Como slogan “Reforma Tributária - Quando todos pagam, todos pagam menos”, nos deixa a impressão que esta fase apresentada, e as outras que virão, trarão uma redução de carga tributária, o que pode não condizer com a realidade, vejamos este primeiro tributo sobre consumo apresentado em relação ao modelo atual. Para que se compreenda melhor, destacamos que existem atualmente três critérios para o modelo de recolhimento atual do PIS e da COFINS vinculados a existência de três formas de apuração do lucro das empresas, sendo elas o Lucro Real, o Lucro Presumido e o Simples Nacional. No caso do lucro real, o Pis e a Cofins tem uma alíquota unificada nominal de 9,25% atrelados ao sistema NÃO CUMULATIVO, ou seja, as empresas neste regime podem compensar seus créditos dentro de sua cadeia produtiva nos processos anteriores, isto valendo para os setores econômicos da indústria e do comércio, pois no setor de serviços não se tem estas compensações em sua cadeia (ou pouco se credita). Para este modelo, o aumento da alíquota tributária nominal será de até 29,73%. No caso do lucro presumido, o Pis e a Cofins tem uma alíquota unificada de 3,65% atrelados ao sistema CUMULATIVO, ou seja, as empresas neste regime NÃO podem compensar seus créditos de suas cadeias anteriores. Para este modelo, o aumento da alíquota tributária nominal será de até incríveis 228,77%. E no regime do Simples Nacional, temos alíquotas diferenciadas para suas empresas e este projeto de lei não contempla nenhuma alteração neste caso. A única inovação que se faz para este regime, em seu artigo 18 diz que o Comitê Gestor do Simples disciplinará o destaque da CBS em suas notas fiscais, exclusivamente, para fins de lançamento dos créditos para pessoa jurídica adquirente, portanto mantendo o crédito financeiro na aquisição de produtos e serviços das empresas neste regime tributário. No caso da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços - CBS deste projeto de lei o sistema também é NÃO CUMULATIVO, podendo apropriar crédito correspondente ao valor da CBS apropriado em documento fiscal idôneo relativo à aquisição de bens e serviços. Outras novidades significativas deste projeto, serão a inclusão do cálculo da CBS nos documentos fiscais idôneos, sendo aquele estabelecido pela legislação e a possibilidade do crédito tributário pelo adquirente das notas fiscais de serviços. Portanto, já na primeira fase do projeto tributário apresentado pelo governo, vimos que teremos aumento expressivo de carga tributária se adotada esta alíquota apresentada no projeto de lei, por mais que se fale em “crédito amplo” nas aquisições ocorridas em cada mês de apuração pelas empresas. Não podemos esquecer também que neste modelo de tributação a carga tributária recai no consumidor final, portanto TODA SOCIEDADE em algum momento será este consumidor e poderá averiguar em seus consumos correntes o efetivo aumento, podendo inclusive ter que mudar seu hábito de consumo para se adequar a nova realidade que se apresenta. A CBS também tem em seu conceito uma ampliação de base tributária nos moldes aqui já comentado dos projetos anteriores, mantendo o que já existe hoje, a litigiosidade na apuração deste tributo. E, por fim, outra observação que fazemos importante neste projeto de lei do executivo, trata-se de eliminação da desoneração tributária para muitos setores importantes da economia, em especial, SAÚDE, EDUCAÇÃO e TURISMO. Os dois primeiros essenciais que trazem a melhora do bem-estar e a formação dos brasileiros e o terceiro desestimulando um setor importante gerador de empregos e divisas ao nosso país continente que possui muitos recursos naturais e lugares a serem explorados. A unificação de tributos nas três propostas sobre o consumo apresentadas pode até simplificar, mas não torna mais justo e nem menos regressivo, podendo ocasionar apenas a mudança de nomenclatura. Entre outras implicações, podemos estar violando a cláusula pétrea do federalismo, concentrando poderes de decisões e arrecadações tributárias na União, outro grande desafio imposto pela resistência dos estados e municípios. Também teremos impacto tributário significativo com a alíquota única aplicada a todos os setores da economia, como pretendido nas propostas apresentadas, que associado a tributação pretendida dos lucros e dividendos, poderá inibir a geração de novos negócios, investimentos e empregos em nosso território nacional. Concluindo A dificuldade em extinguir todas isenções e incentivos fiscais nas propostas do Senado e do Executivo, bem como a aprovação de uma Reforma Administrativa ampla acarreta a necessidade de uma ampliação na já elevada carga tributária imposta a todos contribuintes. Nosso país tem pressa na busca do crescimento econômico sustentável, com eficiência arrecadatória, estabilidade legislativa nas mudanças tributárias e equidade fiscal, sem, porém, direcionar o sacrifício do novo modelo adotado somente as empresas e a todos brasileiros.