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0 1 SUMÁRIO 1 FUNDAMENTOS E RELAÇÕES INTERPESSOAIS NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS ................................................................................................................ 3 1.1 O Que é Mediação? ............................................................................. 4 1.2 Como Devem ser a Comunicação e o Relacionamento? ..................... 5 1.3 Quais os Conflitos que podem ser Resolvidos pela Mediação? ........... 9 1.4 Mediação também pode ser utilizada no Campo Criminal? ................. 9 1.5 As seis etapas da mediação ............................................................... 11 1.6 Qual é a Ética que Norteia a Mediação? ............................................ 15 2 Novas tendências: mediação de conflito na segurança pública. ............... 16 2.1 Conceito de Mediação ........................................................................ 17 2.2 Mediação de Conflito na Atualidade ................................................... 18 2.3 Aspecto Legal ..................................................................................... 18 2.4 Oposição do Ministério Público .......................................................... 19 3 A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO ORIENTAÇÃO TRANSDISCIPLINAR NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA. ......................................... 20 4 MEDIAÇÃO: NOVAS LEITURAS E APONTAMENTOS ........................... 22 5 A INDISPENSABILIDADE DO ADVOGADO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA 26 6 O tratamento do conflito: entre as lentes da mediação e da dogmática jurídica 28 6.1 A mediação e os seus conceitos ........................................................ 32 6.2 A mediação e os outros meios alternativos de resolução de conflitos 33 6.3 Negociação ........................................................................................ 33 6.4 Conciliação ......................................................................................... 34 7 Princípios informadores da mediação ....................................................... 35 2 7.1 Princípio da Informalidade .................................................................. 36 7.2 Princípio da Autonomia ...................................................................... 37 7.3 Princípio da Cooperação .................................................................... 37 7.4 Princípio da Confidencialidade ........................................................... 38 7.5 Princípio da Competência do mediador.............................................. 39 7.6 Tipos de mediação ............................................................................. 39 7.7 Vantagens da Mediação ..................................................................... 40 7.8 Modelos de Mediação ........................................................................ 41 7.8.1 Modelo circular-narrativo (Parkinson, 2008) ................................. 41 7.8.2 Modelo transformativo ou mediação transformativa de Bush e Folger (2005) 42 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 44 3 1 FUNDAMENTOS E RELAÇÕES INTERPESSOAIS NA MEDIAÇÃO DE CONFLITOS Esta é uma versão revisada e ampliada de texto publicado com a seguinte catalogação: VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Educação para a Paz. Relações Interpessoais e Mediação de Conflitos. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 2006. O autor é Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP. Gerente de Prevenção e Mediação de Conflitos da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco. O que é conflito? Conflito é um fenômeno próprio das relações humanas. Eles acontecem por causa de posições divergentes em relação a algum comportamento, necessidade ou interesse comum. As incompreensões, as insatisfações de interesses ou necessidades costumam gerar conflitos. O conflito não é ruim em si mesmo. Ele pode ser aproveitado como oportunidade para a solução de problemas que estavam sendo “varridos para debaixo da cama”. O problema é que, quando as pessoas não estão preparadas para lidar com os conflitos, estes podem ser transformados em confronto, violência. Todos nós queremos ser tratados com respeito e igualdade. Mas as pessoas estão muito impacientes e agressivas. Talvez por causa da instabilidade no emprego, ou do desemprego, ou porque são muitas e muito rápidas as mudanças na vida moderna, ou porque são muitas as injustiças e necessidades insatisfeitas, ou porque se sentem no direito de exigir, ou por várias dessas razões e outras mais. A família é a principal caixa de ressonância desses problemas. No mundo atual, cheio de tantas novidades e mudanças, a capacidade mais importante para se der bem na vida - além da responsabilidade social, da educação e de uma profissão - é a capacidade de resolver conflitos. O conflito pode ser resolvido com ganhos para todas as partes envolvidas. A capacidade de resolver conflitos depende da nossa comunicação, do nosso jeito de tratar as pessoas. Quando adotamos uma comunicação positiva, as nossas discussões, os nossos conflitos tendem a ser amigavelmente resolvidos. Nem sempre é possível resolver um conflito diretamente negociando com a outra parte. Há pessoas de “sangue quente”, que rompem relações ou revidam, dificultando ou impedindo um entendimento direto. 4 Daí porque, muitas vezes, é necessário contar com o apoio de uma terceira pessoa, um facilitador ou um mediador, para recuperar o diálogo e o entendimento. Quais são os elementos do Conflito? 1 - A pessoa: o ser humano, com seus sentimentos e crenças. 2 - O problema: as necessidades e interesses contrariados. 3 - O processo: as formas e os procedimentos adotados. Quais são os dois tipos básicos de processo? Processos não adversariais e processos adversariais. Processos ou procedimentos não adversariais de solução de conflitos são aqueles em que as partes não atuam como adversárias, mas como corresponsáveis na busca de uma solução. A facilitação, a mediação e a conciliação são três procedimentos não adversariais de solução de conflitos. Nos processos adversariais, que podem ser administrativos, judiciais ou arbitrais, um terceiro resolve o conflito. 1.1 O Que é Mediação? Fonte: www.creasp.org.br Mediação é um procedimento não adversarial em que duas ou mais pessoas, com o apoio de mediador devidamente capacitado e livremente aceito, expõem o problema, procuram identificar os interesses comuns e buscam alternativas para a solução do conflito. A pessoa que atua como mediadora deve ser capacitada, independente e imparcial. 5 O papel do mediador é o de auxiliar as partes a se comunicarem de modo positivo e a identificarem seus interesses e necessidades comuns, para a construção de um acordo. As entrevistas de pré-mediação, com cada uma das partes isoladamente, podem ser efetuadas por facilitadores de mediação devidamente capacitados. Os facilitadores de mediação devem contar com o apoio de mediadores. Consoante o Projeto Núcleos de Mediação Comunitária, o papel do facilitador é parecido com o do mediador, mas o facilitador atua em sua própria comunidade, na fase de pré- mediação, preparando as partes para uma futura mediação ou até mesmo ajudando- as, em casos mais simples, a chegarem, diretamente, a um acordo antecipado. Portanto, o facilitador de mediação deve ter um comportamento que sirva de exemplo à comunidade. Ele deve ajudar a construir relações justas e pacíficas em sua comunidade. 1.2 Como Devem ser a Comunicação e o Relacionamento? Fonte: www.saberonline.net Os mediadores e facilitadores são treinados em comunicação positiva e relacionamento construtivo. A comunicação positiva e o relacionamento construtivo aperfeiçoam as relações interpessoais. Correspondem a uma linguagem persuasiva6 e igualitária, baseada em princípios. Diferentemente da comunicação dominadora, que polariza as posições mediante uma linguagem impositiva, excludente e hierarquizante. Uma nova linguagem se faz necessária para o avanço da cultura de paz, consubstanciada no compartilhamento horizontal dos conhecimentos; característica da pós-modernidade. Com efeito, a cultura da paz tem sua própria linguagem, marcada pela ideia da persuasão e centrada no ser humano. Assim, comunicação positiva e relacionamento construtivo, conforme adiante exposto e proposto, constituem os fundamentos dessa nova linguagem, especialmente utilizada nas etapas da mediação. Para uma comunicação positiva: 1º - Adote a Escuta Ativa, ou seja, aprenda que as pessoas precisam dizer o que sentem. A melhor comunicação é aquela que reconhece a necessidade de o outro se expressar. Em vez de conselhos e sermões, escute, sempre, com toda atenção o que está sendo falado e sentido pelo outro. Somente pessoas que se sentem verdadeiramente escutadas estarão dispostas a lhe escutar. 2º - Construa a empatia. Receba o outro gentilmente. Deixe-o à vontade. Para tanto, procure libertar-se dos preconceitos, dos estereótipos. Preconceitos e estereótipos são autoritários e geram antipatia. Pessoas que aprendem a respeitar as diferenças são capazes de se libertar dos preconceitos e estereótipos. O preconceituoso se apega às suas “verdades” e condena o que é diferente. A empatia se estabelece entre pessoas que se veem, se aceitam e se respeitam como seres humanos, com todas as suas diferenças. 3º - Aprenda a perguntar. Em vez de acusar, pergunte. Perguntar esclarece, sem ofender. A pergunta lhe protege contra a pressa em julgar o outro. Através da pergunta você ajuda a outra pessoa a entender melhor o seu próprio problema. As perguntas podem ser fechadas, quando se busca uma resposta do tipo sim ou não. Podem ser dirigidas, quando se quer o esclarecimento de um detalhe do problema. Ou podem ser abertas, para um esclarecimento pleno do assunto. 7 Fonte: www.eduardogomesimoveis.com.br 4º - Estabeleça a igualdade na comunicação. Fale claramente, mas respeite o igual direito do outro de falar. Após escutar ativamente o que o outro tem a dizer, estabeleça uma comunicação em que ambos respeitam o direito do outro de se expressar. Adote, pois, uma comunicação de mão dupla. Pessoas que falam e falam sem perceber que o outro não está mais a fim de ouvir comunicam-se negativamente. 5º - Adote a Linguagem “Eu”. Quando fizer alguma crítica sobre o comportamento de alguém use a primeira pessoa: Exemplo: “em minha opinião isto poderia ter sido feito de outra forma. O que você acha? ” Essa forma de comunicação evita que você fale pelo outro. Nunca se deve dizer “você não devia ter feito isso ou aquilo”. Fale por você, nunca pelo outro. Diga: “eu penso que isto deveria ter sido feito da seguinte forma...”. A linguagem eu, evita que a outra pessoa se sinta invadida ou julgada por você. 6º - Seja claro no que diz. Comunicação positiva não é bajulação. Ser claro é ser assertivo. Dizer sim ou dizer não com todas as letras. Com gentileza deve-se dizer não ao comportamento imoral, ilegal ou injusto. Quem não sabe dizer não também não sabe dizer sim. O “bonzinho” não é confiável. Ele quer ser agradável para levar vantagem em tudo. Comunicação positiva se baseia em princípios éticos e não no desejo de simplesmente agradar o outro. 8 Para um relacionamento construtivo: 1º - Separe o problema pessoal do problema material. Quando o conflito for pessoal e, ao mesmo tempo, material, aprenda a separar o problema pessoal do problema material. Primeiro enfoque o problema pessoal (a relação propriamente dita). Somente após restaurar a relação, as partes estarão aptas a cuidar do problema material (os bens e os direitos envolvidos). 2º - Passe para o outro lado. Diante do conflito esteja consciente de que nós, humanos, percebemos os fatos do mundo de modo incompleto e imperfeito. Isto porque a mente humana tende a optar e fixar uma posição. Procure sair da sua posição e se coloque no lugar do outro para perceber as razões pelo outro lado. Isto ajudará a descobrir o interesse comum a ser protegido. 3º - Não reaja. Ao sofrer uma acusação injusta, não reaja. Dê um tempo e repita o que o outro disse, pedindo para ele explicar melhor. Quem reage se escraviza ao comportamento alheio. Quem reage cede, revida ou rompe, sempre em função do que o outro fez ou disse. Proteja-se contra a reação reformulando. Quem reformula sai do jogo da reação e recria a comunicação. Reformula-se parafraseando ou perguntando. Parafrasear é repetir o que o outro disse com as suas próprias palavras. Exemplo: entendi que você disse que eu era um mentiroso; foi isto mesmo o que você disse? Também se reformula perguntando. Exemplo: “por que você acha que eu sou mentiroso? ” ou “e se o problema...” ou “você não acha que...”. Ao reformular você cria oportunidades para que a outra parte volte a praticar uma comunicação mais adequada. 4º - Nunca ameace. A ameaça é um jogo de poder. Ao ameaçar você está obrigando a outra parte a provar que é mais poderosa do que você. Em vez de uma solução de ganhos mútuos (ganha-ganha), passa-se a um jogo de ganha-perde ou de perde-perde. Vai-se do conflito ao confronto e, até mesmo, à violência. Às vezes cabe advertir a outra pessoa para os riscos que ela está correndo, com base em dados de realidade. Mas nunca em tom de ameaça. Quais são as vantagens da mediação sobre outras formas de solução de conflitos? Na mediação as partes escolhem ou aceitam, livremente, o mediador; Nas reuniões de mediação o mediador e as partes se relacionam com respeito e igualdade; 9 O que é discutido durante a mediação é sigiloso e não pode ser utilizado para qualquer outro objetivo; A simplicidade torna a mediação rápida; Na mediação as pessoas se comunicam positivamente e elas próprias chegam à solução, com o apoio do mediador; Através da mediação obtêm-se acordos de ganhos mútuos, permitindo refazer amizades e parcerias. 1.3 Quais os Conflitos que podem ser Resolvidos pela Mediação? Fonte:cristinafernandes.com Conflitos de gênero; Conflitos de propriedade e posse; Conflitos de vizinhança; Conflitos de relações de consumo; Conflitos familiares; Conflitos raciais. 1.4 Mediação também pode ser utilizada no Campo Criminal? A mediação também pode ser utilizada, especialmente nos Juizados Especiais Criminais, como elemento de apoio à vítima e à comunidade, mediante estímulo à 10 assunção da responsabilidade pelo ofensor, com vistas à restauração da sua relação com a vítima. As mediações penais comunitárias devem contar com a assistência da Defensoria Pública e do Ministério Público. Ela é especialmente útil nos casos em que cabe transação penal, antes do julgamento, referente a infrações de menor potencial ofensivo, quando, em vez da reclusão, podem ser adotadas medidas ou penas alternativas, permanecendo o apenado na comunidade (Lei 9.099/95). Exemplos: Acidentes de trânsito; Violência doméstica; Abuso de autoridade; Lesão corporal leve; Ameaça; Injúria, calúnia, difamação; Estelionato; Furto. Outras infrações em que a pena privativa de liberdade não seria superior a dois anos, ou há quatro anos, em se tratando de idosos. A mediação é feita em etapas? Sim. Nós costumamos dividir a mediação em seis etapas. Antes da primeira etapa da mediação é feita a pré-mediação. Como se faz a pré-mediação? Pré-mediação: Alguém procura pela mediação e é recebido por um facilitador (ou por um mediador). Estão sendo criados Núcleos de Mediação Comunitária nas comunidades, onde os facilitadores atendem as pessoas que necessitam de apoio. Ao receber a parte solicitante, o facilitador deve criar umclima de confiança. Atende gentilmente e faz a entrevista de pré-mediação, verificando se o caso comporta mediação. Na entrevista de pré-mediação o facilitador deve, antes de tudo, ouvir, atentamente, o que a parte solicitante tem a narrar, formulando as perguntas necessárias a esclarecer detalhes do conflito. Muitas vezes a narrativa abre caminho para uma solução mais simples, sem necessidade de mediação. 11 Caso caiba mediação, o facilitador explica o que é e como se faz. Em seguida combina como será efetuado o convite à parte solicitada (contato pessoal, telefonema, carta-convite ou etc.); Caso a parte solicitada compareça o facilitador a recebe com a mesma gentileza e imparcialidade, escuta ativamente, realiza a entrevista de pré-mediação e explica o que é mediação. 1.5 As seis etapas da mediação Primeira etapa: apresentação e recomendações. Nesta primeira etapa o mediador acolhe as partes e se apresenta de modo descontraído; Agradece a presença das partes e destaca o acerto da opção; Declara a sua independência e imparcialidade; Explica as regras da mediação; Esclarece a importância do sigilo; Solicita o mútuo respeito; Esclarece sobre a possibilidade de entrevistas a sós (cáucus); Deixa claro que o acordo vai depender das próprias partes; Colhe as assinaturas no Compromisso de Mediação e Sigilo; Assina a Declaração de Independência. Segunda etapa: as partes expõem o problema: Esta segunda etapa se inicia com a solicitação do mediador para que cada uma das partes narre o problema trazido à mediação. Geralmente a parte solicitante narra primeiro, mas elas estão livres para combinar quem inicia. Iniciada a narração o mediador deve relaxar e prestar atenção. Convém estar na posse de algum caderno de anotações. Deve anotar apenas o essencial. 12 O mediador também deve estar atento aos seus sentimentos, tendo o cuidado de não estabelecer julgamentos precipitados. Não se recomenda interromper a parte em suas primeiras intervenções. Quando a parte tiver dificuldades, deve o mediador estimulá-la com perguntas; Caso a parte que está na vez de escutar interfira prejudicando a continuidade da fala do outro, o mediador deve interrompê-la e esclarecer. O mediador pergunta se há, ainda, alguma coisa a acrescentar. Em não havendo mais o que expor, conclui-se esta etapa. Terceira Etapa: resumo do acontecido: Fonte: blogspot.com A terceira etapa se inicia no momento em que o mediador expõe um resumo do que escutou. E pedirá às partes que corrijam, prontamente, alguma inexatidão ou omissão. O objetivo do resumo é juntar as duas exposições numa só. A partir do resumo elas podem despertar para outras particularidades do conflito. Neste momento a etapa está concluída. 13 Quarta Etapa: Identificação dos reais interesses: Concluído o resumo o solicitante e o solicitado estão mais receptivos ao problema da outra parte. Começam a se desapegar das posições rígidas do início da mediação. Neste momento o mediador fará perguntas que levem as partes a identificarem os seus reais interesses; Sempre que houver a possibilidade de acordos parciais o mediador deverá incentivá-los. Os acordos parciais podem aumentar a confiança no procedimento; Se o mediador constatar que o processo não está avançando, pode sugerir entrevistas em separado (cáucus); Quinta Etapa: opções com critérios objetivos: Nesta quinta etapa são procuradas as opções, as alternativas para a solução do problema. O mediador pode até utilizar cartazes para que sejam anotadas alternativas (brain storm). Às vezes as partes tendem a retornar à terceira ou à quarta etapa. O mediador deve estar atento para observar se este retorno é realmente necessário ou se é insegurança ou manipulação. Exemplo de opções: uma casa pertencente em comum aos dois pode ser vendida, alugada a terceiros, alugada a uma delas, convertida em ponto comercial, permutada por outras, demolida para fazer estacionamento, ficar com uma das partes, passar para o nome dos filhos, etc. As opções válidas devem estar baseadas em dados de realidade. Os dados de realidade ou critérios objetivos devem ser devidamente examinados. Dados de realidade (ou critérios objetivos) permitem saber quais são os valores econômicos, morais e jurídicos a serem considerados para solucionar o impasse. Ao se chegar a um consenso sobre a solução do conflito conclui-se mais uma etapa. Sexta etapa: acordo: Nesta etapa final redige-se e assina-se o acordo. 14 O acordo é assinado pelas partes, assessores presentes e, em determinados países, a exemplo do Brasil, também por duas testemunhas, para que tenha força de título executivo extrajudicial. Nada impede que os advogados, em combinação com as partes, aditem ou mesmo redijam com palavras mais técnicas o acordo obtido; Ao final, o mediador deve agradecer e parabenizar as partes pelo resultado alcançado. Como deve se comportar o mediador? O mediador deve colocar em prática os seus conhecimentos sobre comunicação positiva e relação construtiva (relacionamento). O mediador deve estar vestido decentemente e optar por uma mesa redonda ou ambiente onde não fique em posição de superioridade. Deve ter senso de humor e conhecer as suas próprias fragilidades. Caso possível e ao gosto das partes, pode utilizar fundo musical relaxante. O mediador não precisa ter nível superior. Precisa, sim, ser de confiança, competente, independente e imparcial. Profissionais de psicologia, serviço social e direito costumam ser os mais solicitados. O facilitador e o mediador devem ter perfil cooperativo. Os quatro perfis: Perfil competitivo: quando a preocupação com os interesses e necessidades do outro é baixa e é alta a preocupação com os seus próprios interesses e necessidades; Perfil acomodado: quando a preocupação com os interesses e necessidades do outro é alta e é baixa a preocupação com seus próprios interesses e necessidades; Perfil evitativo: quando é baixa a preocupação com os interesses e necessidades em geral; Perfil cooperativo: quando tanto a preocupação com os seus interesses e necessidades quanto a preocupação com os interesses e necessidades do outro são altas. 15 1.6 Qual é a Ética que Norteia a Mediação? Fonte: liderancaeticaeservidora.files.wordpress.com A ética em mediação de conflitos é baseada em princípios (valores universais), com respeito às diferenças. Honestidade e altruísmo são princípios universais a serem praticados no plano interpessoal. Estabilidade democrática, existência digna, igual liberdade e igualdade de oportunidade são princípios universais no plano social, a serem promovidos. Com fundamento nesses princípios o facilitador e o mediador assumem os seus papéis de protagonistas da cultura da paz. Princípios específicos da mediação: Independência (o facilitador ou o mediador não devem ser parentes, dependentes, empregadores ou amigos íntimos de alguma das partes); Imparcialidade (as partes devem ser tratadas com igualdade); Credibilidade (o facilitador e o mediador devem dar o bom exemplo para merecerem a confiança); Competência (o facilitador e o mediador devem ter a capacitação necessária para atuar naquele tipo de conflito); Confidencialidade (o facilitador, o mediador e as partes devem guardar sigilo a respeito do que for revelado durante a mediação); 16 Diligência (o facilitador e o mediador devem realizar as suas tarefas com o máximo de dedicação). A Mediação baseia-se em duas culturas complementares. A cultura da paz e a cultura da cidadania responsável. A cultura da paz baseia-se no amor, no altruísmo, no sentimento de pertencer e celebrar a comunidade dos homens e da vida. Funda-se no vigor e na ternura generosa do cuidador. 2 NOVAS TENDÊNCIAS: MEDIAÇÃO DE CONFLITO NASEGURANÇA PÚBLICA. O Brasil enfrenta graves problemas na proteção dos Direitos Humanos frente à Segurança Pública. Portanto, analisaremos um novo caminho a se trilhar para atingir o perfil do policial protagonista, educador em Direitos Humanos e principalmente um promotor da cidadania. A resolução pacífica de conflito é uma alternativa para que se preserve a violência através da construção de uma cultura de paz aplicando-se como mecanismo desse entendimento a Mediação de Conflitos, que se destina a transformar padrões de comportamento estimulando o convívio social em ambiente cooperativo, no qual os conflitos possam ser tratados sem confrontos e de modo que as partes tentem compreender a situação uma da outra. A Mediação de Conflitos recebe pleno estímulo da Organização das Nações Unidas tendo em vista que a Resolução n° 26 do Conselho Econômico e Social estabelece expressamente que os Estados desenvolvam, ao lado dos respectivos sistemas judiciais, a promoção dos chamados ADR’s (Alternative Dispute Resolution), ou seja, Resolução Alternativa de Disputas. Entende-se, portanto, que este novo instrumento alternativo, especificamente a Mediação, não deve ser encarado de forma que substitua o Poder Judiciário, pois, não estaria atuando em seu nome, muito menos para que resolva o déficit de justiça em razão da alta demanda de processos criminais, ou seja, não tem a finalidade especifica de diminuir o número de processo, sendo este elemento um possível efeito de sua aplicação, mas na verdade, é muito mais relevante do que isso, servirá de amplo alcance social para desconstrução dos conflitos restaurando relações e além https://jus.com.br/tudo/violencia 17 do que, ocupará um lugar especial no processo de modernização da justiça, permitindo a desjudicialização da solução de alguns conflitos oferecendo com isso, resposta mais imediata da justiça à sociedade. 2.1 Conceito de Mediação Conflitos fazem parte da nossa vida, portanto, temos conflitos individuais, sociais, institucionais, empresariais, profissionais, políticos, dentre outros. A mediação é um processo baseado em regras, técnicas e saberes tendo como objetivo, gerir a qualidade da comunicação entre os intervenientes em conflito no sentido de privilegiar a resolução dos problemas que os opõe, construindo eles próprios, as suas conclusões. Esse processo de mediação é na verdade, uma forma de facilitação de conversas, ou diálogos entre partes que se encontram em situações conflituosas e que não conseguem chegar a uma conclusão ou uma decisão ajustada. Na verdade, há um embate de ideias. É importante distinguir a mediação de outras formas de resolução de conflitos, tais como: processo judicial, conciliação, negociação e arbitragem. Assim, sendo, não se confundem, pois cada uma tem suas devidas características. A mediação proporciona, através da intervenção de um especialista da comunicação, uma forma mais célere, menos onerosa e mais co-participativa e facilitadora de diálogo com o objetivo de aclarar, ou melhor, esclarecer as situações de conflito gerando ainda uma manutenção ou reconstrução da qualidade relacional entre os desentendidos. A qualidade da formação dos mediadores, as exigências da atuação segundo um código ético e deontológico constituem uma garantia da promoção da sua prática baseada nos princípios de confiabilidade, neutralidade e imparcialidade sendo que um mediador seguindo esses critérios demonstrará conhecimento e valor na sua atuação. Portanto, a mediação enquanto instrumento de gestão da comunicação e interações, permite instaurar novas dinâmicas relacionais duradouras e contributivas entre os diferentes intervenientes. Assim, a mediação de conflito é o novo instrumento destinado à administração de conflitos, onde um terceiro, em nome do Estado, com 18 as devidas técnicas, habilidades e conhecimento, ajustará a decisão proferida pelas partes. 2.2 Mediação de Conflito na Atualidade A Mediação como processo confidencial e voluntário, onde a responsabilidade das decisões cabe somente aos envolvidos no conflito e terá como interventor, o mediador que é um terceiro imparcial o qual usará de suas técnicas para ajudar as partes a se dialogarem, auxiliando-as a identificar seus próprios conflitos e interesses facilitando a conversa com o intuito de que, em conjunto, consigam construir a solução para o desajuste e a chegarem a um consenso comum definindo-o por fim, através de um acordo chamado Termo de Conciliação Preliminar, que será encaminhado ao Juiz juntamente com as demais peças do Termo Circunstanciado, ou seja, só é cabível para os delitos de menor potencial ofensivo, que após dar vistas ao Ministério Público que verificando regularidade encaminhará novamente ao juiz para que então, defina pela homologação ou não do respectivo procedimento. 2.3 Aspecto Legal A fundamentação legal para a prática da mediação na esfera do Direito Penal é calcada sob os fundamentos da Constituição Federal em seu artigo 98, inciso I do qual originou a Lei 9.099/95 que prevê a possibilidade da Mediação na esfera penal, especificamente em seu artigo 60 “caput” que descreve a atribuição do delegado de Polícia como conciliador nos crimes de pequenos desentendimentos, senão vejamos: “Art. 60 O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, têm competência para a conciliação, o julgamento e execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência”. (grifo nosso) Segundo o professor Mario Leite de Barros Filhos[9], o artigo 60 da Lei 9099/95, ao permitir a conciliação de pequenos conflitos por pessoas que não integram o quadro do Poder Judiciário, criou a oportunidade para que o Delegado de Polícia exercer a atividade dessa natureza. https://jus.com.br/tudo/direito-penal https://jus.com.br/artigos/40771/novas-tendencias-mediacao-de-conflito-na-seguranca-publica#_ftn9 19 Portanto, percebe-se que a possibilidade do Delegado de Polícia agir como pacificador social encontra amparo no texto próprio da norma que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 2.4 Oposição do Ministério Público Em contrassenso ao novo instrumento alternativo é a opinião do Ministério Público de São Paulo, que se opõe a realização dos Termos de Conciliação Preliminar realizados pela Autoridade Policial em fase pré-processual entendendo que as atividades exercidas pelos Núcleos Especiais Criminais (NECRIM), não encontram respaldo legal. Foi Publicado Aviso no DOE de 11 de junho de 2010[10], Seção I, pelo Procurador Geral de Justiça, cientificando os membros do Parquet Paulista, que a Subprocuradoria – Geral de Justiça havia emitido parecer no sentido de que as atividades do NECRIM são ilegais, tendo em vista que não há a supervisão do membro do Ministério Público no momento da realização do Termo de Conciliação Preliminar, pois isso, estaria infringindo o artigo 74 da Lei 9.099/95: Art. 74 A composição dos danos civis será reduzida a escrito, homologada pelo juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo cível competente. Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta renúncia ao direito de queixa ou representação. Portanto, o Ministério Público é contra a conciliação preliminar de pequenos conflitos, realizada pela Autoridade Policial por razões da ausência da participação ministerial na formalização deste ato. Entende-se que a posição do Ministério Público, é no sentido contrário porque não há a presença de um promotor de justiça durante a composição da desavença realizada na Delegacia de Polícia, e por isso, criar-se-ia condições para violação de direitos e garantias das partes envolvidas em tais conflitos.Portanto, é devidamente respeitada a referida posição, porém, a mesma é equivocada, pois, a mediação entre as partes em conflito, é realizada obrigatoriamente na presença de um representante da Ordem dos Advogados do Brasil justamente para https://jus.com.br/artigos/40771/novas-tendencias-mediacao-de-conflito-na-seguranca-publica#_ftn10 20 impedir eventual violação de direitos e garantias individuais, razão pela qual, o ato fica revestido de total transparência, e posteriormente o referido acordo é encaminhado ao magistrado que só com a ratificação do Ministério Público homologará a decisão. Assim, efetivamente, o magistrado, antes de homologar a composição do conflito, ouvirá o representante do Ministério Público, oportunidade em que se manifestará quanto à legalidade do ato. Com isso, vale dizer que a decisão final sobre a iniciativa tomada pela Autoridade Policial de pacificar a desavença será sempre do magistrado, com a participação do membro do Ministério Público. Os argumentos alegados pelo órgão ministerial, questionando a validade de Termo de Conciliação Preliminar, não são procedentes, pois a presença do representante da Ordem dos Advogados do Brasil no momento do desentendimento protege os direitos e garantias constitucionais das partes envolvidas, não se podendo também olvidar de mencionar que o Delegado de Polícia é o primeiro responsável pela garantia e proteção dos Direitos Humanos. 3 A MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO ORIENTAÇÃO TRANSDISCIPLINAR NO CONTEXTO DE VIOLÊNCIA. Como veremos, a bibliografia existente dá conta da mediação sempre como uma forma que, certamente, a própria etimologia faz crer que mediação é uma técnica de atuação em situações de conflitos: mediar uma situação, intervir para buscar um acordo, acertar um conflito pelo acordo. Mas, superando este conceito, estamos acordes com Jean-Louis Lascoux (2003), que defende a criação de instrumentos específicos para a mediação posto que a entende como uma disciplina integral que se inscreve enquanto agente de contra- cultural contra os poderes instituídos, enquanto nova forma de pensar as relações humanas e como produto da evolução do pensamento humano. Assim, a mediação se situa como uma transdisciplina porque ainda está entre e através dos multireferenciais teóricos no qual se ergueu e, como todas as disciplinas, nascem de outras áreas limítrofes do conhecimento para depois realizar a sua autonomia, acreditamos que ainda não está a mediação sendo usada na sua potencialidade total, condizente com a complexidade social. 21 Ao mesmo tempo em que perseguindo essa dimensão analítica da mediação como transdisciplina, como uma prática social autônoma, Six (2001) aponta para a mediação como uma perspectiva de dinâmica de vida coletiva e, desse modo, com um papel fundamental no desenvolvimento social, contribuindo até de modo mais pragmático com a melhoria dos serviços públicos essenciais, a inserção social, cultural, política e econômica. Para ele, a mediação é, antes de tudo, política, pois “convida cada um à cidadania, a ser ator, isto é, a agir como cidadão responsável” (SIX, 2001:239). A compreensão de conflito em contexto de violência e criminalidade, além de significar de forma estrita, as conflituosidades intersubjetivas, também agrega em seu conceito as decorrências da vulnerabilidade social. Assim, entendemos que ao conflito entre partes antecedem os conflitos internos (individuais) e externos (desvantagens sociais), ou, as dificuldades de acesso aos bens e serviços essenciais ou mesmo a falta de tais bens e serviços. Portanto, temos que superar a compreensão minimalista e reduzida de mediação como método de resolução de conflitos intersubjetivos e também de conflito como mera expressão de embates e agressões entre as pessoas. Ainda, abordaremos uma experiência que aproxima tal entendimento, que julgamos mais evoluído, que propõe concepção de conflito como apontamos e ainda desenvolve a mediação pautada nesta nova concepção e incorporando esta concepção na mediação como instrumento ou mecanismo no trato das conflituosidades interpessoais e vulnerabilidade social do conflito. Outro acerto necessário aqui diz respeito à visão ainda vigente que insere a mediação como técnica ou método de resolução de conflitos extrajudiciais. Primeiro que traz um paralelo com o sistema judiciário (jurisdicional) tradicional e também reduz o entendimento de mediação como algo secundário, opcional, com certa validade, mas não muito confiável. Depois, porque tende a marcar a mediação como alternativa, inclusive, para resolver os problemas da administração da justiça, com o fim de desafogar os juízes e tribunais do volume excessivo de processos que aguardam julgamento. Mas, acreditamos, de fato, que a crise não é somente da operacionalização para prestação jurisdicional da justiça, mas, em maior medida, a crise é de depositar na prestação jurisdicional convencional do Estado, a onipotência de, ao mesmo tempo, responder e dizer o direito para cada pessoa, para cada 22 demanda pontual, regular e solenemente, processada e também responder pela pacificação social. Grinover (1988) que atribui o nome de “deformalização das controvérsias” à tendência de incentivo à difusão de vias alternativas de exercício de acesso à justiça. Ou seja, não somente as vias judiciais têm a exclusividade em de resolver conflitos pelo processo. Defendemos, a mediação como orientação transdisciplinar não tem no conflito um elemento surpresa ou algo inusitado e que depois de declarado precisa ser resolvido para encerrar a demanda. Mas, um acordo não é total na segurança de que não haverá mais conflitos ou que este não se restaurará. A mediação como orientação não busca resultados por acordos entre as pessoas, mas estabelece processos que envolvem técnicas para avanço e superação. Com isso, distintas as compreensões e feitas as devidas precisões no uso e concepção de mediação, ao fim, a despeito de ainda persistir o entendimento de meio alternativo de resolução de conflitos, buscamos demonstrar que mediação, como ação pedagógica, principiológica e como transdisciplina, como a empregamos e acreditamos, trata-se, em certa medida, orientação e atuação ante a qualquer tipo de alternativa possível de violência e das violações. 4 MEDIAÇÃO: NOVAS LEITURAS E APONTAMENTOS Para fins de situar a mediação, convém uma análise mais genérica e sistemática, não descritiva, da sua compreensão dimensional de atuação. Utilizando Arnald Stimec (2007), temos que há três níveis de ação na mediação: a ação voltada pelo conteúdo (resolução de problemas), a ação voltada para a relação (restauração da relação) e a ação voltada para o processo (modos de funcionamento das comunicações, fases). Esta é uma dimensão mais pragmática da mediação, mas fundamental posto que conforme se apresenta há um grau de intervenção adequado. Em suma, embora possa haver algumas orientações básicas, processuais no procedimento da mediação, este não deve obedecer a uma dinâmica aplicada, sugerida e orientada para o caso. Isso, contudo, não descaracteriza a mediação, ao contrário, reforça seu caráter transdisciplinar. 23 Ainda, STIMEC (2007) propõe algumas categorias, para fins de compreensão da ação e orientação das intervenções possíveis, conforme a complexidade em que se insere as conflituosidades (o que é) e não apenas a compreensão das partes (porque) do que seja o conflito. É dizer que, não é o que são as coisas que constituem os problemas, mas as premissas construídas sobre como deveriam ser é que constitui o núcleo da questão. Retomando STIMEC (2007), apresentamos, então, algumas considerações sobre o nível do tipo de intervenção que se pode operar na mediação. “1. Mediação “relacional” implica uma intervenção voltada à relação e ao conhecimento do outro bem como a expressãodos sentimentos, emoções e desejos das partes. Assim, a resolução de problemas é considerada secundária e decorre naturalmente desse trabalho. 2. Mediação de “apoio na resolução de problemas” ou facilitação concentra-se nos problemas práticos, técnicos ou materiais para resolver. O mediador propõe às partes um certo número de instrumentos para explorar a situação e procurara soluções. As dificuldades relacionais são geridas ou esvaziadas para que não perturbem o trabalho. Não se procura qualquer gestão das mesmas. A intervenção centra-se sobre os problemas concretos para resolver. 3. Mediação “mista” busca enquadrar a resolução dos problemas materiais bem como o trabalho sobre a relação. O mediador exerce uma intervenção diretiva sobre a forma (o processo), mas não diretiva sobre o fundo (a relação ou conteúdo). Coordena as intenções tendo como duplo objetivo o respeito mútuo no presente e a reestruturação futura da relação, incentivando as partes à imaginação e à concretização das soluções relativamente ao conteúdo. É a forma de mediação teoricamente mais preconizada. Todavia, na pratica, conforme os casos e evolução da sessão, a intervenção pode evoluir em direção as formas (1), (2) ou (4). 4. Mediação “prescritiva” pode focar mais ou menos na relação ou no conteúdo e reveste na prática essencialmente duas formas: 1- O mediador ouve as partes separadamente e depois emite recomendações (ou um parecer) ou negocia uma resolução amigável. As partes não se encontram no quadro da mediação. 24 2- O mediador ouve as partes (juntas ou não) e depois utiliza a sua experiência e o seu estatuto para favorecer uma conciliação proporcionando informações, advertências, sugestões ou mesmo pareceres. ” (STIMEC (2007:16) Conclui Stimec (2007) que após numerosas investigações efetuadas no âmbito da eficácia da mediação, parece que não seja possível privilegiar uma forma de intervenção em detrimento de outra. Pelo contrário a eficácia parece contingente, ou seja, dependente dos casos e das expectativas das partes. A respeito dos modelos de mediação, convém apenas mencionar que há estudos deste enquadramento da mediação, mas que nos importa como registro histórico de sua construção, tendo em vista que atualmente, importa mais, como acima defendemos, compreender a dimensão e o nível de intervenção da mediação. Mas, como temos exposto nesse estudo, a concepção que se aplica à mediação, e como se insere no contexto que a adota, diz mais, inclusive orienta a sua implantação e implementação como política pública. Conforme a concepção que orienta a mediação as possibilidades diversificam. LASCOUX (2008) identifica quatro (4) grandes concepções da mediação: Concepção Espiritualista, Concepção Jurídica, Concepção Psicologizante e Concepção Científico-Filosófica. A Concepção Espiritualista se ligada às correntes religiosas em que a mediação é apenas uma vestimenta laica do perdão religioso judaico-cristão promovendo a coesão, compreensão e respeito mútuo, solidariedade, cooperação, uma qualidade de presença empática. Tal concepção religiosa da mediação parte do pressuposto da bondade fundamental e gentileza do ser humano face a fragmentação das estruturas tradicionais em termos culturais, sociais e familiar, em que mediação aparece com um princípio de estruturação das relações humanas, de suavização das fragmentações e da violência. A Concepção Jurídica entende a mediação como a via real para uma humanização e maior democratização face a um sistema judicial pela sua complexidade, formalidade, morosidade e custos. A implementação da mediação propõe uma humanização do sistema, chamado justiça de proximidade ou restaurativo orientado para as necessidades concretas dos autores e que proporciona à vítima, até agora esquecida, um lugar mais participativo. Propõe a substituição de um modelo repressivo e neo-retributivo por modelo participativo e reabilitativo. 25 A Concepção Psicologisante compreende que o conflito é um sintoma relacionado com a falta de reconhecimento de necessidades, da expressão dos afetos, das emoções relacionadas com as situações conflituosas. Enfatiza que o conflito é um sintoma, uma força destruidora em que a intervenção fica centrada sobre o afeto com técnicas de entrevista que focam a empatia, o apelo aos sentimentos, a um quadro facilitador que propicie a expressão verbal de tais necessidades subjacentes. A Concepção cientifico-filosófica entende que a mediação é uma procura constante de individuação, uma escolha consciente e responsável do sujeito encarado numa perspectiva sistêmica (que pensa, sente e age quer em relação às suas próprias formas de funcionamento quer em relação ao funcionamento do outro e coloca o ser humano numa nova forma de conceber a relação consigo próprio e com o outro). Aqui defende-se que os instrumentos de mediação devem ter uma base cientifica relacionado com a evolução das técnicas de comunicação e conhecimento do ser humano. Por fim, entendemos que é preciso diferenciar a abordagem destas afirmações. A mediação enquanto princípio sempre se aplica. Importa o que frisa LASCOUX (2008:2) diz que o desafio da formação em mediação é talvez distanciar-se de um modelo multidisciplinar tal como são a maioria das estruturas de ensino/formação para promover esta necessidade de abordagem transdisciplinar quer em relação às outras disciplinas quer em relação aos próprios modelos de intervenção. Com uma análise fina das suas práticas, dos percursos, dos seus resultados que não se pode limitar à análise dos resultados quantificáveis dos acordos (aliás não há acompanhamento da execução dos mesmos a médio e a longo prazo), mas uma análise qualitativa sobre a reconstrução da qualidade relacional que não passa necessariamente por um acordo formal. O desafio da formação está em introduzir um processo reflexivo com investigação sistemática, uma abordagem metacognitiva da construção dos conhecimentos e da apropriação dos níveis de competência. 26 5 A INDISPENSABILIDADE DO ADVOGADO NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA A Constituição da República reconhece o advogado como sujeito indispensável à administração da justiça. É ele “expressão refinada de inteligência, de cultura, de combatividade, de capacidade de persuasão, da arte de argumentar, da fidelidade aos padrões éticos e sociais, é a negação da grosseria e da violência”1 . A sua função é a de propiciar ao cidadão a garantia fundamental de acesso à justiça. Deve se entender essa acessibilidade de maneira abrangente, para além da atuação judicial. O advogado deve assegurar ao indivíduo acesso à ordem jurídica justa, o que pode se manifestar em juízo ou fora dele. O acesso à ordem jurídica justa equivale ao acesso qualificado à justiça, conforme esclarece Kazuo Watanabe: Não somente organizar os serviços que são prestados por meio de processos judiciais, como também aqueles que socorram os cidadãos de modo mais abrangente, de solução por vezes de simples problemas jurídicos, como a obtenção de documentos essenciais para o exercício da cidadania, e até mesmo de simples palavras de orientação jurídica.2 Inexiste hierarquia entre os sujeitos do processo – advogado, juiz e membro do Ministério Público. A Constituição da República, ao atribuir ao Ministério Público a qualidade de essencial à função jurisdicional do Estado e ao advogado presença indispensável à administração da justiça, os coloca na mesma posição hierárquica do juiz. Todos eles são imprescindíveis para o exercício legítimo da jurisdição. A ausência de qualquer desses atores desnatura a jurisdição, transformando-a em abjeto instrumento autoritário. A competitividade que permeia à cultura processual resta evidenciada na lição de Cândido Dinamarco que ressalta o agir estratégico do advogado como ferramenta para obter sucesso no julgamento. Para ele: [...]volta à baila a necessidade de equilibrar valores e dimensionar reações. O combativo que não seja profissionalmente preparado desordena o processo e põe a perder justas pretensões do constituinte. O cordato que não seja enérgico permite que a sorte dos interesses diretos do cliente seja 1 STF, ADI 1127, Extraído do voto do Relator, Min. Paulo Brossard, DJ 29-06-2001 2 WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesses. In PELUSO, Antônio Cezar, RICHA, Morgana de Almeida. Conciliação e mediação: Estruturação da Política Judiciária Nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 3-10, p.4. 27 conduzida pelo advogado do adversário e pelo juiz que ficou exposto a postulações e argumentos vindos de um só.3 Entretanto, caso seja assimilado o fenômeno que aconteceu em outros países, a tendência é de que os rightswarrior, ou seja, os advogados beligerantes percam espaço para os profissionais qualificados para solucionarem conflitos por outros métodos. Paul Carrington reconhece que “o que as pessoas trazem ao tribunal é todo o resto da nossa vida nacional e comunitária, falsidade, avareza, brutalidade, preguiça e negligência são os materiais com os quais trabalhamos”.4 Países com experiências democráticas mais consolidadas, como Inglaterra, França e Canadá, têm adotado as formas autônomas de resolução de conflitos: como a negociação, a conciliação, à justiça restaurativa e a mediação, que têm prevalecido sobre a adjudicação judicial. Um dos fatores determinantes, apontados pelo inglês Neil Andrews, é econômico. O alto custo do processo, o tempo de duração, bem como a elevada remuneração 10 Apud, MATTOS, Leonardo Nemes de. O poder do advogado na condução do processo civil: propostas para ampliação. Tese de Doutorado. USP, 2009, p. 89 11 Apud, ANDREWS, Neil. O moderno processo civil. São Paulo: RT, 2010, p. 247 dos advogados estimula a busca pelos métodos autônomos de resolução de conflitos. Para ele, “a nova proposta é que o processo judicial seja considerado como a última opção para os litígios”. 5 O Código de Processo Civil está em sintonia com esses entendimentos ao dedicar norma fundamental determinando ao Estado a promoção da solução consensual de conflitos. Naturalmente que não se trata de panaceia, havendo de sopesar os casos em que a solução consensual seja adequada ao caso, além das hipóteses em que há impedimento legal. Com efeito, o CPC/2015 trouxe uma nova perspectiva para a advocacia, como mencionado pelos juristas que compuseram a comissão do anteprojeto: É importante fortalecer a cultura da resolução do conflito, para que ela prepondere sobre a cultura da sentença. Nessa direção caminham, também, as intenções da relatora do grupo, a Dra. Teresa Wambier que destacou a importância do fortalecimento dos meios alternativos de resolução de 3 Apud, MATTOS, Leonardo Nemes de. O poder do advogado na condução do processo civil: propostas para ampliação. Tese de Doutorado. USP, 2009, p. 89 4 Apud, ANDREWS, Neil. O moderno processo civil. São Paulo: RT, 2010, p. 247 5 ANDREWS, p. 32 28 conflitos o que, por certo, trará a diminuição das lides que são enviadas ao Poder Judiciário. 6 É necessário algum tempo – e algum esforço – para que à cultura de delegação da resolução de conflito para a autoridade e que a “guerra entre as partes” sejam também transformadas. Nesse sentido, a aprovação da lei 13.140/2015 não aconteceu no momento mais oportuno16, ainda menos por veicular algumas incongruências que necessitam ser acomodadas a partir de uma interpretação conforme a Constituição Federal e o CPC/2015. Nem por isso deixa de ser notória a ênfase que o legislador tem dado à auto composição de conflitos. Espera-se que esses atos sinalizem o futuro do processo brasileiro, e que ele seja mais democrático, participativo e efetivo. 6 O TRATAMENTO DO CONFLITO: ENTRE AS LENTES DA MEDIAÇÃO E DA DOGMÁTICA JURÍDICA VEZZULA (1998) explica que o conflito gera no indivíduo um alerta à sua integridade psicofísica e às suas posses, motivo pelo qual a reação humana, nessas situações, costuma basear-se na defesa e no temor. Essa tentativa de se afastar o conflito por meio de uma atitude defensiva tende a projetar uma solução pouco amistosa, contribuindo para o acirramento e desgaste das relações envolvidas. Diante dessa constatação, os estudiosos de métodos não adversariais passaram a adotar a perspectiva positiva do conflito, encarando-o como algo inevitável à condição do homem e ao aprimoramento da vida em sociedade. Quer dizer, o conflito não é um dado social desprezível, pelo contrário. Mostra- se, muitas vezes, salutar (SALES, 2004b), convergindo-se para o entendimento de que é a sua boa ou má administração o fator determinante à sua sorte. O conflito é ontológico, necessário, sempre existiu e sempre existirá, seja na dimensão individual da consciência humana, seja nas relações sociais e coletivas. Nesse sentido, MORAIS E SILVEIRA (1998, p. 91) evidenciam o equívoco de se “pretender supor as relações sociais a partir de uma possível harmonia e de uma 6 Comissão de elaboração do Novo Código de Processo Civil busca a agilidade, a simplicidade e a efetividade como seus princípios de ação. http:// solweb-5.tjmg.jus.br/audiencia/1_reuniao.pdf 29 eventual conquista do consenso. Nada mais virtualmente ilusório do que imaginar uma sociedade que estivesse fundada no desaparecimento do conflito”. Em face oposta, a cultura jurídica tradicional tende a projetar a conflitividade de forma negativa, tomando-a como uma aberração do sistema, a ser necessariamente expurgada. Nesse plano, os juristas promovem uma constante redefinição do conflito como litígio, reduzindo-o a questões de direito e/ou patrimoniais, e não de satisfação. O juiz resolve conforme o Direito em vigor, em uma intervenção jurisdicional que tenta compensar economicamente, mediante uma sanção, o agravo que considere (o magistrado) produzido. Os juízes decidem os conflitos obrigacionais mudando de lugar uma parte dos patrimônios comprometidos. Trata-se de um sistema único e excludente de resolução de controvérsias. O que hoje não se considera mais nem ideal nem conveniente. Nos caminhos da transmodernidade jurídica, a resolução dos conflitos começa a tornar-se conveniente quando oferece uma variada gama de procedimentos e estratégias (…) Novas possibilidades de resolução de conflitos baseadas, nas necessidades, desejos e interesses das partes, sob formas da integração e não de enfrentamento reciprocamente destrutivo do outro (WARAT, 1998, p. 14). Falta, pois, “nos caminhos da transmodernidade jurídica”, uma teoria que mostre o potencial do conflito na geração e harmonização das diferenças, isto é, uma teoria capaz de inscrever a diferença no tempo como produção do novo (WARAT, 2004); o conflito visto pela lente da inclusão de valores plurais e da determinação responsável da vida em sociedade, onde o outro é paradigma antecedente à própria resposta da contenda e aos ditames egoísticos do eu. A partir do incentivo à dialogicidade e à naturalização do conflito vê-se como possível o redimensionamento semântico deste, com a compreensão de que uma solução supostamente ideal, para muito além de resolver o caso objetivamente considerado, deve auxiliar os indivíduos a se transformarem, de modo que consigam substituir uma atitude temerosa e defensiva por uma atitude mais sensível, criativa e colaborativa (RODRIGUÉZ ET TAL, 2005). Aqui faz morada o instituto da mediação, que enquanto forma ecológica9 de resolução de conflitos sociais e jurídicos (WARAT, 1998) não se detém na vontade formal dos autos ou na finalidade única do acordo10, concentrando forças nas relações fragilizadas,a fim de ampará-las e metamorfoseá-las. Nesse enlace, a mediação não é, a princípio, um simples instrumento de fazer acordos, conformando-se, antes, em um trabalho sobre as relações humanas, visando 30 propiciar o (re)estabelecimento de ligações entre uns e outros, em uma prática de criatividade, reparação e gerenciamento (SIX, 2001). O diálogo facilitado pelo seu método - muito mais psicológico e comunicacional do que propriamente jurídico - permite que as partes reencontrem-se nas afinidades e elaborem pontos de convergência, conduzindo o conflito para o campo do mútuo engradecimento, sem a existência de vencedores em detrimento de vencidos. O conceito jurídico tradicional, conforme anteriormente mencionado, tende a reproduzir negativamente a situação conflituosa, flexionando a necessidade do seu afastamento através da aplicação de normas objetivas e da aferição patrimonial de danos. Com gravidade, o Poder Judiciário trabalha o conflito como resultante de uma causalidade linear: uma reação à uma determinada ação (SILVA, 2004), refutando o entendimento multicausal dos fenômenos relacionais, o que inclusive revela a impropriedade não apenas da matemática positivista na dicotomitização entre culpados versus inocentes (na intenção de forjar uma única verdade), como também da pretensa purificação do conflito através de sua limitação objetiva (conteúdo) e subjetiva (partes envolvidas), de modo a impor aos atores da lide “a constante preocupação de sanear o processo, expurgando do mesmo tudo aquilo que a lei considera irrelevante para solução” (MORAIS e SILVEIRA, 1998, p. 90). Os mecanismo jurídicos em geral apoiam-se, metodologicamente, nos postulados da dogmática jurídica, que se identifica como a parte do Direito que lida com juízos prescritivos, impassíveis de questionamento no plano primário porque pressupostamente verdadeiros, conferindo segurança e estabilidade aos sistemas normativos. A dogmática jurídica preocupa-se com possibilitar uma decisão e orientar a ação, estando ligada a conceitos fixados, ou seja, partindo de premissas estabelecidas. Essas premissas ou dogmas estabelecidos (emanados da autoridade competente) são, a priori, inquestionáveis. No entanto, conformadas as hipóteses e o rito estatuídos na norma constitucional ou legal incidente, podem ser modificados de tal forma a se ajustarem a uma nova realidade. A dogmática, assim, limita a ação do jurista condicionando sua operação aos preceitos legais estabelecidos na norma jurídica, direcionando a conduta humana a seguir o regulamento posto e por ele se limitar, desaconselhando, sob pena de sanção, o comportamento contra legem (ADEODATO, 2002, p. 32). Consoante os ensinamentos de FERRAZ JÚNIOR (2007), a dogmática possui funções típicas da tecnologia: suas premissas básicas devem ser tomadas de modo 31 nãoproblemático, pois somente assim são criadas efetivas condições de ação, ou melhor, de decidibilidade dos conflitos juridicamente definidos. Nessa medida, a racionalidade dogmática funciona como um mecanismo de viabilizar decisões, simplificando complexidades e solucionando conflitos. Mais especificamente, o autor esclarece que o saber dogmático está organizado em torno de três funções essenciais: a função pedagógica; a função de desencargo; e a função institucionalizante (FERRAZ JÚNIOR, 2007). A dogmática jurídica, ao findar a controvérsia sem eliminar a incompatibilidade primitiva (o conflito pode não desparecer entre as partes, mas juridicamente, termina), impede a continuidade do conflito, tratando-o de forma artificial, dentro da moldura simplista e uniforme do processo, o qual já não se mostra suficiente aos anseios transdisciplinares da sociedade contemporânea. Em nome da decidibilidade, elege-se uma verdade (versão da verdade) e reprimese o conflito, exigindo-se que as partes se conformem com uma decisão, que, no mais das vezes, não reflete a complexidade de cada caso. Tudo isso é feito de um modo persuasivo, para que as decisões judiciais sejam sempre tomadas por corretas (ainda que o conflito subsista no plano dos fatos). Existe, por assim dizer, uma racionalidade no modus de operacionalização do Direito pelo Judiciário que permiti o encobrimento das insatisfações das partes diante de julgados insuficientes à pacificação das contendas. Há, nesse contexto, um juiz que decide em sede de procedimento contencioso, com base em provas e argumentos apresentados pelas partes em juízo, dentro de um ritual pouco flexível, o qual, como regra, inadmite a correção de equívocos a destempo. Diferentemente, a mediação, por centrar-se no (re)estabelecimento das relações, e não na reprodução fidedigna dos fatos ou nos dogmas processualísticos, permite o saneamento de vícios ao longo das suas sessões, retirando da órbita da fatalidade erros que, ao final, possam vir a ser essenciais à própria compreensão do conflito. A respeito das limitações do processo judicial, destaca RODRIGUES JÚNIOR (2003, p. 302): No Judiciário, o litígio é submetido a uma forma rígida, em que o juiz decide a lide nos limites em que foi proposta, não podendo decidir a questão da favor do autor, de natureza diversa do pedido, nem condenar o réu em quantia superior ao objeto diverso do que foi demandado. Por isso, muitas vezes as decisões proferidas pelos juízes não conseguem a pacificação social, escopo 32 último da jurisdição, pois o litígio não é resolvido de forma integral; a solução não é baseada nos verdadeiros interesses das partes. Tem-se a resolução da lide processual, deixando a lide sociológica de lado, persistindo, assim, o conflito entre as partes. O que se está a evidenciar é que a sociedade “transmoderna”12, envolta pelas angústias próprias de seu tempo, não mais suporta, ao menos no tratamento de determinadas categorias de conflito, a tradicional forma de se aplicar o Direito (por meio de processos rígidos e formais e da centralização da norma, de sua interpretação e de sua imposição. Nesse sentir, a mediação se apresenta como “uma possibilidade, também, para resolver os novos conflitos que surgiram no mundo do Direito e que ameaçam instalar- se nos umbrais do novo século” (que não podem ser tratados como novos direitos que têm que ser protegidos pelas concepções jurídicas da modernidade)”, afinal “outros tempos exigem outras proteções contras as tormentas” (WARAT, 1998, p. 06). 6.1 A mediação e os seus conceitos Mediação, etimologicamente, advém do latim mediare, que significa mediar, dividir ao meio, intervir (SALES, 2004a). Tal noção primária vige até os dias atuais, aperfeiçoada no sentido de algo ou alguém que se coloca no meio de duas partes para alcançar determinado fim. Conforme se verá adiante, o conceito de mediação enquanto meio alternativo de resolução de conflitos também parte dessa premissa, com a singularidade de objetivar o rompimento da animosidade entre os conflitantes mediante a aplicação de um método amigável e colaborativo. Em que pese todas as suas definições partirem de um mesmo radical, o conceito de mediação não é uníssono na doutrina, havendo elementos teleológicos variantes, a depender das finalidades perseguidas pelo seu procedimento. Nesse sentido, podem ser individualizadas algumas correntes, com destaque para a acordista e a transformadora. A corrente acordista volta-se à produção de um acordo, criado e aceito pelas partes, possuindo, nesse sentido, uma orientação negativa, ou seja, o conflito projetado como um problema a ser afastado nos termos de um convênio, com a maior brevidade possível, em visão mais próxima àquela do tratamento judicial. 33 6.2 A mediação e os outros meios alternativos de resolução de conflitos A mediação, consoante análise já dispensada no capítulo antecedente, é mecanismo que vem sendo suscitado no bojo de políticas públicas diversas, mormente no âmbito doPoder Judiciário, com vistas à expansão dos termos formal e material de acesso à justiça, a teor das formulações teóricas capitaneadas por GARTH e CAPPELLETTI (1998). Emergem, também, nesse contexto, outros meios alternativos de resolução de conflitos, determinados, em especial, pelo crescimento de empresas e de grupos sociais organizados, que anseiam por formas de processo decisório cujas respostas sigam uma linha de eficiência e qualidade muitas vezes não oferecida pelo padrão tradicional (SALES, 2004a). Fala-se aqui da negociação, conciliação e arbitragem, institutos que, sem exceção, possuem relevância para o estudo e prática da solução de conflitos na atualidade. Por esse motivo, passa-se a examinar o contexto e o modo de actuação de cada um deles, com ênfase nas características que os diferenciam da estratégia mediadora. 6.3 Negociação A negociação, dentre todos, é o meio de solução de conflitos mais comum, podendo ser amplamente verificado no cotidiano de qualquer indivíduo. Seja na família, no trabalho, no comércio ou nas relações de lazer, está-se sempre a negociar como (e porque) portar-se desta ou daquela maneira. O grande diferencial da negociação - que ficará mais evidente após a descrição e análise dos outros institutos - gira em torno da ausência da figura de um terceiro interventor a administrar o acordo entre as partes, ressalvada a advertência de SALES (2004a) quanto à possibilidade de participação de um terceiro, a exemplo do advogado, quando a comunicação se encontrar embaraçada. Em que pese a negociação apresentar-se como um exercício de aproximação, tolerância e diálogo, devendo ser estimulado no plano prático para permitir que as pessoas resolvam seus problemas independentemente da presença de um terceiro facilitador, este instituto não é suficiente para garantir uma solução efetivamente horizontal. 34 De fato, a inexistência de alguém que assegure a igualdade de condições no diálogo acarreta, muitas vezes, o fechamento de acordos que não repercutem na esfera de satisfação de todos os envolvidos, haja vista resultarem tão somente do receio de que um deles sofra um prejuízo mais gravoso caso não desista/renuncie sua pretensão. Por isso é que, a depender das circunstâncias, a presença de um terceiro imparcial a intermediar o conflito é fundamental na garantia de uma resposta equitativa. Frise-se que a negociação costuma ser um procedimento sem muitas exigências, pelo qual as pessoas chegam a um acordo objetivo, sem a necessidade de assinar qualquer documento, restando carente eventual exigibilidade do cumprimento da obrigação junto ao Poder Judiciário. Contudo, o ato negociado pode revestir-se de certa formalidade, tendo o seu cumprimento vinculado e “judicializável”, o que decorre, por exemplo, da celebração de um contrato após a realização da negociação propriamente dita. 6.4 Conciliação A conciliação é a forma consensual de resolução de conflitos que mais se aproxima da mediação, motivo pelo qual, inclusive, acaba por ser utilizada, equivocadamente, como expressão sinônima desta. Nesse sentido, faz-se essencial delinear seus elementos característicos, contornando-se um conceito preciso, a fim de que não mais haja essa confusão entre os dois institutos. Na conciliação, o terceiro imparcial empreende esforços para que as partes cheguem, necessariamente, a um acordo, geralmente firmado sobre a base de concessões mútuas. O conciliador, a despeito de não poder impor uma solução coercitiva, como convém ao juiz, tem ampla liberdade para sugerir propostas concretas. Assim, a conciliação, por força da imprescindibilidade do acordo, trabalha o conflito em sua superfície, deixando de verificar o que existe para além da desavença aparente. Demais disso, usualmente, há um excesso de intervenções oficiosas e desestruturadas por parte do conciliador, que, alheio ao verdadeiro contexto circundante, “exerce a função de 'negociador do litígio', reduzindo a relação conflituosa a uma mercadoria” (WARAT, 2004, p. 57). 35 Ainda sobre a conciliação, cabe sublinhar que ela poderá ser de dois tipos: endoprocessual, quando desenvolvida a partir do processo judicial, ou extrajudicial, quando alternativa ao processo judicial. Naquela, em grande parte dos casos, o próprio magistrado assume o papel de conciliador. Em alguns países, a exemplo do que ocorre no Brasil20, a legislação impõe a tentativa de conciliação prévia, sob pena de nulidade do procedimento futuro. Contudo, em que pese ser bastante vantajosa em termos de economia e celeridade, a conciliação judicial não se mostra um mecanismo inteiramente eficaz na resolução de conflitos. O fato das partes se enfrentarem dentro da estrutura do Poder Judiciário acarreta, quase que automaticamente, o desenvolvimento de um cenário de rivalidade, o que acaba por dificultar, desde o princípio, a realização do acordo. Por fim, convém assinalar a utilidade da conciliação para determinadas categorias de conflitos, especialmente no contexto extrajudicial, a exemplo de contendas que não envolvam relacionamentos de caráter continuado (as partes não terão que conviver uma com a outra após a solução)21. Reconhece-se, aqui, a possibilidade de se trabalhar o conflito somente quanto à sua apresentação formal, conferindo-lhe uma resposta objetiva, em uma solução divorciada de potencial repercussão na vida futura das partes (VEZZULLA, 2001). 7 PRINCÍPIOS INFORMADORES DA MEDIAÇÃO O procedimento da mediação caracteriza-se pela abertura e maleabilidade, inexistindo forma pré-determinada para sua condução. No entanto, é possível apontar para um conjunto principiológico mínimo, que deverá ser considerado independentemente do local e da matéria a que venha se referir a sessão mediada (SALES, 2004a). Não há unanimidade no elenco desses princípios. Contudo, um apanhado geral (SALES, 2004a; SIX, 2001; SOUZA, 2004; WARAT, 2004) permite delimitar um consenso em torno dos princípios da informalidade, autonomia ou liberdade das partes, cooperação ou não competitividade, confidencialidade e competência do mediador. 36 7.1 Princípio da Informalidade A informalidade é uma das características mais marcantes do instituto da mediação, sobretudo em termos comparativos com a via judicial, conhecida pelo seu formalismo excessivo, que, na ordem prática, acaba por comprometer as finalidades últimas do acesso a uma ordem jurídica efetivamente justa. Este princípio se desenvolve em torno de duas ideias centrais: a ausência de regras rígidas às quais a mediação deva se submeter e o constante esforço pela máxima simplificação do seu procedimento; tudo dentro de uma estrutura amplamente maleável, onde a variação estrutural das sessões - número de encontros, tempo de duração, momento da fala do mediador e dos mediados e o encerramento (com ou sem acordo) - tem apoio não em regramento específico, mas no comportamento das partes e nas contingências de cada caso. Dessa forma, a técnica empregada pela mediação é despojada de maiores formalismos, reduzida “a una o várias audiencias que, frentando, cara a cara las partes, ponde de relieve sus posicionaes, punto de conexión y distancia, obrando el mediador tras la solución del caso, sin tener recorrir a determinados procedimientos verificatorios” (GOZAÍNI, 1995, p. 15). Mesmo em relação ao acordo, não se exige uma forma específica para a sua finalização, podendo inclusive ficar apenas no plano da oralidade. É da livre determinação das partes escolher acerca de como proceder, se reduzindo-o a termo, conferindo-lhe status de título executivo extrajudicial, ou não, contentando-se com a promessa firmada perante o mediador. Juristas questionam acerca da efetividade dos acordos orais feitos nas sessões de mediação. Porém, esses profissionais esquecem que os compromissos ali deduzidos supondo-se a adequada realizaçãoda mediação - são fruto do querer e da determinação de ambas as partes. Além, o restabelecimento do diálogo proporciona um “cessar fogo”, fazendo com que as eventuais desconfianças e intenções de prejudicar um ao outro se esvaiam, de modo a tornar bastante raro a circunstância de descumprimento do acordo. 37 7.2 Princípio da Autonomia O princípio da autonomia, também conhecido por princípio da voluntariedade ou da autodeterminação (MENDONÇA, 2006), caracteriza-se pela liberdade das partes na escolha da mediação enquanto método de tratamento do conflito, manifestando-se ainda ao longo de outras etapas do procedimento, como quando da escolha do mediador, da determinação do número de sessões, da decisão sobre a possibilidade de acordo ou sobre a interrupção da mediação. Trata-se, pois, “da liberdade para optar pela mediação como meio de solução de conflitos e a liberdade para decidir e resolver o conflito no processo de mediação” (SALES, 2004a, p. 45). A importância dessa autonomia flexiona-se no protagonismo das partes perante o caso, que tomam o problema para si e constroem caminhos próprios, potencializando uma solução mutuamente satisfatória. Nesse contexto, o mediador está apenas como um facilitador da comunicação, auxiliando as partes a descobrirem- se em meio à alquimia do conflito (WARAT, 2004), distante de uma atuação vinculante. 7.3 Princípio da Cooperação O princípio da cooperação, da não-adversariedade (RODRIGUES JÚNIOR, 2003) ou da não-competitividade (SALES, 2004a) é um dos traços mais caros à maneira de ser da mediação, destacando-a dos demais meios de resolução de conflitos (estatais e não estatais). Significa dizer que o objetivo maior da mediação não é realizar um acordo específico, o qual muitas vezes oculta as reais razões da discordância prática. Mediar é ir além: é buscar o restabelecimento da comunicação entre as partes e o enfrentamento do conflito visceral, a fim de haja o resgate do respeito mútuo, onde seja possível “o tempo da razão, da reflexão suplementar em que nos abstemos de ceder ao impulso, à cólera, ao 'tudo por tudo'” (SIX, 2001, p. 237). Como perceptível, a mediação assume importante papel preventivo, uma vez que, para ela, a composição do conflito real - e não somente do conflito aparente24 - é vital ao alcance da lide sociológica. 38 Frise-se que, para tanto, a transparência é fator fulcral, demandando a retidão de postura do mediador e dos mediados, que deverão conduzir-se honestamente, sem a utilização de recursos ou subterfúgios que venham a embaraçar o ambiente colaborativo; a superação do problema pressupõe confiança recíproca, que somente será eficazmente habilitada a partir do comprometimento de todos os envolvidos. Por esse motivo é que a primeira conduta do mediador deve ser no sentido de esclarecer que a mediação não se reduz a uma disputa (na definição de quem está certo ou errado), importando antes no estabelecimento de soluções que atendam satisfatoriamente às necessidades de ambas as partes (SOUZA, 2004). 7.4 Princípio da Confidencialidade A origem real de muitos conflitos diz respeito ao íntimo das pessoas, que desenvolvem meios particulares e inconscientes de externá-los. O fato é que trazer à baila esses verdadeiros motivos é uma das tarefas do mediador, que desse modo poderá desbloquear a comunicação entre as partes e trabalhar o problema para além de sua aparente configuração. Todavia, a fim de que as partes se sintam à vontade para dizer o que realmente sentem, entregando-se aos cuidados da mediação, desenha-se necessário um ambiente de extrema confiança, sendo a confidencialidade - garantia de que “as informações, de qualquer natureza, passadas ao mediador não serão repassadas a terceiros alheios ao processo” (RODRIGUES JÚNIOR, 2003, p. 304) - reserva imprescindível. Nesse enlace, o mediador deve enfatizar, desde o primeiro momento, a importância do compromisso de todos para com o sigilo das sessões. Na verdade, como enfatizado no princípio da informalidade, não existe regramento inflexível em torno das sessões de mediação, inclusive sobre a quantidade ou qualidade das pessoas que poderão nelas comparecer. O que o mediador deve sempre considerar é o quanto a presença delas poderá contribuir, ou não, para que as partes se reconheçam na transformação do conflito. 39 7.5 Princípio da Competência do mediador Por fim, o princípio da competência do mediador indica que a mediação é tarefa cuja condução exige formação cuidadosa. O mediador deve gozar de certa qualificação para propiciar um desfecho justo e satisfatório às partes. Tal requisito se desdobra na capacidade para mediar em sentido técnico e subjetivo (MENDONÇA, 2006), ou seja, o mediador deve estar capacitado para perceber a dinâmica do conflito, bem como para conduzir com sensibilidade, imparcialidade25 e criatividade o ambiente mediado e suas variações (SALES, 2004b). Por último, cabe sublinhar que não convém ao mediador transferir um dado conhecimento, aplicando soluções ao caso concreto. Pelo contrário, o mediador deve motivar a formulação de acordos, preocupando-se em transformar a curiosidade comum em curiosidade epistemológica sobre o fenômeno jurídico, “eis que tem, como ponto de partida, o conhecimento dos interessados, considerado senso comum, e, como ponto de chegada, a construção de uma decisão consignada como a soma entre o normativo e o sustentado através dos interessados” (CARNEIRO, 200_, p. 08). 7.6 Tipos de mediação Serrano (cit. in Cunha e Lopez 2006), considera que a mediação poderá ser dividida em tipologias, tendo em conta o papel do mediador, a relação que existe entre as partes e o contexto social em que o conflito se insere. Deste modo, podem ser consideradas: Mediação ativa, na qual o mediador assume um papel ativo, lançando sugestões e elaborando planos de atuação estratégica; Mediação passiva, segundo a qual os poderes do mediador estão limitados fazendo apenas com que as partes prossigam a negociação. Seguindo a mesma linha Pruitt (cit.in Cunha e Lopez (2006), defende que dentro da mediação ativa pode-se fazer a distinção entre: Mediação de processo, que se refere aos esforços do mediador para dotar as partes de competências necessárias à resolução do conflito; Mediação de conteúdo, centrada nos aspectos e problemas a resolver. 40 i. Esta última classificação é idêntica à ideia defendida por Touzard (cit. in Cunha e Leitão 2011) que distingue: Mediação centrada na estruturação de tarefas, que possui uma natureza técnica, uma vez que o mediador é apenas um elemento contratado para cumprir a sua tarefa; Mediação centrada nas relações pessoais, que possui uma base ideológica. Gestoso (cit. in Cunha e Leitão 2011), defende a existência de uma trilogia de mediação: a mediação facilitadora, a avaliadora e a transformadora. A mediação facilitadora define-se pelo facto de o mediador desempenhar um papel facilitador no processo, e controlo do mesmo. Deste modo, não cabe ao mediador influenciar a tomada de decisão e é de importância referenciar, também, que neste tipo de mediação, o mediador não necessitar obrigatoriamente de deter conhecimento sobre a área do litígio. Já no que se refere à mediação avaliadora, o conhecimento técnico representa um ponto nodal, uma vez que as pessoas que a ele recorrem procuram alguém com capacidades intelectuais para opinar sobre o assunto. São várias as críticas que lhe são inerentes, uma das quais que as partes deixaram de possuir autodeterminação na escolha final; por fim a mediação transformadora, segundo a qual ocorre uma modificação da atitude das partes, em que ambas serão parte integrante da disputa. Esta última classificação pretende que do processo resulte a aquisição de conhecimento e competências para a vida futura. 7.7 Vantagens da Mediação
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