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Indaial – 2020 Teoria e FundamenTos do Processo de mediação Prof.ª Isabel Maciel Mouquer 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2020 Elaboração: Prof.ª Isabel Maciel Mouquer Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: M932t Mousquer, Isabel Maciel Teoria e fundamentos do processo de mediação. / Isabel Maciel Mousquer. – Indaial: UNIASSELVI, 2020. 182 p.; il. ISBN 978-85-515-0425-3 1. Mediação. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 341.46 III aPresenTação Seja bem-vindo à Disciplina de Teoria e fundamentos do processo de mediação. Como futuro profissional da área do Direito, você perceberá o quanto utilizamos as ferramentas de outras áreas, afinal, a Mediação de Conflitos é uma grande área das Ciências Jurídicas e Sociais e é considerada multidisciplinar. Neste contexto, conheceremos alguns conceitos da Psicologia, da Pedagogia e do Serviço Social para utilizar em nossos processos de Mediação de conflitos. Nosso objetivo é oferecer noções básicas de técnicas de mediação nas temáticas que envolvem a moderna teoria do conflito, a administração e resolução de conflitos, a relação entre conflito, mediação e a busca da paz, a teoria do conflito, a teoria geral da mediação e fundamentos, o escopo da mediação e o papel do poder judiciário. Para isso, contextualizaremos a história dos estudos dos conceitos iniciais e definições referentes à moderna teoria do conflito, para uma visão acerca da mediação e a busca da paz. Também buscaremos apresentar iniciativas de identificar os métodos autocompositivos e diferenciá-los da heterocomposição. Ao final desta disciplina, você compreenderá os princípios da mediação. Para isso, os conteúdos foram organizados em 3 unidades de aprendizagens. Na primeira unidade, conheceremos a administração e resolução de conflitos. Para tanto, compreenderemos a teoria do conflito, a conceituação de conflito como sendo uma desordem, um choque, um desentendimento sobre algo e sua relação com a mediação a qual pode ser entendida como aquela que possui um processo de autocomposição em que as partes envolvidas no conflito são auxiliadas na construção do diálogo por um terceiro imparcial, o mediador e a busca da paz como escopo da mediação, implicando assim o envolvimento do Poder Judiciário como o ente público gestor da facilitação da resolução dos conflitos por intermédio do magistrado, dirigindo e supervisionando o mediador na condução das sessões de mediação e posteriormente homologando seus acordos. Na segunda unidade abordaremos sobre o processo de mediação. Para tanto, compreendemos, inclusive, como se dá a comediação que é realizada por dois ou mais mediadores - que são os mediadores/agentes -, os quais os fatores e as etapas do processo de mediação - o agir do mediador na busca da solução do conflito -, bem como a conceituação e principais IV Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! diferenças existentes dentro do procedimento da mediação judicial e extrajudicial. Dentro do estudo das etapas do processo de mediação será estudada a pré-mediação, a fase de investigação, as sessões privadas ou cáucus, a fase de criação, avaliação e escolha de opções e o fechamento da sessão de mediação. Na terceira unidade focaremos na teoria dos jogos. Para tanto compreenderá aspectos históricos e conceituais da teoria dos jogos, a importância teoria dos jogos na resolução de conflitos baseada no agir comunicativo e o novo código de processo civil, o princípio do equilíbrio (John Nash), a prática da competição e da cooperação no conflito. A cada unidade você será convidado a praticar exercícios que ajudarão no processo de ensino e aprendizagem. Bons estudos! Profª Isabel Maciel Mouquer NOTA V VI Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer teu conhecimento, construímos, além do livro que está em tuas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela terás contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar teu crescimento. Acesse o QR Code, que te levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para teu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nessa caminhada! LEMBRETE VII UNIDADE 1 – A MODERNA TEORIA DO CONFLITO ...................................................................1 TÓPICO 1 – ADMINISTRAÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS .............................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 A RELAÇÃO ENTRE CONFLITO, MEDIAÇÃO E A BUSCA DA PAZ ....................................3 3 TEORIA DO CONFLITO .....................................................................................................................7 4 TEORIA GERAL DA MEDIAÇÃO E FUNDAMENTOS..............................................................11 5 ESCOPO DA MEDIAÇÃO E O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO ...........................................14 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................17 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................18 TÓPICO 2 – A MEDIAÇÃO ENQUANTO MÉTODO AUTOCOMPOSITIVO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS .................................................................................21 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................21 2 O ACESSO À JUSTIÇA COMO FORMA MAIS ADEQUADA DE TRATAR OS CONFLITOS HUMANOS E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...............................................21 3 DOS MECANISMOS AUTOCOMPOSITIVOS E HETEROCOMPOSITIVOS DE TRATAMENTO DE CONFLITOS: A MEDIAÇÃO, A NEGOCIAÇÃO, A CONCILIAÇÃO E A JUSTIÇA RESTAUTATIVA ........................................................................................................27 3.1 CONCILIAÇÃO AUTOCOMPOSITIVA .....................................................................................31 3.2 MEDIAÇÃO DE CONFLITOS POR MEIO DO EMPODERAMENTO DAS PARTES ..........32RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................34 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................35 TÓPICO 3 – PRINCÍPIOS DA MEDIAÇÃO ......................................................................................39 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................39 2 IMPORTÂNCIA DA APLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS NA MEDIAÇÃO ....................39 3 PRINCÍPIOS NORTEADORES NO PROCEDIMENTO DA MEDIAÇÃO .............................40 3.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA DA VONTADE DAS PARTES .............................................41 3.2 PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE DO MEDIADOR ...........................................................42 3.3 PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA ............................................................................................43 3.4 PRINCÍPIO DA CREDIBILIDADE ..............................................................................................44 3.5 PRINCÍPIO DA COMPETÊNCIA ...............................................................................................44 3.6 PRINCÍPIO DA CONFIDENCIALIDADE ..................................................................................45 3.7 PRINCÍPIO DA DILIGÊNCIA ....................................................................................................46 3.8 PRINCÍPIO DO ACOLHIMENTO DAS EMOÇÕES DOS MEDIADOS ..............................47 3.9 PRINCÍPIO DA ISONOMIA ENTRE AS PARTES ...................................................................48 3.10 PRINCÍPIO DA ORALIDADE ..................................................................................................48 3.11 PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE .........................................................................................49 3.12 PRINCÍPIO DA BUSCA DO CONSENSO ...............................................................................49 3.13 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ .............................................................................................................50 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................................51 RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................56 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................58 sumário VIII UNIDADE 2 – O PROCESSO DE MEDIAÇÃO E OS DIFERENTES MODELOS DE MEDIAÇÃO ..................................................................................................................61 TÓPICO 1 – O PROCESSO DE MEDIAÇÃO ....................................................................................63 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................63 2 AGENTES E FATORES NO PROCESSO DE MEDIAÇÃO .........................................................63 3 O AGIR DO MEDIADOR NA BUSCA DA SOLUÇÃO DO CONFLITO .................................64 4 A MEDIAÇÃO JUDICIAL E A EXTRAJUDICIAL ........................................................................65 5 AS ETAPAS DA MEDIAÇÃO ...........................................................................................................66 5.1 A PRÉ-MEDIAÇÃO ........................................................................................................................67 5.2 A FASE DE INVESTIGAÇÃO .......................................................................................................68 5.3 AS SESSÕES PRIVADAS OU CÁUCUS (ART. 31 - LEI 13.140/2015) ......................................69 5.4 A FASE DE CRIAÇÃO, AVALIAÇÃO E ESCOLHA DE OPÇÕES .........................................70 5.5 O FECHAMENTO (ART. 20 - LEI 13.140/2015) ..........................................................................72 6 A COMEDIAÇÃO ................................................................................................................................73 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................78 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................80 TÓPICO 2 – TÉCNICAS DE MEDIAÇÃO..........................................................................................83 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................83 2 TÉCNICAS DE MEDIAÇÃO ............................................................................................................83 2.1 O ESTABELECIMENTO DO RAPPORT (“EMPATIA”) E A APRESENTAÇÃO PESSOAL DO MEDIADOR ...............................................................................................................................84 2.2 A ESCUTA ATIVA ............................................................................................................................85 2.3 A LIDERANÇA DO MEDIADOR .................................................................................................87 2.4 A RETROSPECTIVA POSITIVA DO CONFLITO ......................................................................88 2.5 CALÇANDO OS SAPATOS DO OUTRO ...................................................................................88 2.6 O MEDIADOR DEVER SABER RECUAR QUANDO FOR PRECISO.....................................89 2.7 FORNECER OPÇÕES AO MEDIANDOS ....................................................................................90 2.8 DEMONSTRAÇÃO POR PARTE DO MEDIADOR DE QUE O CONFLITO NECESSITA FICAR NO PASSADO .....................................................................................................................91 2.9 A MEDIAÇÃO NECESSITA DE TEMPO PARA SUA REALIZAÇÃO ....................................91 2.10 O MEDIADOR PRECISA SABER DIRECIONAR O FOCO DA CONVERSA ...................93 2.11 IDENTIFICANDO RUÍDOS/FALHAS NA COMUNICAÇÃO POR INTERMÉDIO DA ESCUTA DINÂMICA ...........................................................................................................93 2.12 COMO O MEDIADOR DEVE REALIZAR O FECHAMENTO E A REDAÇÃO DO ACORDO ........................................................................................................................................94 2.13 ACERCA DOS ASPECTOS JURÍDICOS DO ACORDO ..........................................................95 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................97 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................99 TÓPICO 3 – MODELOS DE MEDIAÇÃO ........................................................................................101 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................101 2 OS DIFERENTES MODELOS DE MEDIAÇÃO .........................................................................101 2.1 O MODELO TRADICIONAL/LINEAR (ESCOLA DE HARVARD) ......................................102 2.2 O MODELO TRANSFORMATIVO (FOLGER E BUSH) ..........................................................103 2.3 O MODELO CIRCULAR-NARRATIVO (SARA COBB) ........................................................103 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................105RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................111 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................112 IX UNIDADE 3 – A TEORIA DOS JOGOS E OS FUNDAMENTOS DE NEGOCIAÇÃO PARA MEDIADORES ..............................................................................................115 TÓPICO 1 – A TEORIA DOS JOGOS ...............................................................................................117 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................117 2 ASPECTOS HISTÓRICOS E CONCEITUAIS DA TEORIA DOS JOGOS ............................117 3 A TEORIA DOS JOGOS NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS BASEADA NO AGIR COMUNICATIVO E O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ...........................................119 3.1 O PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO (JOHN NASH) .....................................................................121 3.2 A PRÁTICA DA COMPETIÇÃO E DA COOPERAÇÃO NO CONFLITO ...........................123 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................124 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................126 TÓPICO 2 – FUNDAMENTOS DE NEGOCIAÇÃO PARA MEDIADORES ............................129 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................129 2 CONCEITUAÇÃO E PRINCÍPIOS DA NEGOCIAÇÃO ...........................................................129 3 ELEMENTOS OBJETIVOS DA NEGOCIAÇÃO .........................................................................132 3.1 INTERESSE(S) ................................................................................................................................132 3.2 OPÇÕES ..........................................................................................................................................133 3.3 ALTERNATIVAS ..........................................................................................................................134 3.4 LEGITIMIDADE ...........................................................................................................................135 4 ELEMENTOS SUBJETIVOS DA NEGOCIAÇÃO .......................................................................136 4.1 COMPROMISSO ............................................................................................................................137 4.2 COMUNICAÇÃO ..........................................................................................................................138 4.3 RELACIONAMENTO ...................................................................................................................139 5 DAS FASES DA NEGOCIAÇÃO ....................................................................................................141 5.1 DA PREPARAÇÃO: A) DO LEVANTAMENTO DE INTERESSES, B) MASA E ZOPA, C) DA INFORMAÇÃO, D) OPÇÕES E COMUNICAÇÃO, E) DO PROCESSO..................... 141 5.2 DA CRIAÇÃO: A) DOS INTERESSES COMUNS, B) DOS GANHOS MÚTUOS, C) DAS TROCAS DE BAIXO CUSTO, D) AS PREFERÊNCIAS DISTINTAS, E) CRIAÇÃO DE VALOR: COMUNICAÇÃO E OPCÕES, F) DA DISTRIBUIÇÃO, G) DO FECHAMENTO, H) A RECONSTRUÇÃO ................................................................................................................145 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................150 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................155 TÓPICO 3 – A IMPORTÂNCIA DA ÉTICA NA MEDIAÇÃO ....................................................157 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................157 2 BREVES COMENTÁRIOS A RESPEITO DO CÓDIGO DE ÉTICA DOS MEDIADORES ....157 3 A FORMAÇÃO DO MEDIADOR ..................................................................................................160 3.1 PAPEL E ÉTICA DO MEDIADOR ...........................................................................................162 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................166 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................172 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................173 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................177 X 1 UNIDADE 1 A MODERNA TEORIA DO CONFLITO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • entender os conceitos iniciais e definições referentes a moderna teoria do conflito; • obter uma visão acerca da mediação e a busca da paz; • identificar os métodos autocompositivos e diferenciá-los da heterocom- posição; • compreender os princípios da mediação; Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – ADMINISTRAÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS TÓPICO 2 – A MEDIAÇÃO ENQUANTO MÉTODO AUTOCOMPOSITIVO DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS TÓPICO 3 – PRINCÍPIOS DA MEDIAÇÃO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 ADMINISTRAÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 1 INTRODUÇÃO Neste tópico, você aprenderá sobre a administração e resolução de conflitos, para tanto compreenderá a teoria do conflito, a conceituação de conflito como sendo uma desordem, um choque, um desentendimento sobre algo e sua relação com a mediação a qual pode ser entendida como aquela que possui um processo de autocomposição onde as partes envolvidas no conflito são auxiliadas na construção do diálogo por um terceiro imparcial, o mediador e a busca da paz como escopo da mediação, implicando assim o envolvimento do Poder Judiciário como o ente público gestor da facilitação da resolução dos conflitos por intermédio do magistrado, dirigindo e supervisionando o mediador na condução das sessões de mediação e posteriormente homologando seus acordos. 2 A RELAÇÃO ENTRE CONFLITO, MEDIAÇÃO E A BUSCA DA PAZ Antes de tratarmos acerca da mediação e da busca da paz, é necessário conhecermos os aspectos histórico/evolutivos do conflito, bem como sua conceituação, como ele ocorre, suas formas de tratamento e prevenção. Etimologicamente a palavra conflito vem do latim conflictus originário do verbo confligo, confligere. No que tange ao conceito de conflito, trata-se de um choque, uma discussão e/ou uma desordem. É salutar frisar a mediação de conflitos e os pressupostos da teoria do discurso de Jürgen Habermas. Entretanto, o conceito de conflito sofreu uma evolução histórica, surgindo a partir do momento em que as primeiras relações sociais foram estabelecidas: Destarte, após o surgimento das primeiras civilizações e as primeiras relações sociais entre os homens antigos, ocorreram complexas transformações sociais, à medida que o homem passou de nômade a um ser sedentário, com o domínio das técnicas de agricultura e dos animais selvagens, passando a existir uma relação de controle e domínio entre os mais fortes e poderosos eos mais fracos e com menos poder. Com efeito, a dinâmica social e a descoberta de novas terras para exploração e colonização, fez com que as nações se desenvolvessem passando de simples cidades-Estado, para grandes estados nacionais, com o auge das monarquias absolutistas, e após as sangrentas revoluções sociais, chegamos a ideia de estado moderno, regidos sob a égide de uma constituição, norteadora dos fundamentos desse estado (OUTROS, 2013). UNIDADE 1 | A MODERNA TEORIA DO CONFLITO 4 Observamos que o conflito é inerente ao ser humano e perpassa os ciclos evolutivos das relações sociais. Essas relações deveriam ser harmônicas com relação aos interesses e planos de ação individuais. Após todo esse processo de desenvolvimento histórico, é de fácil percepção que os conflitos sempre estiveram presentes em qualquer meio social tendo em vista a grande diversidade de interesses, mudando-se apenas suas formas de resolução de acordo com as normas de cada sociedade (OUTROS, 2013). Acerca do conflito urge ressaltar que na busca do sucesso, os indivíduos perseguem os seus interesses individuais, para isso organizam uma estratégia baseada nas consequências de suas ações, para alcançar seus objetivos vale influenciar outros indivíduos, por exemplo: por intermédio de armas, bens, ameaças e seduções. Em qualquer eventual cooperação, cada indivíduo só está interessado no que pode ganhar individualmente com isso, chamamos esse tipo de ação de “ação estratégica” (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013, p. 105). O filósofo Jürgen Habermas defende, como proposta para a sociedade que transitamos progressivamente da ação estratégica para a ação comunicativa, nela a orientação deixa de ser exclusivamente para o sucesso individual, e passa a se denominar como orientação para o entendimento mútuo. Nesse novo âmbito, os atores procuram harmonizar seus interesses e planos de ação, por intermédio de um processo de discussão, buscando um consenso. A hermenêutica, em Habermas, designa precisamente o espaço da autorreflexão e crítica enquanto que a pragmática inclui o território discursivo cujo núcleo central é o entendimento. Assim, o autor em foco parte do pressuposto de que o traço fundamental da modernidade é a configuração do indivíduo como sujeito capaz de autorreflexão e crítica, o que lhe permite exigir igualdade de respeito e disponibilidade para o diálogo (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013, p. 106). Embora os dois tipos de orientação possuam a marca da racionalidade humana, a grande diferença é que na ação estratégica a definição da finalidade não abre espaço para ouvir os argumentos dos outros, enquanto no agir comunicativo há um espaço de diálogo em que se raciocina em conjunto sobre quais devem ser os melhores objetivos a serem buscados por um grupo social (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013, p. 106). O entendimento mútuo, proveniente do agir comunicativo, será um importante facilitador da coordenação de ações, e servirá de base para a defesa da democracia no cenário político, com a crítica da repressão, censura e de outras medidas que não propiciam o diálogo dentro da sociedade. Em suma, quanto à mediação de conflitos e os pressupostos da Teoria do discurso de Habermas, ele concebe a razão comunicativa e a ação comunicativa livre, racional e crítica como alternativa à razão instrumental e superação TÓPICO 1 | ADMINISTRAÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 5 da razão iluminista – “aprisionada” pela lógica instrumental, que encobre a dominação (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013, p. 106). Ao pretender a recuperação do conteúdo emancipatório do projeto moderno, na realidade Habermas está preocupado com o estabelecimento dos vínculos entre socialismo e democracia, segundo o autor, duas esferas coexistem na sociedade, o sistema e o mundo da vida. O sistema refere-se à “reprodução material”, regida pela lógica instrumental, ou seja, a adequação de meios a fins incorporada nas relações hierárquicas (poder político) e da economia, já o mundo da vida é a esfera de reprodução simbólica da linguagem, das redes de significados que compõe determinada visão de mundo, sejam eles referentes aos fatos objetivos, às normas sociais ou aos conteúdos subjetivos (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013, p. 107). Dentro do ciclo evolutivo histórico é conhecido o diagnóstico habermasiano da colonização do mundo da vida pelo sistema e crescente instrumentalização desencadeada pela modernidade, sobretudo com o surgimento do direito positivo, o qual reserva o debate normativo aos técnicos e especialistas. Contudo, desde a década de 1990, mudou sua perspectiva acerca do direito, considerando essencial a presença do mediador de conflitos entre o mundo da vida e o sistema. Na ação comunicativa ocorre a coordenação de planos de dois ou mais atores via assentimento a definições tácitas de situação, é uma visão reducionista deste conceito, entendido como mero diálogo, de fato ela pressupõe uma teoria social a do mundo da vida em contraposição a ação estratégica, regida pela lógica da dominação, na qual os indivíduos coordenam seus planos no intuito de influenciar, não envolvendo assentimento ou dissentimento (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013, p. 107). Habermas define sinteticamente a ação estratégica como “cálculo egocêntrico”, seus estudos estão voltados ao conhecimento e a ética, sua tese para explicar a produção do saber humano recorre ao evolucionismo, pois a racionalidade comunicativa é considerada “aprendente”. A falibilidade possibilita desenvolver capacidades mais complexas de conhecer a realidade, além de representar garantia contra agressões metafísicas, com possíveis desdobramentos autoritários, evoluindo por intermédio de erros entendidos como falhas de planos de ação (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013, p. 108). Ele defende também uma ética universalista deontológica, formalista e cognitivista, nesse caso os princípios éticos não devem ter conteúdo, mas garantir a participação dos interessados nas decisões públicas através de discussões/discursos, em que se avaliam os conteúdos normativos demandados naturalmente pelo mundo da vida (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013, p. 108). UNIDADE 1 | A MODERNA TEORIA DO CONFLITO 6 Não há como abordar a temática conflito, mediação e paz sem mencionar Luis Alberto Warat, pois ele propõe o desenrolar do conflito: Com a visão da mediação proposta por Warat, nós podemos garantir o desenvolvimento do conflito. O conflito no modelo estatal é manifestado pelo litígio, forma legalmente convencionada, segundo a qual o Estado-Juiz aponta a decisão correta: a lei no caso particular. Entretanto, com essa visão, o conflito é desqualificado e varrido para debaixo desse remédio-simulacro chamado processo. [...] na mediação uma proposta de resgate dessa promessa, do amor, do cuidado com os mínimos detalhes do outro qualquer. De recuperar a dimensão do problema humano e de assumirmos a responsabilidade pela realidade que co-produzimos com nossas práticas e posturas (WARAT, 2004, p.11). Por exemplo: o comportamento individualista do ser humano somado ao desejo consumidor, aos relacionamentos voláteis e a imediatidade dos objetivos da vida, tudo isso contribui para fazer brotar o conflito. Por sua vez, ele é inerente a vida em sociedade e aos indivíduos: A mente é a criadora dos conflitos quando não está em sintonia com o sutil e com o invisível. O invisível é o que não pode ser visto no comum das coisas, pois se precisa de olhos mais refinados. Os olhos refinados precisam de harmonia e do silêncio. [...] Ser harmonizado é renunciar a tudo o que é falso, mas não renunciar ao mundo. Renunciar todas as respostas, mas ser sensível, espontaneamente sensível; não pensar nas razões, mas ser real (WARAT, 2004, p. 25). Portanto, surge a mediação como uma forma de solução ecológica de tratar os litígios, oriundos de um conflito o qual gerou uma lide, que na clássica acepção de Carnelutti é um conflito de interessesqualificado por uma pretensão resistida, o qual encontra um tratamento ecológico e possível solução por intermédio da mediação. O mediador deve usar toda a sua sabedoria para conseguir deixar o problema fervendo. Se deixar as partes mornas, será inútil o trabalho, pois elas ficarão novamente frias. Para ficar mediado é necessário chegar ao ponto de ebulição, à transformação alquímica (WARAT, 2004, p. 25). Em suma, podemos afirmar que antes do surgimento da lide, essa por sua vez, a força propulsora do processo temos o surgimento do conflito, o qual necessita ser tratado sendo uma das formas de tratamento a mediação, pois sem tratarmos o conflito não existe paz. TÓPICO 1 | ADMINISTRAÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 7 FIGURA 1 – MODELO DE MEDIAÇÃO FONTE: <https://www.researchgate.net/publication/320578659/figure/fig1/AS:552827517718528@ 1508815759421/Figura-1-Modelo-de-mediacao-da-informacao-Dados-da-pesquisa-2014_Q640. jpg>. Acesso em: 21 nov. 2019. 3 TEORIA DO CONFLITO A palavra conflito vem do latim conflictus originário do verbo confligo confligere. Segundo Vasconcelos (2016, p. 19) “(...) conflito ou dissenso é fenômeno inerente às relações humanas. É fruto de percepções e posições divergentes quanto a fatos e condutas que envolvem expectativas, valores ou interesses comuns.” Para tanto, Luis alberto Warat, menciona a necessidade do indivíduo de sentir o conflito, O grande segredo, a meu ver, da mediação, como todo segredo, é muito simples, tão simples que passa despercebido. Não digo tentemos, entendê-lo, pois não podemos entendê-lo. Muitas coisas em um conflito estão ocultas, mas podemos senti-las. Se tentarmos entendê-las, não encontraremos nada, corremos o risco de agravar o problema. Para mediar, como para viver, é preciso sentir o sentimento. O mediador não pode se preocupar por intervir no conflito, transformá-lo. Ele tem que intervir sobre os sentimentos das pessoas, ajudá-las a sentir seus sentimentos, renunciando à interpretação. Os conflitos nunca desaparecem, se transformam; isso porque, geralmente, tentamos intervir sobre o conflito e não sobre o sentimento das pessoas (WARAT, 2004, p. 26). Inf orm açã o Comunicação Protagonismo social/ Tornar-se sujeito na plenitude Empoderamento/ Apropriação da informação Desenvolvimento de competências / Mediação Serviços de informação Usuários da informação Conhecimento M ed ia çã oInteligência UNIDADE 1 | A MODERNA TEORIA DO CONFLITO 8 O mediador deve saber tratar o conflito compreendendo o seu posicionamento de não intervenção no mesmo, o papel dele deve ser o de auxiliar na construção do diálogo entre as partes, não direcionando o acordo, mas apenas auxiliando as partes. É fundamental para o mediador discernir o comportamento correto em sua atuação, O mediador deve entender a diferença entre intervir no conflito e nos sentimentos das partes. O mediador deve ajudar as partes, fazer com que olhem a si mesmas e não ao conflito, como se ele fosse alguma coisa absolutamente exterior a elas mesmas. [...] Quero falar da mediação indo ao fundo de nossos mal-estares, encontrar a raiz que gera um permanente estado de conflito conosco e com os outros de nosso convívio. O reencontro com o manancial que transforma. Vivemos em sociedades onde os resultados, o êxito pessoal, as armaduras com as quais construímos nossa imagem, os simulacros que realizam a vida, a adaptação conformista faz que nos afastemos radicalmente do que autenticamente sentimos, de todos os nossos sentimentos (WARAT, 2004, p. 27). O conflito precisa ser visto como algo recorrente, do cotidiano das pessoas, mas necessário ao crescimento individual devido ao enfrentamento que ele proporciona pelo reconhecimento do outro e, por consequência dos problemas do outro. Ao administrar o conflito por intermédio da mediação o mediador atuará como mero coadjuvante, pois os atores principais são as partes envolvidas na situação conflitiva. A construção do diálogo é fundamental para o indivíduo conhecer sua essência, ou seja, seus sentimentos para somente então poder entender os dos outros, facilitando a comunicação entre as partes. Tratar o conflito tem como fruto o acordo. Ele, por sua vez, satisfaz os anseios dos envolvidos e não o que a lei lhes concederia, caso a decisão fosse proferida pela Estado-Juiz. Por exemplo: em situações como a mediação familiar, onde os vínculos afetivos estão presentes, com sentimentos efervescentes, criadores de cortinas de fumaça dificultadoras da compreensão do que levou a determinada situação, e algumas vezes mascaram o real motivo dos desentendimentos. Os conflitos reais, profundos, vitais, encontram-se no coração, no interior das pessoas. Por isso, é preciso procurar acordos interiorizados, e a mediação precisa escolher outro tipo de linguagem. Ela precisa da linguagem poética, da linguagem dos afetos, que insinue, a verdade e não a aponte diretamente; simplesmente sussurre, e não grite. Uma linguagem usada como estratégia, de tal modo que os corações em conflito possam ser tocados. A linguagem que nos permite vincular, receber, como uma melodia, o sentido do amor. A linguagem que estou chamando do coração transmite aquilo que não pode ser transmitido pela linguagem fática (entendida intelectualmente) deseja dizer aquilo que não pode ser dito pela linguagem da comunicação ordinária (WARAT, 2004, p. 29). TÓPICO 1 | ADMINISTRAÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 9 O Direito decide por intermédio do Estado-Juiz o conflito de caráter jurídico, já que as partes no processo comum duelam pela vitória, para ao final com a prolação da sentença, somente um demandante ser proclamado vencedor, mas não trata o conflito e nem os sentimentos das partes envolvidas. Quando o conflito é tratado pela mediação, os sentimentos são igualmente tratados e reavaliados, para tanto o fomento do diálogo é essencial, pois as partes nesse momento reexaminam suas posições conflitivas. A mediação é um processo de sensibilidade que institui um novo tipo de temporalidade, de fazer do tempo um modo específico da autoalteração. [...] a mediação precisa ser entendida, vivida acionada com outra cabeça, a partir de outra sensibilidade, refinada e ligada com todas as circunstâncias, não só do conflito, mas do cotidiano de qualquer existência. Quem vai mediar, precisa estar ligado com a vida (WARAT, 2004, p. 30). A interação das partes envolvidas no conflito possibilita o exercício da cidadania, da participação trazendo a ressignificação dos sentimentos para poder entender os fatos e os acontecimentos posteriores pelas lentes da sensibilidade do mediador. Para Warat (2004, p. 31) “(...) a mediação, comprometida com a sensibilidade, rejeita o valor da conflitividade interior. Não descarta o valor positivo do conflito com o outro, porém não aceita como boa uma atitude interna conflitiva”. Na realidade os indivíduos não necessitariam do poder judiciário, nem recorreriam à justiça se fosse capazes de resolver seus próprios conflitos, seria uma forma de libertação do protecionismo estatal, representado aqui no processo pelo Juiz, como aquele ser que paira soberano sobre o conflito, analisando provas, coletando depoimentos das partes e testemunhas, para posteriormente aplicar/ adequar a norma jurídica ao caso concreto. Entretanto, a mediação vai além, pois prega a recomposição das relações, mas para isso, As pessoas têm que estar com seus conflitos internos resolvidos. Quem não resolve seus conflitos internos, não pode ficar aberto para o amor, não pode amar, não pode inscrever o amor no meio do conflito. [...] quando um outro gera conflitos, nos agride. Instala também, em nosso interior, conflitividade que a mente e o ego, egoicamente, melodramaticamente multiplica. A mente introduz pensamentos que poluem o que sentimos, daí nasce o conflito interior. A simplicidade consiste em afastar os pensamentos para recuperar o sentimento(WARAT, 2004, p. 31). Após analisarmos alguns aspectos a respeito do conflito cabe tratar de sua classificação/tipologia, aponta Fernanda Paola Daniel que (2011, p. 17), “(...) os conflitos podem ser analisados em dois sentidos, quando visto do estado de ânimo objetivo, e quando visto do estado de ânimo das partes conflitantes”. UNIDADE 1 | A MODERNA TEORIA DO CONFLITO 10 Em sua classificação pela teoria de Morton Deutsch, em 1973, temos seis tipos de conflitos: conflito verídico, conflito contingente, conflito deslocado, conflito mal atribuído, conflito latente e conflito falso. O conflito verídico é aquele que é facilmente percebido, tido como realístico e difícil de ser solucionado de forma amigável, necessitam de um indivíduo para auxiliar as partes, exemplificando a arbitragem vinculante (DEUTSCH, 1973). O conflito contingente é circunstancial e não é reconhecido pelas partes nele envolvidas: Aqui a existência do conflito é dependente de circunstâncias prontamente re-arranjáveis, mas isso não é reconhecido pelas partes conflitantes. [...] O conflito contingente desapareceria se os recursos alternativos para satisfazer as necessidades “conflitantes” fossem reconhecidos. Conflitos contingentes são difíceis de se resolver apenas quando as perspectivas das partes em conflito são estreitas e rígidas, o que é fruto de recursos insuficientes de cognição e de solução de problemas ou excessiva tensão emocional. Ademais, é claro, se as questões em risco no conflito contingente tenham se agravado a ponto de que aceitar um substituto equivalente implique a perda do cerne da questão, o conflito perdeu sua contingência (DEUTSCH, 1973, p. 38). No conflito deslocado as partes envolvidas estão discutindo sobre algo que não está certo, presentes o manifesto e o subjacente. Aponta Morton Deutsch (1973, p. 37) que, “(...) o conflito experienciado é o conflito manifesto; já o que não está sendo diretamente expressado é o conflito subjacente. O conflito manifesto em geral expressará o subjacente de uma forma simbólica ou idiomática”. Já o conflito mal atribuído é aquele que acontece erroneamente, tanto com relação as partes quanto ao assunto. O conflito latente é o que está encoberto, pois ele pode ter sido deslocado, reprimido ou mal atribuído, enquanto o conflito falso advém de uma comunicação malsucedida (DEUTSCH, 1973, p. 37). FIGURA 2 - MEDIAÇÃO DE CONFLITOS FONTE: <https://blog.softwareavaliacao.com.br/wp-content/uploads/2017/07/27.png>. Acesso em: 22 nov. 2019. TÓPICO 1 | ADMINISTRAÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 11 4 TEORIA GERAL DA MEDIAÇÃO E FUNDAMENTOS A palavra mediação tem origem no latim significa mediare, que quer dizer mediar e/ou intervir, é um meio não adversarial de tratar situações conflitivas, o qual privilegia o diálogo entre as partes envolvidas, visto como um método autocompositivo de tratamento de conflitos, pois nele as partes conjuntamente chegam a um acordo com o auxílio de um mediador (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013). A mediação tem tradição milenar entre os postos antigos. Entre os judeus, chineses e japoneses, a mediação faz parte da cultura, e dos usos e costumes, muitas vezes integrandos os rituais religiosos. No Japão existe a figura milenar nas tradições de conflitos de direito de família denominada chotei, que significa uma conciliação quase judiciária, constituindo uma das atividades dos tribunais de família. Em síntese, o chotei consiste em confiar a uma terceira pessoa ou uma comissão formada por um magistrado e dois ou mais conciliadores, se necessário. Os conciliadores são nomeados pelo Supremo Tribunal para o período de dois anos. Na verdade, o critério da escolha recai sobre os notáveis da comunidade (BARBOSA, 2007, p. 12). É notório que o mediador na maioria dos países tem sua atuação balizada pela comunidade, além disso a função está relacionada ao desenvolvimento da cidadania e deve possuir conhecimento técnico. Ainda merece destaque a forma como é feita essa escolha abrangendo aqueles indivíduos mais destacados na sociedade. Insta tratar acerca da mediação no Judaísmo com destaque para o papel do rabino nos casos de divórcio. Os chineses têm na mediação uma forma de acesso à justiça. No mundo ocidental a mediação veio com dois movimentos na Grã- Bretanha e Estados Unidos e, posteriormente Canadá e a França, na área da mediação familiar, sendo que nos Estados Unidos, Noruega e Canadá a mediação é obrigatória e anterior ao processo judicial (BARBOSA, 2007, p. 12). A autora supracitada aponta que, na Grã-Bretanha, o marco mediatório foi o “Parents for ever”, em 1977. Gwynn Davis formou o primeiro serviço de conciliação familiar judicial envolvendo crianças, visando a atuação antes da judicial, e em 1978, em Bristol, Inglaterra, surgiu o primeiro serviço de mediação familiar coordenado pela assistente social Lisa Parkinson, contribuindo para em 1988, ocorrer a criação da FMA “Family Mediators Association”, evoluindo para a prática de sessões de mediação envolvendo crianças e questões financeiras acerca do divórcio: Assim, a mediação foi tema de estudos junto à Harvard Law School, concluindo por uma fundamentação teórica que limita seu conceito como um modo de resolução de conflitos, já que objetiva o acordo entre as partes, sem qualquer preocupação com as causas subjacentes ao impasse, portanto, sem caráter preventivo. Implantou-se, assim, a via intitulada ADR – Alternative Dispute Resolution, que se apresenta como uma alternativa rápida e econômica para a resolução de UNIDADE 1 | A MODERNA TEORIA DO CONFLITO 12 litígios. Diante do alto custo do Judiciário, aos cidadãos, nos Estados Unidos, os norte-americanos aderem, rapidamente, a essa forma de acesso à Justiça, porém, qualificada como “justiça de segunda classe” (BARBOSA, 2007, p. 13). No Canadá, a mediação chegou nos anos 80, em 1984 foi criado o primeiro serviço de mediação familiar de Montréal. Já na França foi em 1671 a primeira manifestação da mediação, na assembleia dos nobres e do clérigo encarregados de pacificar conflitos de processos e litígios. Para finalizar esse breve passeio histórico na mediação, trataremos do Brasil, tal instituto aqui chegou de duas formas em 1989, São Paulo, pelo modelo francês e através da Argentina ao Sul do país com o modelo dos Estados Unidos, no inícios dos anos 1990, e atualmente sua atuação é pautada pelo Código de Processo Civil e pela Lei de Mediação (BARBOSA, 2007). A mediação possui algumas razões para que possa ocorrer. Por sua vez, elas constituem fundamentos para a existência do procedimento da mediação, tais como: a) a existência do conflito entre as partes; b) interesses contrapostos; c) um terceiro neutro (mediador); d) capacidade de auxiliar e facilitar o acordo (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013). Também podemos citar como elementos: ter voluntariedade, o mediador precisa ser eleito, o aspecto privado, a cooperação entre as partes, a habilidade do mediador, reuniões agendadas pelos envolvidos, ser um procedimento informal, a possível existência ao final de um acordo mútuo, o fato de não ter um sentimento de vitória ou derrota (MARTÍN, 2005). Além disso, é preciso deixar claro que a mediação não se confunde com um processo terapêutico ou de acompanhamento psicológico ou psiquiátrico, embora seja extremamente desejável que o profissional da mediação tenha conhecimentos em Psicologia e, sobretudo, prática em lidar com as relações humanas e sociais. Por fim, ao final das sessões de mediação, a solução indicada pelas partes será reduzida a termo. [...] Nessa direção, a mediação pode ser percebida como um processo orientado a conferir às pessoas nele envolvidas a autoria de suas próprias decisões, convidando-as à reflexão e ampliando as alternativas. É um processo não adversarial dirigido à desconstrução de impasses (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013, p. 118). Por exemplo: a mediação pode ser utilizadana área familiar, pois vislumbra o reestabelecimento das relações, dos vínculos afetivos sendo salutar para o casal e principalmente para os filhos, quando envolvidos em um divórcio ou dissolução de união estável contendo guarda de menores, pagamento de pensão alimentícia e estipulação de visitas de um dos genitores. TÓPICO 1 | ADMINISTRAÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 13 Essa reaproximação dos genitores ocorre por intermédio de um terceiro não envolvido nos conflitos, o mediador nesse caso, tem fundamental importância busca demonstrar o aspecto natural e positivo existente na situação conflitiva. Além disso, a facilitação da comunicação entre os ex-cônjuges possibilita a escuta e o entendimento mais apurado das reais necessidades e sentimentos de cada um, auxiliando-os a desfazer as mágoas e a se respeitar mutuamente. Importa, ainda, citar algumas vantagens da Mediação Familiar: a diminuição dos custos financeiros e emocionais; a menor burocracia processual em comparação com os procedimentos tradicionais; uso de espaço em ambiente privado e acolhedor com apoio de um técnico cuja função é ajudar os intervenientes a estabelecer uma matriz de comunicação facilitadora na resolução de conflitos, de crises e estabelecer acordos aceitáveis; por fim, preservar a dignidade e autoestima da família em transformação, ajudando-a a estabelecer novos equilíbrios (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013, p. 114). O mediador necessita lançar mão da neutralidade e da comunicação quando de sua atuação, mas mantendo a atitude respeitosa, profissional e ética com as partes. Ao se deparar com uma situação conflitiva em uma sessão de mediação, o mediador tem de paralisar atitudes e palavras ofensivas porventura proferidas na efervescência das emoções entre os envolvidos na sessão de mediação. Assim as partes com o acordo sentem mais satisfação com o resultado, do que aquele proferido por intermédio de uma sentença prolatada pelo Juiz de Direito em um processo comum, onde persiste o sentimento de perdedor em uma das partes ao final do processo. Em geral, as partes logo retornam aos fóruns e às salas de audiência ou aos tribunais com inúteis recursos. [...] Seria apenas uma forma de economia processual, uma forma de racionalizar a prestação jurisdicional e evitar a procura desnecessária pelo Poder Judiciário, promovendo-se, ademais, uma ampliação de métodos mais democráticos, participativos e, até mesmo, mais efetivos de solução dos conflitos (GAGLIETTI; ESPÍNDOLA, 2013, p. 105). A busca do mediador nas sessões de mediação precisa ser direcionada para a empatia e compreensão, harmonização do conflito e construção do diálogo entre as partes, já que o acordo ocorrerá como consequência desse direcionamento, nesse caso o que for acordado será fruto do consenso dos mediandos, isso na prática garante maior segurança jurídica quanto ao cumprimento daquilo que restou acertado. Por exemplo: para essa desenvoltura ser alcançada, entretanto o mediador precisa de técnicas como a escuta atenta e inclusiva das atitudes e fatos apresentados e o acolhimento dos envolvidos. UNIDADE 1 | A MODERNA TEORIA DO CONFLITO 14 FIGURA 3 – RAPPORT (EMPATIA) FONTE: <https://cdn2-blog.sajadv.com.br/wp-content/uploads/2019/04/rapport-1024x501.jpg />. Acesso em: 22 nov. 2019. 5 ESCOPO DA MEDIAÇÃO E O PAPEL DO PODER JUDICIÁRIO Ao estudarmos a mediação e as demais formas não adversariais de tratamento/resolução de conflitos observaremos que o escopo delas é a construção do diálogo, a reestruturação das relações pessoais, e consequentemente o acordo, ele proporciona a pacificação social. A busca da pacificação social, por sua vez, somente conseguirá ser alcançada quando as partes não se enxergarem mais no processo como oponentes prontos para um embate na arena chamada processo, pois o conflito somente começa a ser tratado para posteriormente ser resolvido (WARAT, 2004, p. 21). Quando começamos a ver o outro com respeito e igualdade, ou seja, com empatia, como um ser humano sujeito as mesmas dores e frustações que nós, além disso é necessário um aparato estatal dotado de outra visão dogmática, capaz de enxergar o conflito como potencializador de crescimento humano e não apenas como algo que merece ser resolvido logo, para dizer “A venceu e B perdeu” (WARAT, 2004, p. 21). Figurando como partes em um processo não temos somente o ponto central que é o litígio e, sim as partes que são seres humanos dotados de sentimentos, desejos, vontades e, para tanto, merecedoras de respeito, de uma análise humanizada do processo. Tendo o cuidado de perceber o que realmente levou elas a judicializar aquela determinada causa, pois em alguns casos não é somente o objeto envolvido que importa para uma delas, muitas vezes, apenas um mero pedido de desculpas da parte contrária resolveria a situação, mas como o diálogo não existiu entre elas, ingressar com o processo pareceu ser a solução para aquele TÓPICO 1 | ADMINISTRAÇÃO E RESOLUÇÃO DE CONFLITOS 15 caso. Por exemplo: e isso leva a existência de cada vez mais processos no judiciário, justamente nesse tipo de causa que a mediação pode ser utilizada quando já existe uma relação entre as partes, como é o caso da área familiar de cônjuges em situação de divórcio, partilha dos bens, guarda de filhos, fixação dos valores da pensão alimentícia, estipulação de horários para a visitação dos filhos. Frente a isso temos o Poder Judiciário e seu incontável número de processos e a afamada crise do Judiciário, sendo necessária a compreensão de como a crise surgiu e quais seus motivos. No Brasil há um ensino jurídico moldado pelo sistema da contradição que forma guerreiros, profissionais combativos e treinados para a guerra, para a batalha, em torno de uma lide, onde duas forças opostas lutam entre si e só pode haver um vencedor. Todo caso tem dois lados polarizados. Quando um ganha necessariamente o outro tem de perder. O modelo é adversarial [...]. De um conflito entre pessoas, analisado sob o prisma da lide em disputa, resultam sempre vencedores e vencidos. Durante muitos anos, talvez inspirados em Carnelutti, afirmamos que o objetivo do processo ou da própria jurisdição é a justa composição da lide – aquela porção circunscrita do conflito que a demanda polarizada evidência (AZEVEDO, 2016, p. 245). Um dos fatores que desencadearam a crise do Poder Judiciário é exatamente a forma como os advogados enxergam o litígio dentro do processo, pois em nosso país tudo é judicializável, tudo é conflito, culturalmente ele privilegia o embate por intermédio da heterocomposição. Cabendo, tão somente ao magistrado a análise restrita daquilo que está contido nos autos, como elementos probatórios e formadores de uma verdade processual. Descabe ao magistrado, na técnica processual, conhecer de qualquer fato, argumento, justificativa ou razão que não constituam objeto do pedido, competindo-lhe apenas decidir a lide nos limites em que foi proposta. Assim, continuamos a repetir “o que não está nos autos de processo não está no mundo”! É assim com relação aos métodos heterocompositivos. É necessário que assim seja, na solução heterocompositiva (adjudicada), na medida em que ao juiz não será possível conhecer de aspectos do conflito que não integraram os autos de processo e que não constituem objeto do pedido (AZEVEDO, 2016, p. 245). Entretanto, o papel e a atuação dos magistrados devem ser vistos no que diz respeito a mediação, entendendo o seu papel de pacificadora de conflitos. Para isso o mediador judicial e o juiz precisam ter uma estreita relação de trabalho, já que é em nome dele e por sua delegação que ele atua, sendo que cada juiz pode quando de sua atuação utilizar as técnicas de mediação na audiência de conciliação (AZEVEDO, 2016). A mediação por intermédio da autocomposição dos conflitos está prevista em várias disposições legais (arts. 149, 334, 165, 695 e demais artigos do Novo Código de ProcessoCivil), por sua vez, a Lei de Mediação (Lei 13.140/15) veio aprofundar as regras de atuação do mediador. UNIDADE 1 | A MODERNA TEORIA DO CONFLITO 16 “A função do mediador dentro do processo está respaldada pela norma como um auxiliar da justiça, do processo e construtor da cidadania, conforme o artigo 149 do NCPC facilitando o diálogo entre os envolvidos no conflito, mas mantendo a imparcialidade” (AZEVEDO, 2016, p. 56). Para tanto, possui algumas atribuições na condução das sessões de mediação judicial: a) abertura e condução da sessão de mediação, supervisionado do Juiz togado, para promover o entendimento entre as partes; b) fazer a redação dos termos de acordo, incluindo os pedidos das partes, antes da homologação pelo Juiz togado; c) fazer constar todos os atos que ocorreram na sessão de mediação no termo de acordo; d) auxiliar na condução da comunicação entre as partes, não permitindo que ela se realize de modo desrespeitoso e/ou ineficiente (AZEVEDO, 2016). O papel do magistrado consiste em gerenciar um sistema público de resolução de disputas. Assim, considerando que a atuação do mediador pode ser delegada até mesmo para um voluntário e essa atuação de gestão sistêmica não, concluímos pela recomendação que, como regra, o magistrado não deva conduzir mediações principalmente para economizar esse recurso humano escasso. Naturalmente, essa mediação pode ser feita por um magistrado, em seu horário livre, como voluntário, em outra vara ou comarca. Esta recomendação se faz em razão de um princípio prático de que se um gestor deixa de delegar uma ação que poderia ser delegada provavelmente deixará de realizar algo que não poderia ser delegada (e.g. a instrução dos processos a serem julgados) (AZEVEDO, 2016, p. 51). O acordo fruto da mediação precisa espelhar o que foi dito durante as sessões de mediação e da realidade em que os envolvidos vivem, tanto financeira quanto moral. O autocompositor deverá tratar as partes com urbanidade, de forma respeitosa, mas sabendo evitar agressões verbais e físicas entre as partes, obviamente, isso não quer dizer que ele necessita interromper a fala de cada mediando sistematicamente. Contudo, é necessário entender que muitas vezes, haverá o enaltecimento dos ânimos por parte de um ou de ambos e isso implica a escuta inclusiva verbalizando os fatos ocorridos, nesse caso somente haverá intervenção na fala de um dos mediandos. Por exemplo: caso a fala de uma das partes se torne agressiva, já que é dada a palavra para cada um deles expressar os fatos conflitivos a seu modo, mas dentro dos limites do respeito. O mediador deve dominar a arte da boa comunicação, pois precisa interpretar exatamente aquilo que as partes expressarem, e a partir disso começar a tecer as linhas de um possível acordo. 17 Neste tópico, você aprendeu que: • A moderna teoria do conflito trata da administração e a resolução de conflitos. • Há uma estreita relação entre conflito, mediação e a busca da paz. • Etimologicamente a palavra conflito vem do latim conflictus originário do verbo confligo, confligere. • No que tange ao conceito de conflito, trata-se de um choque, uma discussão e/ ou uma desordem. • O comportamento individualista do ser humano somado ao desejo consumista dos relacionamentos voláteis e a imediatidade dos objetivos da vida, tudo isso contribui para fazer brotar o conflito. • A teoria do conflito por intermédio da classificação pela teoria de Morton Deutsch, em 1973, elencou seis tipos de conflitos: conflito verídico, conflito contingente, conflito deslocado, conflito mal atribuído, conflito latente e conflito falso. • A palavra mediação tem origem no latim significa mediare, que quer dizer mediar e/ou intervir, é um meio não adversarial de tratar situações conflitivas, o qual privilegia o diálogo entre as partes envolvidas, visto como um método autocompositivo de tratamento de conflitos. • Existem fundamentos para o procedimento da mediação, tais como: a) a existência do conflito entre as partes; b) interesses contrapostos; c) um terceiro neutro (mediador); d) capacidade de auxiliar e facilitar o acordo. • Ao estudarmos a mediação e as demais formas não adversariais de tratamento/ resolução de conflitos observaremos que o escopo delas é a construção do diálogo, a reestruturação das relações pessoais e, consequentemente, o acordo. Ele proporciona a pacificação social. • O papel do poder judiciário aqui representado pela figura do magistrado o qual supervisiona a atuação do mediador nas sessões de mediação consiste em gerenciar um sistema público de resolução de conflitos. RESUMO DO TÓPICO 1 18 1 (2018 - FCC - DPE-AP - Defensor Público) Com relação à conciliação e à mediação: a) ( ) As partes podem escolher, de comum acordo o conciliador e o mediador, desde que estejam cadastrados no registro do tribunal competente. b) ( ) O conciliador atuará somente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, podendo sugerir soluções para o litígio, mas não impor a conciliação. c) ( ) Em razão do dever de sigilo inerente as suas funções, o conciliador e o mediador não poderão divulgar os fatos ou elementos oriundos da conciliação ou da mediação, mas deverão depor se notados pelo juiz, pelo dever de colaboração para com o judiciário. d) ( ) O mediador que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos. e) ( ) Os conciliadores e mediadores judiciais devidamente registrados no cadastro do Tribunal de Justiça, se advogados, não terão qualquer restrição ou impedimento para o exercício de suas atividades, uma vez que as atividades de solução consensual dos conflitos caracterizam obrigações públicas e de interesse social. 2 (2018 - FCC - PGE-AP- Procurador do Estado) Com relação à mediação e autocomposição de conflitos: a) ( ) Poderá atuar como mediador judicial a pessoa capaz, graduada há pelo menos dois anos em curso de ensino superior de instituição reconhecida pelo Ministério da Educação e que tenha obtido capacitação em escola ou instituição de formação de mediadores, reconhecida pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados − ENFAM ou pelos tribunais, observados os requisitos mínimos estabelecidos pelo Conselho Nacional de Justiça em conjunto com o Ministério da Justiça. b) ( ) O consenso das partes envolvendo direitos indisponíveis, mas transigíveis, deve ser homologado em juízo, prescindível a oitiva do Ministério Público. c) ( ) Por não ter poder decisório, não se aplicam ao mediador as hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz. d) ( ) O mediador fica impedido, por tempo indefinido, de assessorar, representar ou patrocinar qualquer das partes, embora possa atuar como árbitro em conflito que as envolva. e) ( ) No desempenho de sua função, o mediador deverá reunir-se com as partes sempre em conjunto, a fim de não se levantar qualquer objeção quanto a sua imparcialidade. AUTOATIVIDADE 19 3 (2016 - FGV - COMPESA-Analista de Gestão – Advogado) Com relação à mediação, assinale V para as afirmativas verdadeiras e F para as falsas: ( ) Na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação. ( ) Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação, com exceção de proposta formulada por uma parte à outra na busca de entendimento para o conflito, será confidencial com relação a terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação.( ) Ainda que haja processo arbitral ou judicial em curso, as partes poderão submeter-se à mediação, hipótese em que requererão ao juiz ou árbitro a suspensão do processo por prazo suficiente para a solução consensual do litígio. As afirmativas são, respectivamente: a) ( ) F - V - F. b) ( ) V - V - V. c) ( ) V - F - F. d) ( ) V - V - F. e) ( ) V- F - V. 4 (2012-FUNIVERSA-Assistente Social) Com relação à mediação de conflitos, assinale a alternativa correta. a) ( ) A mediação de conflitos é uma categoria ontológica. b) ( ) A mediação de conflitos é um processo informal em que não existe um modelo de atuação definido com etapas, diretrizes, princípios e regras. c) ( ) O papel de mediador requer atributos indispensáveis como escuta e acolhimento da fala dos mediados, imparcialidade, confidencialidade, credibilidade e diligência. d) ( ) Constituem regras da mediação: o respeito mútuo, a não-violência e a participação incentivada e não-voluntária no processo de mediação. e) ( ) A mediação é um processo de resolução de conflitos em que uma terceira pessoa, parcial e independente, facilita o diálogo entre as partes para que melhor entendam o conflito e procurem alcançar soluções criativas e possíveis. 5 (2017- EDUCA-CRQ - 19ª Região (PB) - Coordenador Administrativo). Basicamente, pode-se dizer que a mediação é uma forma de lidar com um conflito, através da qual um terceiro (o mediador ou a mediadora) ajuda as pessoas a se comunicarem melhor, a negociarem e, se possível, a chegarem a um acordo. São finalidades da Mediação, EXCETO: 20 a) ( ) Restabelecimento da Comunicação entre as Partes. b) ( ) Preservação de Relacionamentos entre as Partes. c) ( ) Prevenção de Conflitos. d) ( ) Exclusão Social. e) ( ) Pacificação Social. 21 TÓPICO 2 A MEDIAÇÃO ENQUANTO MÉTODO AUTOCOMPOSITIVO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO Neste tópico você aprenderá sobre a mediação enquanto método autocompositivo de resolução dos conflitos, para isso é necessário estudar primeiramente o acesso à justiça como forma mais adequada de tratar os conflitos humanos e os direitos fundamentais por intermédio do estudo da evolução da ideia de justiça e da prática do acesso ao judiciário como um direito fundamental. Também abordaremos como objetivo geral dessa unidade de ensino os mecanismos autocompositivos e heterocompositivos de tratamento de conflitos, diferenciando auto e heterocomposição, depois abordaremos as diferentes formas de tratá-lo como a mediação, a negociação, a conciliação e a justiça restaurativa, e mais detalhadamente a conciliação autocompositiva e a mediação de conflitos por meio do empoderamento das partes. 2 O ACESSO À JUSTIÇA COMO FORMA MAIS ADEQUADA DE TRATAR OS CONFLITOS HUMANOS E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS O conceito da expressão acesso à justiça apresentou variação ao longo do tempo devido a uma série de elementos, influenciadores de cunho político, religioso, sociológico e filosófico. Dentre as principais normas cuneiformes escritas, encontrou-se no Código de Hamurabi importantes garantias que, ao menos na teoria, impediam a opressão do fraco pelo forte, assegurando proteção às viúvas e aos órfãos, e incentivavam o enfraquecimento ao buscar a instância judicial (o soberano) para ele resolver a sua causa (CARNEIRO, 2000). O papel do soberano foi substituído pelo Estado-Juiz que por intermédio da figura do magistrado profere sentenças com a finalidade de dizer o direito no caso concreto, por exemplo. Boaventura de Sousa Santos (1996, p. 25), no seu estudo sobre os tribunais nas sociedades contemporâneas, leciona que o significado tanto social quanto político dos tribunais nesse período contemporâneo, que ele chama período do Estado-providência, foi muito diferente daquele do período liberal: UNIDADE 1 | A MODERNA TEORIA DO CONFLITO 22 Em primeiro lugar, a jurisdição do bem-estar social abriu o caminho para novos campos de litigação nos domínios laboral, civil, administrativo, da segurança social, o que, em uns países mais do que noutros, veio traduzir-se no aumento exponencial da procura judiciária e na consequente explosão da litigiosidade. As respostas que foram dadas a este fenômeno variaram de país para país, mas incluíram quase sempre algumas das seguintes reformas: informatização da justiça; incluindo a informatização e a automatização da justiça; criação de tribunais especiais para a pequena litigação de massas tanto em máteria civil como criminal; proliferação de mecanismos alternativos de resolução de conflitos (mediação, negociação, arbitragem); reformas processuais várias (ações populares, tutela de interesses difusos etc.). A explosão da litigação deu uma maior visibilidade social e política aos tribunais e as dificuldades que a oferta da tutela judicial teve, em geral, para responder ao aumento da procura suscitaram com grande acuidade a questão da capacidade e as questões com ela conexas: as questões da eficácia, da eficiência e da acessibilidade do sistema judicial. Para Kantorowicz (1949), a reação dos tribunais também se projeta no plano da teoria da justiça, com uma visão mais crítica do positivismo extremado, e passa a engrandecer o valor da justiça e do homem, influenciados por importantes escolas filosóficas. Destaca-se, por exemplo, a Escola da Livre Pesquisa do Direito, que teve em François Gény seu idealizador. Essa escola influenciou a criação de outras, inclusive a do “Direito Livre”, que sob a orientação de Kantorowicz, compreendia que o direito justo deveria prevalecer ainda que contra legem. Todos esses estudos e movimentos são importantes inclusive na atualidade com as teorias e as correntes filosóficas mais modernas, por exemplo, a Teoria Tridimensional, em especial a de Miguel Reale, o Experiencialismo de Holmes, Teoria Egológica de Cossio, a Teoria da Argumentação de Perelman, dentre outras, todas elas convergem, na expressão de Reale: A aplicação do direito não se reduz a uma questão de lógica formal. É antes uma questão complexa, na qual fatores lógicos, axiológicos e fáticos se correlacionam segundo exigências de uma unidade dialética, desenvolvida ao nível da experiência, à luz dos fatos e de sua prova (1999, p. 286-288). Essa grandiosidade teórica, que representa a superação do positivismo normativista, leva a uma nova leitura e, por consequência, a uma prática renovada da prestação jurisdicional. O desenvolvimento da prestação jurisdicional é, também, e não poderia ser diferente, resultado de um processo político que culminou na estabilização do Estado Democrático de Direito, com a superação do modelo liberal (KELSEN, 1984). TÓPICO 2 | A MEDIAÇÃO ENQUANTO MÉTODO AUTOCOMPOSITIVO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS 23 Reale rejeita a possibilidade de apreensão do fenômeno jurídico a partir apenas de um de seus elementos, v.g., a norma. Assim, se o direito é um fenômeno tridimensional, a apreensão somente pode lograr êxito a partir da integração dialética de implicação-polaridade dos elementos fato-valor-norma. Oliver Wendell Holmes é visto como precursor de uma corrente de pensamento que inclui juristas do porte de Llewllyn, Frank e Pound na Escola norte-americana que alcançou grande prestígio na Escandinávia. A base é de que a “vida do direito não foi a lógica, foi a experiência” (Holmes). Assim, a interpretação do direito se torna exercício de verificação em um tom empírico, sendo os tribunais e a sua prática o verdadeiro lugar de realização e criação dos direitos, restando um papel meramente ancilar para o texto legislativo. Na teoria egológica, desenvolvendo uma classificação dos objetos, Cossio desloca o centro de referência do conhecimento do direito da norma para a conduta. A conduta define a norma e suas consequências. Como o centro de referência do direito é a conduta e não a norma, o direito passa a ser governado por um princípio de liberdade (medida da conduta). Através desua nova retórica, e combinando elementos de retórica e dialética clássicas, e tópica, como substituindo a lógica formal por uma lógica argumentativa, Perelman vai desenvolver a ideia de que as teses (que embasam uma decisão judicial, por exemplo) não são verdadeiras em si mesmas, em verdade, são construídas no processo argumentativo, e aprovadas em razão da razoabiliadade (PERELMAN e OLBRECHTS- TYTECA, 1996). NOTA Sobre este ponto, destaca-se a explicação de Barreto (1993, p. 29-37), em estudo específico sobre a cidadania, e o seu conceito atual: A marca diferenciadora do conceito moderno de cidadania encontra- se patente nos três momentos de afirmação dos conjuntos de direitos. Todos esses direitos foram reconhecidos em função da participação de diferentes grupos sociais face ao status quo. Afirmaram-se quando os componentes de segmentos sociais uniram forças políticas, sociais e econômicas diante do poder. Nasceram, esses direitos, não por benesses das elites dominantes, mas em virtude de reivindicações claramente definidas e duramente conquistadas. Esse novo posicionamento do Juiz diante do fato mostra uma das faces da concepção de acesso à justiça dos dias de hoje. Portanto, cresce de importância, nesse momento, a concepção do real significado de acesso à justiça; é necessário que ele sirva a todos, ou seja, igualdade de direitos, desde os mais carentes aos mais privilegiados, desde o ser humano isoladamente considerado até a coletividade (CARNEIRO, 1999). Surgiu assim, inicialmente nos países desenvolvidos, diante das reivindicações sociais, a demanda por formas céleres e efetivas de justiça para a comunidade em geral (CARNEIRO, 1999, p. 27). UNIDADE 1 | A MODERNA TEORIA DO CONFLITO 24 É notável, e merece destaque, a participação do professor italiano Mauro Cappelletti no movimento de democratização do acesso à justiça. Coordenando respeitado Instituto de Pesquisas, o professor Cappelletti desenvolveu pesquisas de alta relevância em diversas áreas do conhecimento jurídico. Contudo, foi no campo do acesso à justiça que Mauro Cappelletti plantou sua semente mais fecunda. O professor efetuou uma série clássica de estudos doutrinários sobre a justiça e o Poder Judiciário, notadamente em suas dimensões ideológicas e sociais, englobando estudos importantes sobre justiça e pobreza na obra Processo, ideologias, sociedade (CAPPELLETTI, 1974). Foi nessa área que o professor desenvolveu a pesquisa que pode ser considerada o turning point (expressão inglesa muito utilizada) do movimento de acesso à justiça. Com o apoio de seu Instituto de Pesquisas (Florença), da AIDP e de diversas Escolas no mundo inteiro, o professor colheu relatórios sobre a situação do acesso à justiça em diversos países e relatou com acuidade peculiar a situação global. A divulgação de resultados desses estudos, com suas conclusões e sugestões (as três famosas ondas renovatórias) da sua obra, escrita em parceria com Bryant Garth, denominada Acessto justice, em quatro volumes, os dois primeiros com dois tomos cada, em Milão (Giuffré-Sijthoff, 1978), desencadeou um movimento mundial de busca pelo acesso à justiça, sendo que, ainda hoje, quase 30 anos depois das pesquisas, é uma obra fundamental no estudo do tema. O tempo passado, que demonstra a urgência de pesquisas como a desenvolvida na tese presente, não invalida os resultados da pesquisa; o tempo, ao invés da invalidá-la, tornou-a clássica e indispensável. Outro livro de leitura obrigatória, em nosso idioma, do professor Mauro Cappelletti: Acesso à justiça (Trad. por Ellen Gracie Worthfleek. Porto Alegre: Fabris, 1988), foi baseado em dois volumes também resultantes do Projeto de Florença, a saber: CAPPELLETTI, Mauro, Gordley; JOHNSON JR., e, Towardequal justice. A comparative study of legal Aid in modern societies.Milão/Dobbs Ferry, N.Y.: Giuffré/Oceana, 1975 e CAPPELLETTI, Mauro, JALOWICZ, J.A. Public interest parties and the active role of the judge in civil litigation. Milão/Dobbs Ferry, N.Y.: Guiffré/Oceana, 1975. INTERESSA NTE Surgiram os chamados Juizados de Pequenas Causas, conhecidos nos Estados Unidos da América, no sistema da common law, como Small Claim Courts, para a defesa dos direitos individuais e, ainda, os caminhos jurídicos trilhados para defesa dos direitos coletivos, o que viria a ser o embrião da class action, ambos inseridos na Federal Rules (WATANABE, 1985). No mesmo período, os Estados Unidos da América procuraram desenvolver e incentivar métodos alternativos para a resolução de conflitos sem as formalidades exigidas pelos tribunais. Enquanto isso, as evoluções do acesso à justiça na Europa estavam vinculadas ao sistema romano-germânico, TÓPICO 2 | A MEDIAÇÃO ENQUANTO MÉTODO AUTOCOMPOSITIVO DE RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS 25 especificamente no que se refere à defesa individual de pequenas causas e de ações coletivas, foi diferente daqueles países vinculados ao sistema da common law, precisamente dos EUA. “Na organização funcional da justiça italiana, fazendo papel semelhante ao dos juizados, as Pretorias (Preture) e os Conciliadores (Conciliatori), estes últimos definidos como magistrados que julgavam causas de menor expressão e de valor (nominal em 1970) de 50.000 liras” (CARNEIRO, 2000, p. 29). Já no campo das ações coletivas, a lei francesa Royer de 25 de dezembro de 1973, destinada à proteção do consumidor, acabou por conferir legitimidade as associações que preencheram os requisitos legais, precisamente de tempo de constituição e de número de associados, para a defesa de direitos coletivos (CARNEIRO, 2000). Apesar do Código de Processo Civil da Alemanha não conter a possibilidade de uma ação coletiva, há um precedente histórico importante de origem alemã em sede coletiva que influenciou a doutrina brasileira; trata-se de um instrumento de defesa coletiva no terreno da proteção à concorrência. A utilização desta ação foi ampliada a fim de acolher também outras categorias de direitos, nesse caso ambiental e do consumidor, embora seja pouco utilizada. Na atualidade, principalmente na última década, está havendo uma contrarreação ao chamado Estado social (CARNEIRO, 2000). Fala-se agora em uma terceira fase, que seria a fase pós-social; primeiro o liberalismo sem qualquer intervenção estatal, seguida do Estado social, com uma forte intervenção em função daquelas influências dos movimentos sociais, da filosofia marxista (CARNEIRO, 2000, p. 30). Nesse momento a intervenção é cada vez menor, o que impossibilitaria manter importantes programas sociais, passando a optar pela privatização de serviços não essenciais e pela diminuição de seus investimentos, gerando crises de desemprego e insuficiente assistência a direitos básicos (CARNEIRO, 2000, p. 30). Para tanto, nesse contexto, corporificam-se as reivindicações em prol dos direitos fundamentais e da possibilidade de efetividade deles, a exigir do Poder Judiciário meios de solucionar esses problemas, sejam os de cunho individual gerados por este novo mundo, esta nova forma de vida, como também aqueles que se põem no plano da coletividade. Segundo Santos: “Hoje, pode mesmo dizer-se que este movimento transborda dos interesses jurídicos das classes mais baixas e estende-se já aos interesses jurídicos das classes médias, sobretudo aos chamados interesses difusos, interesses protagonizados por grupos sociais organizados e protegidos por direitos sociais emergentes cuja titularidade individual é problemática” (SANTOS, 1999, p. 172). UNIDADE 1 | A MODERNA TEORIA DO CONFLITO 26 A professora Ada Pellegrini Grinover, no seu excelente trabalho “Tutela jurisdicional dos interesses difusos no direito contemporâneo” (1990) adverte que na Alemanha, nem todos os atos de concorrência desleal podem ser atacados pelas associações. Sua iniciativa processual é taxativamente limitada às hipóteses de publicidade enganosa, fraudes em liquidações, fraudes nas vendas a varejo por parte de atacadistas,
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