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CADERNOS TÉCNICOS DE SAÚDE APOIO: ISSN: 2525-3336 05 EDIÇÃO Centro de Ensino Superior de Vespasiano Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH) Correspondência: R. São Paulo, 958, Jardim Alterosa. Vespasiano, MG Cep:33 200 – 000 E-mail: daniela@faseh.edu.br CADERNOS TÉCNICOS DE SAÚDE Volume 03 |Edição 05 - ISSN: 2525-3336 Editores dos Cadernos Técnicos: Edson Nascimento Campos Jonas Carlos Campos Pereira Revisor Linguístico e Técnico-Científico: Edson Nascimento Campos Jonas Carlos Campos Pereira Revisor Linguístico dos Textos Abstract Elisa de Moura Revisor Bibliográfico: Sônia Aparecida dos Santos – Bibliotecária Centro de Soluções Educacionais - Concepção Editorial Tecnológica: Anderson Pimentel Borges Secretária dos Cadernos Técnicos: Daniela Carla Pereira Divulgação: Digital Layout e Editoração: Comunicação da FASEH Periodicidade: Semestral Centro de Ensino Superior de Vespasiano Presidente: Ricardo Queiroz Guimarães Faculdade da Saúde e Ecologia Humana (FASEH) Diretor Geral: João Lúcio dos Santos Júnior Diretor Acadêmico: Hérica Soraya Albano Teixeira Permite-se a reprodução total ou parcial, sem consulta prévia, desde que seja citada a fonte. EDITORIAL RECOMENDAÇÃO As informações referenciadas, as opiniões expressas e os apelos disseminados ao longo dos textos publicados aqui, nos Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, são de responsabilidade única e exclusiva de seus autores. Sai a público o Volume III, Edição 5 , dos Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH . Nessa oportunidade, cumprindo a sua vocação de Divulgação Científica e exercendo a salutar prática da exogenia,disseminam-se os textos de revisão de literatura, associados à inclusão de material que aborda a temática dos animais peçonhentos. É o caso dos artigos sobre acidente crotálico,escorpionismo,araneísmo e apidismo , produzidos pela disciplina de Toxicologia do Departamento de Medicina Veterinária (UFMG). Além dessas publicações, contemplam-se artigos vinculados à Medicina, privilegiando temática variada: neurologia, técnicas moleculares para diagnóstico, psiquiatria forense,acidente vascular, cardiologia.Por outro lado, associando ética e Medicina, apresenta-se artigo que se propõe a fazer análise crítica da ética no que se refere à discussão entre natureza/cultura, técnica e Medicina.Finalmente, ainda na seleção de textos do gênero artigo, apresenta-se publicação que se propõe a historiar a especificidade concreta da intensificação do trabalho docente nas sociedades contemporâneas. Já no gênero Resumo, estão sendo publicados os textos de síntese dos Trabalhos de Conclusão de Curso, produzidos, defendidos e aprovados,em 2017, na FASEH, com a mobilização dos acadêmicos e dos professores do curso de Medicina da instituição.Por último, associando Medicina e Literatura, publica-se, no gênero Narrativa, o texto Oração, ao se propor,afetivamente, o exame do caráter produtivo de restauração da vida, praticado pela arte médica. Os Editores Edson Nascimento Campos Jonas Carlos Campos Pereira COMISSÃO EDITORIAL Alcinéa Eustáquia Costa Marques Pinto Alexandre Ravski Aristides José Vieira Carvalho Carlos Nunes Senra Carlos Ernesto Ferreira Starling Cesar Coelho Xavier Edson Nascimento Campos Fernando Augusto Proietti Gustavo Nunes Tasca Ferreira Helen Reis de Morais Couto Henrique Segall Nascimento Campos Hérica Soraya Albano Teixeira Jacqueline de Castro Laranjo Jonas Carlos Campos Pereira José Carlos Nogueira Marcos de Bastos Márcio Vinicius Lins de Barros Patrícia Alves Maia Guidine Paulo Roberto Ferreira Henriques (In memoriam) Renato Assunção Rodrigues da Silva Maciel SUMÁRIO ARTIGO ACIDENTE CROTÁLICO..........................................................................................7 Soto-Blanco,B.1, Melo,M.M.1 ESCORPIONISMO....................................................................................................11 Soto-Blanco,B.1, Melo,M.M. 1 ARANEÍSMO............................................................................................................17 Martins,G.C. 1 , Martins,M. 1 , Soto-Blanco,B. 1 ACIDENTES POR PICADAS DE ABELHAS.........................................................23 Soto-Blanco,B.1, Melo, M.M.1 FATORES NEUROTRÓFICOS E REGENERAÇÃO NEURAL: PERSPECTIVAS E AVANÇOS EM TERAPIAS......................................................................................26 De Paula, T.P. 1 ; Souto, C.P.P 2 PURIFICAÇÃO DE ANTÍGENOS IMUNOGÊNICOS DE L.CHAGASI POR CROMATOGRAFIA DE IMUNOAFINIDADE (IgG1/IgG2a) ANTI- LRPS (PROTEÍNAS RIBOSSÓMICAS DE LEISHMANIA) .................................31 Coelho,V.T.S. 1 , Silva,J.A. 2 , Reis,T,A.R. 2 , Figueiredo,J.E.F. 3 , Santoro, M. M. 4 ,Coelho,E.A.F. 5 CONSIDERAÇÕES GERAIS A RESPEITO DE PERÍCIAS NO ÂMBITO DA PSIQUIATRIA FORENSE .......................................................................................39 Andrade, J.M.C. 1 ; Fantini, L2. ACIDENTE VASCULAR ENCEFÁLICO NA ANEMIA FALCIFORME ..............47 Teixeira, M. M.2 ; Fonseca, M. 2 ; Assis, J ,P.de 2 ; Júnior, E.C. S.3, 1 ; Santos, D.W.R.1 ; Kelly , S. 4 ; Silva, C.M. 1 ; Ro- manelli, L.C.F.1 Carneiro-Proietti , A.B 1 ESTUDO DO VALOR PROGNÓSTICO DO ESCORE DE GRACE APÓS DOIS ANOS DE SEGUIMENTO EM PACIENTES ADMITIDOS COM QUADRO DE SÍNDROME CORONARIANA AGUDA................................................................ 56 Silva, I.A.G. 1 ; Pereira, C.F.A. 1 ; Luz,F.F. 1 ; Cordeiro, M.L. 1 ; Moreira, T.C. 1 ; Fonseca, B.A. 2 ; Carlos Ornelas, C.E. 3 ; Bar- ros, M.V.L. 4 A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE DENUNCIA A BARBÁRIE. APONTAMENTOS CRÍTICOS PRELIMINARES SOBRE O PROBLEMA DA RELAÇÃO HOMEM/NATUREZA E A ALTERNATIVA JONASIANA.............................................................................................................64 Campos, H.S.N. 1 REFLEXÕES SOBRE A INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO DOCENTE ......74 Laranjo, J.C. 1 RESUMO AVALIAÇÃO NEUROCOGNITIVA DE PACIENTES PORTADORES DE EPILEPSIA REFRATÁRIA DE LOBO TEMPORAL SUBMETIDOS ÀS TÉCNICAS CIRÚRGICAS AMÍGDALO-HIPOCAMPECTOMIA SELETIVA OU LOBECTOMIA TEMPORAL ANTERIOR. ...............................................................................................84 Castanho, B. 1 ; Sarcinelli, C.C.S. 1 ; Ferreira,E.F. 1 ; França, F.A.B. 1 ;Fonseca,A.G.A.R. 1, Guidine, P.A.M.2 AVALIAÇÃO NEUROCOGNITIVA DE PACIENTES COM EPILEPSIA REFRATÁRIA AO TRATAMENTO MEDICAMENTOSO SUBMETIDOS À AMIGDALOHIPOCAMPECTOMIA SELETIVA............................................................................................................................................85 Portes, A.M. 1 ; Oliveira,K.M. 1 ; Oliveira, L.C. 1 ; Nascimento, M.F.L. 1 ; Souza, O.M. 1 ; Fonseca, A.G.A.R. 1 ; Guidine, P.A.M. 2 . AVALIAÇÃO DA CONFIABILIDADE DOS REGISTROS DO ESCORE IMPROVE (INTERNATIONAL MEDICAL PREVENTION REGISTRY ON VENOUSTHROMBOEMBOLISM) PARA PREDIÇÃO DE TROMBOSE VENOSA ADQUIRIDA EM HOSPITAL...........................................................................................................................................86 Timo, C.U. 1 ; Petermann, C.E.D. 1 ; Bastos, M. 2 ANÁLISE COMPARATIVA POR MEIO DO QUESTIONÁRIO ANÁLISE BARIÁTRICA E RELATÓRIO DE DESFECHO (BARIATRIC ANALYSIS AND REPORTING OUTCOME) DA PERCEPÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA ENTRE PACIENTES COM E SEM COMORBIDADES SUBMETIDOS À CIRURGIA BARIÁTRICA......................................................................................................................................87 Nascimento, B.B.S. 1 ; Ribeiro, C.S. 1 ; Magalhães, I.B. 1 ; Alencar, L.R. 1 ; Almeida,C.T. 2 . COMPARAÇÃO DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA SÍFILIS GESTACIONAL NO MUNICÍPIO DE VESPASIANO COM OS MUNICÍPIOS DE BELO HORIZONTE E BETIM NO PERÍODO DE 2013 A 2016...............................................................................................................88 Oliveira, D.M.B. 1 ; Alcântara, F.S.O. 1 ; Soares,L.A.C. 1 Mangini, M.S. 1 ; Mayrink, M.O.S. 1 ;Amaral,T.M.M. 1 ; Velloso, L.A.F.2 ASSOCIAÇÃO ENTRE ÍNDICE DE MASSA CORPORAL E PRESSÃO ARTERIAL SISTÊMICA DE ADOLESCENTES DE ESCOLAS PÚBLICAS DE VESPASIANO – MINAS GERAIS...................................................................89 1 Violante, G.D.L. 1 ; Miranda, J.E.G. 1 ; Oliveira, L.C. 1 ; Ribeiro, J.G.L. 1 ; Rates, S.P.M. 2 VALOR DO MAPA T1 PELA RESSONÂNCIA MAGNÉTICA CARDÍACA NO DIAGNÓSTICO DE MIOCARDITE AGUDA..................................................................................................................................................90 Ribeiro, B. 1 ; Andrade, G.L. 1 ; Álvares, J.F.W. 1 ; Santiago, M.L.R. 1 ;Caldeira,T.G. 1 ; Barros, M.V.L. 2 AVALIAÇÃO DE PREDITORES DE GRAVIDADE EM PACIENTES INTERNADOS COM PANCREATITE AGUDA.................................................................................................................................................91 Chimicatti, I.P.L. 1 ; Castro, P.E.F. 1 ; Lopes, T.A.T. 1 ; Mendes, G.S. 2 NARRATIVA ORAÇÃO.............................................................................................................................92 Nogueira, J.Carlos 1 Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018 7 ACIDENTE CROTÁLICO 1 Professor(a) da Escola de Veterinaria da UFMG Soto-Blanco,B.1, Melo,M.M.1A R T IG O Contato: benito.blanco@pq.cnpq.br marilia.melo@pq.cnpq.br Introdução As serpentes do gênero Crotalus, conhecidas popularmente como cascavel, boicininga e maracamboia (Fig. 1), são robustas, não agressivas e pouco ágeis. Possuem fosseta loreal, dentição solenóglifa e um chocalho ou guizo na extremidade da cauda (Fig. 2). No Brasil, há apenas uma espécie Crotalus durissus1, com ampla distribuição geográfica, que possui as seguintes sub-espécies: • Crotalus durissus terrificus (cascavel, boiquira) : presente em Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e áreas esparsas no Amazonas e Pará; • Crotalus durissus collilineatus (cascavel, maracaboia) : encontrada nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, Distrito Federal e região Sul; • Crotalus durissus cascavella (cascavel, cascavel-quatro- ventas) : habitante da caatinga; • Crotalus durissus ruruima (boicininga, boiçununga, maracá) : presente nas savanas de Roraima; • Crotalus durissus marajoensis (boicininga, boiçununga, maracá) : habitante da ilha de Marajó; • Crotalus durissus dryinus : presente no Amapá; • Crotalus durissus trigonicus :encontrada em Roraima. 1 Recentemente essa espécie havia sido reclassificada como Caudisona durissa, mas esta nomeclatura logo deixou de ser aceita. Cadernos Técnicos de Saúde, no 05 - Junho de 2018 8 A identificação das cascavéis é fácil: única a possuir chocalho no final da cauda. O chocalho é constituído de segmentos córneos, que se acumulam de acordo com o número de trocas de pele. Atenção especial aos filhotes de cascavéis, pois pode ser difícil a identificação por possuírem apenas um anel córneo. Figura 1 - Crotalus durissus terrificus (cascavel). Figura 2 - Guizos da extremidade da cauda de Crotalus durissus terrificus. São encontradas em campos abertos (áreas secas, arenosas e pedregosas), encostas de morros e cerrados, mas pouco frequentes em matas úmidas e faixas litorâneas. No Brasil, o acidente crotálico (causado pelas cascavéis) corresponde a 8%. Todavia, no serviço de Toxicologia do Hospital João XXIII em Belo Horizonte (MG), o acidente crotálico é o mais frequente acidente ofídico (ultrapassando mais de 50% dos casos). Essa diferença, provavelmente, está relacionada às características geográficas. Veneno crotálico O veneno crotálico é uma mistura complexa de proteínas e polipeptídeos com ações neurotóxica, miotóxica e coagulante. A ação neurotóxica é provocada principalmente por uma substância denominada crotoxina, uma neurotoxina pré-sináptica. A crotoxina atua nas terminações nervosas motoras inibindo a liberação de acetilcolina pelos impulsos nervosos, provavelmente por ação em canais iônicos. Assim, há bloqueio neuromuscular resultando em paralisias motoras e respiratórias. Outras neurotoxinas isoladas do veneno crotálico são a crotamina, a girotoxina e a convulxina, que apresentam efeitos neurotóxicos em modelos experimentais não observados em casos clínicos. A ação coagulante ocorre por ação de alguns compostos com atividade similar à trombina, com transformação do fibrinogênio sérico em fibrina, principalmente a giroxina, alongando o tempo de coagulação (TC), ou mesmo tornando o sangue incoagulável. Além disso, foi verificado que a convulxina aumenta a agregação plaquetária. Todavia, diferentemente do acidente botrópico, a ocorrência de hemorragia é rara, pois não existe neste veneno a presença das metaloproteases. A ação miotóxica (rabdomiólise) decorre das frações crotoxina e crotamina, produzindo ruptura de organelas. Sistemicamente, são observados focos de fibras necróticas esparsas misturadas a fibras aparentemente normais, podendo evoluir para rabdomiólise e miosite necrótica focal, resultando em mioglobinemia e mioglobinúria. Portanto, deve ser ressaltado que em pacientes acidentados, não se observa hemólise in vivo como se pensava antigamente, Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018 9 e, portanto, não ocorre hemoglobinemia nem hemoglobinúria. Manifestações clínicas O paciente picado por cascavel não apresenta alterações locais e relata apenas parestesia na área da picada. Os sinais clínicos do acidente crotálico são: paralisia flácida da musculatura (paralisia motora) inclusive paralisia facial e diafragmática, sedação, facies neurotóxicos, ptose palpebral (uni ou bilateral), flacidez de musculatura da face, dispneia, insuficiência respiratória, dor muscular generalizada (após 48h) e mioglobinúria (a coloração da urina varia de avermelhada a marrom escura e não surge antes de 12h). Casos graves podem apresentar diminuição do nível de consciência, convulsões e até insuficiência respiratória. A gravidade do acidente pode ser classificada como leve, moderada ou grave (Tabela 1). Vários fatores afetam a gravidade do acidente, como idade, peso e estado geral da vítima, quantidade de veneno inoculada, número de picadas, local da picada e tempo até o início do tratamento. Tabela 1. Classificação clínica da gravidade do acidente crotálico. Manifestações clínicas Gravidade do envenenamento Leve Moderada Grave Sinais neurotóxicos Ausentes ou tardias Presentes Evidentes Mioglobinúria Ausente Ausente ou presente Presente Oligúria ou anúria Ausente Ausente ou presente Presente Provas de coagulação Normal ou aumentado Normal ou aumentado Aumentado incoagulável O acidente crotálico pode ter, como complicações, a insuficiência renal aguda (IRA) e a insuficiência respiratória aguda. A IRA é a principal causa de morte dos pacientes picados, geralmente ocorrendo nos casos graves ou tratados tardiamente. A dispneia com insuficiência respiratória é atribuída à paralisia muscular transitória. Achados laboratoriais Observa leucocitose frequentemente, com valores acima de 15.000/ul de sangue. As alterações hemostáticas são aumento no tempo de coagulação (TC) ou não coagulação do sangue, aumento no tempo de protrombina (PT) e no tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA), redução na concentração plasmática de fibrinogênio e redução da velocidade de hemossedimentação. O aumento acentuado das atividades séricas de creatinafosfoquinase – CK (acima de 100.000 UI/L), lactato desidrogenase – LDH (aumento mais tardio) e aspartato aminostransferase (AST) e, a ocorrência de mioglobinúria são consequência da rabdomiólise. O aumento nas concentrações séricas de ureia e creatinina com oligúria ou anúria ocorrem nos casos em que há lesão renal. O exame de urina pode revelar mioglobinúria e proteinúria. Alterações patológicas À necropsia, o local da picada pode apresentar discretoedema subcutâneo, com raras petéquias e sufusões na musculatura cardíaca. Histologicamente, as lesões descritas incluem degeneração hialina nas fibras musculares, degeneração de células de alguns túbulos uriníferos no córtex renal e discreta vacuolização de hepatócitos das zonas centrais e intermediárias do lóbulo hepático. Diagnóstico O diagnóstico clínico dever ser feito pelo histórico, quadro clínico apresentado e achados de patologia clínica. A confirmação do diagnóstico pode ser realizada pela detecção do veneno circulante por meio de teste ELISA. Cadernos Técnicos de Saúde, no 05 - Junho de 2018 10 Tratamento O tratamento específico é feito com o soro anticrotálico, administrado por via intravenosa o mais rapidamente possível. O paciente deverá ser monitorado após a soroterapia por meio de TC, TTPA, TP e da concentração plasmática de fibrinogênio, além da avaliação da depressão neurológica. Diversas medidas de suporte deverão ser empregadas. A sondagem vesical é indicada para evitar a retenção urinária em decorrência da atonia vesical. É importante a hidratação com cristaloides, com o objetivo de manter o débito urinário três a quatro vezes o esperado por pelo menos 48h, para prevenção da IRA. A intubação endotraqueal e o suporte ventilatório mecânico podem ser necessários nos casos que evoluírem com grande depressão do sensório e /ou insuficiência respiratória aguda. Prognóstico A recuperação completa pode tardar uma semana ou mais, podendo ocorrer complicações durante este período de evolução. Nos acidentes graves, com IRA por necrose tubular aguda, o prognóstico é reservado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE FILHO, A. In:. Toxicologia na Prática Clínica. 2ª ed., Belo Horizonte: Folium, 2013. 675p. ALEXANDER G, GROTHUSEN J, ZEPEDA H, SCHWARTZMAN RJ. Gyroxin, a toxin from the venom of Crotalus durissus terrificus, is a thrombin-like enzyme. Toxicon. 1988;26(10):953– 960. doi:10.1016/0041-0101(88)90260-7. AMARAL CFS, MAGALHÃES RA, REZENDE NA de. Comprometimento respiratório secundário a acidente ofídico crotálico (Crotalus durissus). Rev Inst Med Trop São Paulo. 1991;33(4):251–255. doi:10.1590/S0036-46651991000400002. AZEVEDO-MARQUES MM, CUPO P, COIMBRA TM, HERING SE, ROSSI MA, LAURE CJ. Myonecrosis, myoglobinuria and acute renal failure induced by south american rattlesnake (Crotalus durissus terrificus) envenomation in Brazil. Toxicon. 1985;23(4):631–636. doi:10.1016/0041- 0101(85)90367-8. AZEVEDO-MARQUES MM, HERING SE, CUPO P. Acidente crotálico. In: Cardoso JLC, França FOS, Wen FH, Málaque CMS, Haddad Jr V, eds. Animais Peçonhentos no Brasil – Biologia, Clínica e Terapêutica dos Acidentes. 2nd ed. São Paulo: Sarvier; 2009:108–115. FRANCISCHETTI IMB, SALIOU B, LEDUC M, et al. Convulxin, a potent platelet-aggregating protein from Crotalus durissus terrificus venom, specifically binds to platelets. Toxicon. 1997;35(8):1217–1228. doi:10.1016/S0041-0101(97)00021-4. GRANTSAU, R. As Serpentes Peçonhentas do Brasil. São Carlos: Vento Verde, 2013. 320p. MELGAREJO, A.R. Serpentes peçonhentas do Brasil. In: CARDOSO, J.L.C.; FRANÇA, F.O.S.; WEN, F.H.; MÁLAQUE, C.M.S.; HADDAD JR, V. (Ed). Animais Peçonhentos no Brasil – Biologia, clínica e terapêutica dos acidentes. 2.ed. São Paulo: Sarvier, 2009. p.42-70. YONAMINE CM, KONDO MY, NERING MB, et al. Enzyme specificity and effects of gyroxin, a serine protease from the venom of the South American rattle snake Crotalus durissus terrificus, on protease-activated receptors. Toxicon. 2014;79:64– 71. doi:10.1016/j.toxicon.2013.12.002. Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018 11 ESCORPIONISMO 1 Professor(a) da Escola de Veterinária da UFMG Soto-Blanco, B. 1 ; Melo,M.M. 1A R T IG O Contato: E-mail:benito.blanco@pq.cnpq.br marilia.melo@pq.cnpq.br Introdução Os escorpiões são artrópodes quelicerados da ordem Scorpiones, com cerca de 1.500 espécies agrupadas em 20 famílias e 165 gêneros, sendo a família Buthidae a de maior importância toxicológica. Estão distribuídos por todos os continentes, exceto a Antártida, mas a maior concentração está nas regiões tropicais e subtropicais. Habitam diversificados ambientes, incluindo desertos, cavernas profundas e altitudes superiores a 4.200 m, como nos Andes e Himalaia. O corpo dos escorpiões é dividido em cefalotórax (prossoma) e abdome (opistossoma). Contam com quatro pares de patas torácicas e um par de palpos, mas não possuem antena. Os palpos funcionam como pinças, usadas para segurar e dominar as presas. A parte posterior do abdome (metassoma) é a falsa cauda, terminando no télson, que contêm um par de glândulas de veneno e o aguilhão ou acúleo (estrutura oca e muito fina que inocula a peçonha). A produção da peçonha pelos escorpiões tem por objetivo a alimentação (imobilização da presa e início da digestão) e defesa. A maioria das espécies possui hábito noturno, passando o dia escondidos em locais escuros. As espécies de escorpiões encontradas no Brasil pertencem a cinco gêneros: Isometrus, Ananteris, Microtityus, Rhopalurus e Tityus. No entanto, as espécies de interesse toxicológico de nosso país pertencem ao gênero Tityus, sendo as de maior importância: T. serrulatus, T. bahiensis, T. costatus, T. fasciolatus (Fig. 1), T. metuendus, T. silvestris, T. stigmurus, T. paraensis e T. trivittatus. A maior gravidade e frequência de acidentes ocorre com T. serrulatus (escorpião amarelo), seguido por T. bahiensis (escorpião marrom) e T. stigmurus (escorpião do Nordeste). De acordo com dados do SINAN, em 2014 foram registrados no Brasil, 88.410 casos, sendo o escorpionismo o acidente de maior incidência: 43,6 acidentes para cada 100.000 habitantes. Desse, 98 evoluíram para óbito (taxa de letalidade 0,11%). Os três estados com os maiores números de registros foram Minas Gerais (22%), São Paulo (14,2%) e Bahia (13,5%). Cadernos Técnicos de Saúde, no 05 - Junho de 2018 12 Devido ao alto número de notificações, a cidade de Belo Horizonte (MG) está localizada em local definido como “solo escorpionífero”, em especial por causa de T. serrulatus. Os escorpiões brasileiros não são agressivos, picando apenas quando tocados ou espremidos, em atitude defensiva. Figura 1 - Tityus fasciolatus (escorpião do cerrado). T. bahiensis é encontrado na região Sul e nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Goiás, enquanto T. stigmurus está distribuído pela região Nordeste. T. serrulatus na região Sudeste e nos estados do Paraná, Bahia e Goiás, mas tem-se verificado expansão em sua distribuição. Um fator que tem contribuído para isso é sua elevada prolificidade pela capacidade de realizar partenogênese. Assim apenas uma fêmea pode gerar sozinha uma população. Nos habitats onde aparece T. serrulatus, há redução das demais espécies por causa da prolificidade e do canibalismo. Os indivíduos dessa espécie, geralmente, não são encontrados sozinhos, mas, sim, vários, em locais muito próximos, ou até indivíduos com as costas cheias de filhotes. Por outro lado, a densidade de T. bahiensis é menor do que a de T. serrulatus. Os escorpiões se adaptaram muito bem às condições oferecidas pela presença humana. Nesse sentido, lixo, entulho, pilhas de tijolos e telhas, e sujeira, somados à alimentação farta (baratas e outros insetos) e umidade, criam ambiente perfeito para a fixação dos escorpiões. A falta de competidores e de predadores, como macacos, quatis, seriemas, sapos e rãs, também permite a rápida proliferação dos escorpiões, uma vez que esses fatores contribuem decisivamente, para o controle populacional das diferentes espécies. Composição e mecanismo de ação do veneno escorpiônico O número total de diferentes compostos presentes no veneno dos escorpiões foi estimado em 100.000, sendo que apenas 1% é conhecido. A composição da peçonha dos escorpiões é variável entre as espécies e, também, entre os indivíduos e regiões geográficas, emdecorrência das condições ambientais e tipo de alimentação. É constituída por uma mistura complexa de diferentes concentrações de proteínas com atividades hialuronidásica, fosfolipase A2, neurotoxinas principalmente sódio-dependentes, cardiotoxinas e liberadores de fosfodiesterases, endotelina, peptídeo natriurético, serotonina, citocinas, prostaglandinas, bradicininas, histamina, fatores necróticos tumorais (TNF) e fatores de ativação plaquetária. As neurotoxinas escorpiônicas agem nos canais iônicos promovendo a despolarização nervosas pós-ganglionares em praticamente todo o organismo. Mantêm uma abertura prolongada provocando disparos repetitivos dos neurônios simpáticos e parassimpáticos, causando sintomatologia de hiperexcitação autossômica e neuromuscular. Ocorre liberação maciça de adrenalina, noradrenalina, acetilcolina, glutamato e aspartato, responsáveis pelas principais manifestações clínicas. Toxicocinética Alguns estudos de toxicocinética foram conduzidos para demonstrar que a absorção do veneno após a inoculação é rápida. A distribuição da toxina do sangue para os tecidos também é rápida, alcançando, Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018 13 rapidamente, coração, pulmões e rins. Há importantes diferenças na toxicocinética entre jovens e adultos, sendo que nos jovens a absorção e a distribuição são mais rápidas e a eliminação é mais lenta. Fisiopatologia do escorpionismo A peçonha dos escorpiões promove a despolarização da membrana e a liberação de catecolaminas (noradrenalina e adrenalina) e acetilcolina pelas terminações neuronais nas sinapses pós-ganglionares por ativação de canais de Na+ no sistema nervoso periférico. Dependendo do neurotransmissor liberado e da fibra nervosa, os efeitos podem ser adrenérgicos ou colinérgicos. A adrenalina e a noradrenalina são responsáveis por aumento da pressão arterial, arritmias cardíacas, vasoconstrição periférica e, eventualmente, insuficiência cardíaca, edema pulmonar agudo e choque. A acetilcolina promove aumento das secreções lacrimal, nasal, salivar, brônquica, sudorípara e gástrica, tremores, espasmos musculares, mioses e redução da frequência cardíaca. Toxinas do veneno dos escorpiões também promovem ativação de receptores de taquicinina NK1. Há ativação de nervos sensitivos por ação nos canais de Na+, com liberação de neuropeptídeos, especialmente a substância P, agente sensibilizador de outras terminações nervosas afastadas do local lesionado. A ativação dos receptores NK1 resulta em contração da musculatura lisa intestinal e inflamação. Os receptores NK1 , presentes em mastócitos, quando ativados, promovem liberação de mediadores do processo inflamatório, incluindo o fator ativador de plaquetas (PAF), interleucinas IL-1, IL-2, IL-6 e IL-10 e leucotrienos. Esses mediadores podem ser responsáveis por edema pulmonar em decorrência do aumento da permeabilidade capilar pulmonar, além das alterações hemodinâmicas produzidas pela hipertensão. No estômago, a peçonha de T. serrulatus induz a liberação de acetilcolina e histamina, aumentando o volume gástrico, a secreção de pepsina e a produção de ácidos com a consequente redução no pH gástrico. A cimetidina e a atropina revertem estes efeitos. O veneno dos escorpiões do gênero Tityus deve ser considerado como responsável por moderada toxicidade reprodutiva. O veneno de T. serrulatus promoveu contração do útero de ratas não prenhas, provavelmente mediante liberação de acetilcolina e estimulação de receptores muscarínicos. Assim, é possível que esse veneno possa favorecer a ocorrência de abortamentos. Manifestações clínicas O escorpionismo deve ser sempre avaliado na primeira abordagem como atendimento de emergência, mesmo considerando que 90% dos quadros sejam considerados leves ,especialmente em crianças abaixo de seis anos de idade. A gravidade do acidente varia de acordo com a quantidade de peçonha aplicada, espécie do escorpião (T. serrulatus são os que promovem os quadros mais graves), condições do télson, número de ferroadas, a predominância dos efeitos (simpáticos ou parassimpáticos), peso e idade da vítima (jovens e idosos são mais sensíveis) e variação individual. Os casos podem ser classificados em leves, moderados e graves (Quadro 1). Uma característica comum do escorpionismo é o rápido início dos sinais clínicos após a picada, por causa da rápida distribuição dos componentes do veneno inoculado, e a gravidade pode ser determinada em até duas horas após o acidente. Há dor intensa no local, que inicia imediatamente após a picada, podendo ser de intensidade moderada apenas no local ou muito intensa, irradiando-se para todo o membro acometido. Pode ocorrer hiperemia que se caracteriza por mancha avermelhada no local da picada. Piloereção, sudorese e alterações térmicas podem estar presentes. As manifestações sistêmicas incluem lacrimejamento, rinorreia, náuseas, vômitos, sialorreia, agitação ou sonolência, taquicardia, taquipneia e Cadernos Técnicos de Saúde, no 05 - Junho de 2018 14 picos hipertensivos. Nos casos graves, também podem ser observados vômitos profusos, contínuos e até sanguinolentos, hipotermia, hipermotilidade gastrintestinal, taquicardia sinusal ou bradicardia, arritmias cardíacas, extra-sístoles, taquipneia, hiperpneia, ou bradipneia, hipertensão ou hipotensão arterial, insuficiência cardíaca congestiva, edema agudo do pulmão e choque. As principais manifestações neurológicas são agitação (crianças), tontura, cefaleia, nistagmo, ansiedade, delírio, desorientação, hemiplegia e/ou monoplegia (raras). As alterações neuromusculares tais como, tremores, mioclonias, contrações musculares e convulsões (prognóstico ruim) podem ocorrer nos casos graves. A morte geralmente ocorre por colapso cardiovascular, mas também pode decorrer de edema pulmonar. Quadro 1: Classificação da gravidade do acidente escorpiônico de acordo com os sinais clínicos observados. Classificação Sinais clínicos Leve Dor e paresteria locais Moderado Dor local intensa, náuseas, vômitos, sialorreia, agitação, taquicardia, taquipneia Grave Sinais da forma moderada associados a algum dos seguintes sinais: vômitos profusos, prostração, convulsões, bradicardia, insuficiência cardíaca congestiva, arritmias cardíacas, edema pulmonar, choque, coma Exames complementares Alguns exames são fundamentais, como o exame eletrocardiográfico (ECG) que deve ser seriado e revelar taquicardia sinusal com complexos ventriculares prematuros, marca-passo migratório, depressão do segmento ST e bloqueio atrioventricular. Ao exame ecocardiográfico, podem ocorrer alterações da função ventricular e da fração de ejeção, hipocinesia ventricular (graus variáveis), semelhante ao que ocorre na cardiomiopatia dilatada. Pode surgir vasoconstrição coronariana por ação das catecolaminas (liberação maciça), propiciando o comprometimento da perfusão coronariana miocárdica. Na bioquímica sanguínea, pode-se constatar hiperglicemia, hipocalemia, aumento das atividades séricas de amilase, creatinaquinase (CK), creatinaquinase fração MB (CK-MB), aspartato aminotransferase (AST) e lactato desidrogenase (LDH), e aumento sérico de troponina I, cortisol e insulina. No hemograma, pode ocorrer aumento no hematócrito, concentração de hemoglobina e número de eritrócitos, mas sem alteração nos índices hematimétricos, o que caracteriza policitemia relativa. Essa policitemia, provavelmente, é causada por contração esplênica por ação das catecolaminas, mas a desidratação também pode contribuir. Outro achado hematológico é a leucocitose por neutrofilia, que é atribuída à recirculação dos neutrófilos do compartimento marginal para o circulante, por ação das catecolaminas e de citocinas pró-inflamatórias. Também pode surgir, em casos graves, glicosúria, proteinúria e cetonúria. A trombose intravascular e coagulação intravascular disseminada ( CID ) tambémpodem estar presentes, provavelmente por ação das catecolaminas. Pode ocorrer alcalose metabólica compensatória à liberação de HCl estomacal ou acidose respiratória promovida pelo edema pulmonar. É importante realizar urinálise que poderá fornecer parâmetros de gravidade, como a eliminação de glicose e proteínas. Lesões patológicas Os achados macroscópicos incluem áreas de petéquias e equimoses difusamente distribuídas pela superfície dos pulmões e coração com área de coloração mais clara, em formato de cunha no ápice, sugestiva de infarto. As lesões histopatológicas descritas incluem alterações degenerativas das fibras musculares cardíacas, áreas necróticas com Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018 15 infiltração de polimorfonucleares, lesões hemorrágicas em subendocárdio, subepicárdio e pulmonares, e microtrombos em capilares decorrentes da CID. Nos pulmões pode ocorrer edema. No pâncreas, pode ocorrer degeneração citoplasmática em células acinares e pancreatite hemorrágica aguda. Diagnóstico O teste ELISA pode ser usado rotineiramente, para detectar antígenos circulantes do veneno em pacientes picados por T. Serrulatus. Esse teste é eficaz apenas em casos moderados e graves, pois possui sensibilidade insuficiente para detectar os antígenos em casos leves, com apenas dor no local da picada. Tratamento O tratamento inicial deve ser direcionado para o suporte de vida. O tratamento específico é feito com o soro antiescorpiônico específico (SAE) por via intravenosa. Deve ser feita o mais rapidamente possível, pois a presença de hialuronidases na peçonha torna a absorção das toxinas imediata. O uso do soro antiescorpiônico é seguro, sendo pequena a frequência e a gravidade das reações de hipersensibilidade precoce. Combater as manifestações clínicas e proporcionar alivio à dor. Todos os casos considerados graves requerem monitoração do paciente quanto às frequências cardíaca e respiratória, pressão arterial, oxigenação, estado de hidratação e equilíbrio hidroeletrolítico. O eletrocardiograma é importante ferramenta para o monitoramento cardíaco do paciente. Prognóstico O prognóstico do envenenamento escorpiônico quase sempre é bom, exceto nos quadros de intoxicações graves, principalmente em crianças. As complicações e os óbitos podem ocorrer nas primeiras 24 horas, consideradas críticas e que necessitam de acompanhamento clínico. Prevenção dos acidentes O combate aos escorpiões com praguicidas é pouco eficaz, pois eles se escondem em buracos e frestas, dificultando seu contato com o produto. No entanto, alguns cuidados podem ajudar a combater os escorpiões e, consequentemente, prevenir a ocorrência de acidentes, incluindo: • manter limpos os jardins, quintais e terrenos baldios; • eliminar baratas e cupins (alimentos dos escorpiões); • manter plantas distantes das paredes e, de preferência, em suportes de ferro que elevem os vasos do chão; • preservar os inimigos naturais dos escorpiões, como lagartos, galinhas, seriemas, corujas e lagartixas (os sapos se alimentam de escorpiões e , também , apresentam hábitos noturnos, mas podem causar acidentes, principalmente em cães). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBUQUERQUE, C.M.R.; BARBOSA, M.O.; IANNUZZI, L. Tityus stigmurus (Thorell, 1876) (Scorpiones; Buthidae): response to chemical control and understanding of scorpionism among the population. Rev. Soc. Bras. Med. 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M.1 , Soto-Blanco,B. 1A R T IG O Contato: E-mail: guilhermedcmartins@hotmail.com; marilia.melo@pq.cnpq.br, benito.blanco@pq.cnpq.br Introdução Existem mais de 30 mil espécies de aranhas descritas no mundo, sendo a grande maioria peçonhenta. De acordo com o Portal de Saúde (Ministério da Saúde do Brasil), os gêneros de importância em saúde pública são: Loxosceles (aranha-marrom), Phoneutria (aranha armadeira ou macaca) e Latrodectus (viúva- negra). Entre essas, a maior causadora de acidentes é a Loxosceles. Segundo dados epidemiológicos do Ministério da Saúde, há aumento assustador nos acidentes por aranhas em humanos no Brasil. Como exemplo, pode-se mencionar duas regiões do Brasil, Sul e Sudeste, onde estão concentrados mais de 90% desses acidentes: no Sudeste, ano 2000, foram registrados 1.438 acidentes e, no ano de 2016, 8.546. No Sul, ano 2000, foram registrados 1.427 acidentes e, no ano de 2016, 17.362 acidentes humanos foram notificados. Ou seja, em 2016 foram notificados cerca de 26.000 acidentes. Loxosceles spp O gênero Loxosceles é responsável por 40% dos acidentes humanos no Brasil cujo veneno apresenta elevada toxicidade. A síndrome clínica produzida pela picada dessa aranha é denominada de loxoscelismo e pode desenvolver-se de duas formas distintas: cutânea, caracterizada por alterações clínicas locais, com ferida dermonecrótica de difícil cicatrização; e a forma cutâneo-visceral, em que são observadas alterações sistêmicas importantes, como insuficiência renal aguda e distúrbios de coagulação sanguínea que podem resultar em óbito. Cadernos Técnicos de Saúde, no 05 - Junho de 201818 Aspectos biológicos As aranhas do gênero Loxosceles pertencem à família Sicariidae, composta por dois gêneros e 122 espécies. São popularmente conhecidas como “aranha marrom” por apresentarem coloração que varia do marrom claro ao marrom escuro. São aranhas de pequeno porte com tamanho corporal médio entre 8 a 15 mm de comprimento e patas alongadas que chegam a 30 mm. Apresentam dimorfismo sexual, sendo que o macho tem o corpo menor e patas mais longas que as das fêmeas. Algumas características específicas auxiliam na sua identificação, como o formato do cefalotórax semelhante à de um violino, e a disposição dos seis olhos, em pares, com um par frontal e outros dois laterais. Possuem hábito noturno e habitam locais intradomiciliares como móveis, porões e despensas e são consideradas aranhas pouco agressivas e sedentárias, por isso a maioria dos ataques ocorre quando acidentalmente comprimidas contra o corpo. Os acidentes ocasionados por sua picada já foram descritos na América, Europa, Ásia, África e Oceania. Muitas espécies já foram identificadas no Brasil, sendo L. laeta, L. intermedia, L. amazônica, L. hirsuta, L. similis e L. gaucho as de maior distribuição. Caracterização do veneno Estudos revelaram a presença de diversas enzimas no veneno da Loxosceles spp dentre as quais se destacam a fosfolipase-D, hiauloronidase e metaloproteases (Quadro 1). Quadro 1- Identificação e função das principais enzimas encontradas no veneno de Loxosceles ENZIMA FUNÇÃO Fosfolipase D (esfingomielinase D) Catalisa a hidrolise da esfingomielina, resultando na formação de ceramida- fostato e colina, capazes de produzir lesões dermonecróticas, hemólise e agregação plaquetária e leucocitária. Metaloproteases Apresentam atividade fibrinogenolítica e gelatinolítica, resultando em distúrbios hemostáticos. Hiaulunoridase Hidrólise do tecido conjuntivo e degradação do ácido hialurônico, facilitando a penetração dos componentes do veneno em vários compartimentos celulares e teciduais e contribuindo pelo espalhamento gravitacional da lesão. Manifestações clínicas As alterações cutâneas e viscerais observadas ocorrem devido a múltiplos fatores, envolvendo dano tecidual direto pelo veneno, injúria vascular secundária pela formação de microtrombos e liberação de enzimas pelos polimorfonucleares. A trombose da microvasculatura é, provavelmente, o evento inicial para a formação da ferida9. Por sua vez, a ação dos polimorfonucleares tem importância fundamental na inflamação e necrose observadas, uma vez que a depleção de seus componentes em cobaias inibiu hemorragia, infiltração de leucócitos e reduziu, acentuadamente, o edema no local de inoculação do veneno de Loxosceles. No entanto, sabe-se que a ação dos polimorfonucleares não é induzida, diretamente, pelo veneno e ,sim, por outros fatores intrínsecos do organismo. Os estudos de ativação celular pelo veneno loxoscélico sugerem que muitos mediadores pró-inflamatórios solúveis têm papel importante no desenvolvimento da lesão. Apesar de o veneno de Loxosceles ser uma mistura complexa de substâncias, sabe-se que a enzima com maior importância na dermonecrose é a fosfolipase D, que interage com a membrana celular, desencadeando reações, envolvendo o sistema complemento, plaquetas e leucócitos. Loxoscelismo cutâneo A apresentação cutânea ocorre em cerca de 80% dos acidentados e, na maior parte das vezes, é caracterizada por lesão dermonecrótica. A picada da aranha Loxosceles geralmente é indolor e pouco valorizada pelo paciente. Porém, nas primeiras seis horas após o acidente, observam-se, no local, edema e eritema. Após 24 horas, a lesão evolui com áreas equimóticas mescladas com palidez, chamada de placa marmórea”, por apresentar centro necrótico circundado por anel isquêmico esbranquiçado em um fundo eritematoso. Há alastramento gravitacional da lesão, aumento exacerbado do edema, dor e evolução para lesão dermonecrótica que pode ocorrer até uma semana após a injúria. A ferida evolui para uma úlcera geralmente dolorida e de difícil cicatrização, podendo demorar meses para a reparação completa. Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018 19 Figura 1 - Lesão dermonecrótica no dorso de coelho após inoculação de veneno de aranha Loxosceles laeta. Loxoscelismo cutâneo-visceral (cutâneo hemolítico) O loxoscelismo cutâneo visceral é menos comum (aproximadamente 15% dos casos), porém, além da lesão dermonecrótica, observam-se alterações que podem levar o paciente a óbito. As alterações clínicas e laboratoriais mais comuns incluem choque, icterícia, hemólise intravascular associada à hematúria e hemoglobinúria, trombocitopenia e leucocitose. As manifestações da hemólise são observadas, mais frequentemente, nos dois a três primeiros dias do acidente. Entretanto, podem ocorrer mais tardiamente, até na segunda semana pós acidente. A coagulação intravascular disseminada (CID) é evento incomum, e sua patogenia ainda não é bem esclarecida. O veneno de Loxosceles é capaz de promover agregação plaquetária e trombocitopenia horas após o envenenamento, devido ao consumo intenso de plaquetas no local da ferida, assim como possível ação direta e transitória do veneno na medula óssea. A observação do número de leucócitos na circulação sanguínea é variável e dependente do tempo de coleta após o envenenamento, assim como da dose do veneno aplicada. Geralmente observa-se leucopenia nas primeiras horas após o acidente relacionada à neutropenia. Esse fato ocorre pela migração massiva de neutrófilos para o tecido, horas após o acidente, resultando em decréscimo transitório de leucócitos na circulação sanguínea. A leucocitose é observada dias após o envenenamento, principalmente pelo aumento da produção medular. Os pacientes podem evoluir com insuficiência renal aguda (IRA) que ocorre pela ação direta do veneno, decorrente do edema glomerular e nefrose tubular, bem como pelo depósito de hemoglobina nos túbulos renais advindos da intensa hemólise intravascular. Além disso, a presença de rabdomiólise decorrente do extenso dano tecidual no local da picada deve ser considerada como fator adicional que pode contribuir para a IRA. Os efeitos nefrotóxicos do veneno são demonstrados com base nas alterações laboratoriais de pacientes acometidos que resultam em aumento de ureia e creatinina, proteinúria, hematúria e hemoglobinúria. Observou-se, também, ligação direta do veneno no coração e no fígado, associados ao aumento de creatinafosfoquinase (CK) e fração cardíaca (CK- MB), quatro horas após a inoculação de veneno de L. intermedia em camundongos, e das enzimas hepáticas seis horas após a inoculação, sugerindo ação tóxica do veneno nesses tecidos. Alterações histopatológicas Os achados histopatológicos mais importantes dependem do tempo de coleta do material após inoculação do veneno. Geralmente observa-se edema, trombose e áreas hemorrágicas iniciais, seguidos por infiltrado inflamatório predominantemente neutrofílico e necrose de coagulação na epiderme e derme. Diagnóstico O diagnóstico definitivo do loxocelismo dificilmente é baseado na identificação da aranha, já que, geralmente, a picada é indolor e depende da sua captura. Portanto, o diagnóstico ante mortem geralmente é presuntivo, baseado na anamnese, epidemiologia, sinais clínicos e perfil sanguíneo associados. Apesar de alguns testes imunodiagnósticos já terem sido descritos, não há exame complementar específico na rotina médica. Qualquer doença que leve à alteração cutânea e necrose tecidual local, deverá Cadernos Técnicos de Saúde, no 05 - Junho de 2018 20 ser considerada para fins de diagnóstico diferencial de loxoscelismo. Tratamento Na Medicina humana utiliza-se o soro antiloxoscélico (SALox) , ou o soro antiaracnídico (SAA), de acordo com protocolo médico de cada região. Segundo o Ministério da Saúde, sua utilização varia de 12 a 70% de acordocom a região do Brasil analisada. As recomendações para utilização do antiveneno dependem da classificação de gravidade. Os corticosteroides fazem parte do protocolo de tratamento do loxoscelismo humano no Brasil e a prednisona é a droga mais comumente prescrita. Em alguns casos são necessários analgésicos na primeira semana quando o quadro inflamatório e a dor são mais importantes. Em geral, dipirona é suficiente para controle da algia. Antihistamínicos também são indicados em casos com exantema e prurido (hidroxizina, loratadina, fexofenadina ou dexclorfeniramina). Os antibióticos são indicados e nos casos que evoluem com infecção secundária (cefalexina). Quando a área de necrose é muito extensa , indica-se cirurgia reconstrutiva a fim de promover e acelerar o processo cicatricial. A utilização profilática de fluidoterapia é indicada para evitar lesão renal mais grave e aumentar a taxa de filtração glomerular para se evitar depósito de hemoglobina nos túbulos renais. Na presença de oligúria, diuréticos devem ser administrados após correta hidratação. Phoneutria spp Introdução A aranha Phoneutria nigriventer, conhecida como armadeira (Fig. 2), possui comprimento médio do corpo de 3,5 cm e tamanho máximo da perna de 5,0 cm; abdômen preto e corpo coberto com pelo curto, castanho. O dorso tem padrões formados por pares de pontos de luz dispostos em faixas longitudinais e linhas oblíquas de menor ponto para o lado lateral. É extremamente agressiva, com hábitos noturnos e irregulares, caçando e alimentando de uma grande variedades de animais, incluindo muitas espécies de insetos, outras aranhas, pequenos roedores, etc. Figura 2 – Aranha armadeira (Phoneutria nigriventer). P. nigriventer não constrói teias e seu sucesso como predador é ,em parte ,explicado pela diversidade de potentes toxinas presentes no seu veneno. Esta aranha assume uma posição muito característica quando perturbada, ficando de pé sobre as patas traseiras, mantendo as pernas da frente levantadas mesmos se seus potenciais inimigos são muito maiores que ela, como os animais domésticos. Mecanismo de ação do veneno O principal efeito neurotóxico do veneno parece surgir a partir da sua ação sobre os canais de Na+ voltagem dependentes, os quais podem induzir a repetidos potenciais de ação nas membranas de nervos e de fibras musculares. A fração do veneno chamada de PnTx2 foi capaz de aumentar e facilitar a ativação dos canais de Na+, elevando a entrada de Na+ em sinaptossomas corticais, induzindo a despolarização de membrana, entrada de cálcio e glutamato, e liberação de outros neurotransmissores, como a acetilcolina. O veneno também é capaz de causar alterações morfológicas em fibras nervosas, como acúmulo de líquido no espaço periaxonal de fibras mielinizadas. Outro efeito do veneno é sua ação sobre as diversas classes de canais de cálcio, bloqueando a entrada deste em terminais nervosos, inibindo a liberação de neurotransmissores. Este bloqueio do influxo de cálcio é determinado por várias frações do veneno, como a PnTx-3 (toxinas de 1 a 6). Apesar de possuírem comportamento noturno, muitos dos acidentes ocorrem principalmente durante o dia, em ambientes domésticos , porque elas se escondem dentro de casa, sapatos e roupas. Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018 21 Mãos e pernas são os locais mais afetados em humanos. Manifestações clínicas A picada da Phoneutria causa dor acentuada e irradiante, e vários sintomas graves, caracterizados por cãibras, tremores, convulsões tônicas, paralisia espástica, priapismo, lacrimejamento, sialorreia, arritmias, distúrbios visuais e sudorese. Estes sintomas são,comumente, mais graves em crianças, e se esse envenenamento não for tratado, pode levar à morte. Envenenamentos graves também podem causar bradicardia, hipotensão arterial, insuficiência cardíaca, arritmias cardíacas, choque , dispneia, depressão neurológica de vários tipos, convulsões, edema pulmonar agudo e colapsos cardio-respiratórios. Exames complementares Podem ser solicitados hemograma, glicemia, ionograma, eletrocardiograma seriado e radiografia de tórax. Podem ser encontrados: leucocitose, hiperglicemia, arritmias e sinais sugestivos de edema agudo do pulmão. Tratamento Os casos leves, com presença de discretos sinais locais (eritema e edema) são tratados com analgésicos comuns. Também pode ser feita anestesia local, bloqueio com lidocaina a 2% sem vasoconstritor. Em casos de dores fortes , não responsivas a analgésicos comuns, poderá ser útil a aplicação de soro antiaracnídico (SAA), obviamente casos graves, especialmente em crianças. Latrodectus Introdução As aranhas da espécie Latrodectus curacaviensis conhecida como “viúva negra” são pequenas, com 2,0 cm de envergadura e 1,5 cm de corpo, sendo o macho ainda menor. Podem ser pretas com faixas vermelhas. Latrodectus geometricus, também conhecida como “viúva marrom”, tem o corpo marrom com desenhos geométricos claros: é a espécie mais comum, com maior distribuição geográfica no Brasil. Fazem teias ligando cantos e frestas de domicílios. Mecanismo de ação do veneno O veneno tem ação neurotóxica potente, com efeito central e periférico. É composto de peptídeos, fosfodiesterase, hialuronidase e possui importante fração neurotóxica denominada alfa-latrotoxina. Libera neurotransmissores adrenérgicos e colinérgicos por ação no Sistema Nervosos Autônomo, levando a alterações nos canais de sódio e potássio. Manifestação clínica Ocorre dor no local da picada (15 a 60 minutos após), sudorese, mialgia, eritema escleral, câimbras, dor abdominal, arritmias cardíacas, fasciculações musculares, contrações dos membros e convulsões nos casos graves. Exames complementares Leucocitose, hiperglicemia e alterações de ECG (fibrilação atrial e bloqueio átrio-ventricular). Tratamento Sintomático: analgésicos em casos de dor, benzodiazepínicos e anticolinesterásicos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARBARO, K.C; KNYSAK, I; MARTINS, R. et al. Enzymatic characterization, antigenic cross-reactivity and neutralization of dermonecrotic activity of five Loxosceles spider venoms of medical importance in the Americas. Toxicon, v.45, p.489-499, 2005. 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Soto-Blanco,B.1, Melo, M.M.1 A R T IG O Contato: E-mail: benito.blanco@pq.cnpq.br marilia.melo@pq.cnpq.br Introdução As abelhas Apis mellifera são híbridas africanizadas, resultantes de cruzamento entre abelhas europeias e africanas. Caracterizam-se pelo marcante comportamento defensivo, com ataques em massa. O ferrão é uma modificação do aparelho ovopositor e está presente apenas nas fêmeas das abelhas. O veneno é produzido por células da glândula do veneno e injetado no momento da ferroada. Quando o ferrão é introduzido, ele fica preso junto com a glândula do veneno no local da ferroada e permanece liberando gradualmente o veneno. A perda do ferrão e estruturas associadas são fatais para a abelha. Cada abelha pode desferir apenas uma ferroada, mas como são insetos socais, a aproximação à colmeia pode resultar no ataque de grande número de abelhas. Composição do veneno O veneno das abelhas é composto pelas enzimas fosfolipase A2 e hialuronidase, pelos peptídeos melitina, apamina, peptídeo degranulador de mastócitos (PDM) e outros peptídeos, e aminas biogênicas. A concentração dos diferentes componentes do veneno é diretamente influenciada pela idade da abelha. A fosfolipase A2 promove a desestruturação da membrana citoplasmática por destruição de fosfolípides nela presentes, resultando em lise celular. A hialuronidase promove a difusão do veneno pelos tecidos por meio da hidrólise do ácido hialurônica, afetando as junções celulares. As fosfolipases, melitina e hialuronidase são os principais compostos alérgenos que predispõem às reações de hipersensibilidade. O peptídeo melitina é a toxina mais abundante do veneno das abelhas, constituindo-se em cerca de metade do peso seco deste veneno. Atua de forma sinérgica com a fosfolipase A2, promovendo danos nas membranas celulares e mitocondriais de diversos tipos celulares. O ácido araquidônico pode ser liberado em consequência Cadernos Técnicos de Saúde, no 05 - Junho de 2018 24 do dano celular. A apamina, outro peptídeo presente no veneno das abelhas, afeta o sistema nervoso central e periférico mediante ativação dos receptores muscarínicos inibitórios M2 e bloqueio dos canais de potássio ativados por cálcio, mas sua importância clínica ainda é incerta. O PDM atua sobre mastócitos e basófilos, promovendo a liberação de histamina, serotonina, produtos da quebra do ácido araquidônico e fatores com ação em plaquetas e eosinófilos. Os peptídeos secarpina, tertiapina e procamina , provavelmente, não apresentam importância toxicológica e teriam a função de repelir outros insetos. As aminas biogênicas presentes no veneno das abelhas são a histamina, a serotonina, a dopamina e a noradrenalina. A quantidade de histamina presente no veneno é muito menor do que aquela liberada por ação do PDM, servindo como proteção contra outros insetos. Manifestações clínicas O acidente por abelhas pode causar três tipos de reações: local, tóxica sistêmica e anafilática. A reação local ocorre quando o paciente sofre uma ou poucas ferroadas. Vítimas de enxame, podem chegar ao pronto-atendimento com abelhas nas narinas, boca, ouvidos e cabelos. Os efeitos são restritos ao local do ataque, com rápida instalação de dor, eritema e edema, que podem persistir por algumas horas ou, eventualmente, dias. A área mostra uma zona central clara, onde se encontra o ferrão, circundado por um halo avermelhado. Alguns pacientes desenvolvem edema progressivo acometendo todo o membro 24 a 48 horas após. A reação tóxica sistêmica manifesta após múltiplas picadas (mais de 100 picadas), com inoculação de grande quantidade de veneno. Pode-se observar agitação psicomotora, vômitos, diarreia, dispneia, hemoglobinúria, icterícia, convulsões, depressão do sistema nervoso central, hipertermia e choque. Esses pacientes podem evoluir para insuficiência renal aguda (IRA). A IRA resulta de necrose tubular aguda tóxico-isquêmica. A rabdomiólise instala-se rapidamente, com deposição de mioglobina na urina (podendo torná-la escura em alguns casos). Raramente, ocorre comprometimento cardíaco secundário (vasoespasmo coronariano e infarto agudo do miocárdio). A reação anafilática é reação do sistema imunológico em indivíduos sensíveis que foram anteriormente picados e pode ser desencadeada por uma única ferroada. Outros sinais clínicos associados à reação anafilática incluem angioedema, prurido e urticária. Nos casos graves potencialmente fatais, há edema de glote e broncoespasmo. Achados laboratoriais Os achados da hematologia incluem anemia regenerativa com hemoglobinemia, leucocitose com neutrofilia e desvio à esquerda e trombocitopenia.Na bioquímica observa-se aumento sérico de alanina aminostransferase (AST), creatinofosfoquinase (CK) e da fração miocárdica (CK-MB). Também são observadas elevação de bilirrubinas, ureia e creatinina. A urinálise pode revelar hemoglobinúria e/ou mioglobinúria. Ionograma e gasometria arterial também são úteis na abordagem de distúrbios hidro-eletrolíticos e ácido- básicos. O nível sérico de lactato é importante para avaliação do tratamento do choque. Achados patológicos Na reação tóxica sistêmica, os achados necroscópicos incluem ferrões encravados na pele, icterícia generalizada, fígado de coloração alaranjada e rins escurecidos. Microscopicamente, podem ser observados necrose de hepatócitos centrolobular e nefrose hemoglobinúrica. Tratamento Administração de anti-histamínicos, analgésicos e compressas geladas para diminuição da dor e do edema. Também pode ser usado corticoterapia oral de curta duração. As convulsões podem ser controladas com benzodiazepínicos. O tratamento das reações anafiláticas deve ser feito com medidas iniciais de ABC: via área pérvia, oxigenoterapia em alto fluxo, intubação endotraqueal ou cricotireoidomia de urgência. Deve-se monitorar com oximetria de pulso, pressão arterial não-invasiva e eletrocardiografia contínua. A adrenalina é a droga de primeira linha para tratamento dos casos graves. Em qualquer caso de ferroada por abelhas, o ferrão deverá ser removido da pele. Como a glândula associada ao ferrão que ficou na pele pode ainda conter veneno, deve-se tomar cuidado para não comprimir a glândula. Assim, a remoção dos ferrões deverá ser feita por meio de raspagem. Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018 25 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS GWALTNEY-BRANT, S.M.; DUNAYER, E.; YOUSSEF, H. Terrestrial zootoxins. In: GUPTA, R.C. (Ed). Veterinary Toxicology. 2.ed. Londres: Academic Press, 2012. p.969-992. LAMY, C.; GOODCHILD, S.J.; WEATHERALL, K.L. et al. Allosteric block of KCa2 channels by apamin. J. 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Alguns deles são produzidos sob estímulo para determinar a estabilidade, sobrevivência e a regulação necessária dos neurônios periféricos em seus territórios de inervação. Muitos estudos apontam importantes atuações na plasticidade neural. Avanços atuais da neurociência permitem analisar, em pormenores, sua atuação e seu potencial terapêutico. Muitas esperanças são atribuídas em pesquisas que envolvem a ação de fatores neurotróficos como possíveis acionadores da diferenciação de células tronco pluripotentes e embrionárias, recursos inesgotáveis de possibilidades para a reversão de quadros ou déficits neurológicos considerados irreversíveis. Merece importância ,também , o fator neurotrófico derivado da glia (GDNF), para reversão de lesões medulares. Palavras-chave: fatores neurotróficos, regeneração, terapias. 1. FATORES NEUROTRÓFICOS E SUAS FUNÇÕES GERAIS Os fatores neurotróficos constituem grupo heterogêneo de polipeptídios solúveis, que atuam na sobrevivência, diferenciação, manutenção interna e, quando possível, na regeneração axonal de fibras nervosas, altamente organizadas e especializadas em ambos os sistemas nervosos central e periférico. Agem através do acoplamento em receptores específicos, expressos por terminações nervosas amplamente distribuídas e podem ser sintetizados e liberados tanto por neurônios quanto por células efetuadoras, em caráter parácrino e autócrino, de forma não constitutiva (SOFRONIEW, 2001; LEPOUSEZ, 2015; MEIRELLES, 2017). No SNC (sistema nervoso central), apesar da vasta abundância de células capazes de produzi-los, a regeneração é considerada baixa ou ineficiente, o que em parte pode ser atribuído pela ausência de matriz extracelular, devido ao alto grau de compactação das células dos estratos de formação de tratos e fascículos do tecido Cadernos Técnicos de Saúde da FASEH, no 05 - Junho de 2018 27 nervoso central (SULLIVAN, 2016). Nesse contexo, a presença da matriz extracelular é fator importante no processo regenerativo. A ausência de matriz extracelular, torna os fatores neurotróficos incapazes de se difundir e serem distribuídos até serem captados por receptores ativos expressos em partes específicas das células lesadas.Em contrapartida, o SNP (sistema nervoso periférico) apresenta condições favoráveis à regeneração de fibras nervosas periféricas perdidas ou lesionadas, associado à abundante presença de líquidos intersticiais que determinam a facilidade de difusão desses fatores solúveis, distribuídos de forma contínua e eficiente, captados por células-alvo de diferentes tipos (MEIRELLES, 2017). Células-alvo de neurônios, além de células gliais, fibroblastos e fagócitos podem constituir suporte trófico necessário durante os processos de regeneração de fibras nervosas e já é bem demonstrado que os níveis de fatores neurotróficos diferem daqueles encontrados no tecido não lesado. Após secção ou diminuição de fibras nervosas periféricas, a expressão destes fatores encontra-se significativamente aumentada, com retorno aos padrões normais após cessar o processo de regeneração axonal.Muitas vezes, as lesões no sistema nervoso central são graves, de difícilrecuperação ou mesmo irreversíveis. Do ponto de vista clínico, tornam-se importante pesquisas que levem a tratamentos ou procedimentos clínicos que restaurem o estado funcional, principalmente no contexto de lesões medulares. Diversos fatores expressos por essas células são importantes no processo regenerativo associado a atividades estimulatórias e também inibitórias, tendo até mesmo o trauma e a neuroinflamação como ponto de partida (TOMÀS, 2017; MEIRELLES, 2017). Por suas inúmeras ações, os fatores neurotróficos têm sido alvo de estudos que buscam definir potenciais terapêuticos no tratamento de doenças neurodegenerativas e a explicação básica tem relação com três principais fenômenos específicos que devem ocorrer após a lesão do sistema nervoso: atuação efetiva do sistema imune e mediadores da imunidade inata, síntese e liberação gradativa de fatores neurotróficos, captação de fatores neurotróficos pelas fibras lesadas. 2.TIPOS ESPECÍFICOS COM ÊNFASE NO NGF (FATOR DE CRESCIMENTO NEURAL) Os fatores neurotróficos podem ser divididos em duas principais famílias, de acordo com sua homologia estrutural: a das neurotrofinas (NT) e a do fator neurotrófico derivado da glia (GDNF), cujos componentes podem agir de forma isolada ou conjuntamente nos processos regenerativos do sistema nervoso.A família das neurotrofinas (NT) é formada por peptídeos de grande homologia, inicialmente sintetizadas com pró-neurotrofinas. Essas são posteriormente clivadas para a formação das proteínas biologicamente ativas, tornando-se, então, dímeros moleculares covalentes. Os principais representantes das neurotrofinas incluem o fator de crescimento neural (NGF), o mais amplamente investigado; o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF), recentemente descrito como ativador, estabilizador e recompositor de fibras lesionadas, e as neurotrofinas 3, 4 e 5 (NT 3, 4 e 5). Dois membros foram isolados e identificados apenas em peixes. O NGF (fator de crescimento neural) é , sem dúvida , o fator mais estudado. Foi isolado e identificado com fator difusível que promove o crescimento de dendritos provenientes de neurônios simpáticos e sensitivos (MONTALCINI, 2004) em um experimento clássico sobre regeneração neural in vitro. Desempenha importante papel no desenvolvimento, diferenciação, sobrevivência de neurônios simpáticos de sensitivos provenientes da crista neural (revisão em SOFRONIEW et al., 2001). O NGF é protótipo constituído de 118 aminoácidos e possui peso molecular de 130Kda. Sua molécula é composta de 3 subunidades (α,β,γ). A subunidade β é a responsável pela manutenção biológica e a subunidade γ que, por si só, é uma protease responsável pela transformação do transcrito inicial pró-NGF em sua forma ativa. A subunidade α não tem função desempenhada ainda conhecida (TOMÀS, 2017). CAPTAÇÃO E AÇÕES ESPECÍFICAS DAS NEUROTROFINAS As neurotrofinas exercem múltiplas funções e ações já estabelecidas em células efetuadoras, possuindo afinidade por duas classes de receptores: os pertencentes à família das tirosino-cinases A, B e C (TrKA, TrKB e TrKC) pelo receptor p75 da superfamília de receptores para o fator de necrose tumoral (TNF). Esse último representante associado às funções de ordem inflamatória. Todas as neurotrofinas descritas ligam-se, especificamente, ao receptor p75, porém com diferentes cinéticas de ligação e menor afinidade em comparação aos receptores TrK. Esses têm como característica principal a presença de domínios tirosino-cinases desencadeadores da transdução de sinais específicos intracelulares ativados por autofosforilação, que promovem o equilíbrio das dinâmicas estabelecidas pelos neurônios em domínios específicos. A molécula Cadernos Técnicos de Saúde, no 05 - Junho de 2018 28 de NGF liga-se ao receptor TrKA, o BDNF e a NT4 e 5 ligam-se à TrkB enquanto NT3 liga-se a TrKC e, alternativamente, ao receptor TrK A. O receptor TrKA desencadeia, predominantemente, a ativação de fostatidilinositol-3 cinase (IP3-K) em situações envolvendo a indução da sobrevivência dos neurônios, enquanto TrkB pode desencadear vias diferentes de sinalização, tanto por IP3-K quanto por cinases ativadas por mitógenos (MAPquinases). O p75 intracelular é a principal molécula envolvida na modulação da expressão das neurotrofinas. Estudos in vitro e em camundongos demonstram que a expressão de p75 confere maior seletividade de ligação e maior intensidade de atuação dos receptores TrK. Embora o receptor p75 e TrK tenham afinidade de ligação, existem evidências da formação de complexos interativos na ausência de ligantes. Sabe-se que o complexo NGF/ receptor TrK é captado por endocitose pela terminação nervosa lesada e, muitas vezes, acumulado no pericárdio mediante transporte axonal retrogrado (LEPOUZES, 2015). Muitos estudos comprovam ações do NGF no SNC, diretamente sobre fibras colinérgicas do prosencéfalo basal, núcleo caudado e putâmen em processos regenerativos (revisão em SOFRONIEW et al. , 2001). No SNC de adultos, está envolvido em processos de plasticidade neural, sendo diretamente associado à sobrevivência de neurônios colinérgicos. No SNP suas ações podem ser analisadas em neurônios simpáticos e sensitivos derivados da crista neural. Em contrapartida, o NGF pode estar associado também à apoptose desses neurônios. Os efeitos promovidos pela ligação do NGF em células da glia, como células de Schwann e oligodendrócitos são reconhecidos como pró- apoptóticos, quando procedente da ligação de p75, mas dependem da intensidade da ligação e interação entre os receptores TrK (MITRE, 2017). As células que produzem fatores neurotróficos, situadas nos tecidos e órgãos, podem ser fonte de NGF. Portanto, o nível de NGF sintetizado pelo órgão ou tecido correlaciona-se com a densidade de sua inervação simpática. Muitos tipos celulares distintos são capazes de produzir NGF, tanto durante o desenvolvimento quanto na vida adulta. Dentre essas podemos citar as células gliais, queratinócitos, melanócitos, células musculares lisas, fibroblastos, cardiomiócitos. Também ocorre síntese em gônadas e glândulas como paratireoides e submandibulares, que,classicamente, são descritas como fonte de NGF, sendo produzido e armazenado nos túbulos contorcidos granulosos das glândulas submandibulares (LEVI-MONTALCINI,R.; ANGELETTI, P.V. 1968) Curiosamente, as outras glândulas não são fonte de NGF e não se sabe o porquê exatamente sintetizam NGF e liberaram pela saliva. Sabe-se , portanto , que o animal ferido espalha saliva no ferimento e isto é intrigante no contexto biológico. Vale ressaltar também que é preciso entender as múltiplas ações e suas relações específicas com ativação de células tronco embrionárias e pluripotentes, capazes de responder, mais rapidamente, a suas ações e por sua vez levarem a processos regenerativos mais complexos, como os de perda de áreas do SNC. ESTRATÉGIAS TERAPÊUTICAS E FATORES NEUROTRÓFICOS Como já dito anteriormente, muitos estudos atuais evidenciam potencial na utilização correta de fatores neurotróficos para fins terapêuticos gerais. Alguns resultados apontam que a neuro-inflamação induzida por trauma encefálico, por exemplo, induz respostas imprescindíveis no tecido lesado, associados à liberação ou utilização do BDNF por fibras lesadas do encéfalo, como resultado da existência de mecanismos endógenos neuroprotetores durante lesão traumática. O BDNF tem efeito restaurador através de associações diretas entre outros mediadores inflamatórios como IL- 1, IL-1β, IL-6, TNF-α e espécies reativas de oxigênio (ROS), principalmente em troncos perivasculares do SNC, micróglia e pericitos (MEIRELLES et al, 2017). Nesse contexto, revelam potencial de utilização do BDNF, conjugado a outras moléculas como alvos de investigação e vêm propondo modelos que exploram a possibilidade de uso desses fatores como estratégias clínicas. Um deles é a utilização de secretomas
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