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Objetivos 1) Diferenciar veneno, tóxico e peçonha. 2) Caracterizar os efeitos/ações das peçonhas das principais “espécies” de serpentes encontradas no Brasil (elapídico, laquético, crotálico e botrópico). 3) Identificar as manifestações clínicas (locais e sistêmicas) e as complicações (locais e sistêmicas) decorrentes da ação das peçonhas de serpentes. 4) Listar os principais animais peçonhentos, descrevendo a frequência e gravidade dos acidentes (epidemiologia: local da picada, sexo, faixa etária, época do ano, letalidade, etc.). 5) Caracterizar soro antiofídico (tipos, doses recomendadas, contraindicações, controle e disponibilização). 6) Identificar as condutas terapêuticas gerais na abordagem do paciente que sofreu o acidente ofídico, descrevendo como é feita a notificação desses acidentes. 1. Veneno, tóxico e peçonha. REFERÊNCIA: Fundamentos em Toxicologia – Casaret e Doull Animais peçonhentos são capazes de produzir um veneno em um grupo de células ou uma glândula exócrina altamente desenvolvida e podem liberar suas toxinas durante o ato da mordida ou picada. Animais venenosos não têm mecanismo ou estrutura para inocular seus venenos, e as intoxicações geralmente ocorrem por meio de sua ingestão. REFERÊNCIA: BRASIL. Ministério Da Saúde. Fiocruz. Animais Peçonhentos e Venenosos. Série Prevenindo Intoxicações. SINITOX/CICT/FIOCRUZ. Peçonhas: as peçonhas das serpentes são misturas altamente variáveis e complexas de enzimas, polipeptídeos de baixo peso molecular, glicoproteínas e outros constituintes. Animais peçonhentos são capazes de produzir um veneno em um grupo de células ou uma glândula exócrina altamente desenvolvida e podem liberar suas toxinas durante o ato da mordida ou picada. São aqueles que possuem glândulas de veneno que se comunicam com dentes ocos, ou ferrões, ou aguilhões, por onde o veneno passa ativamente. Ex.: serpentes, aranhas, escorpiões, abelhas, arraias. Venenos (ou peçonhas) são muito complexos, contendo polipeptídeos, proteínas de alto e baixo peso molecular, aminas, lipídeos, esteroides, glucosídeos, aminopolissacarídeos, quinonas e aminoácidos livres, bem como serotonina, histamina e outras substâncias. Um veneno é qualquer agente capaz de produzir uma resposta prejudicial em um sistema biológico. Praticamente todas as substâncias químicas conhecidas têm o potencial de produzir lesão ou morte caso estejam presentes em quantidade suficiente. Veneno: Agente tóxico que altera ou destrói as funções vitais e, segundo alguns autores, é termo para designar substâncias provenientes de animais, com função de autodefesa ou predação. Veneno: Termo de uso popular que, embora em princípio, possa ser utilizado como sinônimo de agente tóxico, é reservado especificamente para designar substâncias de origem animal ou vegetal, utilizadas para autodefesa ou predação, como o caso dos venenos ofídicos, de abelhas, entre outros. Animais venenosos não têm mecanismo ou estrutura para inocular seus venenos, e as intoxicações geralmente ocorrem por meio de sua ingestão. São aqueles que produzem veneno, mas não possuem um aparelho inoculador (dentes, ferrões) provocando envenenamento passivo por contato (taturana), por compressão (sapo) ou por ingestão (peixe baiacu) O termo toxina geralmente se refere a uma substância tóxica produzida por sistemas biológicos, como plantas, animais, fungos ou bactérias. Agente Tóxico ou Toxicante: Entidade química capaz de causar dano a um sistema biológico, alterando uma função ou levando-o à morte, sob certas condições de exposição. Toxina: Substância tóxica produzida por um organismo vivo (microorganismo, planta ou animal). 2. Efeitos/ações das peçonhas das principais “espécies” de serpentes encontradas no Brasil (elapídico, laquético, crotálico e botrópico). REFERÊNCIA: Cecil – Medicina Clínica Patogenia: Peçonhas de cobra são toxinas complexas e frequentemente consistem de vários componentes que imobilizam e digerem a presa. Os efeitos do veneno podem ser neurotóxicos, cardiotóxicos, hemotóxicos ou miotóxicos, e a presença ou ausência de componentes específicos pode ser variável mesmo dentro de uma única espécie. Edema local e hematomas após a mordida são causados pelo aumento da permeabilidade vascular, como resultado de danos às células endoteliais, e são mediados por hidrolases, proteases, fosfolipase A2, toxinas polipeptídicas, metaloproteinases e a liberação de autacoides endógenos, tais como bradicinina e histamina. Cobras das famílias Viperidae e Elapidae são primordialmente responsáveis por esses efeitos na América do Norte. Alterações hemostáticas são frequentes e variadas. Pró-coagulantes ativam fatores V, IX, X; proteína C (víboras de Russell); e protrombina (víboras), e clivam o fibrinopeptídio A do fibrinogênio. Ativadores fibrinolíticos resultam num quadro semelhante ao de coagulação intravascular disseminada (CIVD), sem elevação de D-dímero (cascavéis da América do Norte). As hemorraginas lesam o endotélio e aumentam as chances de sangramento grave, especialmente após mordidas de víboras. Hemólise intravascular pode ocorrer após mordidas de Bothrops na América do Norte e Central (p. ex.,a fer-de-lance) e outras espécies, resultando em anemia grave e insuficiência renal aguda. A paralisia é a principal função de muitos tipos de peçonhas das famílias Elapidae, Viperidae e Hydrophiidae. Neurotoxinas pré-sinápticas (B-bungarotoxinas, crotoxina e taipoxina) impedem a liberação de acetilcolina, e toxinas pós-sinápticas (alfa-bungarotoxinas e cobrotoxina) ligam-se aos receptores acetilcolínicos na placa motora. Rabdomiólise ocorre mais comumente pelas neurotoxinas pré-sinápticas de serpentes-marinhas, mas miotoxinas também foram encontradas em elapídeos australasianos, víbora de Russell e algumas cascavéis. O quadro geralmente evolui para insuficiência renal aguda, hipercalemia e morte. Outros mecanismos envolvidos na insuficiência renal aguda após esses acidentes incluem uma toxina nefrotóxica, hemoglobinúria decorrente de hemólise intravascular maciça, hipotensão e CIVD. Toxinas que não ocasionam a imobilização da presa por neurotoxicidade podem fazê-lo provocando hipotensão. Algumas serpentes (principalmente víboras) causam uma síndrome hipotensiva aguda minutos após o acidente mediada pela liberação de autacoides vasodilatadores. Espécies do gênero Bothrops inibem a clivagem do angiotensinogênio (inibidores da enzima conversora do angiotensinogênio - ECA) e da bradicinina. Na hipotensão causada pela peçonha de elapídeos e crotalídeos, tem papel fundamental a vasodilatação, a permeabilidade vascular difusa, a depressão miocárdica e o bloqueio atrioventricular. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Acidentes Elapídicos: Diferentemente das víboras com fosseta loreal, os sintomas locais dos acidentes com cobras-corais-verdadeiras se limitam a parestesia ao redor do local da picada. Os sintomas sistêmicos geralmente demoram de 1 a 6 horas para aparecer. Em acidentes graves, parestesia perioral, náuseas, vômitos, hipersalivação e euforia evoluem para paralisia de nervos cranianos {p. ex., ptose, diplopia e disfagia) e insuficiência respiratória. Insuficiência respiratória pode se desenvolver dentro de minutos do início dos sinais neurológicos. REFERÊNCIA: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos Corresponde a 0,4% dos acidentes por serpentes peçonhentas registrados no Brasil. Pode evoluir para insuficiência respiratória aguda, causa de óbito neste tipo de envenenamento. Ações do veneno Os constituintes tóxicos do veneno são denominados neurotoxinas (NTXs) e atuam da seguinte forma: →NTX de ação pós-sináptica: Existem em todos os venenos elapídicos até agora estudados. Em razão do seu baixo peso molecular podem ser rapidamente absorvidas para a circulaçãosistêmica, difundidas para os tecidos, explicando a precocidade dos sintomas de envenenamento. As NTXs competem com a acetilcolina (Ach) pelos receptores colinérgicos da junção neuromuscular, atuando de modo semelhante ao curare. Nos envenenamentos onde predomina essa ação (M. frontalis), o uso de substâncias anticolinesterásticas (edrofônio e neostigmina) pode prolongar a vida média do neurotransmissor (Ach), levando a uma rápida melhora da sintomatologia. →NTX de ação pré-sináptica: Estão presentes em algumas corais (M. coralliunus) e também em alguns viperídeos, como a cascavel sulamericana. Atuam na junção neuromuscular, bloqueando a liberação de Ach pelos impulsos nervosos, impedindo a deflagração do potencial de ação. Esse mecanismo não é antagonizado pelas substâncias anticolinesterásicas. Família Elapidae: O gênero Micrurus compreende 18 espécies, distribuídas por todo o território nacional. São animais de pequeno e médio porte com tamanho em torno de 1,0 m, conhecidos popularmente por coral, coral verdadeira ou boicorá. Apresentam anéis vermelhos, pretos e brancos em qualquer tipo de combinação. Na Região Amazônica e áreas limítrofes, são encontradas corais de cor marrom-escura (quase negra), com manchas avermelhadas na região ventral. Em todo o país, existem serpentes não peçonhentas com o mesmo padrão de coloração das corais verdadeiras, porém desprovidas de dentes inoculadores. Diferem ainda na configuração dos anéis que, em alguns casos, não envolvem toda a circunferência do corpo. São denominadas falsas-corais. REFERÊNCIA: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos Acidente Laquético: Existem poucos casos relatados na literatura. Por se tratar de serpentes encontradas em áreas florestais, onde a densidade populacional é baixa e o sistema de notificação não é tão eficiente, as informações disponíveis sobre esses acidentes são escassas. Estudos preliminares realizados com imunodiagnóstico (ELISA) sugerem que os acidentes por Lachesis são raros, mesmo na região Amazônica. Ações do veneno → Ação proteolítica Os mecanismos que produzem lesão tecidual provavelmente são os mesmos do veneno botrópico, uma vez que a atividade proteolítica pode ser comprovada in vitro pela presença de proteases. → Ação coagulante Foi obtida a caracterização parcial de uma fração do veneno com atividade tipo trombina. → Ação hemorrágica Trabalhos experimentais demonstraram intensa atividade hemorrágica do veneno de Lachesis muta muta, relacionada à presença de hemorraginas. → Ação neurotóxica É descrita uma ação do tipo estimulação vagal, porém ainda não foi caracterizada a fração específica responsável por essa atividade. Compreende a espécie Lachesis muta com duas subespécies. São popularmente conhecidas por: surucucu, surucucu-pico-de-jaca, surucutinga, malha-de-fogo. É a maior das serpentes peçonhentas das Américas, atingindo até 3,5m. Habitam áreas florestais como Amazônia, Mata Atlântica e algumas enclaves de matas úmidas do Nordeste REFERÊNCIA: Cecil -Medicina Clínica Acidentes por Serpentes com Fosseta Loreal – Crotálico: Essa serpente engloba toda subfamília Crotalinae, cujos representantes (Agkistrodon, como as copperheads e cottonmouths; Bothrops; Crotalus e Lachesis, entre outras) na América do Norte e causam acidentes com quadro clínico semelhante. Edema e dor são os sinais mais precoces e importantes de acidente, ocorrido em cerca de 10 minutos e evoluindo para progressão proximal do edema e equimoses na extremidade mordida, embora o início das últimas possa ser retardado por horas. O edema local pode ser volumoso e pode ocorrer síndrome compartimental, seja pela pressão tecidual extrínseca ou por lesão intracompartimental pelo veneno. Necrose pode se desenvolver, tipicamente ao longo de um período de vários dias, com potencial de perda de tecido. Infecção secundária pode ocorrer, mas é rara. O desenvolvimento de sintomas sistêmicos como náusea, diaforese, parestesias, gosto metálico e tontura pode indicar envenenamento mais grave. Hipotensão e manifestações hemorrágicas (p. ex., petéquias à distância, gengivais, gastrointestinais, hematúria, do sistema nervoso central) também podem ocorrer cedo e representam o maior risco de morte. Durante as primeiras 24 horas, o número de leucócitos frequentemente está aumentado, e várias anormalidades da coagulação, isoladamente ou em combinação, podem ser vistas, incluindo trombocitopenia, produtos de degradação da fibrina aumentados com ou sem hipofibrinogenemia, e prolongamentos do tempo de protrombina/razão normalizada internacional ou tempo de tromboplastina parcial ativada. Sangramento espontâneo é mais provável com anormalidades combinadas e graves do sistema da coagulação. Em pacientes com hipotensão persistente, coma, acidose e insuficiência renal oligúrica pressagiam morte. A progressão da lesão local pode recidivar nas primeiras 24 horas, particularmente em pacientes tratados com um antiveneno Fab. Distúrbios do sistema da coagulação podem persistir apesar do antiveneno e também podem recidivar. Depois do tratamento com um antiveneno Fab, recorrência de anormalidades da coagulação tipicamente tem lugar vários dias após o tratamento e pode persistir durante até 3 semanas. REFERÊNCIA: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos É responsável por cerca de 7,7% dos acidentes ofídicos registrados no Brasil, podendo representar até 30% dos acidentes em algumas regiões. Apresenta o maior coeficiente de letalidade devido à freqüência com que evolui para insuficiência renal aguda (IRA). AÇÕES DO VENENO São três as ações principais do veneno crotálico neurotóxica, miotóxica e coagulante. →Ação neurotóxica: Produzida principalmente pela fração crotoxina, uma neurotoxina de ação pré-sináptica que atua nas terminações nervosas inibindo a liberação de acetilcolina. Esta inibição é o principal fator responsável pelo bloqueio neuromuscular do qual decorrem as paralisias motoras apresentadas pelos pacientes. →Ação miotóxica: Produz lesões de fibras musculares esqueléticas (rabdomiólise) com liberação de enzimas e mioglobina para o soro e que são posteriormente excretadas pela urina. Não está identificada a fração do veneno que produz esse efeito miotóxico sistêmico. Há referências experimentais da ação miotóxica local da crotoxina e da crotamina. A mioglobina, e o veneno como possuindo atividade hemolítica “in vivo”. Estudos mais recentes não demonstram a ocorrência de hemólise nos acidentes humanos. → Ação coagulante: Decorre de atividade do tipo trombina que converte o fibrinogênio diretamente em fibrina. O consumo do fibrinogênio pode levar à incoagulabilidade sanguínea. Geralmente não há redução do número de plaquetas. As manifestações hemorrágicas, quando presentes, são discretas. Agrupa várias subespécies, pertencentes à espécie Crotalus durissus. Popularmente são conhecidas por cascavel, cascavel-quatro-ventas, boicininga, maracambóia, maracá e outras denominações populares. São encontradas em campos abertos, áreas secas, arenosas e pedregosas e raramente na faixa litorânea. Não ocorrem em florestas e no Pantanal. Não têm por hábito atacar e, quando excitadas, denunciam sua presença pelo ruído característico do guizo ou chocalho. Botrópico: Compreende cerca de 30 espécies, distribuídas por todo o território nacional. São conhecidas popularmente por: jararaca, ouricana, jararacuçu, urutu-cruzeira, jararaca-do-rabo-branco, malha-de-sapo, surucucurana, combóia, caiçara, e outras denominações. Estas serpentes habitam principalmente zonas rurais e periferias de grandes cidades, preferindo ambientes úmidos como matas e áreas cultivadas e locais onde haja facilidade para proliferação de roedores (paióis, celeiros, depósitos de lenha). Têm hábitos predominantemente noturnos ou crepusculares. Podem apresentarcomportamento agressivo quando se sentem ameaçadas, desferindo botes sem produzir ruídos. Corresponde ao acidente ofídico de maior importância epidemiológica no país, pois é responsável por cerca de 90% dos envenenamentos. Ações do veneno: →Ação Proteolíticas: As lesões locais, como edema, bolhas e necrose, atribuídas inicialmente à “ação proteolítica”, têm patogênese complexa. Possivelmente, decorrem da atividade de proteases, hialuronidases e fosfolipases, da liberação de mediadores da resposta inflamatória, da ação das hemorraginas sobre o endotélio vascular e da ação pró-coagulante do veneno. →Ação coagulante: A maioria dos venenos botrópicos ativa, de modo isolado ou simultâneo, o fator X e a protrombina. Possui também ação semelhante à trombina, convertendo o fibrinogênio em fibrina. Essas ações produzem distúrbios da coagulação, caracterizados por consumo dos seus fatores, geração de produtos de degradação de fibrina e fibrinogênio, podendo ocasionar incoagulabilidade sanguínea. Este quadro é semelhante ao da coagulação intravascular disseminada. Os venenos botrópicos podem também levar a alterações da função plaquetária bem como plaquetopenia. →Ação hemorrágica: As manifestações hemorrágicas são decorrentes da ação das hemorraginas que provocam lesões na membrana basal dos capilares, associadas à plaquetopenia e alterações da coagulação. REFERÊNCIA: Penildon. FARMACOLOGIA. 8 ED. Atividade Enzimática As seguintes enzimas são encontradas nos venenos ofídicos: a) Proteinases. São encontradas na maioria dos venenos ofídicos. Os venenos crotálico (exceto o de C. durissus terrificus), laquésico e botrópico são ricos nessa enzima, enquanto as peçonhas das Elapidae têm pouca ou nenhuma atividade proteolítica. Venenos com alto teor dessas enzimas têm, evidentemente, ação lítica intensa, responsável pela necrose tecidual. O efeito anticoagulante é em parte decorrente da transformação de protrombina em trombina, catalisada por proteinases e pela destruição proteolítica do fibrinogênio. b) Hialuronidase. Hidrolisa o ácido hialurônico nos espaços intercelulares e nas fibras do tecido conjuntivo, facilitando a penetração de outras frações tóxicas, além de contribuir para a formação do edema. c) L-aminoácido-oxidase. Já foi descrita em cerca de 70 venenos ofídicos. Catalisa a oxidação dos L-aminoácidos e dos alfa-hidroxiácidos. É capaz de agir em várias substâncias orgânicas e está relacionada com a função digestiva do veneno. d) Ófio-L-aminoácido-oxidase. Transforma os aminoácidos em alfa-cetoácidos, com liberação de amônia. Ativa enzimas proteolíticas, acelerando os fenômenos de autólise e putrefação. e) Colinesterase. O veneno elapídico é rico nessa enzima, enquanto o crotálico e o botrópico possuem quantidades insignificantes. Catalisa a hidrólise da acetilcolina em colina e ácido acético. Embora o veneno elapídico apresente efeito curarizante e possua grande quantidade dessa enzima, seu papel não parece ser tão importante como causa do bloqueio neuromuscular. f) Fosfolipases (fosfatidases). São enzimas envolvidas na hidrólise de lipídios. A fosfolipase A transforma a lecitina em lisolecitina e a cefalina em lisocefalina, e libera histamina. Causa hemólise pela ação na membrana das hemácias e por produção de lisoleci- tina, substância altamente hemolítica. Nas terminações nervosas, seu efeito sobre os fosfolipídios poderia facilitar a penetração de substâncias neurotóxicas. No entanto, a ação nesse nível se dá por conta de substâncias de baixo peso molecular, desprovidas de atividade enzimática. A fosfolipase B catalisa a hidrólise da lisolecitina em glicerofosfocolina e ácido graxo. A fosfolipase C catalisa a hidrólise de fosfatidilcolina em diglicerídio e fosfato de colina. As ações farmacológicas dessas duas enzimas ainda não estão bem determinadas. g) Fosfatases. Hidrolisam as pontes de fosfato dos nucleotídeos. As principais fosfatases são: fosfomonodiesterase e fosfodiesterase, 5-nucleotidase, ATPase, DPNase e endonuclease. A fosfodieste- rase é encontrada em todos os venenos ofídicos; produz queda imediata da tensão arterial em gatos, após injeção endovenosa. A 5-nucleotidase catalisa a hidrólise de 5-nucleotídeos. Representa, possivelmente, a fosfatase mais ativa. AÇÕES FARMACOLÓGICAS As ações farmacológicas dos venenos animais atingem vários órgãos e sistemas, quer de modo direto, quer indiretamente, liberando autofármacos, como histamina, bradicinina, lisolecitina e compostos adenílicos – substâncias que alteram marcadamente as funções orgânicas –, configurando, assim, uma ação dinâmica e múltipla. O veneno crotálico, por exemplo, é capaz de atuar sobre os vasos sanguíneos, levando ao extravasamento de sangue e plasma. Age igualmente sobre o SNC, aparelho cardiovascular, rins e crase sanguínea. Assim, rotular um veneno como neurotóxico, coagulante, cardiotóxico etc. pode servir apenas como classificação didática, de acordo com seu principal local de ação. Os principais autofármacos liberados, bem conhecidos até o momento, são: a) Histamina. Liberada em resposta a enzimas proteolíticas, liso- lecitina e polipeptídios neurotóxicos. Substância envolvida no choque secundário e na hipotensão provocados pelos venenos. b) Lisolecitina. Ver ação enzimática da fosfolipase. c) Bradicinina. Polipeptídio liberado a partir de um precursor inativo, o bradicininogênio, sob a ação de venenos proteolíticos (particularmente o botrópico) e da tripsina. Exerce ações vasodilatadora, hipotensora e estimulante da musculatura lisa. Os venenos que a liberam são capazes de inativá-la. d) Compostos adenílicos. São liberados pelas fosfolipases. Produzem queda da tensão arterial, dilatação das artérias coronárias, bloqueio AV total ou parcial e estimulação da musculatura lisa. AÇÕES LOCAIS O veneno botrópico produz graves efeitos no local da picada, edema acentuado e progressivo, vesículas e flictenas, além de dor intensa. O quadro muitas vezes evolui para necrose. Os fenômenos locais decorrem principalmente da ação de enzimas proteolíticas. O veneno crotálico causa alterações locais menos intensas. Pode haver edema hemorrágico ou eritematoso, discreto e sem progressão. A dor não costuma ser forte e pode estar ausente. As alterações locais produzidas pelo veneno aracnídeo variam desde discreto edema e/ou eritema até flictenas hemorrágicas e áreas de necrose, na dependência do gênero envolvido: veneno fonêutrico (armadeira) produz dor local intensa, com leve eritema; veneno licósico (tarântula) caracteriza-se por dermotropismo evidente, causando o aparecimento de edema com equimoses, flictenas, necrose e ulcerações na zona afetada, sem atingir tecidos mais profundos. A inoculação dos venenos escorpiônicos provoca dor local intensa. O sinal da picada é fugaz ou ausente, podendo estar circundado por leve eritema. SISTEMA NERVOSO As neurotoxinas atravessam a barreira hematoencefálica. As lesões, embora graves, em geral não deixam sequelas. Atuam inativando ou competindo com mediadores químicos. A crotoxina é o principal componente do veneno da cascavel e foi a primeira neurotoxina isolada. É um complexo de duas subunidades: uma proteína básica, que detém atividade fosfolipásica (componente B), e uma fração denominada crotapotina ou componente A. Essa fração previne a absorção da subunidade B pelos fosfolipídios da membrana celular. A crotoxina causa bloqueio pré-sináptico da transmissão neuromuscular e reduz a liberação de acetilcolina na terminação nervosa, de modo semelhante à alfa-bungarotoxina, notexina e taipoxina. Vital Brazil demonstrou que a crotoxina também atua em nível pós-sináptico. Mais recentemente, descobriu-se que a crotoxina é responsável por necroseda musculatura estriada. O veneno neurotóxico provoca paralisia da musculatura motora controlada pelo 3º par craniano (oftalmoplegia e ptose palpebral). Pode também haver comprometimento do 4º, 6º, parte do 8º, 9º e 10º pares cranianos e dos centros respiratórios que se situam próximo ao 9º e 10º pares. Os sintomas que decorrem dessas ações provocam fácies neurotóxica ou miastênica. Pede-se ao paciente que olhe um objeto, e ele irá contrair o músculo frontal, num esforço para erguer a pálpebra; a cabeça inclina-se levemente para trás, a parte inferior da face relaxa, e o indivíduo adquire um ar de superioridade (Rosenfeld). O veneno da cascavel é bastante neurotóxico. A ação depressora, em animais, evidencia-se por paralisia e hipotonia, e, se a dose inoculada for superior à letal, surgem convulsões tônico-clônicas e morte por depressão respiratória. No homem, os venenos neurotóxicos causam: ptose palpebral, alterações visuais (diplopia, visão turva, cegueira reversível), paralisia dos músculos da deglutição, sialorreia e insuficiência respiratória. O veneno botrópico não parece exercer ação neurotóxica. Os ofídios do gênero Lachesi parecem atuar no sistema parassimpático provocando diarreia. Os escorpiões produzem venenos com ações estimulantes e depressivas no SNC. As ações atingem áreas sensitivas e motoras. Atuam também no SNA, causando sudorese, secreções nasal e lacrimal abundantes, taquicardia, bradicardia, hipertensão, diarreia e retenção urinária. O veneno de Phoneutria, em animais de laboratório, provoca agitação devido a dor local, crises convulsivas, paralisia progressiva, bradipneia e morte. Além desses efeitos, verificam-se também hipersecreção salivar e brônquica, hipotermia, sudorese e diarreia. Essas alterações poderiam decorrer, ao menos em parte, da ação no sistema nervoso. Considera-se, atualmente, que os sintomas atribuídos à sua ação no sistema neurovegetativo decorrem da intensidade da dor. Com analgesia eficaz, os sintomas desaparecem, retornando a dor quando cessa seu efeito. Os venenos neurotóxicos das corais venenosas (elapídico) e de certas serpentes marinhas (Hidrophidae) produzem bloqueio da transmissão neuromuscular, simulando quadro de impregnação pelo curare. Parali- sia ascendente do membro afetado, fácies neurotóxica, diplopia e ptose palpebral; paralisia da musculatura respiratória; dificuldade de fonação e deglutição. Outros efeitos, como sialorreia e abundante secreção nasal, estão presentes e não têm relação com o bloqueio neuromuscular. Nos acidentes com corais venenosas, a morte ocorre por paralisia respiratória. Respiradores mecânicos são indicados até que o veneno seja neutralizado ou eliminado. AÇÕES CARDIOVASCULARES A principal consequência das peçonhas no organismo, ao nível cardiovascular, é a hipotensão arterial, que ocorre na dependência da dose e do tipo de veneno inoculado. Após a injeção de veneno crotáIico, observa-se queda da tensão arterial, sem relação com a diminuição do débito cardíaco e do inotropismo. Existe queda acentuada do volume circulante, provocado pelo pooling (represamento) sanguíneo no leito capilar. Em gatos, foram realizadas determinações simultâneas do fluxo e da pressão da artéria pulmonar, da pressão no átrio esquerdo, além de outros parâmetros, sugerindo que o pooling decorre do aumento da resistência das vênulas pós-capilares. Os venenos proteolíticos induzem alterações do endotélio vascular e promovem queda do volume de sangue e plasma, desempenhando importante papel na gênese do choque. A ocorrência de edema pulmonar não é rara nos casos graves. No gato, o veneno da Naja naja (Elapidae) provoca hipotensão grave por perda de plasma, por vasodilatação periférica, edema pulmonar e insuficiência miocárdica, em alguns casos. Bradicinina e polipeptídios formados pela ação de enzimas proteolíticas ou inibição da enzima conversora da angiotensina provocam choque. As ações cardiovasculares do veneno crotálico e botrópico são praticamente idênticas. Basicamente, observam-se hipotensão, sufusões hemorrágicas em vários órgãos, dilatação e aumento da permeabilidade capilar, com perda de plasma, e, por fim, choque. Os efeitos cardiovasculares do veneno escorpiônico – taquicardia ou bradicardia e hipertensão – não decorrem das ações ao nível cardíaco ou vasomotor, mas resultam de ações simpatomiméticas ou de estimulação vagal. RINS Os acidentes por animais peçonhentos podem causar insuficiência renal aguda (IRA). No Brasil, as picadas de cascavéis são responsáveis por diversos casos de IRA, embora os acidentes botrópicos também estejam relacionados com IRA, principalmente aqueles associados à B. jararacussu. A fisiopatologia da insuficiência renal decorre basicamente de três mecanismos: 1. Necrose tubular aguda. Provavelmente relacionada com o efeito nefrotóxico direto em associação com vasoconstrição renal e, em alguns casos, a choque hipovolêmico ou sepse. 2. Rabdomiólise. Presente no acidente crotálico e associada a provável vasoconstrição e/ou nefrotoxicidade direta do veneno. 3. Necrose cortical bilateral (NCB). A literatura registra alguns casos de NCB em acidentes ofídicos, envolvendo possivelmente a inoculação de grandes quantidades de veneno ou, talvez, uma picada diretamente em um vaso sanguíneo. Especula-se o desenvolvimento de coagulação intravascular em associação a isquemia renal grave, à semelhança do que ocorre na NCB da gravidez associada a descolamento prematuro de placenta. Pode ocorrer a NCB em placas, cujo quadro é de IRA, que pode evoluir para cura com defeito, levando o indivíduo a insuficiência renal terminal após 6 a 18 meses. O veneno das abelhas é hemolítico e pode provocar IRA, principalmente após grandes acidentes com 400 ou mais picadas. O veneno hemolítico e proteolítico das aranhas do gênero Loxosceles pode provocar IRA em casos mais graves. AÇÃO DOS VENENOS DE COBRA SOBRE A COAGULAÇÃO A ação dos venenos de cobra sobre a coagulação tem sido descrita desde 1967 por Fontana, quando já os classificava em substâncias com atividades coagulante e anticoagulante. A diátese hemorrágica que se instala frequentemente causa a morte do animal afetado, dias após o acidente ofídico, indicando que a incoagulabilidade do sangue não contribui substancialmente para um efeito tóxico imediato, ao contrário do que ocorre com a ação das neurotoxinas e toxinas circulatórias. Um estudo experimental com camundongos demonstrou que a dose letal mínima, nos animais desfibrinados com baixa dose de substâncias coagulantes, foi igual à dose letal mínima nos animais não tratados. Esses distúrbios orgânicos ocorrem de forma semelhante com quase todos os venenos que apresentam atividade coagulante. Após a inoculação do veneno, inicia-se imediatamente a formação de microcoágulos, que irão atuar como uma barreira no local de inoculação e bloquear a difusão do veneno, com posterior penetração gradativa na circulação através dos linfáticos. Pequenas quantidades do veneno da Bothrops jararaca (0,1 mg/kg de peso), se inoculadas diretamente na circulação, seriam suficientes para a coagulação do fibrinogênio e consequente estado de incoagulabilidade sanguínea por acentuada redução na concentração plasmática do fibrinogênio. Um estudo realizado para avaliar a atividade biológica dos venenos de 3 espécies de Crotalus atrox mostrou alterações quantitativas dependentes da idade das cobras. Aquelas com idade inferior a 8 meses apre- sentaram uma LD 50 cinco vezes maior (1 mg/kg) do que os venenos de cobras com idade superior a 13 meses (5 mg/kg). Nos estudos in vitro, a atividade hemorrágica foi máxima durante o 1o ano de vida, decrescendo progressivamente. Essaatividade devia-se à conversão direta do fibrinogênio em fibrina, semelhante à trombina fisiológica. Os venenos de cobras com idade de 9 a 10 meses coagulavam o plasma, porém não coagulavam o fibrinogênio, caracterizando um efeito tromboplastinogênico do veneno. Acima de 10 meses de idade, não havia coagulação do plasma nem do fibrinogênio, provavelmente secundário a um aumento da atividade proteolítica. Os estudos in vivo revelaram a ocorrência de plaquetopenias não dependentes da idade das cobras. As alterações na atividade biológica dos venenos podem ainda estar na dependência de concentrações variadas desses venenos. Quando se utiliza, in vitro, veneno de B. jararaca na concentração de 0,15 mg/dL de sangue, ocorre formação de coágulo. Se a concentração é aumentada para 39 μg/dL, existem evidências de atividade fibrinolítica, imediata- mente após a formação de coágulos. Concentrações maiores (78 μg/dL) tornariam o sangue coagulável, sugerindo uma ação fibrinogenolítica antes de a fração coagulante tornar-se ativa. A ação dos venenos ofídicos sobre a coagulação apresenta algumas características observáveis na maioria dos venenos: 1. Todas as etapas da coagulação podem ser afetadas pelos venenos de cobra; 2. Um veneno poderá ativar-se em uma ou mais etapas; 3. A atividade biológica dos venenos de cobra in vitro poderá ser antagônica à atividade in vivo, na dependência da concentração do veneno ou da idade das serpentes; 4. Alguns venenos contêm várias enzimas, afetando a coagulação de modo sinérgico ou antagônico. Esses venenos podem atuar nas seguintes etapas da coagulação. AÇÃO COAGULANTE Ação Sobre Fibrinogênio Grande parte dos venenos pré-coagulantes apresenta uma ação direta de conversão do fibrinogênio a fibrina, semelhante à ação da trombina fisiológica. Nessa ocorre a clivagem dos fibrinopeptídios A ou B das cadeias alfa e beta, respectivamente, nas moléculas de fibrinogênio. Ex.: venenos de Bothrops jararaca, Crotalus durissus terrificus, Trimeresurus erythrurus etc. Ação Sobre A Protrombina Essa ação está presente na minoria dos venenos coagulantes, os quais ativam, convertendo a protrombina em trombina, iniciando-se sua ação na ligação de arginina da molécula da protrombina. Essa ação conversora poderá estar dependente da presença de fosfolipídios e fator V (p. ex., venenos de Notetus seutatus, Elapidae australiana, etc.) ou independer desses fatores. Ação Sobre o Fator X Representado principalmente pelo veneno da Vipera russeli. Endo- peptidases com ação sobre o fator X, semelhante aos ativadores fisio- lógicos, dependentes da presença de cálcio e fosfolipídios. Ex.: veneno da Bothrops jararaca. AÇÃO ANTICOAGULANTE Ação Fibrinolítica Nesse grupo, os venenos apresentam uma ação semelhante à da plasmina fisiológica, clivando os fibrinopeptídios da porção C terminal das cadeias alfa, beta e gama com a formação de produtos de degradação do fibrinogênio, com consequente incoagulabilidade do fibrinogênio. Ex.: venenos de Trimeresurus popeorum, T. erythaurus, Crotalus durissus, B. atrox. Ação Com Enzimas Ativadoras Do Plasminogênio Nesse grupo, os venenos ativam o plasminogênio e a plasmina, atuando como fibrinolisinas indiretas. Atividade Anticoagulante Da Fosfolipase A2 Essa é uma enzima presente na maioria dos venenos. Sua atividade anticoagulante deve-se à hidrólise de fosfolipídios, na dependência do cálcio, ou ao aumento da afinidade dessa enzima pelos fosfolipídios, ocorrendo a formação de complexos enzima-substrato, com consequente bloqueio nos locais de ligação para os fatores da coagulação, na superfície dos fosfolipídios. Ex.: Naja nigricollis, N. melanoleuea, N. mossambica, C. durissus terrificus. Ação sobre as plaquetas Os venenos de cobra podem atuar em várias etapas da ativação das plaquetas (adesão, agregação e degradação). Existem vários venenos que foram bem caracterizados quanto à sua ação de ativadores ou ini- bidores da função plaquetária. São propostos os mecanismos relacio- nados a seguir. 1. Substâncias não enzimáticas que induzem a agregação e desgranulação através do metabolismo das prostaglandinas e formação de tromboxano A2 (proagregantes). Ex.: veneno de Crotalus durissus. 2. Ação semelhante à trombina (proagregante), porém sem capacidade conversora do fibrinogênio a fibrina. Ex.: Bothrops marajoensis, Crotalus horridus horridus. 3. Ativação das plaquetas semelhantes à ristocetina, sendo necessária a participação do fator de von Willebrand. Ex.: Família Crotalidae. 4. Atividade da fosfolipase A2 – nesse grupo, os venenos podem ser divididos em 3 grupos: a. Indutores da agregação dependente de cálcio. Ex.: Trimeresurus mucrosquamatus, Vipera russelli, Naja naja atra. b. Inibidores da agregação. Ex.: Trimeresurus gramineus, Agristrodon halys. c. Sem nenhum efeito sobre as plaquetas. Os dados mostrados neste tópico ajudam-nos a compreender a grande variação que existe no quadro clínico dos acidentes ofídicos, no que tange às manifestações na coagulação sanguínea, posto que os diversos venenos podem atuar em várias etapas da coagulação sanguínea e, nessa, um mesmo veneno pode também agir em estádios diferentes, por vezes com ações antagônicas. Esse assunto tem estimulado bastante a curiosidade dos pesquisadores, e diversos grupos vêm trabalhando com afinco nessa área. ALTERAÇÕES IMUNOLÓGICAS Entre os elementos do sistema imune, o mais rápido e profundamente afetado nos acidentes ofídicos é o sistema complemento. Esse sistema é formado por cerca de 20 proteínas plasmáticas e está envolvido nos processos de defesa do organismo. O complemento tem atividades citolítica e proinflamatória. Os produtos da ativação do sistema denominado C3a e C5a são anafilatóxicos e induzem vasodilatação, promovendo a liberação de histamina pelos mastócitos, e, provavelmente, têm uma ação direta sobre o músculo liso. A ativação do sistema complemento dá-se por 2 vias distintas: a via clássica, que é dependente de anticorpos, e a via alternativa. Nos acidentes ofídicos, ocorre uma ativação do complemento pela via alternativa, independentemente da ação de anticorpos. Alguns venenos possuem moléculas semelhantes ao C3b e, provavelmente, representam o C3b dos ofídios. A molécula C3b é um componente da enzima que age sobre o C3 (clivando-o em C3a e C3b) e é também seu produto, formando-se, assim, uma alça de feedback positivo. As moléculas de C3b do veneno, ao ampliarem a atividade dessa alça, promovem a ativação do sistema complemento do indivíduo acidenta- do. Dessa ativação, e consequente consumo das moléculas, resulta uma diminuição dos níveis de C3b sérico. Uma outra maneira pela qual os venenos ofídicos agem sobre o sistema complemento é secundária à sua ação sobre o sistema de coagulação. A enzima inativadora do primeiro componente do complemento (C1 inibidor) inibe também a enzima fibrinolítica plasmina, a calicreína (envolvida na formação de cininas), e duas enzimas do sistema de coagulação: o fator de Hageman (fator XII) e o fator XI. Assim, entende-se que a ativação de quaisquer desses sistemas facilita a ativação do complemento, devido ao consumo do C1 inativador. A presença do veneno no organismo estimula também a produção de anticorpos. A utilização de métodos microenzimáticos evidenciou a presença de anticorpos antiveneno no soro de indivíduos acidentados. Esses anticorpos aparecem em um período de 1 a 2 semanas, porém atingem níveis máximos em cerca de 1 ano. Após esse período, há decréscimo nos títulos, porém ainda é possível detectar anticorpos espe- cíficos em um período de 3 a 10 anos; em alguns casos raros, até 40 anos após o acidente. A administração do soro antiveneno reduz,porém não elimina o desenvolvimento dos anticorpos pelo próprio indivíduo; isso decorre, provavelmente, da redução de veneno circulante para fornecer estímulo antigênico. Algumas evidências sugerem que esses anticorpos podem ter um efeito protetor limitado, embora significativo. Um segundo acidente, com exposição ao mesmo veneno, tem um efeito reforçado sobre os níveis de anticorpos, e, como esperado, quanto maior o número de ex- posições, maiores os títulos de anticorpos, com maior possibilidade de efeito protetor. 3. Manifestações clínicas (locais e sistêmicas) e as complicações (locais e sistêmicas) decorrentes da ação das peçonhas de serpentes. REFERÊNCIA: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos ELAPÍDICO QUADRO CLÍNICO Os sintomas podem surgir precocemente, em menos de uma hora após a picada. Recomenda-se a observação clínica do acidentado por 24 horas, pois há relatos de aparecimento tardio dos sintomas e sinais. Manifestações locais: Há discreta dor local, geralmente acompanhada de parestesia com tendência a progressão proximal. Manifestações sistêmicas: Inicialmente, o paciente pode apresentar vômitos. Posteriormente, pode surgir um quadro de fraqueza muscular progressiva, ocorrendo ptose palpebral, oftalmoplegia e a presença de fácies miastênica ou “neurotóxica”. Associadas a estas manifestações, podem surgir dificuldades para manutenção da posição ereta, mialgia localizada ou generalizada e dificuldade para deglutir em virtude da paralisia do véu palatino. A paralisia flácida da musculatura respiratória compromete a ventilação, podendo haver evolução para insuficiência respiratória aguda e apnéia. EXAMES COMPLEMENTARES Não há exames específicos para o diagnóstico. TRATAMENTO Tratamento específico: O soro antielapídico (SAE) deve ser administrado na dose de 10 ampolas, pela via intravenosa, segundo as especificações incluídas no Capítulo Soroterapia. Todos os casos de acidente por coral com manifestações clínicas devem ser considerados como potencialmente graves. Tratamento geral: Nos casos com manifestações clínicas de insuficiência respiratória, é fundamental manter o paciente adequadamente ventilado, seja por máscara e AMBU, intubação traqueal e AMBU ou até mesmo por ventilação mecânica. Estudos clínicos controlados e comunicações de casos isolados atestam a eficácia do uso de anticolinesterásicos (neostigmina) em acidentes elapídicos humanos. A principal vantagem desse procedimento, desde que realizado corretamente, é permitir uma rápida reversão da sintomatogia respiratória enquanto o paciente é transferido para centros médicos que disponham de recursos de assistência ventilatória mecânica. Os dados disponíveis justificam esta indicação nos acidentes com veneno de ação exclusivamente pós-sináptica (M. frontalis, M. lemniscatus). No entanto, este esquema pode ser utilizado quando houver envenenamento intenso por corais de espécies não identificadas. Tratamento medicamentoso da insuficiência respiratória aguda → Neostigmina: Pode ser utilizado como teste na verificação de resposta aos anticolinesterásicos e como terapêutica. a) Teste da Neostigmina: aplicar 0,05 mg/kg em crianças ou uma ampola no adulto, por via IV. A resposta é rápida, com melhora evidente do quadro neurotóxico nos primeiros 10 minutos. b) Terapêutica de Manutenção: se houver melhora dos fenômenos neuroparalíticos com o teste acima referido, a neostigmina pode ser utilizada na dose de manutenção de 0,05 a 0,1 mg/kg, IV, a cada quatro horas ou em intervalos menores, precedida da administração de atropina. → Atropina: É um antagonista competitivo dos efeitos muscarínicos da Ach, principalmente a bradicardia e a hipersecreção. Deve ser administrada sempre antes da neostigmina, nas doses recomendadas. PROGNÓSTICO É favorável, mesmo nos casos graves, desde que haja atendimento adequado quanto à soroterapia e assistência ventilatória. LAQUÉTICO QUADRO CLÍNICO Manifestações locais: São semelhantes às descritas no acidente botrópico, predominando a dor e edema, que podem progredir para todo o membro. Podem surgir vesículas e bolhas de conteúdo seroso ou sero-hemorrágico nas primeiras horas após o acidente. As manifestações hemorrágicas limitam-se ao local da picada na maioria dos casos. Manifestações sistêmicas: São relatados hipotensão arterial, tonturas, escurecimento da visão, bradicardia, cólicas abdominais e diarreia (síndrome vagal). Os acidentes laquéticos são classificados como moderados e graves. Por serem serpentes de grande porte, considera-se que a quantidade de veneno por elas injetada é potencialmente muito grande. A gravidade é avaliada segundo os sinais locais e pela intensidade das manifestações sistêmicas. COMPLICAÇÕES As complicações locais descritas no acidente botrópico (síndrome compartimental, necrose, infecção secundária, abscesso, déficit funcional) também podem estar presentes no acidente laquético. EXAMES COMPLEMENTARES A determinação do Tempo de Coagulação (TC) é importante medida auxiliar no diagnóstico do envenenamento e acompanhamento dos casos. Dependendo da evolução, outros exames laboratoriais podem estar indicados (hemograma, dosagens de uréia, creatinina e eletrólitos). O imunodiagnóstico vem sendo utilizado em caráter experimental, não estando disponível na rotina dos atendimentos. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Os acidentes botrópico e laquético são muito semelhantes do ponto de vista clínico, sendo, na maioria das vezes, difícil o diagnóstico diferencial. As manifestações da “síndrome vagal” poderiam auxiliar na distinção entre o acidente laquético e o botrópico. Estudos preliminares, empregando imunodiagnóstico (ELISA), têm demonstrado que a maioria dos acidentes referidos pelos pacientes como causados por Lachesis é do gênero botrópico. TRATAMENTO Tratamento específico: O soro antilaquético (SAL), ou antibotrópico-laquético (SABL) deve ser utilizado por via intravenosa. Nos casos de acidente laquético comprovado e na falta dos soros específicos, o tratamento deve ser realizado com soro antibotrópico, apesar deste não neutralizar de maneira eficaz a ação coagulante do veneno laquético. Tratamento geral: Devem ser tomadas as mesmas medidas indicadas para o acidente botrópico. CROTÁLICO QUADRO CLÍNICO Manifestações locais: São pouco importantes, diferindo dos acidentes botrópico e laquético. Não há dor, ou esta pode ser de pequena intensidade. Há parestesia local ou regional, que pode persistir por tempo variável, podendo ser acompanhada de edema discreto ou eritema no ponto da picada. Manifestações sistêmicas: a) Gerais: mal-estar, prostração, sudorese, náuseas, vômitos, sonolência ou inquietação e secura da boca podem aparecer precocemente e estar relacionadas a estímulos de origem diversas, nos quais devem atuar o medo e a tensão emocional desencadeados pelo acidente. b) Neurológicas: decorrem da ação neurotóxica do veneno, surgem nas primeiras horas após a picada, e caracterizam o fácies miastênica (fácies neurotóxica de Rosenfeld) evidenciadas por ptose palpebral uni ou bilateral, flacidez da musculatura da face, alteração do diâmetro pupilar, incapacidade de movimentação do globo ocular (oftalmoplegia), podendo existir dificuldade de acomodação (visão turva) e/ou visão dupla (diplopia). Como manifestações menos frequentes, pode-se encontrar paralisia velopalatina, com dificuldade à deglutição, diminuição do reflexo do vômito, alterações do paladar e olfato. c) Musculares: a ação miotóxica provoca dores musculares generalizadas (mialgias) que podem aparecer precocemente. A fibra muscular esquelética lesada libera quantidades variáveis de mioglobina que é excretada pela urina (mioglobinúria), conferindo-lhe uma cor avermelhada ou de tonalidade mais escura, até o marrom. A mioglobinúria constitui a manifestaçãoclínica mais evidente da necrose da musculatura esquelética (rabdomiólise). d) Distúrbios da Coagulação: pode haver incoagulabilidade sanguínea ou aumento do Tempo de Coagulação (TC), em aproximadamente 40% dos pacientes, observando-se raramente sangramentos restritos às gengivas (gengivorragia). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS POUCO FREQUENTES Insuficiência respiratória aguda, fasciculações e paralisia de grupos musculares têm sido relatadas. Tais fenômenos são interpretados como decorrentes da atividade neurotóxica e/ou da ação miotóxica do veneno. Com base nas manifestações clínicas, o envenenamento crotálico pode ser classificado em: a) Leve: caracteriza-se pela presença de sinais e sintomas neurotóxicos discretos, de aparecimento tardio, sem mialgia ou alteração da cor da urina ou mialgia discreta. b) Moderado: caracteriza-se pela presença de sinais e sintomas neurotóxicos discretos, de instalação precoce, mialgia discreta e a urina pode apresentar coloração alterada. c) Grave: os sinais e sintomas neurotóxicos são evidentes e intensos (fácies miastênica, fraqueza muscular), a mialgia é intensa e generalizada, a urina é escura, podendo haver oligúria ou anúria. COMPLICAÇÕES: a) Locais: raros pacientes evoluem com parestesias locais duradouras, porém reversíveis após algumas semanas. b) Sistêmicas: a principal complicação do acidente crotálico, em nosso meio, é a insuficiência renal aguda (IRA), com necrose tubular geralmente de instalação nas primeiras 48 horas (vide capítulo X). EXAMES COMPLEMENTARES a) Sangue: como resultado da miólise, há liberação de mioglobina e enzimas, podendo-se observar valores séricos elevados de creatinoquinase (CK), desidrogenase lática (LDH), aspartase-amino-transferase (AST), aspartase-alanino-transferase (ALT) e aldolase. O aumento da CK é precoce, com pico de máxima elevação dentro das primeiras 24 horas após o acidente, O aumento da LDH é mais lento e gradual, constituindo-se, pois, em exame laboratorial complementar para diagnóstico tardio do envenenamento crotálico. Na fase oligúrica da IRA, são observadas elevação dos níveis de uréia, creatinina, ácido úrico, fósforo, potássio e diminuição da calcemia. O Tempo de Coagulação (TC) frequentemente está prolongado. O hemograma pode mostrar leucocitose, com neutrofilia e desvio à esquerda, às vezes com presença de granulações tóxicas. b) Urina: o sedimento urinário geralmente é normal quando não há IRA. Pode haver proteinúria discreta, com ausência de hematúria. Há presença de mioglobina, que pode ser detectável pelo teste de benzidina ou pelas tiras reagentes para uroanálise ou por métodos específicos imunoquímicos como imunoeletroforese, imunodifusão e o teste de aglutinação de mioglobina em látex. TRATAMENTO Específico: O soro anticrotálico (SAC) deve ser administrado intravenosamente, segundo as especificações incluídas no capítulo Soroterapia. A dose varia de acordo com a gravidade do caso, devendo-se ressaltar que a quantidade a ser ministrada à criança é a mesma do adulto. Poderá ser utilizado o soro antibotrópico- crotálico (SABC). Geral: A hidratação adequada é de fundamental importância na prevenção da IRA e será satisfatória se o paciente mantiver o fluxo urinário de 1 ml a 2 ml/kg/hora na criança e 30 a 40 ml/hora no adulto. A diurese osmótica pode ser induzida com o emprego de solução de manitol a 20% (5 ml/kg na criança e 100 ml no adulto). Caso persista a oligúria, indica-se o uso de diuréticos de alça tipo furosemida por via intravenosa (1 mg/kg/ dose na criança e 40mg/dose no adulto). O pH urinário deve ser mantido acima de 6,5 pois a urina ácida potência a precipitação intratubular de mioglobina. Assim, a alcalinação da urina deve ser feita pela administração parenteral de bicarbonato de sódio, monitorizada por controle gasométrico. PROGNÓSTICO É bom nos acidentes leves e moderados e nos pacientes atendidos nas primeiras seis horas após a picada, onde se observa a regressão total de sintomas e sinais após alguns dias. Nos acidentes graves, o prognóstico está vinculado à existência de IRA. É mais reservado quando há necrose tubular aguda de natureza hipercatabólica pois a evolução do quadro está relacionada com a possibilidade de instalação de processo dialítico eficiente, em tempo hábil. BOTRÓPICO QUADRO CLÍNICO Manifestações locais: São caracterizadas pela dor e edema endurado no local da picada, de intensidade variável e, em geral, de instalação precoce e caráter progressivo. Equimoses e sangramentos no ponto da picada são frequentes. Infartamento ganglionar e bolhas podem aparecer na evolução, acompanhados ou não de necrose. Manifestações sistêmicas: Além de sangramentos em ferimentos cutâneos preexistentes, podem ser observadas hemorragias à distância como gengivorragias, epistaxes, hematêmese e hematúria. Em gestantes, há risco de hemorragia uterina. Podem ocorrer náuseas, vômitos, sudorese, hipotensão arterial e, mais raramente, choque. Com base nas manifestações clínicas e visando orientar a terapêutica a ser empregada, os acidentes botrópicos são classificados em: a) Leve: forma mais comum do envenenamento, caracterizada por dor e edema local pouco intenso ou ausente, manifestações hemorrágicas discretas ou ausentes, com ou sem alteração do Tempo de Coagulação. Os acidentes causados por filhotes de Bothrops (< 40 cm de comprimento) podem apresentar como único elemento de diagnóstico alteração do tempo de coagulação. b) Moderado: caracterizado por dor e edema evidente que ultrapassa o segmento anatômico picado, acompanhados ou não de alterações hemorrágicas locais ou sistêmicas como gengivorragia, epistaxe e hermatúria. c) Grave: caracterizado por edema local endurado intenso e extenso, podendo atingir todo o membro picado, geralmente acompanhado de dor intensa e, eventualmente com presença de bolhas. Em decorrência do edema, podem aparecer sinais de isquemia local devido à compressão dos feixes vásculo-nervosos. Manifestações sistêmicas como hipotensão arterial, choque, oligoanúria ou hemorragias intensas definem o caso como grave, independentemente do quadro local. COMPLICAÇÕES Locais: a) Síndrome Compartimental: é rara, caracteriza casos graves, sendo de difícil manejo. Decorre da compressão do feixe vásculo-nervoso consequente ao grande edema que se desenvolve no membro atingido, produzindo isquemia de extremidades. As manifestações mais importantes são a dor intensa, parestesia, diminuição da temperatura do segmento distal, cianose e déficit motor. b) Abscesso: sua ocorrência tem variado de 10 a 20%. A ação “proteolítica” do veneno botrópico favorece o aparecimento de infecções locais. Os germes patogênicos podem provir da boca do animal, da pele do acidentado ou do uso de contaminantes sobre o ferimento. As bactérias isoladas desses abscessos são bacilos Gramnegativos, anaeróbios e, mais raramente, cocos Gram-positivos. c) Necrose: é devida principalmente à ação “proteolítica” do veneno, associada à isquemia local decorrente de lesão vascular e de outros fatores como infecção, trombose arterial, síndrome de compartimento ou uso indevido de torniquetes. O risco é maior nas picadas em extremidades (dedos) podendo evoluir para gangrena. Sistêmicas: a) Choque: é raro e aparece nos casos graves. Sua patogênese é multifatorial, podendo decorrer da liberação de substâncias vasoativas, do sequestro de líquido na área do edema e de perdas por hemorragias. b) Insuficiência Renal Aguda (IRA): também de patogênese multifatorial, pode decorrer da ação direta do veneno sobre os rins, isquemia renal secundária à deposição de microtrombos nos capilares, desidratação ou hipotensão arterial e choque (vide capitulo X). EXAMES COMPLEMENTARES a) Tempo de Coagulação (TC): de fácil execução, sua determinação é importante para elucidação diagnóstica e para o acompanhamento dos casos(vide capítulo XI). b) Hemograma: geralmente revela leucocitose com neutrofilia e desvio à esquerda, hemossedimentação elevada nas primeiras horas do acidente e plaquetopenia de intensidade variável. c) Exame sumário de urina: pode haver proteinúria, hemafúria e leucocitúria. d) Outros exames laboratoriais: poderão ser solicitados, dependendo da evolução clínica do paciente, com especial atenção aos eletrólitos, uréia e creatinina, visando à possibilidade de detecção da insuficiência renal aguda. e) Métodos de imunodiagnóstico: antígenos do veneno botrópico podem ser detectados no sangue ou outros líquidos corporais por meio da técnica de ELISA (vide capitulo XII). TRATAMENTO Tratamento específico: Consiste na administração, o mais precocemente possível, do soro antibotrópico (SAB) por via intravenosa e, na falta deste, das associações antibotrópico-crotálica (SABC) ou antibotrópicolaquética (SABL). A posologia está indicada no quadro 1 e as normas gerais para soroterapia estão referidas no Capitulo IX. Se o TC permanecer alterado 24 horas após a soroterapia, está indicada dose adicional de duas ampolas de antiveneno. Tratamento geral: Medidas gerais devem ser tomadas como: a) Manter elevado e estendido o segmento picado; b) Emprego de analgésicos para alívio da dor; c) Hidratação: manter o paciente hidratado, com diurese entre 30 a 40 ml/hora no adulto, e 1 a 2 ml/kg/hora na criança; d) Antibioticoterapia: o uso de antibióticos deverá ser indicado quando houver evidência de infecção. As bactérias isoladas de material proveniente de lesões são principalmente Morganella morganii, Escherichia coli, Providentia sp e Streptococo do grupo D, geralmente sensíveis ao cloranfenicol. Dependendo da evolução clínica, poderá ser indicada a associação de clindamicina com aminoglicosídeo. Tratamento das complicações locais: Firmado o diagnóstico de síndrome de compartimento, a fasciotomia não deve ser retardada, desde que as condições de hemostasia do paciente o permitam. Se necessário, indicar transfusão de sangue, plasma fresco congelado ou crioprecipitado. O debridamento de áreas necrosadas delimitadas e a drenagem de abscessos devem ser efetuados. A necessidade de cirurgia reparadora deve ser considerada nas perdas extensas de tecidos e todos os esforços devem ser feitos no sentido de se preservar o segmento acometido. PROGNÓSTICO Geralmente é bom. A letalidade nos casos tratados é baixa (0,3%). Há possibilidade de ocorrer sequelas locais anatômicas ou funcionais. 4. principais animais peçonhentos, descrevendo a frequência e gravidade dos acidentes (epidemiologia: local da picada, sexo, faixa etária, época do ano, letalidade, etc.). REFERÊNCIA: SINAN Acidente por Animais Peçonhentos: São reconhecidos como aqueles que produzem ou modificam algum veneno e possuem algum aparato para injetá-lo na sua presa ou predador. Os principais animais peçonhentos que causam acidentes no Brasil são algumas espécies de serpentes, de escorpiões, de aranhas, de lepidópteros (mariposas e suas larvas), de himenópteros (abelhas, formigas e vespas), de coleópteros (besouros), de quilópodes (lacraias), de peixes, de cnidários (águas-vivas e caravelas), entre outros. Os animais peçonhentos de interesse em saúde pública podem ser definidos como aqueles que causam acidentes classificados pelos médicos como moderados ou graves. Os acidentes por animais peçonhentos e, em particular, os acidentes ofídicos foram incluídos, pela Organização Mundial da Saúde, na lista das doenças tropicais negligenciadas que acometem, na maioria dos casos, populações pobres que vivem em áreas rurais. Em agosto de 2010, o agravo foi incluído na Lista de Notificação de Compulsória (LNC) do Brasil, publicada na Portaria Nº 2.472 de 31 de agosto de 2010 (ratificada na Portaria Nº 104, de 25 de janeiro de 2011). Essa importância se dá pelo alto número de notificações registras no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), sendo acidentes por animais peçonhentos um dos agravos mais notificados. A partir das análises dos dados do SINAN, a vigilância epidemiológica é capaz de identificar o quantitativo de soros antivenenos a serem distribuídos às Unidades Federadas, além de determinar pontos estratégicos de vigilância, estruturar as unidades de atendimento aos acidentados, elaborar estratégias de controle desses animais, entre outros. Notificações por Ano acidente e UF de notificação Ano acidente Em Branco/ign 2015 2017 2018 2019 RO - - - 9 1486 AC - - - 3 1023 AM - - - 22 3039 RR - - - 4 1170 PA - - 2 27 8235 AP - - - - 1072 TO - - - 31 4983 MA 1 - 1 33 5021 PI 1 - 2 23 4212 CE - - - 31 9624 RN 6 - - 33 8484 PB - - 2 28 7583 PE 1 - - 894 21144 AL - - 3 79 11502 SE - - - 31 2358 BA 2 - 3 184 24687 MG 5 1 3 315 49716 ES - - - 58 5798 RJ - - - 36 2292 SP 3 - 5 440 41428 PR - - 4 131 17303 SC - - - 91 9168 RS 2 - - 94 7800 MS - - - 18 3657 MT - - - 8 2671 GO - - 1 50 7908 DF - - - 23 2337 Total 21 1 26 2696 265701 Notificações por Ano acidente e Faixa Etária Ano acidente Em Branco/ign 2015 2017 2018 2019 Em branco/IGN - - - - 38 <1 Ano - - - 41 3611 01/abr - - 1 339 12631 05/set 2 - 1 370 15080 out/14 4 - 4 279 15583 15-19 2 - 3 174 19961 20-39 3 - 10 683 85989 40-59 6 - 7 528 72579 60-64 2 1 - 95 13625 65-69 1 - - 80 10569 70-79 1 - - 74 11945 80 e + - - - 33 4090 Notificações por Ano acidente e Escolaridade Ano acidente Em Branco/ign 2015 2017 2018 2019 Ign/Branco 6 - 10 1219 89381 Analfabeto 1 - - 32 5603 1ª a 4ª série incompleta do EF 2 1 1 127 27225 4ª série completa do EF 3 - 1 83 13222 5ª a 8ª série incompleta do EF 2 - 6 160 30210 Ensino fundamental completo 2 - 1 97 14293 Ensino médio incompleto 2 - 2 103 17359 Ensino médio completo 1 - 3 265 35890 Educação superior incompleta - - - 20 3487 Educação superior completa 1 - - 64 6672 Não se aplica 1 - 2 526 22359 Notificações por Ano acidente e Raça Ano acidente Ign/Branco Branca Preta Amarela Parda Indigena Em Branco/ign 2 9 2 - 8 - 2015 - - - - 1 - 2017 4 8 2 - 11 1 2018 976 821 68 8 804 19 2019 23.749 88.967 15.046 2108 133.345 2486 Notificações por Ano acidente e Sexo Ano acidente Ignorado Masculino Feminino Em Branco/ign - 7 14 2015 - - 1 2017 - 17 9 2018 - 1426 1270 2019 60 145.398 120.243 Óbitos por Município – 2019 – janeiro – agosto 314800 Patos de Minas 4318 Notificações por Ano acidente e Tipo Aranha Ano acidente Ign/Branco Phoneutria Loxosceles Latrodectus Outra espécie Em Branco/ign 21 - - - - 2015 1 - - - - 2017 25 - - - 1 2018 2439 30 99 2 126 2019 239.050 5226 8391 159 12875 Notificações por Ano acidente e Tipo de Acidente Ano acidente Ign/Branco Serpente Aranha Escorpião Lagarta Abelha Outros Em Branco/ign 21 - - - - - - 2015 - - - 1 - - - 2017 - 5 3 15 - 2 1 2018 44 216 357 1679 54 203 143 2019 4540 30.482 36.399 154.812 5.884 21.908 11.676 Notificações por Ano acidente e Classificação Final Ano acidente Ign/Branco Leve Moderado Grave Em Branco/ign 21 - - - 2015 - - 1 - 2017 1 20 4 1 2018 99 2339 219 39 2019 11.150 223.138 27.670 3743 Notificações por Ano acidente e Evolução caso Ano acidente Ign/Branco Cura Óbito pelo agravo notificado Óbito por outra causa Em Branco/ign 2 18 1 - 2015 - 1 - - 2017 5 21 - - 2018 130 2555 10 1 2019 22.641 242.581 438 41 REFERÊNCIA: Manual de Diagnóstico e Tratamento de Acidentes por Animais Peçonhentos EPIDEMIOLOGIA: Foram notificados à FUNASA, no período de janeiro de 1990 a dezembro de 1993, 81.611 acidentes, o que representa uma média de 20.000 casos/ano para o país. A maioria das notificações procedeu das regiões Sudeste e Sul, como mostra o gráfico 1, as mais populosas do país e que contam com melhor organização de serviços de saúde e sistema de informação.Local da picada: O pé e a perna foram atingidos em 70,8% dos acidentes notificados e em 13,4% a mão e o antebraço. A utilização de equipamentos individuais de proteção como sapatos, botas, luvas de couro e outros poderia reduzir em grande parte esses acidentes. Importância da identificação das serpentes Identificar o animal causador do acidente é procedimento importante na medida em que: - Possibilita a dispensa imediata da maioria dos pacientes picados por serpentes não peçonhentas; - Viabiliza o reconhecimento das espécies de importância médica em âmbito regional; - É medida auxiliar na indicação mais precisa do antiveneno a ser administrado. Apesar da importância do diagnóstico clínico, que orienta a conduta na grande maioria dos acidentes, o animal causador deve, na medida do possível, ser encaminhado para identificação por técnico treinado. A conservação dos animais mortos pode ser feita, embora precariamente, pela imersão dos mesmos em solução de formalina a 10% ou álcool comum e acondicionados em frascos rotulados com os dados do acidente, inclusive a procedência. No Brasil, a fauna ofídica de interesse médico está representada pelos gêneros: - Bothrops (incluindo Bothriopsis e Porthidium)* - Crotalus - Lachesis - Micrurus - E por alguns da Família Colubridae** * Estes novos gêneros resultaram da revisão do gênero Bothrops: As espécies Bothrops bilineatus, Bothrops castelnaudi e Bothrops hyoprorus passaram a ser denominadas Bothriopsis bilineata, Bothriopsis taeniata e Porthidium hyoprora, respectivamente. ** As serpentes dos gêneros Philodryas e Clelia, da família Colubridae, podem ocasionar alguns acidentes com manifestações clínicas locais. 5. Soro antiofídico (tipos, doses recomendadas, contraindicações, controle e disponibilização). REFERÊNCIA: Soroterapia antiveneno: tratamento das reações adversas – Revista Médica Minas Gerais – 2012. Soroterapia antiveneno consiste na utilização de soro para neutralizar venenos inoculados após acidente por animal peçonhento. Sabe-se que soro é um concentrado de imunoglobulinas, ou seja, de anticorpos obtidos através da sensibilização de diversos animais, a maioria de origem equina. Um pouco de epidemiologia: O escorpionismo é mais comum nos meses quentes e chuvosos. As picadas atingem predominantemente os membros superiores, 65% das quais acometendo mão e antebraço. A maioria dos acidentes escorpiônicos é considerada leve (83,8%), não sendo indicada soroterapia nesses casos. Situando-se a letalidade em 0,58%. Em Minas Gerais os óbitos têm sido associados, com maior frequência, a acidentes causados por T. serrulatus, ocorrendo mais comumente em crianças, idosos e pacientes com comorbidades. Erucismo é o nome dado ao acidente causado pelo contato com lagartas, insetos da ordem Lepdóptera. O uso de soroterapia antiveneno no Brasil se aplica somente aos acidentes com a lagarta do gênero Lonomia, pois os acidentes com esse gênero são potencialmente graves e podem desencadear síndrome hemorrágica. Nos últimos anos, o erucismo lonômico vem adquirindo significativa importância médica em virtude da gravidade e da expansão dos casos, principalmente na região Sul. As aranhas de maior importância clínica são: Phoneutria, ou Armadeira, que na maioria dos casos causa dor intensa à picada, e em alguns casos leva a sintomas sistêmicos, e representa a maioria dos acidentes, Loxoceles, ou Aranha Marrom, que pode levar a necrose no local da picada, e mais raramente a manifestações sistêmicas e a Latrodectus ou Viúva- -negra, pela gravidade das manifestações clínicas (arritmias cardíacas, choque). Em relação ao soro: A ocorrência do acidente ofídico está, em geral, relacionada a fatores climáticos e ao aumento da atividade humana nos trabalhos no campo. Perna e pé são os locais mais atingidos, ao contrário do escorpionismo que acomete mais o membro superior. No Brasil, quatro tipos de acidente são considerados de interesse em saúde: botrópico (jararaca), crotálico (cascavel), laquético (surucucu) e elapídico (jararaca). Em geral, cerca de 80% dos acidentes documentados são pelo gênero Bothrops (jararaca), mas na região metropolitana de Belo Horizonte, devido à presença de vegetação de cerrado, há maior prevalência de picadas por cascavéis. ADMINISTRAÇÃO DO SORO A tabela mostra o número de ampolas de soro necessárias para a neutralização do veneno por animal de acordo com a gravidade do caso e o tipo de soro que deverá ser utilizado: A classificação do acidente em leve, moderado ou grave se baseia em sintomas clínicos e alterações laboratoriais. Alguns acidentes não seguem esta classificação devido a potencial gravidade, como o acidente por coral, surucucu e viúva-negra. O soro deve ser administrado o mais precocemente possível. O número de ampolas de soro utilizadas aumenta com a gravidade do acidente. A identificação do animal é extremamente importante, uma vez que a utilização de soro específico é sempre a melhor escolha, pois é mais eficaz. Se o número disponível de ampolas for inferior ao recomendado, a soroterapia deve ser iniciada enquanto se providencia o tratamento complementar. A dose de adultos e crianças é igual, uma vez que a função do soro é neutralizar a maior quantidade de veneno circulante, independentemente do peso do paciente. A aplicação é intravenosa, com exceção do soro anti-latrodectus (viúva-negra) que é intramuscular. No hospital João XXIII o soro é aplicado sem diluição, pois desta maneira, acredita-se que o veneno neutraliza porcentagem maior de veneno, além de diminuir o risco de desnaturação das proteínas do antiveneno, que ocorre com o aumento da temperatura; já que o soro deve ser conservado à temperatura de 2º a 8°C. A aplicação deve ser feita entre 20 e 60 minutos, sob estrita vigilância médica e da enfermagem, em sala de emergência. O paciente deve estar monitorizado, ter o corpo exposto para a identificação de possíveis reações cutâneas. Como a manifestação de reações de hipersensibilidade pode ser repentina, é necessário deixar preparada a medicação que agirá nessa situação. Se houver reação deve-se suspender a administração do soro e fazer uso das medicações necessárias de acordo com a gravidade da manifestação. Assim que houver estabilização do quadro deve- -se reiniciar a aplicação do soro. REFERÊNCIA: Soroterapia antiveneno – Saúde PR Produção: Instituto Butantan (SP), Fundação Ezequiel Dias (MG), Instituto Vital Brasil (RJ) são laboratórios que produzem imunoderivados para a rede pública do país. O CIT-Ctba também recebe soros do Centro de Pesquisa e Produção de Imunobiológicos – CPPI (PR). A produção do soro antiofídico segue as etapas: O veneno é extraído da serpente, mantido seco sob refrigeração, recebe substâncias adjuvantes que aumentam seu potencial antigênico e após, é inoculado subcutaneamente em doses de concentrações crescentes nos cavalos. Então, o animal fornece grande volume de sangue rico em anticorpos, por meio de uma sangria de aproximadamente 3% do peso do animal, ou seja, 12 litros de sangue de um cavalo que pese 400 quilos. Este procedimento não causa problemas ou a morte do animal. O plasma é levado para a Seção de Concentração, Purificação e Fracionamento, onde as proteínas inativadas são eliminadas e as gamaglobulinas específicas mantidas. O soro é submetido a 4 tipos de controle de qualidade: Atividade biológica: verifica a quantidade de anticorpos existentes; Inocuidade: segurança para o uso humano; Esterelidade: evitar contaminações com germes; Pirogênico: detectar substâncias que alterem a temperatura dos pacientes. # Conservação: A forma liofilizada é mais estável e mais fácil de armazenar. No Brasil é produzido na apresentação líquida, que deve ser conservado sob refrigeração em 20C a 80C positivos, deve-se evitar o congelamento; nestas condições, validade varia de 2 a 3 anos, especificadas na embalagem.# Soroterapia: Da administração do soro heterólogo pode advir complicações como choque anafilático e doença do soro. O Teste de Sensibilidade (cutâneo ou ocular) tem sido excluído por apresentar baixa sensibilidade e baixos valores preditivos, retardando o início do tratamento específico. Além disso, reações alérgicas graves não adiam ou contra-indicam o uso da soroterapia. Deve-se obter informações sobre reações anteriores a algum soro heterólogo, atopia exacerbada, relato de reação alérgica a pêlo de cavalo (rinite, espirros, dermatite), para se inferir possíveis reações de hipersensibilidade; os cuidados devem ser redobrados caso as respostas forem positivas. Cuidados básicos: a soroterapia deve ser realizada em serviços de saúde preparado; estar presente um médico; garantir um bom acesso venoso; ter à mão laringoscópio com lâminas e tubos traqueais adequadas para peso e idade; soro fisiológico e/ou Ringer Lactato; Adrenalina 1:1000 e aminofilina (10ml=240mg). Drogas pré-soroterápicas: alguns autores indicam administrar 10 a 15 min antes do início da soroterapia: a) Drogas anti-histamínicas (antagonista H1 e H2 por via parenteral): Antagonistas H1: maleato de dextroclorfeniramina na dose de 0,05mg/Kg IM ou EV, aplicar no máximo 5mg, ou prometazina (Fenergan®) na dose de 0,5 mg/Kg IM, aplicar no máximo 25mg. OBS: A prometazina é contraindicada em crianças e idosos. Antagonistas H2: cimetidina (Tagamet®) na dose de 10mg/Kg, máximo de 300mg, ou ranitidina (Antak®) na dose de 3mg/Kg, no máximo de 100 mg, IV lentamente. b) Hidrocortisona (Solu-Cortef®) na dose de 10mg/Kg IV, aplicar no máximo 100mg. Estas drogas não previnem a liberação de histamina e ativação de Complemento, mas poderiam antagonizar o efeito da histamina nos órgãos-alvo, bem como diminuir a freqüência de reações tardias à soroterapia antiveneno. Soroterapia Específica: Para ser eficaz, é necessário que seja específica para o tipo de veneno do animal agressor (importante a identificação do animal); seja administrado dentro do menor prazo possível e na dose necessária. Se o número disponível de ampolas for inferior ao recomendado, a soroterapia deve ser iniciada enquanto se providencia o tratamento complementar. A via de escolha da administração do soro é EV, caso não seja possível, administrar via SC. O soro, diluído ou não deve ser infundido em 20 a 60min. A via IM não deve ser utilizada (exceto Soro Antilatrodectus que é por via IM) e o soro nunca deve ser administrado no local da picada. A diluição, a critério médico, pode ser na razão de 1:2 ou 1:5 em soro fisiológico ou glicosado 5%, infundido-se na velocidade de 8 a 12ml/min. Observar possível sobrecarga em crianças e em pacientes com insuficiência cardíaca. O número de ampolas dependerá da gravidade do caso, levar em conta que as doses dos soros antivenenos capazes de neutralizar o veneno circulante têm sido revistas nos últimos anos, havendo uma tendência progressiva para utilização de doses menores nos acidentes botrópicos. Reações à Soroterapia: A freqüência de reações à soroterapia parece ser menor quando o antiveneno é administrado diluído. Reações Precoces: a) Reações Graves: Manifestam-se dentro de 10 a 180 minutos após a aplicação do soro. São manifestações anafiláticas ou de hipersensibilidade e manifestações anafilactóides ou pseudo-alérgicas, estas independem da exposição prévia às proteínas do cavalo. As características das reações graves são: broncoespasmo, edema de glote, hipotensão, choque anafilático. Quadro clínico do choque anafilático: aura, eritema, prurido, urticária, angioedema, hipotensão, edema de laringe ou epiglote, broncoconstrição difusa, hiperventilação, pele fria e cianótica, pulso rápido e filiforme, sensório apagado, confuso ou agitado, oligúria (<20ml/h). A idade e cardiopatias são fatores de risco. b) Outras Reações: Aparecem nas primeiras 24 horas. Sua ocorrência é variável (4,6% a 87,2%). Fatores que favorecem o aparecimento: dose do soro, concentração de proteínas e imunoglobulinas e velocidade de infusão; antecedentes alérgicos ou atopia; sensibilização prévia; tipo de antiveneno (poliespecíficos); via de administração (reação mais precoce em “bolus” EV). Na maioria das vezes são considerados leves e manifestam: urticária, tremores, vômitos, dor abdominal, diarréia. Tratamento das Reações Precoces: Suspender temporariamente a infusão do soro, tratar as intercorrências e dar continuidade à soroterapia. O tratamento é sintomático. Broncoespasmo: inalação associada a um broncodilatador (aminofilina); Edema de Glote: adrenalina, corticóide, entubação orotraqueal ou traqueostomia; Choque Anafilático: posição horizontal, elevação dos membros inferiores, acesso a veia calibrosa, infundir solução salina (20ml/Kg), oxigênio 50% umidificado, infundir adrenalina 1/1000 (0,01ml/Kg SC ou IM) se não houver resposta, aplicar EV, diluído em 10ml de SF, repetir após 10min se necessário; hidrocortisona 30mg/Kg ou dexametasona 3 a 5mg/Kg EV; Reações Restritas à Pele: adrenalina (0,01ml/Kg SC ou IM,máx. 0,4ml); Tremores: dipirona IM; Vômitos: metaclopramida IM. OBS: Paciente que apresenta choque ou obstrução de vias aéreas deve ser hospitalizado por pelo menos 24 horas. Reações graves não adiam ou contraindicam a soroterapia. Para reiniciar a soroterapia é necessário dessensibilizar o paciente ou substituir o soro pelo homólogo. Reações Tardias: Manifestam-se de 5 a 24 dias após uso do soro. Incidência real é subestimada. Conhecida por “Doença do Soro”. Provavelmente ocorre formação de complexo imune entre o antiveneno e o veneno com ativação e consumo de Complemento. - Quadro Clínico: Febre, artralgia, linfoadenomegalia, urticária e proteinúria. - Tratamento: Dependendo da intensidade das manifestações clínicas, pode-se utilizar corticosteróides, como a prednisona na dose de 1mg/Kg/dia (máx. 60mg) por 5 a 7 dias. REFERÊNCIA: Medicina Interna - Harrison O ANTIVENENO deve ser administrado apenas por via IV, e a infusão iniciada lentamente, com o profissional responsável à beira do leito pronto para intervir imediatamente ao primeiro sinal de reação adversa aguda. Na ausência de reação adversa, a velocidade de infusão pode ser aumentada de modo gradual até que se tenha administrado dose plena (ao longo de aproximadamente 1 hora). Talvez haja necessidade de antiveneno adicional se o estado clínico agudo do paciente se agravar ou não se estabilizar, ou se os efeitos da peçonha inicialmente controlados reaparecerem. A decisão quanto à administração adicional de antiveneno a um paciente estabilizado deve ser baseada em evidências clínicas de circulação persistente de componentes não ligados do veneno. Para picadas de viperídeos, em geral se deve manter a administração de antiveneno até que a vítima mostre melhora definitiva (p. ex., redução da dor, estabilização dos sinais vitais, restauração da coagulação). Pode ser mais difícil reverter com antiveneno a neurotoxicidade de picadas de elapídeos. Uma vez estabelecida a neurotoxicidade e constatada a necessidade de intubação endotraqueal, doses adicionais de antiveneno provavelmente não serão benéficas. Nesses casos, a vítima deve ser mantida sob ventilação mecânica até haver recuperação, que pode levar vários dias ou semanas. Reações adversas à administração de antiveneno incluem reações de hipersensibilidade precoces (anafilaxia) e tardias (doença do soro). Manifestações clínicas de hipersensibilidade precoce variam de taquicardia, suor frio, vômito e urticária até as mais graves como dispneia, edema laríngeo, brocospoasmo e hipotensão. Testes cutâneos para possível hipersensibilidade precoce, apesar de recomendados por alguns fabricantes de antivenenos, não são sensíveis nem específicos e não trazem benefícios. Em nível global, a qualidade dos antivenenos é altamente variável; as taxas de
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