Prévia do material em texto
Silas Queiroz de Souza Wagner Wey Moreira Fundamentos históricos da Educação Física Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central Uniube Souza, Silas Queiroz de. S89f Fundamentos históricos da educação física / Silas Queiroz de Souza, Wagner Wey Moreira. – Uberaba: Universidade de Uberaba, 2019. 184 p. : il. Programa de Educação a Distância – Universidade de Uberaba. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7777-862-1 1. Educação física. 2. Educação física – Brasil. 3. Esportes. I. Moreira, Wagner Wey. II. Universidade de Uberaba. Programa de Educação a Distância. III. Título. CDD 796.07 © 2019 by Universidade de Uberaba Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Universidade de Uberaba. Universidade de Uberaba Reitor Marcelo Palmério Pró-Reitor de Educação a Distância Fernando César Marra e Silva Coordenação de Graduação a Distância Sílvia Denise dos Santos Bisinotto Editoração e Arte Produção de Materiais Didáticos-Uniube Editoração Márcia Regina Pires Revisão textual Erika Fabiana Mendes Salvador Diagramação Douglas Silva Ribeiro Ilustrações Rodrigo de Melo Rodovalho Getty Images Depositphotos Projeto da capa Agência Experimental Portfólio Edição Universidade de Uberaba Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário Silas Queiroz de Souza Mestre em Educação pela Universidade de Uberaba (Uniube). Especialista em Planejamento e Gestão da Educação Física, Esporte e Lazer pela Universidade Paranaense (Unipar). Licenciado em Educação Física pelas Faculdades Integradas de Fátima do Sul (Fifasul). Atualmente é docente e diretor dos cursos de Licenciatura Plena e Bacharelado em Educação Física da Uniube. Wagner Wey Moreira Doutor em Educação (Psicologia Educacional) pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mestre em Educação (Filosofia) pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Graduado em Educação Física por essa universidade. Graduado em Pedagogia – Habilitação em Administração e Orientação Educacional pela Faculdade de Educação Osório Campos – RJ. Graduado em Pedagogica – Habilitação em Supervisão Escolar pela Faculdade de Educação Dom Bosco. Líder do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Corporeidade e Pedagogia do Movimento – NUCORPO/CNPq. Atualmente é docente do curso de Graduação em Educação Física, de Mestrado em Educação Física e de Mestrado em Educação da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Coordenador do Programa de Mestrado em Educação nessa universidade. Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq na área de Educação. Sobre os autores Sumário Apresentação .............................................................................................................VII Capítulo 1 Panorâmica da Educação Física no Ocidente I: da Grécia Clássica ao Renascimento ...................................... 1 1.1 Educação Física e a Grécia Clássica ...................................................................... 3 1.2 Educação Física e o Mundo Romano ..................................................................... 9 1.3 Educação Física e o Renascimento ...................................................................... 12 Capítulo 2 Panorâmica da Educação Física no Ocidente II: Educação Física e Tempos Modernos ..............................19 2.1 As correntes teóricas e o surgimento dos métodos ginásticos ............................ 21 2.2 A Escola Sueca ...................................................................................................... 26 2.3 Educação Física a partir da França ....................................................................... 29 2.4 Educação Física a partir da Alemanha .................................................................. 34 2.5 Educação Física a partir dos EUA ......................................................................... 37 2.6 Educação Física Desportiva Generalizada ........................................................... 40 Capítulo 3 Panorâmica da Educação Física no Brasil ........................45 3.1 Do Brasil Império até a década de 1970 do século XX......................................... 46 3.2 Da década de 1970 do século XX aos dias atuais ................................................ 56 3.2.1 Propostas de Abordagens Pedagógicas para a Educação Física Escolar ......................................................................................................... 57 3.2.2 Proposta de Regulamentação da Profissão ................................................ 65 Capítulo 4 Panorâmica do esporte no ocidente ..................................73 4.1 O esporte no contexto sociocultural da Grécia Clássica ....................................... 74 4.2 O esporte no contexto sociocultural de Roma até a Idade Média ........................ 77 4.3 O ressurgimento dos Jogos Olímpicos ................................................................ 78 Capítulo 5 Aspectos sócio-históricos do esporte moderno .................89 5.1 A origem e a constituição do esporte moderno ..................................................... 92 5.2 Perspectivas de análise sobre a constituição do esporte moderno ...................... 93 5.3 O esporte na sociedade capitalista ....................................................................... 96 5.4 O papel do Estado frente às questões do esporte no Brasil ................................. 98 Capítulo 6 Educação Física e Ciência: principais propostas atuais ................................................................................105 6.1 A Teoria Antropológica-Cultural do Esporte e da Educação Física ..................... 108 6.2 A Educação Física como Ciência da Praxiologia Motriz ..................................... 110 6.3 A Teoria da Psicocinética ......................................................................................111 6.4 A Ciência da Motricidade Humana ...................................................................... 113 6.5 A Ciência do Desporto ......................................................................................... 115 Capítulo 7 Educação Física e temas atuais ......................................121 7.1 Educação Física/Saúde/Qualidade de Vida ........................................................ 122 7.2 Educação Física/Corporeidade ........................................................................... 130 7.3 Educação Física/Legado/Olimpismo ................................................................... 138 7.3.1 O Legado Olímpico .................................................................................... 139 7.3.2 O Legado da Copa do Mundo no Brasil .................................................... 150 Capítulo 8 Educação Física/Esporte: direito do ser humano ...........157 8.1 A relevância do esporte na sociedade atual ........................................................ 158 8.2 Por uma outra dimensão do fenômeno esportivo ............................................... 160 Prezado(a) aluno(a), é um prazer tê-lo(a) conosco. Nossa primeira palavra é para cumprimentar você por haver escolhido a Educação Física como área de conhecimento científico para sua formação em graduação, quer seja na vertente da Licenciatura para a qual a preocupação maior é a capacitação do Professor, quer seja no caminho do Bacharelado. Esperamos que possa dominar o conhecimento da área, centrando no ser humano que se movimentaem busca de superação e transcendência. A Educação Física e, com ela, o Esporte, podem ser considerados um dos maiores fenômenos sociais, especialmente a partir do final do século XIX, quando da reintrodução no cenário mundial, pelo Barão Pierre de Coubertin, dos Jogos Olímpicos da era moderna. Daí a razão de sua complexidade, exigindo do graduando conhecimentos das mais variadas áreas científicas, como a pedagógica, a biológica, a sociológica, a psicológica, entre outras. Se seu objetivo for competência, navegar nesse amplo universo da Educação Física e do esporte exigirá seu esforço e dedicação. Este é o objetivo da presente publicação por nós elaborada, a qual deverá auxiliar sua busca em relação ao nível de excelência profissional. Uma explicação inicial se faz necessária. Estamos utilizando o binômio Educação Física e esporte, por reconhecer que, se nos primórdios da área, o esporte poderia ser considerado um dos conhecimentos atrelados ao universo da Educação Física, hoje, as coisas mudaram. Apresentação VIII UNIUBE Conforme observado por alguns autores, atualmente o esporte ganhou tal abrangência que já não é mais possível enquadrá-lo como apenas subordinado à Educação Física. Também justificamos a explicação anterior porque nosso escrito trará, como poderá ser constatado, o desenvolvimento histórico tanto da Educação Física, quanto do Esporte, a partir de análises localizadas na Sociedade Ocidental. Outro ponto que gostaríamos já de fixar neste início, é o de conclamar você para nos auxiliar nas mudanças necessárias para que a Educação Física tenha seu devido valor, executando um trabalho com o corpo dos alunos e dos atletas em que busquemos, com sensibilidade e valores éticos, o desenvolvimento de um corpo possível e não de um corpo perfeito idealizado pela mídia. Ressaltamos um trato com o corpo humano, considerando-o sensível, inteligível e carente, e não entendendo-o como corpo máquina que apenas precisa ser melhorado em seu rendimento. Para se alcançar o propósito explicitado no parágrafo anterior, procuramos pautar este texto respeitando as mais variadas vertentes para o entendimento sobre a Educação Física e sobre o fenômeno esportivo, através das referências realizadas no texto, bem como nas sugestões de complementação de informações nas leituras sugeridas. Use a abuse dos conhecimentos aqui desenvolvidos, complementando seus estudos com as referências explicitadas no final de cada capítulo, e ainda, dialogando com o presente texto de forma crítica e participativa, construindo conceitos e, acima de tudo, modificando atitudes como professores/profissionais da Educação Física. Desejamos a você uma boa caminhada, e quando estiver seguro ao caminhar, boa corrida, e quando esta estiver dominada, bons voos, possibilitando novas histórias para a Educação Física e para o Esporte. Introdução Panorâmica da Educação Física no Ocidente I: da Grécia Clássica ao Renascimento Capítulo 1 Estruturamos este capítulo como sendo o primeiro momento de nosso voo panorâmico, centrando a argumentação em três grandes épocas da história ocidental: as contribuições da Grécia Clássica; o domínio Romano e o Renascimento. Vocês poderão perguntar: e a Idade Média, por que fi cou fora? Na verdade, optamos por não acrescentar aqui essa fase histórica porque ela pouco tem a dizer sobre a importância do corpo e, mais ainda, pouco ou nada foi produzido de conhecimento que poderíamos associar com a Educação Física. Por outro lado, nas duas civilizações antigas do ocidente, grega e romana, o corpo foi objeto de suma importância, tanto no que se refere às questões ligadas à estética e à competição, quanto no que tange às guerras. E somente no período conhecido como Renascimento é que teremos novamente a valorização do corpo, principalmente pela infl uência dos movimentos artísticos, intelectuais e culturais presentes a partir do fi nal do século XIV. É fundamental deixarmos claro, para a fundamentação de nossa argumentação, que utilizamos basicamente a produção de conhecimento de um dos mais respeitados escritores sobre 2 UNIUBE Ao final do estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • demonstrar quais os sentidos da ginástica e do esporte (Educação Física) para os gregos da Antiguidade Clássica, em especial sua vertente religiosa; • explicar a passagem da festa religiosa da Educação Física para o sentido de espetáculo e de circo presentes no domínio romano do ocidente; • mostrar como se estabeleceram o conhecimento e a prática dos exercícios físicos a partir do Renascimento. 1.1 Educação Física e a Grécia Clássica 1.2 Educação Física e o Mundo Romano 1.3 Educação Física e o Renascimento Objetivos Esquema o tema – Inezil Penna Marinho. Esse autor, muitas vezes, foi compreendido de forma equivocada por pesquisadores mais novos e, até certo ponto, desrespeitado, o que sem dúvida é um tremendo equívoco. Preservar nossa história e seus representantes é um dever de todos, professores e profissionais da Educação Física. Por tudo isto justifica-se nosso respeito ao Prof. Inezil por sua produção acadêmica em prol da Educação Física. Sendo assim, neste capítulo, teremos os seguintes objetivos. Inezil Penna Marinho (1915/1987): nasceu no Rio de Janeiro, foi instrutor de Educação Física da Escola do Exército; técnico em Esportes pela Escola Nacional de Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil; bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro; em Psicologia, pelo Instituto de Psicologia da Universidade do Brasil e Filosofia, pela Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Recebeu o título de Professor Honoris Causa, título esse doado a grandes personalidades acadêmicas, das Universidades Federais do Paraná (UFPR), do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de São Carlos (UFSCar). UNIUBE 3 Educação Física e a Grécia Clássica1.1 Quando falamos da Grécia Clássica, logo nos lembramos dos grandes filósofos. Entre eles, para nosso estudo, vale a pena mencionar Platão (432-347 a.C.). Figura 1: Platão. Fonte: Getty Images Acervo EAD-Uniube. Platão indicava que, para uma pessoa ser bem-educada, ela necessitava dominar e vivenciar algumas áreas de conhecimento, entre elas, destacava a ginástica, a matemática e a filosofia. Figura 2: Áreas de conhecimento. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. 4 UNIUBE Sugeria que a primeira, a ginástica, juntamente com a música, estivesse mais presente no dia a dia de crianças e adolescentes para a buca da harmonia entre o corpo e a alma. A segunda, a matemática, destinava-se a capacitar os jovens para o estudo e entendimento das ciências de modo mais sistematizado. Já a terceira, a filosofia, capacitaria os adultos para a reflexão e o atingir da meditação (MARINHO, 1980; GALLO, 2006). Também é importante lembrar que Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, recomendava se dar atenção ao corpo mesmo porque ele não criava dissociação entre alma e corpo. Gallo (2006, p.12) afirma: “O movimento, qualquer movimento físico, é feito pelo corpo, mas possibilitado pela ação da alma; da mesma maneira, o pensamento é faculdade de alma, mas só pensamos porque somos corpóreos”. Muitas das preocupações modernas da Educação Física já estavam presentes no pensamento aristotélico: boa alimentação, não ociosidade, e, ao mesmo tempo, ele fazia duras críticas ao sistema espartano de adestramento corporal na formação de guerreiros. Pensamos que, hoje, necessitamos de recuperar os ensinos de Aristóteles para evitar o trato com o que, para alguns, é chamado de corpo máquina, assim, devemos cuidados com o corpo do homem que se humaniza. Já os jogos presentes na Grécia Clássica faziam parte de festas religiosas e eram tão importantes que, durante as competições, os gregos se apropriavam de uma sensação de união, mesmo porque jogos aconteciam em todas as comunidadesgregas. Hoje conhecemos sobejamente os Jogos Olímpicos, originários dessa época em Olímpia como parte das solenidades de honra ao deus Zeus. Estes jogos possuíam normas claras e rigorosas para a participação de todos, por exemplo: atletas que chegassem atrasados eram desclassificados; proibiam-se manobras desleais para vencer, intimidar ou comprar com dinheiro o adversário e ir contra as decisões dos juízes. Havia também alguns regulamentos com os quais podemos não concordar: escravos UNIUBE 5 e bárbaros não podiam participar das provas; mulheres eram proibidas de presenciar as competições. Na verdade, muitos dos valores hoje presentes nas práticas esportivas já eram passíveis de punição na Grécia Clássica. A primeira edição dos Jogos Olímpicos na Grécia Clássica aconteceu em 776 a.C. e contava com 13 provas, das quais destacamos: 6 UNIUBE Observe as Figuras 3 e 4 a seguir: Figura 3: Corridas. Fonte: Acervo EAD-Uniube. Figura 4: Hoplitódromos. Fonte: Acervo EAD-Uniube. UNIUBE 7 Figura 5: Pentatlo. Fonte: Getty Images Acervo EAD-Uniube. Podemos observar (Figuras 3, 4 e 5) que as modalidades e provas olímpicas praticadas na antiguidade clássica, ainda que com objetivos diferentes das práticas nos dias atuais, sempre fizeram parte da vida em sociedade, sendo, muitas delas, uma referência para os Jogos Olímpicos da Era Moderna, reeditado pelo Barão Pierre de Coubertain em 1896. Já no Pancrácio (Figura 6), luta muito apreciada pelos gregos, valia quase tudo, menos colocar os dedos nos olhos do adversário, atacar sua região genital e morder. Claro que havia outros jogos, inclusive, com finalidades fúnebres (em homenagem a heróis falecidos) como descrito por Homero na Ilíada, contando com sete provas: corridas de carros, pugilato, luta, combate armado, arremesso de bola de ferro, tiro ao arco e arremesso da lança (MARINHO, 1980). 8 UNIUBE Figura 6: Pancrácio. Fonte: Acervo EAD-Uniube. A educação grega valorizava a ginástica e os jogos. Os problemas existentes hoje nos esportes já começaram a se manifestar na época do domínio romano sobre os gregos. Menciona Marinho (1980, p.57) A decadência da civilização grega coincide com a ascendência do poderio romano. Dominada por um povo militarmente mais forte, todas as manifestações de sua cultura se sentem asfixiadas. Há como um colapso em todos os setores da atividade humana, quer no domínio dos jogos, quer nas manifestações da inteligência e da arte. A profissionalização e a corrupção dos atletas, a venalização dos juízes e a exacerbação do público determina a decadência dos Jogos Olímpicos... Como pode ser observado, os gregos valorizavam o cuidado com o corpo, por meio da ginástica e dos jogos, inclusive, com elementos muito importantes, como manutenção da saúde e ética esportiva, cuidados e UNIUBE 9 valores esses que, muitas vezes, se encontram perdidos na sociedade atual. Um esclarecimento importante: optamos por descrever aqui os jogos e não no capítulo quarto quando vamos refletir sobre o esporte grego desta época, por manter a importante associação ginástica e o jogo presente no mundo helênico. Educação Física e o Mundo Romano1.2 Ainda estruturados na argumentação de Marinho (1980) podemos identificar, no momento de poder do domínio romano na sociedade ocidental, a continuidade da importância da educação construída nos moldes gregos. Apenas como exemplo, na educação romana, para as famílias que possuíam posses, havia, amiúde, um “professor” que acompanhava o desenvolvimento da criança e este era, normalmente, um grego. Importava, como valor maior na educação da época, o saber se expressar por meio de uma retórica qualificada. Filósofos romanos como Cícero e outros afirmavam: “O orador[...] é o homem educado que põe a sua inteligência e a sua instrução a serviço prático e representa uma classe mais elevada que a do filósofo porque inclui este”. (MARINHO, 1980, p.62). Também é conhecida historicamente, no mundo da Educação Física, a expressão de Juvenal (pensador e retórico romano que viveu entre os séculos I e II), Mens sana in corpore sano, interpretada entre os profissionais da área como menção importante para os cuidados com o corpo. No que diz respeito ao que hoje podemos atrelar ao universo da Educação Física e Esportes, na época do domínio romano no ocidente, temos a modificação do sentido dos grandes jogos. Estes passam a ser circenses, mesmo mantendo no início o sentido de festas religiosas. Cícero Marco Túlio Cícero (106–43 a.C) foi um grande estadista, filósofo e escritor romano. 10 UNIUBE Famosas eram as corridas de carros de duas rodas, impulsionados por parelha de cavalos ou por número bem maior desses animais, usados na Antiguidade como carros de combate, atividade essa que ganha tamanha repercussão a ponto de ser necessária a construção do Circus Maximus (Figura 7) para ser o local dessa manifestação de espetáculo. Vocês já ouviram falar acerca do Circus Maximus? SAIBA MAIS Figura 7: Circus Maximus. Fonte: Getty Images Acervo EAD-Uniube. A expressão latina Circus Maximus é a designação do Circo Máximo de Roma. Ele foi criado por antigos reis de Roma para prática de grandes jogos e esportes. Era, também, uma grande influência do mundo grego. Já o Coliseu (Figura 8) abrigava os espetáculos de combate entre gladiadores, entre estes e animais e mesmo entre animais ferozes, tudo com o sentido de agradar como espetáculo aos imperadores e ao público em geral. UNIUBE 11 Figura 8: Coliseu. Fonte: Getty Images Acervo EAD-Uniube. São inúmeras as modalidades de jogos públicos presentes no período de dominação romana, entre os quais, podemos destacar dois: Os Cereales, com duração de oito dias, em honra da Deusa Ceres, havendo aqui a corrida de cavalos e a luta de gladiadores, e os Grandes Jogos, estabelecidos por Rômulo. Estes jogos ocorriam duas vezes por ano (abril e setembro) e tinham duração de cinco dias e inúmeros jogos, entre os quais: lutas, pentatlo, corridas de cavalos e combates entre gladiadores (MARINHO, 1980). Não tão conhecido entre nós como o Coliseu, Marinho (1980) menciona o Campo de Marte, denominação em homenagem ao Deus da Guerra. Era localizado fora dos limites de Roma e era uma importante construção para a prática de exercícios militares. Pode-se constatar que muitos dos princípios e valores morais dos jogos presentes na Grécia Clássica foram, de certa maneira, desvirtuados quando da implantação dos jogos romanos. Sem cometer erros, temos as seguintes transformações: 12 UNIUBE Quadro 1: Princípios e valores morais dos jogos na Grécia Clássica e em Roma JOGOS NA GRÉCIA CLÁSSICA JOGOS EM ROMA Atletas que se enfrentavam para vencer e serem reconhecidos. Gladiadores que tentavam eliminar seus opositores para permanecerem vivos. Na vitória, conquistava-se a coroa de louros. Na vitória, adquiria-se o espólio do vencido. Os jogos eram festas ocorridas nos estádios. Os jogos eram festividades realizadas, normalmente, nos circos. Os jogos consagravam a festa da beleza. Os jogos eram entretenimento grotesco . Os jogos eram em homenagem ao deuses. Os jogos, em muitos casos, eram capricho dos imperadores. Já na era cristã, em 521, os jogos populares foram abolidos em Roma. A disseminação do cristianismo, que enfatizava o abandono do corpo em função do desenvolvimento espiritual para a conquista do reino celeste, foi fator preponderante para a extinção dos referidos jogos. Educação Física e o Renascimento1.3 Mantendo nosso propósito para todo o capítulo, continuamos nos referenciando na obra de Marinho (1980) para efetuarmos a análise da Educação Física no Renascimento. Como ponto de partida, é interessante lembrarmos que o Renascimento surge em contestação aos valores vivenciados na Idade Média, em especial no que diz respeito à severidade no trato com o corpo, chegando, em muitos momentos, mesmo a desprezá-lo como algo não importante na constituiçãodo ser. UNIUBE 13 Esta época – o Renascimento – provocou o reflorescimento do que podemos chamar de cultura, pois: Petrarca na poesia, Bocaccio na prosa italiana, Erasmo na literatura, Miguel Angelo na pintura, escultura e arquitetura, Rafael na pintura, Leonardo da Vinci na pintura, escultura, arquitetura e engenharia, Galileo e Harvey nas ciências e dezenas de outros são nomes que simbolizam uma época bastante expressiva no domínio cultural. (MARINHO, 1980, p.80). Entretanto, o que poderíamos chamar de preocupação com a Educação Física é encontrado atrelado à educação de forma geral, pois Maffeo Veggio (1407-1458), eminente pedagogo da época, dizia que os jovens “Devem ser exercitados para afugentar a preguiça do corpo. A ginástica deve apresentar a condição de não ser violenta”. Além desta recomendação, indicava já a importância da vivência de jogos, como nos mostra Marinho (1980, p. 81), “[..] será conveniente exercitá-los por meio de jogos que não sejam demasiadamente brandos nem muito fatigantes, mas, e sobretudo, nunca indignos de um homem livre”. Outra interessante menção, relacionada ao que podemos chamar de Educação Física na época, é o pensamento do educador inglês Richard 14 UNIUBE Mulcaster (1530-1611) encontrado em seu tratado sobre educação, “Posições”, referido por Marinho (1980, p.85): Assim como os poderes da alma não exercem nenhuma ação ou é muito pequena, se não estão alentados pela sua educação natural e murcham e morrem, como o grão sem secar, que chega até a apodrecer por abandono do dono, ou por causas semelhantes: - Assim também do mesmo modo, sendo o corpo de per si torpe e grosseiro, deve, ou extinguir-se ou viver enfermiço se não se o agita bem diligentemente. Esse mesmo educador propõe em sua obra a divisão dos exercícios físicos em três partes: “Todos os exercícios se conceberam, primeiro para que servissem já como jogos ou passatempos, já para a guerra ou para milícia, já para a segurança da saúde e duração da vida; ainda que algumas vezes os três fins concorram a um e outras vezes pode ser que não”. (MARINHO, 1980, p.86). Você já ouviu falar do Homem Vitruviano ou Homem de Vitrúvio? O Homem Vitruviano ou Homem de Vitrúvio é um desenho criado por Leonardo Da Vinci, no Renascimento, a partir do conceito “proporção divina”, criado por Marcos Vitrúvio Polião, arquiteto romano, autor dos Dez Livros sobre Arquitetura, do séc. I aC. Observe a Figura 9: SAIBA MAIS UNIUBE 15 Figura 9: Homem Vitruviano. Fonte: Getty Images Acervo EAD-Uniube. É importante observar, na Figura 8, um homem nu com os membros superiores e posteriores em diferentes posições, de modo simétrico. A imagem demonstra o conceito “proporção divina” que evidencia figuras geométricas perfeitas segundo o ideal clássico de beleza. Esse conceito é determinado por raciocínios matemáticos, desenvolvidos originariamente por Vitrúvio e aperfeiçoados, no desenho, por da Vinci. Observe que o Homem Vitruviano, de Da Vinci, é mais uma expressão que traz à tona a evidência do corpo humano, no Renascimento. Para compreender mais acerca do Homem Vitruviano, sugerimos que acesse o artigo O Homem Vitruviano – Leonardo da Vinci, de Simone Martins, do site História das Artes: https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/o-homem-vitruviano- leonardo-da-vinci/ 16 UNIUBE Mulcaster (apud MARINHO, 1980) demonstrava ainda que os exercícios físicos deveriam sofrer alterações quando praticados por diferentes faixas etárias. Aos adultos, recomendava exercícios de nível médio, não devendo ser nem fraco nem forte para evitar problemas. Aos jovens, indicava jogos e exercícios mais vigorosos, podendo causar bom nível de cansaço e suor aos seus praticantes. Como pode ser observado, em todo o desenvolvimento da história ocidental, aqui analisada em uma pequena parte, o que hoje podemos chamar de Educação Física, enquanto uma área de trato com o corpo, esteve presente na forma de movimentos ginásticos, de exercícios físicos, de jogos, de atividades agonistas, enfim, do universo representativo dessa área de conhecimento. Há diferenças nas formas de interpretar a Educação Física ao longo do período histórico apresentado? Podemos ver a Educação Física de hoje muito diferente do que se propunha no passado aqui estudado? Leia mais sobre o assunto abordado neste capítulo. Recomendamos a leitura do Capítulo 2 - As práticas físicas na civilização ocidental, do livro “Educação Física, esportes e corpo: uma viagem pela história” (CAPRARO e SOUZA, 2017), disponível na Biblioteca Virtual Pearson. Acesse o link: https://uniube.bv3.digitalpages.com.br/users/publications/9788559726190/ pages/-2 SAIBA MAIS UNIUBE 17 Resumo Iniciamos nosso percurso histórico da Educação Física no mundo Ocidental a partir da Grécia, mostrando a importância que esse povo dava para os esportes e para a ginástica. Com os esportes, cultuava-se a divindade; os atletas que representavam suas comunidades e venciam os jogos eram considerados semideuses. Já no domínio romano, vimos a transformação do culto ao corpo perfeito e o culto aos deuses transformarem-se em espetáculos grotescos com o sentido de valorização do poder dos imperadores, para que os combates e as lutas tivessem um fim em si mesmos. Já a Idade Média perde de vista a possível importância do corpo, considerado instrumento do pecado pela religião dominante, quadro esse só alterado com o movimento do Renascimento, no qual o sentido de prática de exercícios físicos se justificava pela volta dos ideais existentes na Grécia antiga. Referências CAPRARO, André Mendes, Souza, Maria Thereza Oliveira. Educação Física, esportes e corpo: uma viagem pela história (Livro eletrônico). Curitiba: InterSaberes, 2017. DEPOSITPHOTOS. Disponível em: https://br.depositphotos.com/. Acesso em: 15 jan. 2019. GALLO, Silvio. Corpo ativo e a filosofia, In: MOREIRA, Wagner W. (Org.) Século XXI: a era do corpo ativo, Campinas: Papirus, 2006, p.13-30. GETTY Images. Disponível em: https://www.gettyimages.com.br/. Acesso em: 29 nov. 2018. 18 UNIUBE HOPLITODROMOS LOUVRE MN704. Jpg. Altura: 600 pixels. Largura:717 pixels. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hoplit%C3%B3dromo#/media/File: Hoplitodromos_Louvre_MN704.jpg. Acesso em: 25 nov. 2018. MARINHO, Inezil P. História geral da educação física. São Paulo: Cia Brasil Editora, 1980. MARTINS, Simone. Homem Vitruviano – Leonardo da Vinci. Disponível em: https:// www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/o-homem-vitruviano-leonardo- da-vinci/. Acesso em: 29 nov. 2018. Introdução Panorâmica da Educação Física no Ocidente II: Educação Física e Tempos Modernos Capítulo 2 Após estudarmos as infl uências da antiguidade clássica ocidental para a Educação Física, passaremos ao segundo momento da nossa trajetória, buscando evidenciar os principais pilares da Educação Física nos tempos modernos. Para o presente capítulo, além de Marinho (1980), nos apropriaremos também dos escritos de Soares (2001) como fontes principais para a compreensão do aparecimento do que foi conhecido como “escolas” ou “métodos” ginásticos, produção de conhecimento essa originária na Europa a partir dos séculos XVIII e XIX. Como primeiro ponto, convém lembrar que o século XIX traz consigo a efetivação da sociedade industrializada, exigindo para isso uma educação que preparasse os corpos trabalhadores para os meios de produção. Este contexto europeu determinou a necessidade de uma educação disciplinadora e ordeira, valorizando o vigor físico por meio de propostas higienistas. 20 UNIUBE 2.1 As correntes teóricas e o surgimento dos métodos ginásticos 2.2 A Escola Sueca 2.3 Educação Física a partir da França 2.4 Educação Física a partir da Alemanha 2.5 Educação Física/Esportes a partir dos EUA 2.6 Educação Física Desportiva Generalizada Esquema Ao final do estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • demonstrar a associação degrandes pensadores da educação com a Educação Física, especialmente para a destinada às escolas; • explicar os principais personagens da Escola Sueca e como esse método se estruturava; • nomear os responsáveis pela estruturação dos Métodos Ginásticos na França e na Alemanha, bem como explicar as adaptações dessas propostas para a Educação Física brasileira; • apontar os esportes criados pelas Associações Cristã de Moços (ACM – YMCA) e seus respectivos proponentes, assim como demonstrar a composição do Método Calistênico; • explicar a importância para o Brasil do Método Desportivo Generalizado, o qual, durante muito tempo, fez parte da Educação Física escolar em nosso país. Objetivos UNIUBE 21 2.1 As correntes teóricas e o surgimento dos métodos ginásticos Podemos afirmar que muito da importância para a educação do movimento e, por conseguinte, dos conhecimentos atrelados à Educação Física, deve-se a Jean Jacques Rousseau (1712-1778). Mesmo acreditando que o corpo era um instrumento do espírito, Rousseau (Figura 1) enfatizava que um corpo débil pode deixar uma alma enfraquecida. Figura 1: Rousseau. Fonte: Getty Images Acervo EAD-Uniube. 22 UNIUBE Marinho (1980, p. 91) informa as palavras do autor: Quereis, pois cultivar a inteligência de vosso aluno? Cultivai as forças que ela deve governar. Exercitai continuamente seu corpo; tornai-o robusto e são para o tornar sábio e sensato; que ele trabalhe, aja, corra, grite, esteja sempre em movimento; que ele seja homem pelo vigor, e em pouco tempo o será pela razão. Claro que permanece nesta trilha o sentido dual entre corpo e mente, sendo o corpo apenas um instrumento para o bom desenvolvimento da razão. Também pode ser observada, até os nossos dias, muito dessa premissa presente na Educação Física do século XXI, infelizmente. É possível afirmar, desde sua gênese nos tempos modernos, que a “Educação Física” sempre esteve ligada ao contexto da educação de forma geral. Pestalozzi, discípulo de Rousseau, afrontou o princípio de uma educação disciplinadora de movimentos, de quietude, também criticada pelo seu mestre, e enfatizou a importância para a criança de ações de jogar, de se movimentar, de correr, visando tudo isto à necessidade do gasto de energia acumulada no organismo. (MARINHO, 1980). Você conhece Pestalozzi? Sabe de suas ideias-chaves? Pestalozzi era um educador suíço que defendia que o professor deveria estar atento aos estágios de desenvolvimento da criança, em suas diferentes idades, atentando, especialmente, na sua singularidade. Defendia a educação integral (Figura 2), ou seja, não limitada à transmissão ou absorção de informações, mas, sim, oportunizando aos aprendizes protagonizarem diferentes experiências e aprender com elas. SAIBA MAIS UNIUBE 23 Figura 2: Articulação entre o corpo e a imaginação, no jogar e no brincar. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Acreditava que o aprendiz deveria desenvolver em si mesmo a liberdade, crucial para o desenvolvimento da autonomia intelectual e moral. Para ele, nesse processo, o afeto na relação educador e aprendiz tem uma relevância fundamental. Caso queira saber um pouco mais acerca de Pestalozzi, sugerimos a leitura do artigo “Pestalozzi, o teórico que incorporou o afeto à sala de aula”, de Márcio Ferrari, do site da Nova Escola. https://novaescola.org.br/conteudo/1941/pestalozzi-o-teorico-que-incorporou- o-afeto-a-sala-de-aula O texto traz as principais ideias do educador, de forma didática e com comentários de estudiosos da área. Na internet, você pode encontrar, também, outros artigos acerca do assunto! Se achar necessário, pesquise!!! 24 UNIUBE Apenas como registro para mostrar parte das razões do aparecimento das “escolas” ou “métodos ginásticos” nos tempos modernos, mencionamos a figura de Herbert Spencer (1820-1903), filósofo inglês que afirmava ser a educação o resultado do caminhar por três grandes trilhas: a intelectual, a moral e a física. Na verdade, Spencer vai sugerir a ginástica para a educação escolar, chamada por ele de “exercícios fictícios”, pela falta de incentivo aos exercícios naturais no âmbito escolar, deixando claro que “Os exercícios ginásticos além de serem inferiores aos jogos como ‘quantidade’ de exercício muscular, ainda são mais inferiores como ‘qualidade’”. (MARINHO, 1980, p. 93). COMPARANDO É neste contexto que podemos analisar o aparecimento dos “métodos ginásticos” na história da Educação Física. Soares (2001, p. 51) também indica que as preocupações com os exercícios físicos estavam destinadas a “resolver os problemas colocados pela sociedade industrial” (Figura 3), considerando que, nesta sociedade, “o trabalhador se transforma em simples acessório das máquinas e necessita cada vez mais de atenção e saúde para suportar UNIUBE 25 as intermináveis horas sem descanso e em posições absolutamente nocivas ao seu corpo”. Figura 3: Posições de trabalho na sociedade industrial. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. O contexto descrito favorece o aparecimento, a partir dos anos 1800, de formas diferentes de se entender e oferecer trabalho no que diz respeito ao exercício físico, que veremos nos próximos tópicos deste capítulo. Soares (2001, p.51-52) assim explica: Essas “formas” receberão o nome de “métodos ginásticos” (ou escolas) e correspondem aos quatro países que deram origem às primeiras sistematizações sobre a ginástica nas sociedades burguesas: a Alemanha, a Suécia, a França e a Inglaterra (que teve um caráter muito particular, desenvolvendo de modo mais acentuado o esporte). Essas mesmas sistematizações serão transplantadas para outros países fora do continente europeu. 26 UNIUBE Com estas informações, estamos aptos para esmiuçar o aparecimento das “escolas” ou dos “métodos ginásticos” na Europa e do mundo esportivo a partir dos Estados Unidos da América. Vejamos. A Escola Sueca2.2 O método de ginástica idealizado por Pehr Henrick Ling (1776-1839) foi sistematizado no início do século XIX e centrava sua preocupação em formar indivíduos fortes e saudáveis, evitando vícios que pudessem influenciar negativamente a vida em sociedade, daí a preocupação com a saúde e com a moral. Em pleno processo de industrialização, ter operários produtivos e soldados eficientes (pois, neste momento, eclodiam guerras de demarcação territoriais na região) justificava a presença de um método ginástico para essa finalidade. (SOARES, 2001). Observe Pehr Henrick Ling, na Figura 4: Figura 4: Pehr Henrik Ling. Fonte: Pehr Henrik Ling.jpg (2018). Ling (apud SOARES, 2001) dividia sua proposta de ginástica em quatro tipos, a saber: pedagógica ou educativa; médica ou ortopédica; estética e militar e em todas se fazia presente a pedagógica. UNIUBE 27 Já uma lição de seu método contava, entre outros aspectos, com: • exercícios de ordem; • movimentos preparatórios em que havia movimentos de pernas, cabeça, braços, tronco; • extensão da coluna vertebral; • equilíbrio; • marchas; • movimentos abdominais e respiratórios, bem como saltos. Já as mulheres poderiam ser submetidas ao método com algumas restrições, entre as quais, o de não realizar exercícios físicos durante a menstruação. (SOARES, 2001) A ginástica sueca destinava-se a propiciar aos cidadãos suecos o amor à pátria, levando Ling a propor, na época, uma nova abordagem para a Educação Física em seu país. Este autor via a ginástica, especialmente a pedagógica ou educativa, em íntima relação com as artes e até com a religião. Isto pode ser comprovado nos dizeres de Marinho (1980, p.97-98): 28 UNIUBE Para Ling, a ginástica pedagógica e higiênica tem por fim submeter o corpo à vontade; ela é essencialmente educativa e social. Ele insiste sempre sobre a importância para satisfazer às necessidades da alma quanto às do corpo. Ela se destina aos dois sexos, a todas as idades, a todas as constituições e se pratica dentro de todas as condiçõesmateriais e sociais. Ela assegura a saúde, sendo essencialmente respiratória, a beleza por seus feitos corretivos e ortopédicos. Ela é energética e viril pelo emprego econômico das forças e a formação do caráter, social e patriótica pela educação disciplinada da célula humana a serviço da sociedade. Por sua vez, a chamada ginástica médica produziu um grande número e variedade de exercícios terapêuticos. Nesta vertente havia a preocupação estética, a qual “permitia ao corpo exprimir certos estados de alma, de sentimentos e de pensamentos e que ela é influenciada e influencia as belas artes”. (MARINHO, 1980, p.98). Comungamos com a ideia de que Educação Física atual deveria ter aprendido alguns pressupostos já estabelecidos para os exercícios físicos encontrados na ginástica sueca, pressupostos esses decorrentes da influência do pensamento filosófico de Shelling em Ling, como nos mostra, com clareza, Marinho (1980, p.98): A ginástica não deve considerar os órgãos do corpo como uma massa mecânica, mas animada em todas as suas partes e, por conseguinte, como um instrumento sempre vivo da alma. Um verdadeiro ginasta tem necessidade de conhecimentos, de senso artístico e de moralidade. Claro que se você está, na formação de professores de Educação Física, num curso de Licenciatura, muito há que aprender com os valores embutidos já na proposta do método sueco. Quais pontos importantes você identifica na proposta da Ginástica Sueca por meio do trabalho de Pehr Henrick Ling? Hoje poderíamos aproveitar algo de sistematização metodológica? UNIUBE 29 Educação Física a partir da França2.3 D. Francisco Amoros y Ondeano (Figura 5), militar espanhol que atingiu o posto de major general, decepcionado com a política de seu país no início do século XIX, retira-se para a França, naturalizando-se francês, e passa a dedicar toda a sua vida à causa da Educação Física. Em 1830, publica o “Manual de Educação Física, Ginástica e Moral”, no qual demonstra os materiais necessários para a execução dos exercícios propostos, bem como desenha os aparelhos presentes em seu ginásio de ginástica. (MARINHO, 1980). Figura 5: Amoros. Fonte: Amoros.jpeg (2018). Soares (2001, p. 61) demonstra que o método arquitetado por Amoros pressuponha: “Através da ginástica, que por si só promoveria a saúde, criaria homens fortes, seria possível aumentar a riqueza e a força, tanto do indivíduo quanto do Estado”. Seu método ginástico em muitos pontos se assemelhava ao de Ling na Suécia e era dividido em quatro ramos: civil e industrial, militar, médico e cênico ou funambulesco. 30 UNIUBE A proposta de exercícios para a ginástica civil, por exemplo, constava de quinze séries, entre as quais, destacamos os seguintes exercícios: • ritmados e cantados, com finalidade de ativar os movimentos respiratórios; • de marchar e correr, levando ao hábito da execução de corridas de fundo e de velocidade; • de saltos em altura, em profundidade e extensão; • de equilíbrio; • de transposição de obstáculos naturais, por exemplo, barreiras e muros; • de lutas com finalidade de subjugar adversários; • de nadar com intuito de salvamento; • de tiro e esgrima; • de equitação; • de danças, tanto militares quanto as presentes na sociedade. É possível observar que, na proposta de Amoros, os exercícios apresentavam marcadamente um sentido utilitário. (MARINHO, 1980). No entanto, para muitos historiadores, é Georges Demeny, biólogo, fisiologista e pedagogo, por haver dedicado toda sua vida à Educação Física, a principal figura representativa da escola de Educação Física Francesa. UNIUBE 31 É ele quem traz, de forma mais aguçada, o significado de uma metodologia científica, baseada nas leis da física e da biologia, para o âmbito da Educação Física, insistindo no abandono de procedimentos empíricos para a área de conhecimento. Além disto, o autor preocupou-se com a saúde da mulher, propondo exercícios físicos destinados ao corpo feminino (Figura 6). “Seus estudos sobre o movimento arredondado, contínuo e também com ritmo, influenciados pela dança, levaram-no a trabalhar com a ginástica feminina.” (SOARES, 2001, p.66). Figura 6: Exercícios físicos destinados à mulher. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Demeny foi crítico da proposta da ginástica sueca e, estruturado em estudos da fisiologia aplicada, apresenta seu método com várias características, das quais destacamos: • exercícios que provoquem contrações musculares dinâmicas, concêntricas, lentas e de intensidade média; • execução de movimentos completos e contínuos, não devendo ser interrompidos e vivenciados em todas as direções; 32 UNIUBE • cada movimento deve ter um ritmo proporcional ao peso do segmento, à dificuldade de execução e ao grau de preparação física do indivíduo; • durante o trabalho manter a respiração profunda e ritmada (MARINHO, 1980). Os movimentos constantes da proposta de método criado por Demeny podem ser descritos como movimentos: • executados sem aparelhos; • de resistência contínua; • de destreza; • que levem à fadiga orgânica. Tudo isto numa execução de exercícios visando proporcionar “a saúde, a beleza, a destreza e a virilidade. E para obter tais qualidades deverão os exercícios proporcionar efeitos higiênicos, estéticos, econômicos e morais.” (MARINHO, 1980, p. 107). Também preocupava-se o autor com as questões do trato pedagógico quando da execução da ginástica, indicando que uma sessão de aula teria de satisfazer três exigências: “ser completa e útil;[...] ser graduada em intensidade e dificuldade [...] e ser interessante e conduzida com ordem e energia.” (MARINHO, 1980, p.108). Um terceiro nome proeminente da ginástica ou da escola francesa para a Educação Física certamente foi Georges Hébert (Figura 7), oficial da Marinha e diretor da Escola de Fuzileiros Navais. Ele contribuiu, em muito, para a codificação das propostas anteriores existentes na França. UNIUBE 33 Figura 7: Georges Hébert. Fonte: Lieutenant Hébert.jpg (2018). Hébert estrutura, a partir de sua projeção no cenário da Educação Física francesa, o que ficou conhecido como Método Natural de Ginástica, o qual visava à promoção da aptidão física e era destinado a avaliar força muscular, destreza e resistência. Seu senso em regulamentar os testes físicos cria doze provas para esse fim: • saltos em altura e distância com e sem impulso; • corridas de 100, 500 e 1.500 metros; • subida em corda até 5 metros sem auxílio dos pés; • lançamento de peso; • levantamento de peso; • natação e mergulho (MARINHO, 1980). Decorrente de seu trabalho origina-se o Método Francês, muito utilizado no início da Educação Física Brasileira na primeira metade do século XX, por influência da importância na época da Escola de Joinville-le-Pont. 34 UNIUBE Como professores e profissionais da Educação Física, nós, proponentes deste livro, lamentamos que tudo isto não conste, normalmente, no currículo tido como necessário ao professor de Educação Física em nossos cursos de licenciatura nos dias atuais. É importante lembrar que se não preservarmos nossa memória, dificilmente construiremos as rotas para traçar nosso futuro. A proposta de Demeny, principal representante da Escola Francesa com sua metodologia baseada nas leis da física e da biologia, poderia ser aplicada hoje no trabalho nas Academias de Ginástica e Musculação? Educação Física a partir da Alemanha2.4 Como nos casos anteriores já referidos, há muitos representantes dos movimentos ginásticos e de práticas de exercícios físicos na Alemanha, razão pela qual optamos em fazer referências aos considerados de expressão e que de certa forma influenciaram a caminhada da Educação Física no Brasil. Com maior ou menor intensidade, um dos principais motivos do aparecimento dos métodos ginásticos na Europa pode ser atrelado ao momento de estabelecimento das demarcações territoriais dos países daregião. Este também é o caso da Alemanha, onde as propostas relacionadas aos exercícios visavam à saúde, à robustez e à força de seus cidadãos, todos imbuídos de um espírito nacionalista que poderia ser desenvolvido pelas práticas gímnicas. Práticas gímnicas São práticas benéficas para os indivíduos em todos as fases da vida, tais práticas podem contribuir para um melhor desempenho motor nas tarefas da vida diária, funcionais e/ou atividades esportivas. UNIUBE 35 É neste contexto que Guts Muths (Figura 8), considerado o grande nome inicial da ginástica moderna em seu país, centrada em pressupostos pedagógicos de Rousseau, entre muitas obras editadas, publica duas obras que serão referências: em 1793 temos a “Ginástica para a Juventude”, na qual especifica os princípios pedagógicos de seu trabalho, e em 1817 há o “Livro da Ginástica para os Filhos da Pátria”, enfatizando o sentido político nacionalista de sua obra. (MARINHO, 1980) Figura 8: Georges Hebert. Fonte: -C-F-GutsMuths.jpg (2018). A ginástica proposta por esse autor estruturava-se nas bases da fisiologia e era dever do Estado a sua implantação e controle. A regularidade das práticas era diária e nela deveriam estar todos os cidadãos, homens, mulheres e crianças. (SOARES, 2001). A proposta metodológica de movimentos ginásticos para todos, ideário de Guts Muths, adentra mais intensamente na escola por meio do trabalho de Adolph Spiess com o Seu Sistema de Ginástica, o qual contava com: 36 UNIUBE 1 - Exercícios Livres para membros superiores e inferiores. 2 - Exercícios de Suspensão – barras, paralelas e cordas. 3 - Exercícios de Apoio com balanceamento. 4 - Ginástica Coletiva – marchas ordem unida. (SOARES, 2001). A importância de Spiess para a Educação Física Escolar, como nós a concebemos hoje, foi fundamental. Ele adaptou os movimentos ginásticos mais gerais ao espaço escolar, indicando que sua prática deveria ser realizada todos os dias em um dos períodos, com classes por idade, devendo o professor ter preocupação com as questões posturais dos alunos. PONTO-CHAVE Segundo Marinho (1980, p.125), a crítica que se pode destinar ao trabalho de Spies reside na falta de critérios sólidos para o desenvolvimento das aulas propostas e os exercícios escolhidos não passavam por uma avaliação consistente no que diz respeito aos valores de pesquisa científica. “Sem abundância de flexionamentos, escassas as aplicações, assoberbado de ginástica de aparelhos, dificilmente este sistema poderia levar os alunos àquele equilíbrio que Spiess procurava”. Como informação importante, temos que na segunda metade do século XIX o Exército Brasileiro adota oficialmente, em suas linhas, o método alemão, sendo este substituído pelo francês apenas na segunda década do século XX. UNIUBE 37 Por sua vez, Soares (2001) informa que, para as escolas no Brasil, o método alemão não foi considerado adequado, adentrando ao espaço escolar o método francês. A Ginástica alemã aparece em que contexto geral da Europa do século XIX? Mais ainda, formulada por Guts Muths e levada à escola por Spiess, quais problemas aconteceram nessa transposição? Educação Física a partir dos EUA2.5 Analisar o desenvolver o histórico da Educação Física nos Estados Unidos da América, no que diz respeito a uma certa originalidade, faz sentido se começarmos a partir do século XVIII quando da independência desse país, bem como da criação das academias. É a partir deste contexto que se pode notar a importância da prática de exercícios físicos para os estudantes. Comprovação disto é encontrada na obra de Benjamin Franklin destinada a jovens. Diz Marinho (1980, p.142) Em 1743, aparece sua obra “Propósitos relacionados com a Educação da Juventude em Pensylvania”. Ele recomenda às academias serem organizadas para preparar a juventude para a sociedade. A escola deve ter uma “posição saudável” com jardim, horta, campos e gramados. Devem tomar-se as providências para que os alunos possam brincar, correr, saltar, lutar e nadar. Alguns anos depois é organizada, em Filadélfia, uma escola segundo essas características. No século XIX, nos Estados Unidos da América, já encontramos a declarada importância para a saúde da prática de jogos, recreação (Figura 9), exercícios físicos (estes, especialmente, vinculados aos movimentos ginásticos). 38 UNIUBE Figura 9: Recreação. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Em 1824 temos a gênese da ginástica alemã no país, por meio de Charles Beck, como pode ser comprovado pelo relato de um aluno de Beck mencionado por Marinho (1980, p. 143) O Dr. Beck era professor de ginástica. Um espaçoso terreno foi reservado para tal fim e equipado com todos os aparelhos usados na ginástica alemã. Toda a escola foi dividida em turmas e cada turma tinha uma hora, três vezes por semana, para instrução com o Dr. Beck. O desenvolvimento dos poderes do corpo e a força da constituição, foram aí reconhecidas pela primeira vez, como de grande importância para a educação dos rapazes. Na verdade, se nossa intenção é dar ênfase ao caminhar da Educação Física nos Estados Unidos da América, precisamos destacar duas trilhas principais ocorridas quanto à realização dos exercícios físicos: a primeira diz respeito à proposta ginástica via Calistenia; a segunda centra-se na ação das Y.M.C.A. (Young Men’s Christian Association), conhecidas entre nós brasileiros como a Associação Cristã de Moços (ACM), com unidades hoje presentes em várias cidades no Brasil, entre estas, nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. UNIUBE 39 Na trilha da calistenia, Marinho (1980, p. 145) aponta dois destaques: o primeiro é a contribuição de Catherine Beecher e sua “instituição feminina de educação superior para mulheres nos Estados Unidos”, pois Beecher insistia na importância da Educação Física e da Educação Moral. Nas aulas de Educação Física, o método utilizado era a calistenia, os exercícios eram executados ao ritmo de músicas. O segundo destaque está centrado no Dr. Dio Lewis, defensor da calistenia. Segundo esse autor, a calistenia, por ele entendida mais como sistema do que como método, era destinada ao “homem gordo, ao homem fraco ou enfermiço, aos jovens e às mulheres de todas as idades – as classes que mais necessitavam de treinamento físico”. (MARINHO, 1980, p. 145). Lewis defendia o seu sistema calistênico e combatia os métodos ginásticos, afirmando que estes serviam apenas para os ginastas e não para a população em geral, bem como criticava o treinamento militar por este centrar-se mais na parte superior do corpo. Sua argumentação exaltava os exercícios ginásticos, por meio do seu sistema, porque estes eram apropriados para o desenvolvimento da graça, da agilidade, da flexibilidade, elementos próprios para aquisição de um estado geral de saúde corpórea. Quanto à contribuição incontestável das Y.M.C.A., para a prática de exercícios físicos e desportivos nos Estados Unidos da América, ela é de fácil explicação. As associações tiveram sua gênese numa releitura do cristianismo, para a qual a prática de exercícios pode “promover um caráter cristão e que esse bem-estar físico e essa sã recreação conduz ao bem-estar moral”. (MARINHO, 1980, p.148). Calistenia Exercícios físicos em que se procura movimentar variados grupos musculares, enfocando o esforço e a potência. 40 UNIUBE As Y.M.C.A têm sua origem na Inglaterra, com o objetivo inicial de congregar jovens para o estudo da Bíblia, passando, posteriormente, a incluir nessas reuniões as práticas de ginásticas e, mais à frente, a criação e a prática de alguns dos esportes mais conhecidos entre nós, como o basquetebol com James Naismith e o voleibol com William George Morgan, apenas como exemplos. Aliás, como informação complementar, há uma disputa entre Brasil e o Uruguai para saber qual desses dois países foi o criador do Futebol de Salão, esporte também originário no interior da Associação Cristãde Moços (ACM). Quais considerações você faria como importantes a respeito da ginástica calistênica e das ACMs a partir dos Estados Unidos da América? Educação Física Desportiva Generalizada2.6 É o professor Auguste Listello (1918-2010), argelino de nascimento e cidadão francês, o responsável pela criação e disseminação do que podemos caracterizar como a proposta ou o Método Desportivo Generalizado em nosso país, especialmente a partir de sua vinda ao Brasil no início da década de cinquenta do século passado. Esse mesmo professor por várias vezes lecionou cursos no território brasileiro, num período de trinta anos. Mas você sabe o que é o Método Desportivo Generalizado? O Método Desportivo Generalizado tem por finalidade a educação integral de jovens e adultos por meio de jogos e atividades esportivas. IMPORTANTE! UNIUBE 41 Muitos pesquisadores da área da Educação Física apontam a importância da entrada desse método para o ensino dos conhecimentos da Educação Física, em especial para o trato com o tema esporte. Pode-se até afirmar, de certa maneira, que graças a ele se inicia no país o que podemos chamar de período de esportivização da Educação Física escolar. Outro fato interessante a ser mencionado refere-se a ser Listello a pessoa a introduzir no Brasil o Handebol de Salão, já no ano de 1952. A proposta da Educação Física Desportiva Generalizada instala-se no período de grandes modificações no cenário nacional, com a retomada da democracia após os anos de governo ditatorial de Getúlio Vargas e a implantação de uma estrutura industrial, a qual demandava a necessidade de crescimento do sentido de organização. Claro está que o Método Desportivo Generalizado, além de adentrar no espaço escolar com força, foi mantido pelo prazer que propiciava aos alunos pelas práticas de atividades físicas desportivas, elemento mais motivador que as propostas ginásticas anteriormente presentes na Educação Física escolar. Não resta dúvida em afirmarmos que o movimento desencadeado pelo Método Desportivo Generalizado entre nós propiciou um redimensionamento da Educação Física escolar, talvez só alterado novamente a partir do final dos anos setenta do século XX com a chamada crise da Educação Física Brasileira. 42 UNIUBE Resumo O segundo momento da Educação Física apresentado neste Capítulo 2 mostrou a riqueza da produção de vários métodos ginásticos ocorrida em países da Europa e nos Estados Unidos da América, notadamente nos séculos XVIIII e XIX. Foi, inquestionavelmente, a primeira tentativa da Educação Física se apresentar como uma possibilidade de rigor científico, já aqui atrelada mais aos fatores e às justificativas anatômicas e fisiológicas, procurando o desenvolvimento e a manutenção da saúde, esta entendida numa perspectiva higienista. Por outro lado, há o engrandecimento do fenômeno esportivo, o qual passa a ocupar um lugar de destaque no cenário da Educação Física, notadamente na escola. Referências AMOROS.JPEG. Largura: 334 pixels. Altura: 422. 135 KB. Formato JPEG. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_Amoros#/media/File:Amoros .jpg. Acesso em: 28 nov. 2018. DEPOSITPHOTOS. Disponível em: https://br.depositphotos.com/. Acesso em: 15 jan. 2019. GETTY Images. Disponível em: https://www.gettyimages.com.br/. Acesso em: 29 nov. 2018. J-C-F-GutsMuths.jpg. Altura: 1000 pixels. Largura: 961 pixels. 206 KB. Formato JPEG. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Guts_Muths#/media/File:J-C-F- GutsMuths.jpg.. Acesso em: 28 nov. 2018. LIEUTENANT HÉBERT.JPG. Altura: 583 pixels. Largura: 396 pixels. 39 KB. Formato JPEG. Disponível em:https://pt.wikipedia.org/wiki/Georges_H%C3%A9bert#/media/ File:Lieutenant_H%C3%A9bert.jpg. Acesso em: 28 nov. 2018. UNIUBE 43 MARINHO, Inezil P. História geral da educação física, São Paulo: Cia Brasil Editora, 1980. PEHR HENRIK LING.JPG. Altura: 675 Largura: 670. 231 Kb. Formato JPEG. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pehr_Henrik_Ling#/media/File:Pehr_ Henrik_Ling.jpg. Acesso em: 26 nov. 2018. SOARES, Carmen. Educação física: raízes europeias e Brasil, Campinas: Autores Associados, 2001. Introdução Panorâmica da Educação Física no BrasilCapítulo3 Para o desenvolvimento deste capítulo, utilizaremos mais detalhadamente as referências básicas de Inezil Penna Marinho e Lino Castellani Filho, historiadores da Educação Física, que viveram em épocas distintas e que também possuem posturas diferentes no que diz respeito ao entendimento do processo da Educação Física brasileira, além de acrescentar outros escritos ao longo do texto. Como o objetivo é demonstrar a continuidade histórica da área da Educação Física entre nós, entendido esse “nós” como o Brasil, país constituído, optamos em dividir o capítulo em dois momentos: o primeiro do Brasil Império até o fi nal da década de 70 do século passado e o segundo dos anos 80 do século passado aos nossos dias. Justifi ca-se essa divisão porque o primeiro período, mesmo com vários momentos de propostas bem diferenciadas para a área, não contou com a tentativa de quebra de paradigma no oferecimento da Educação Física. Apenas nos anos 80 do século XX é que ganha força no Brasil um movimento de redirecionar de maneira bem clara os destinos da Educação Física. 46 UNIUBE 3.1 Do Brasil Império até a década de 1970 do século XX 3.2 Da década de 1970 do século XX aos dias atuais 3.2.1 Propostas de Abordagens Pedagógicas para a Educação Física Escolar 3.2.2 Proposta de Regulamentação da Profissão Esquema Ao final do estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • listar e comentar as propostas metodológicas de Educação Física propostas no Brasil Império, bem como seus principais objetivos; • demonstrar a importância de Rui Barbosa para a implantação da Educação Física Escolar; • mostrar os sentidos higienista e de eugenia presentes na Educação Física escolar brasileira no final do século XIX e início do século XX; • avaliar as tendências pedagógicas surgidas na Educação Física escolar a partir da década de setenta do século XX; • analisar, nas perspectivas políticas e administrativas, o aparecimento do CONFEF (Conselho Federal de Educação Física) e dos CREFs (Conselhos Regionais de Educação Física) e a ação destes órgãos junto ao desempenho profissional. Objetivos Do Brasil Império até a década de 1970 do século XX3.1 Como ponto de partida, justificaremos, a seguir, que a abordagem deste capítulo se inicia no Brasil Império porque é a partir deste momento que podemos caracterizar com maior clareza o que podemos chamar de uma Educação Física, enquanto participante do universo escolar. UNIUBE 47 Sendo assim, como falamos, a primeira fase desse período pode ser caracterizada como a do Brasil Império, ou seja, entre os anos de 1822 e 1889. Fato importante mencionado neste espaço de tempo ocorreu em 1823 quando, ao se discutir na Assembleia Constituinte, convocada por D. Pedro para a elaboração da primeira constituição brasileira, encontramos uma proposta assim descrita por Marinho (s/d, p.22) [...] será reputado benemérito da pátria, e como tal condecorado com a Ordem Imperial do Cruzeiro ou nela adiantado, se já a tiver, aquele cidadão, que até o fim do corrente ano, apresentar a Assembleia melhor tratado de educação física, moral e intelectual para a mocidade brasileira. Interessante notar que a tramitação de processos nos órgãos políticos, já nesta época, sofre da mesma morosidade de hoje, pois esse assunto educacional volta a ser apreciado apenas em 1837. Já em 1854, é apresentado à Assembleia Geral Legislativa a proposta para a reforma do ensino e nela havia a inclusão da ginástica nos currículos das escolas públicas, fato que corresponderia a um primeiro e importante avanço para a Educação Física e a Educação de um modo geral. Sem correr em erro, pode-se afirmar que os destinos da Educação Física nesse período estiveram atrelados aosprincípios vivenciados em colégios militares, tais como hierarquia, disciplina, ordem, força, saúde, robustez. (MARINHO, s/d). Em sua obra, Marinho (s/d, p.27) enaltece a contribuição dos pareceres de Rui Barbosa (Figura 1) em prol da Educação Física, afirmando tendo estes pareceres “larga repercussão, influindo decisivamente para que a Educação Física encontrasse ambiente favorável ao seu desenvolvimento”. 48 UNIUBE Figura 1: Rui Barbosa. Fonte: Rui Barbosa.jpg (2018). Marinho (s/d, p.27) explicita ainda mais a importância de Rui Barbosa quando registra: A contribuição de Rui Barbosa em seus Pareceres sobre as Reformas do Ensino Secundário e Superior e do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares, para que, em nosso país se criasse uma mentalidade favorável à prática de atividades físicas, quer sob a forma de ginástica, quer sob a de desportos ou exercícios militares, é tão admirável que ele bem merece o título de Paladino da Educação Física no Brasil, que lhe outorgamos em uma de nossas obras. Castellani Filho (2001), partindo de uma visão mais crítica sobre o processo de constituição histórica da Educação Física brasileira, por sua vez, apresenta uma argumentação consistente de discordância da visão anteriormente referida, lembrando que todo esse processo é oriundo de UNIUBE 49 uma visão higienista de educação escolar. Mencionando Jurandir Freire da Costa, revela: [...] A ética colonial repudiava o trabalho. O branco livre não se imaginava exercendo uma profissão que lhe exigisse ocupação manual. O chefe de família digno não trabalhava: vivia de rendas ou da exploração parasita do trabalho dos outros. Se não era proprietário de terras ou comerciante, procurava locupletar-se em algum cargo burocrático da administração pública. Quando nenhuma dessas possibilidades surgia, sugava o trabalho escravo até a última gota...”. (CASTELLANI FILHO, 2001, p. 45). Conforme adverte Castellani Filho (2001), a Educação Física era rechaçada enquanto relacionada à atividade física produtiva, isto é, a “trabalho”, portanto, não o era – como continua não o sendo – no outro sentido. Por outro lado, em sua compreensão de atividade de não trabalho, em seu sentido lúdico, de preenchimento do ócio e do tempo livre, pelo contrário, sempre foi valorizada pela classe dominante (ROUYER, J. 1977, apud CASTELLANI FILHO, 2001). Ao falar do desenvolvimento da história da Educação Física no século XX, não podemos deixar de mencionar as contribuições do trabalho de Fernando de Azevedo, autor de alguns livros e principal representante, na primeira metade desse século, da revista Educação Physica, o qual deixava clara a sua admiração pela presença de Rui Barbosa junto à Educação Física brasileira. Defensor da eugenização do povo brasileiro, Azevedo apresentava a Eugenia como “ciência ou disciplina que tem por objeto o estudo das medidas sociais-econômicas, sanitárias e educacionais que influenciam, Visão higienista O Movimento Higienista teve como preocupação central a saúde individual e coletiva da população, sendo a escola lócus apropriedado para a disseminação de novos hábitos higiênicos. 50 UNIUBE física e mentalmente, o desenvolvimento das qualidades hereditárias dos indivíduos e, portanto, das gerações [...]”, afirmações essas encontradas em Castellani Filho (2001, p.55). Por essa razão fica evidente a importância que Fernando Azevedo destinava à Educação Física: melhorar e preservar a eugenia da raça por meio da vivência de atividades físicas. Prova disto encontramos em Castellani Filho (2001, p. 56) O raciocínio era simples: mulheres fortes e sadias teriam mais condições de gerarem filhos saudáveis, os quais, por sua vez, estariam mais aptos a defenderem e construírem a Pátria, no caso dos homens, e de tornarem mães robustas, no caso das mulheres. Duas vertentes, pode-se dizer, caminharam paralelamente na história da Educação Física no Brasil: a eugenização da raça e a forte influência do pensamento higienista. Estas trilhas permitem afirmar que a Educação Física recolhe o corpo mulher para as atividades de ginástica, fato esse anteriormente considerado pouco evidente. Daí a preocupação de Fernando Azevedo em propiciar a prática “da Ginástica a ambos os sexos na formação do professorado e nas escolas primárias de todos os níveis” e, especificamente, às mulheres propunha “atividades ginásticas que atinassem para a harmonia de suas formas feminis e às exigências da maternidade futura”. (CASTELLANI FILHO, 2001, p. 58). Eugenização da raça: a Eugenia pretendia promover o desenvolvimento das qualidades hereditárias dos indivíduos e, portanto, das gerações, ou simplesmente, a purificação da raça. Neste contexto, à Educação Física, influenciada pelo modelo social europeu da época, caberia um papel preponderante, ou seja, por meio dos exercícios ginásticos, mulheres fortes e sadias teriam condições de gerarem filhos saudáveis. SAIBA MAIS UNIUBE 51 Esse mesmo autor lembra que as reformas educacionais instituídas em muitos estados brasileiros na década de vinte do século XX já contemplavam a Educação Física no contexto dos conteúdos programáticos, destinados às escolas do ensino primário e secundário. Soares (2001, p.68-69)), por sua vez, corroborando Castellani Filho (2001), demonstra que o decorrer da Educação Física no período da segunda metade do século XIX até a década de trinta do século XX esteve muito atrelado às instituições médicas e militares. Neste trabalho, as instituições médicas foram privilegiadas e o discurso médio higienista ouvido, pois acreditamos poder encontrar, nessas instituições e no seu discurso, elementos que nos auxiliem na compreensão da Educação Física como sinônimo de saúde física e mental, como promotora de saúde, como regeneradora da raça, das virtudes e da moral. Toda essa presença dos médicos na área da Educação Física propicia o que a autora chama de uma pedagogia da boa higiene, pedagogia essa oferecida às famílias para o estabelecimento de normas de vida, que, entre outras condutas e cuidados, estava presente a importância dos exercícios físicos. Pela argumentação até aqui desenvolvida, nos dizeres de Soares (2001, p.91), fica patente que a Educação Física brasileira, “em suas primeiras tentativas para compor o universo escolar, surge como promotora de saúde física, da higiene física e mental, da educação moral e da regeneração ou reconstituição das raças”. Ainda como importante, devemos mencionar, especialmente no decorrer dos anos trinta e quarenta do século XX, a íntima relação encontrada nos documentos delineadores da Educação Nacional, das áreas de Educação Cívica e da Educação Física. No Plano Nacional de Educação construído 52 UNIUBE em 1937, o ensino cívico aparecia em todos os graus de escolarização e a Educação Física era obrigatória nos cursos primário e secundário. É também nesta década de trinta do século XX que deparamos com o que pode ser reconhecido como a militarização da Educação Física. Quem nos traz esta informação é Castellani Filho (2001, p. 87) ao relatar um trecho do artigo de Hélion Póvoas na revista “Educação Física” de novembro de 1938: Entreguemos ao exército todos os poderes para que, no setor de Educação Física, ponha em prática, em todo o território nacional, sua técnica disciplinadora que é, no momento, um evangelho salutaríssimo à nação. Para nos pôr a salvo das tormentas, organizando a nossa defesa, o exército glorioso precisa de um “Homem brasileiro”, com todas as letras maiúsculas, bem maiúsculas. Confiantes, entreguemo-nos a ele, porque só ele dispõe dos elementos necessários a um renascimento de vigor físico indispensável à organização bélica de uma Pátria, ainda que a mais pacífica, como a nossa. Seja o Brasil, todo ele, no tocante à Educação Física, uma Escola de Educação Física do Exército[...]. Adentrando na década de quarenta, deparamos com o desenvolvimento daSegunda Guerra Mundial (Figura 2), e o Brasil de Getúlio Vargas, identificado com as propostas ideológicas vindas da Alemanha e Itália, tenta a formação da “Juventude Brasileira”, razão de implantar com grande convicção nas escolas a obrigatoriedade da Educação Cívica, Moral e Física. Melhor explicitando, nas palavras desse presidente, o objetivo desta empreitada era “incrementar a educação física nas novas gerações, organizando a juventude por forma a constituir reserva facilmente mobilizável, sempre que houver objetivo patriótico a alcançar”. (CASTELLANI FILHO, 2001, p. 89). UNIUBE 53 Figura 2: Segunda Guerra Mundial. Fonte: Getty Images Acervo EAD-Uniube. É neste contexto que, em 1939, cria-se a Escola Nacional de Educação Física e Desportos atrelada à Universidade do Brasil. Você se lembra do que estudou acerca do governo de Getúlio Vargas? O governo de Getúlio Vargas se estendeu de 1937 a 1945 e foi chamado de Estado Novo. Em seu governo, o presidente centralizou o poder Executivo, em sua pessoa, de forma semelhante ao modelo nazifascista europeu, dos anos de 1930 a 1940. Sugerimos as seguintes leituras para relembrar esse período e compreender melhor esse momento histórico: Primeiro: Estado Novo (1937 – 1945), de Cláudio Fernandes, site UOL. Para isso, acesse: https://historiadomundo.uol.com.br/idade-contemporanea/estado- novo-1937-1945.htm RELEMBRANDO 54 UNIUBE Segundo: Era Vargas - Estado Novo (1937 - 1945), de Rainer Sousa, site Mundo Educação, acesse: https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiadobrasil/era-vargas-estado- novo.htm De uma forma breve e didática, os textos nos fazem relembrar esse conteúdo. Na internet, você pode encontrar, também, outros artigos acerca do assunto! Vale a pena conferir!!! Para justificar a criação da Escola Nacional de Educação Física, o então Ministro da Educação e Saúde da época, Gustavo Capanema, faz referências à Constituição em vigor, mais especificamente em seu artigo 131, o qual estabelecia a obrigatoriedade da Educação Física em todas as escolas primárias, normais e secundárias do Brasil, fato esse lembrado por Castellani Filho (2001). Esse mesmo autor informa que, como consequência desse momento político, em 1941 há a promulgação do Decreto-Lei 3.199 com a finalidade de estabelecer normas, sobretudo, normas reguladoras e cartoriais, sobre a organização desportiva em nosso país, decreto esse que perdurou até o ano de 1975. No período pós Estado Novo, a Educação Física pode ser identificada como uma atividade curricular presente nas estruturas organizacionais da escola. Como atividade, ela não se consagra como uma área de conhecimento detentora de um saber próprio. Continua sendo apresentada como importante por sua característica de atuar no aprimoramento da aptidão física dos brasileiros, destinada unicamente à educação do físico e estruturada em bases anatômicas, fisiológicas e biológicas. Esses objetivos sempre estiveram presentes no contexto da Educação Física escolar. UNIUBE 55 A partir dos anos cinquenta, ainda do século XX, temos a presença marcante do que veio a ser conhecido como a implantação da proposta da Educação Física Desportiva Generalizada no Brasil, ainda sob influência de Auguste Listello, como vimos com detalhes no final do capítulo anterior. Esta proposta ganha muita força no país por dois motivos, que podemos considerar os principais: • o elevado número de cursos ministrados por Listello no território nacional entre os anos 50 e 60; • a adoção do método por dois importantes autores na área da Educação Física entre nós, Alfredo Gomes de Faria Junior e Inezil Penna Marinho. Na década de setenta, ainda do século XX, explode em vários países um movimento denominado Esporte para Todos – EPT, movimento esse que teve por finalidade principal se opor à hegemonia do esporte de rendimento já bastante difundido nos meios escolares, também com reflexos na Educação Física patrocinada pelos órgãos governamentais por aqui. Também neste período, dominado pelo governo militar em nosso país, encontramos uma reformulação das propostas curriculares para o terceiro grau, ou seja, para os cursos superiores e para as universidades, introduzindo a obrigatoriedade para todos os cursos e áreas das disciplinas Organização Social e Política Brasileira (OSPB) e Educação Física, “casualmente” eliminando a obrigatoriedade da Filosofia. Moreira (1985, p.73), em livro oriundo de sua dissertação de Mestrado, editado no início dos anos oitenta, faz críticas a este procedimento dicotômico, afirmando que “considera a Educação Física como expressão acima do antagonismo educação física versus educação intelectual, ambas se complementando na cultura de seu povo”. 56 UNIUBE Esse autor, já na época, defendia a educação integral do educando, recorrendo ao pensamento de Rouyer (1977, p.191): A natureza específica de uma educação física não se pode definir senão em relação à totalidade da educação concebida no seu conjunto. É necessário que voltem a equacionar-se as razões que fundamentaram as diversas “matérias”, as distintas disciplinas do ensino. Não se trata apenas de acrescentar à educação intelectual uma educação física; é necessário estudar uma e outra e repensar o conjunto. Ainda em suas considerações finais, Moreira (1985, p.141) sugere que a Educação Física busque sua identidade cultural no nosso país, ultrapassando a história de alienação que a persegue ao longo dos anos, propiciando “contribuir para o desenvolvimento integral de indivíduos autônomos, democráticos, críticos e participantes”. Leia mais sobre o assunto abordado neste capítulo. Recomendamos a leitura do Cap. 3 (A história da Educação Física no Brasil) do livro “Educação Física, esportes e corpo: uma viagem pela história” (CAPRARO e SOUZA, 2017), disponível na Biblioteca Virtual Pearson, no AVA – Ambiente Virtual de Aprendizagem. AMPLIANDO O CONHECIMENTO Da década de 1970 do século XX aos dias atuais3.2 O período entre o final da década de 1970 e o início da década de 1980 do século passado foi conhecido, na área, como o momento de crise da Educação Física brasileira, época em que emerge um movimento de intelectuais professores da área, na tentativa de quebrar o paradigma até então vigente na história da Educação Física, quer como área de produção de conhecimento, quer como explicitação de uma disciplina ou de um conteúdo a ser desenvolvido no âmbito escolar. UNIUBE 57 Importante, da mesma forma, é registrar que neste período há o aparecimento do Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) e dos Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs) como órgãos com a finalidade de regular a atividade profissional. Os dois parágrafos anteriores justificam a subdivisão deste capítulo, pois estaremos analisando tanto as propostas pedagógicas que foram criadas para a Educação Física escolar, quanto as diretrizes de ação do CONFEF. Apenas deixamos para uma análise posterior, que se dará no sexto capítulo, as produções surgidas de identificação da Educação Física como possível área de conhecimento científico. 3.2.1 Propostas de Abordagens Pedagógicas para a Educação Física Escolar No tocante ao âmbito escolar, talvez uma das principais contribuições para a tentativa de quebra do paradigma anterior existente na área centra-se na produção e explicitação das abordagens pedagógicas da Educação Física escolar. Dessa forma, entram em cena várias maneiras de se encarar o trato pedagógico dos conhecimentos específicos da área, entre as quais, destacaremos quatro, pelo critério de serem as mais veiculadas entre os professores da Educação Física. Para cumprir essa missão, apropriamo-nos do artigo de Darido (2008), o qual sintetiza bem as propostas. 58 UNIUBE Vejamos. 3.2.1.1 Abordagem Desenvolvimentista Primeira a mencionarmos neste estudo é a Abordagem Desenvolvimentista, construída principalmente por autores da área da Educação Física da Universidadede São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (UNESP), Go Tani, Edson de Jesus Manoel, Eduardo Kokubun e José Elias de Proença, por proposta editada no Livro “Educação Física Escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista” – Tani et all (1988). Esta proposta, assim como suas referências, centra as preocupações principais da Educação Física escolar no movimento, recorrendo a alguns autores, por exemplo, David Gallahue. Segundo Darido (2008, p.1), [...] a proposta explicitada por eles [...] é dirigida especificamente para crianças de quatro a quatorze anos e busca nos processos de aprendizagem e desenvolvimento uma fundamentação para a Educação Física escolar. Segundo eles é uma tentativa de caracterizar a progressão normal do crescimento físico, do desenvolvimento fisiológico, motor, cognitivo e afetivo-social, na aprendizagem motora e, em função destas características, sugerir aspectos ou elementos relevantes para a estruturação da Educação Física Escolar. A justificativa pelo trato da habilidade motora, presente na proposta, é dada porque é por meio desta que o ser humano consegue se adaptar e resolver problemas motores para uma vivência plena. Os conteúdos sugeridos para os professores de Educação Física na escola, a serem desenvolvidos por meio de um processo pedagógico UNIUBE 59 lógico, ou seja, do mais simples para o mais complexo, centram-se no trato das habilidades, das básicas até as mais específicas ou complexas. As habilidades básicas podem ser observadas por meio das: locomotoras, como andar, correr e saltar, por exemplo; manipulativas, como arremessar, chutar, rebater, entre outras; de estabilização, entre estas, as de girar e flexionar (DARIDO, 2008). A repercussão desta abordagem foi muito grande e sua presença bem marcante nas aulas de Educação Física em escolas brasileiras. 3.2.1.2 Abordagem Construtivista-Interacionista Já a Abordagem Construtivista-Interacionista, segunda aqui relatada, tem projeção no cenário da Educação Física escolar a partir da publicação do livro “Educação de Corpo Inteiro”, do professor João Batista Freire. Esta proposta, ainda segundo Darido (2008), fez parte da estruturação 60 UNIUBE da Educação Física escolar, no estado de São Paulo, de um projeto desenvolvido pela Coordenação de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP) para as aulas de Educação Física nas escolas. Elementos como: • respeitar as experiências dos alunos; • considerar suas diferenças individuais e • buscar a interação do sujeito com o mundo faz parte da proposta, centrada principalmente nos escritos de Jean Piaget. Jean Piaget foi um biólogo e cientista suíço que estudou o desenvolvimento humano, isto é, como o ser humano aprende. Para isso, Piaget identificou e explicou conceitos como Adaptação, Acomodação, Assimilação, Equilíbrio Majorante, entre outros. Observando a criança, ele estudou como ela constrói seu raciocínio em relação a concepções como espaço, tempo, contingências, movimento, etc. Segundo o cientista, a criança passa por estágios de desenvolvimento, da infância à adolescência, para que consiga atingir seu estado pleno de raciocínio. Um dos pontos-chaves, defendido por Piaget, é que, para aprender, a criança deve fazer suas próprias descobertas, ou seja, a aprendizagem é construída pelo aprendiz. Nesse sentido, o professor deve oportunizar meios e provocar a aprendizagem. Segundo o estudioso, a aprendizagem da criança também depende de seu desenvolvimento biológico, afinal, não há como ensinar um bebê de três meses a andar, não é mesmo? Piaget é um dos cientistas mais importantes do desenvolvimento humano, por isso é tão importante conhecer e estudar suas ideias fundamentais e seu campo de investigação, chamado de Epistemologia Genética. Esse é um conhecimento fundamental ao educador! RELEMBRANDO UNIUBE 61 Para se lembrar dos principais constructos da Epistemologia Genética, sugerimos o texto a seguir: • Jean Piaget, o biólogo que colocou a aprendizagem no microscópio”, de Marcos Ferrari. Acesse: https://novaescola.org.br/conteudo/1709/jean-piaget-o-biologo-que-colocou- a-aprendizagem-no-microscopio Na internet, você pode encontrar uma gama enorme de artigos acerca do assunto! Pesquise! O documento da CENP (1990, p. 9), aludido por Darido (2008), diz: No construtivismo, a intenção é construção do conhecimento a partir da interação do sujeito com o mundo, numa relação que extrapola o simples exercício de ensinar e aprender. [...] Conhecer é sempre uma ação que implica em esquemas de assimilação e acomodação num processo de constante reorganização. A abordagem construtivista-interacionista defendida pelo autor coloca o jogo como um elemento fundamental para a vivência das crianças porque nele há a associação do brincar e do aprender, tornando-se um grande recurso pedagógico na escola. Em outra publicação, Freire (1992, p. 114) demonstra a importância para essa abordagem da educação da motricidade das crianças, quando relata os “Métodos de Confinamento e Engorda”: Métodos de confinamento e engorda. Aplicáveis indiferentemente a porcos, vacas, galinhas e homens. Atesta-o a metodologia do traseiro, a mais cruel e 62 UNIUBE frequente nas nossas escolas. Crianças confinadas em salas e carteiras, mais imóveis que os bichos que já mencionei. Como se, para aprender, fosse necessário o contato permanente do traseiro com a carteira. Mas, assim como os nazistas o sabiam, o sistema escolar também sabe. O corpo tem que se conformar aos métodos de controle, caso contrário, as ideias não podem ser controladas. Contrariamente aos “Métodos de Confinamento e Engorda”, a abordagem Construtivista-Interacionista defendida por Freire (1992), que tem por objetivo trabalhar diferentes aspectos da motricidade humana, destaca a importância de se valorizar a cultura dos alunos, garantindo uma aprendizagem mais significativa, em que todos participam do processo de construção do conhecimento. 3.2.1.3 Abordagem Crítico-Superadora Uma terceira abordagem a ser mencionada é a denominada Crítico-Superadora, estruturada a partir de bases epistemológicas do marxismo e do neomarxismo, também presente nas escolas brasileiras. Esta aparece no início da década de noventa do século passado, especialmente por meio da produção de um livro por um grupo de autores denominado “Metodologia do Ensino da Educação Física” – Coletivo de Autores (1992), bem como o escrito de Bracht (1992). São bases dessa proposta pedagógica: como se adquire o conhecimento; a contextualização das propostas de ensino e aprendizagem; nunca perder de vista o resgate histórico das lutas humanas para a emancipação. UNIUBE 63 Conhecer implica uma reflexão político-pedagógica e a Educação Física escolar não pode se furtar disso. Soares, Taffarel e Escobar (1992, p. 217), ao se referirem a um estudo de Escobar (1990), indicam: Para nós existe uma área de conhecimento que pode ser denominada de cultura corporal. Essa área, bastante ampla, pode apresentar-se na escola a partir de temas tais como: a dança, o jogo, o esporte e a ginástica, entre outros. A educação física, então será a disciplina curricular que tratará, pedagogicamente, temas dessa cultura corporal, tendo como objeto de estudo a expressão corporal como linguagem. Importante destacarmos que essa proposta vincula-se a uma teoria crítica da educação, precisamente a pedagogia histórico-crítica de Demerval Saviani e colaboradores. Assim, busca dirigir o olhar e valorizar todas as formas de expressão da cultura corporal (ginástica, jogo, dança e esporte) com vistas a superar o modelo esportivizado da Educação Física escolar, no qual o esporte, na lógica do rendimento esportivo, era o conteúdo hegemônico das aulas. 64 UNIUBE 3.2.1.4 Abordagem Sistêmica Por fim temos a Abordagem Sistêmica, construída por Mauro Betti em seus escritos, especialmente no livro “Educação Física e Sociedade”- Betti(1991) e no artigo “Valores e finalidades na Educação Física escolar: uma concepção sistêmica” – Betti (1994). Pensar as questões curriculares para a área da Educação Física é o ponto especial dessa abordagem. Outro ponto também fundamental é considerar o binômio corpo/movimento como meio e fim da Educação Física escolar (DARIDO, 2008). O autor defende que a cultura corporal/movimento deve se apropriar dos conhecimentos já produzidos historicamente pela área da Educação Física, como jogo, esporte, dança e ginástica, estes vivenciados por práticas de movimentos e conhecidos pelos processos cognitivos. UNIUBE 65 Também é ponto fundamental na proposta a necessidade de a Educação Física escolar evitar exclusões, normalmente verificadas por valorização de performances técnicas, permitindo a todos os alunos a participação das aulas de Educação Física. Esta rápida passagem pelas principais abordagens, não no sentido de explicitá-las em detalhes nem de julgá-las ou compará-las, foi nosso propósito, deixando claro que existem outras, como as bases de uma ciência sistêmica e uma Educação Física via motricidade humana - Moreira (1992) e uma abordagem cultural - Daólio (1995). Por último, há o afloramento de outras abordagens, construídas nas bases epistemológicas já mencionadas, assim como em outras, como a Teoria da Complexidade de Edgar Morin. Comprova-se, portanto, o tempo fecundo de produções acadêmicas para a Educação Física escolar do final de década de 1970 do século passado aos nossos dias. É possível identificar se as Tendências Pedagógicas na Educação Física, construídas a partir da década de 1980 do século passado, conseguiram modificar o quadro da Educação Física Escolar? 3.2.2 Proposta de Regulamentação da Profissão No ano de 1998, no dia primeiro de setembro, foi criado o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF) por meio da Lei 9696/1998. Lei essa que tem o objetivo de regulamentar o exercício da profissão da área da Educação Física. Neste novo contexto, muito se modificou na área, desde a formação dos professores e profissionais para o campo da Educação Física até o estabelecimento de normas e critérios para a ação profissional. O 66 UNIUBE CONFEF tem representações em todos os estados brasileiros por meio dos Conselhos Regionais de Educação Física (CREFs). Até o ano de 1985, no Brasil, a formação em graduação na Educação Física se realizava em curso de Licenciatura, tendo o tempo de duração mínima para a obtenção do diploma de professor variando de três a quatro anos. Nesse ano, criaram-se dois cursos de Bacharelado para o campo da Educação Física e em 1987 é promulgada a Resolução 03/1987, indicando que a formação de graduados para a área poderia ser em Licenciatura ou Bacharelado. Com a estruturação do CONFEF na década seguinte, institui-se um organismo que estabelece critérios para a intervenção profissional para a área e, para nosso fim, descreveremos dois dos documentos mais recentes produzidos por esse Conselho Federal. O primeiro tem o título “Intervenção Profissional de Educação Física”, destinado a demonstrar a responsabilidade social da Educação Física, bem como sua necessidade de oferecer um trabalho profissional com qualidade. Nestes documentos, destacamos alguns pontos considerados importantes. O primeiro é a definição desse profissional: O Profissional de Educação Física é especialista em atividades físicas, nas suas diversas manifestações – ginásticas, exercícios físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danças, atividades rítmicas, expressivas e acrobáticas, musculação, lazer, recreação, reabilitação, ergonomia, relaxamento corporal, ioga, exercícios compensatórios à atividade laboral e do cotidiano e outras práticas corporais, Licenciatura Visa formar o professor de Educação Física para atuar em todos os ciclos da Educação Básica ministrando o componente curricular Educação Física. Bacharelado Tem por objeto a formação do profissional de Educação Física para atuar nos campos do esporte, lazer, saúde, gestão e rendimento esportivo, em diferentes cenários de prática, exceto como professor do componente curricular Educação Física na Educação Básica. UNIUBE 67 tendo como propósito prestar serviços que favoreçam o desenvolvimento da educação e da saúde, contribuindo para a capacitação e/ou restabelecimento de níveis adequados de desempenho e condicionamento físicocorporal dos seus beneficiários, visando à consecução do bem-estar e da qualidade de vida, da consciência, da expressão e estética do movimento, da prevenção de doenças, de acidentes, de problemas posturais, da compensação de distúrbios funcionais, contribuindo para a consecução da autonomia, da cooperação, da solidariedade, da integração, da cidadania, das relações sociais e a preservação do meio ambiente, observado os preceitos de responsabilidade, segurança, qualidade técnica e ética no atendimento individual e coletivo. (CONFEF, 2017, p.1). Como pode ser observado, o documento apresenta um detalhamento enorme sobre a especialidade desse profissional, e a crítica que alguns setores da área destinam a isto é a generalidade dos conceitos, bem como a não explicitação clara do objeto de estudo da Educação Física. Da mesma forma, quando se analisa toda essa descrição, encontram-se, ao mesmo tempo, delineamentos gerais (exercícios físicos) e específicos (ergonomia e ioga como exemplos), dificultando a possibilidade de criar balizamentos para a área. Claro está que o objetivo do documento é garantir o desempenho profissional do graduado (bacharel) em Educação Física, razão do nível de detalhamento. No entanto, também apresenta alguns conceitos que ainda a área não consegue delinear com o devido rigor acadêmico. Por exemplo, no texto anterior, vê-se a ênfase no exercício físico e, no próximo, destinado a apresentar os locais de intervenção, a ênfase é no termo atividade física. O exercício do Profissional de Educação Física é pleno nos serviços à sociedade, no âmbito das Atividades Físicas e Desportivas, nas suas diversas manifestações e objetivos. O Profissional de Educação Física atua como autônomo e/ou em Instituições e Órgãos Públicos e Privados de prestação de serviços 68 UNIUBE em Atividade Física, Desportiva e/ou Recreativa e em quaisquer locais onde possam ser ministradas atividades físicas, tais como: Instituições de Administração e Prática Desportiva, Instituições de Educação, Escolas, Empresas, Centros e Laboratórios de Pesquisa, Academias, Clubes, Associações Esportivas e/ou Recreativas, Hotéis, Centros de Recreação, Centros de Lazer, Condomínios, Centros de Estética, Clínicas, Instituições e Órgãos de Saúde, “SPAS”, Centros de Saúde, Hospitais, Creches, Asilos, Circos, Centros de Treinamento Desportivo, Centros de Treinamento de Lutas, Centro de Treinamento de Artes Marciais, Grêmios Esportivos, Logradouros Públicos, Praças, Parques, na natureza e outros onde estiverem sendo aplicadas atividades físicas e/ou desportivas. (CONFEF, 2017, p.1). A par deste documento, no ano de 2015, também foi produzido em sua décima nona edição, o “Código de Ética dos Profissionais de Educação Física”, do qual também destacamos o Artigo 4º., do Capítulo II, que trata dos princípios e diretrizes. Art. 4º.- O exercício profissional em Educação Física pautar-se-á pelos seguintes princípios: I – o respeito à vida, à dignidade, à integridade e aos direitos do indivíduo; II – a responsabilidade social; III – a ausência de discriminação ou preconceito de qualquer natureza; IV – o respeito à ética nas diversas atividades profissionais; V – a valorização da identidade profissional no campo das atividades físicas, esportivas e similares; VI – a sustentabilidade do meio ambiente; VII – a prestação, sempre, do melhor serviço, a um número cada vez maior de pessoas, com competência, responsabilidade e honestidade; VIII– a atuação, dentro das especificidades do seu campo e área de conhecimento, no sentido da educação e desenvolvimento das potencialidades humanas, daqueles aos quais presta serviços. (CONFEF, 2015, p.1). UNIUBE 69 Neste momento em que o CONFEF completa duas décadas de existência, pode ser observado que muito se fez para a regulamentação da profissão e também que muitos caminhos ainda devem ser trilhados no futuro, para os quais acertos devem ser mantidos e algumas rotas serem alteradas, visando à estabilidade da profissão. Como você analisa a criação do sistema CONFEF-CREFs? Quais contributos esse sistema pode trazer à área da Educação Física? Resumo A Educação Física como a conhecemos entra na história do Brasil a partir da época do Império, por meio dos métodos ginásticos, especialmente o Francês e depois o Desportivo Generalizado, via aulas de Educação Física nas escolas. Algumas personalidades são importantes para esse primeiro momento, como Rui Barbosa e, mais à frente, Auguste Listello. Na primeira metade do século XX, vemos a passagem da importância dos métodos ginásticos mais tradicionais para o sentido da prática esportiva, situação essa só modificada com a “crise” da Educação Física no final da década de setenta e o surgimento de propostas pedagógicas alternativas, como, entre outras: a desenvolvimentista, a crítico-superadora, a construtivista e mais centrada na perspectiva sociológica. No aspecto político surge no final desse século XX a constituição do CONFEF e dos CREFs com a missão de supervisionar a ação profissional. 70 UNIUBE Referências BETTI, Mauro. Educação Física e sociedade. São Paulo: Movimento, 1991. ______, Mauro. Valores e finalidades na Educação Física escolar: uma concepção sistêmica. Revista Brasileira de Ciência do Esporte, v 16, n 1, 1994, p.14-21. BRACHT, Valter. Educação Física e aprendizagem social. Porto Alegre: Magister, 1992. CAPRARO, André Mendes, Souza, Maria Thereza Oliveira. Educação Física, esportes e corpo: uma viagem pela história (Livro eletrônico). Curitiba: InterSaberes, 2017. CASTELLANI FILHO, Lino. Educação Física no Brasil: a história que não se conta. Campinas: Papirus, 2001. COLETIVO DE AUTORES. Metodologia do ensino da Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992. CONFEF. Código de Ética: qualidade profissional em defesa da Ética e da Sociedade. Rio de Janeiro: Sistema CONFEF/CREFs, 2015. Disponível em: <www.confef.org.br/confef/resolucoes/381/>. Acesso em: 15 jan. 2019. _______. Intervenção do Profissional de Educação Física. Rio de Janeiro: Sistema CONFEF/CREFs, 2017. Disponível em: <www.confef.org.br/confef/ resolucoes/82/>. Acesso em: 15 jan. 2019. DAÓLIO, Jocimar. Da cultura do corpo. Campinas: Papirus, 1995. DARIDO, Suraya Cristina. As principais tendências pedagógicas da Educação Física escolar a partir da década de 80. Motricidade. Disponível em: http://www. motricidade.com. 2008. Acesso em: 02 nov. 2018. DEPOSITPHOTOS. Disponível em: https://br.depositphotos.com/. Acesso em: 15 jan. 2019. GETTY Images. Disponível em: https://www.gettyimages.com.br/. Acesso em: 29 nov. 2018. UNIUBE 71 FERNANDES, Cláudio. Estado Novo (1937 – 1945). Disponível em: https://historiado mundo.uol.com.br/idade-contemporanea/estado-novo-1937-1945.htm. Acesso em: 04 dez. 2018. FERRARI, Marcos. Jean Piaget, o biólogo que colocou a aprendizagem no microscópio. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/1709/jean-piaget-o- biologo-que-colocou-a-aprendizagem-no-microscopio. Acesso em: 05 dez. 2018. FREIRE, João Batista. Métodos de confinamento e engorda (como fazer render mais porcos, galinhas, crianças...), In: MOREIRA, Wagner Wey (Org.). Educação Física e esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1992. MARINHO, Inezil Penna. História da Educação Física no Brasil. São Paulo: Cia Brasil Editora, s/d. MOREIRA, Wagner Wey. Prática da Educação Física na Universidade. Campinas: Editora Unicamp, 1985. ________, Wagner Wey. Por uma visão sistêmica na pedagogia do movimento. In MOREIRA, Wagner Wey (Org.). Educação Física e Esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1992. ROUYER, Jacques. Desporto e desenvolvimento humano: pesquisas sobre o significado humano do desporto, dos tempos livres e problemas da história da Educação Física. Lisboa: Seara Nova, 1977. RUI BARBOSA.JPG. Altura: 734 Largura: 485. 274 KB. Formato JPEG. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ruy_Barbosa. Acesso em: 25 nov. 2018. SOARES, Carmen Lúcia. Educação Física: raízes europeias e Brasil. Campinas: Autores Associados, 2001. SOARES, Carmen Lúcia; TAFFAREL, Celi Nelza Zulke; ESCOBAR, Micheli Ortega. A Educação Física escolar na perspectiva do século XXI. In: MOREIRA, Wagner Wey (Org.) Educação física e esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 1992. SOUSA, Rainer. Era Vargas – Estado Novo (1937 – 1945). Disponível em: https:// mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiadobrasil/era-vargas-estado-novo.htm. Acesso em: 04 dez. 2018. 72 UNIUBE TANI, Go; MANOEL, Edson de Jesus; KOKUBUN, Eduardo, PROENÇA, José Elias de. Educação Física escolar: fundamentos de uma abordagem desenvolvimentista. São Paulo: EPU/EDUSP, 1988. Introdução Panorâmica do esporte no ocidenteCapítulo4 Discorrer sobre o esporte na sociedade ocidental é demonstrar a importância que este fenômeno tem ao longo do tempo. Razão disto é encontrá-lo em todos as épocas e manifestando-se das mais variadas formas. Há, com certeza, a presença de manifestações esportivas junto ao ser humano com registros detalhados desde eras remotas, como a da história do Egito. Mas, por ser um marco de maior visibilidade, iniciaremos nosso passeio pelos tempos a partir da Grécia Antiga. Neste primeiro momento, recorremos à obra de Jose Maria Cagigal, em seus três volumes “Obras Selectas” – Cagigal (1984). Como é um texto em espanhol, todas as menções literais foram traduzidas pelos articulistas do presente texto. Para este capítulo, teremos os seguintes objetivos. 74 UNIUBE 4.1 O esporte no contexto sociocultural da Grécia Clássica 4.2 O esporte no contexto sociocultural de Roma até a Idade Média 4.3 O ressurgimento dos Jogos Olímpicos Esquema Ao final do estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • explicar os sentidos social e religioso do esporte junto ao mundo grego clássico; • dissertar sobre o aparecimento e os objetivos dos Jogos Olímpicos disputados em honra a Zeus na Grécia antiga; • avaliar a transformação dos sentidos dos esportes da Grécia para Roma; • determinar a importância de Pierre de Coubertain para o reaparecimento dos Jogos Olímpicos na era moderna; • analisar com radicalidade os problemas mencionados de corrupção no esporte, em especial nos Jogos Olímpicos (por meio do COI) e no Campeonato Mundial de Futebol (por meio da FIFA). Objetivos O esporte no contexto sociocultural da Grécia Clássica4.1 Grécia, berço de muitas das manifestações culturais ainda presentes em nosso mundo, tem o privilégio de nos legar os Jogos Olímpicos, festa de caráter religioso em adoração ao deus Zeus, tendo sua primeira manifestação no ano 780 a.C. UNIUBE 75 Esses jogos podem ser considerados como pan-helênicos, pois congregavam atletas de todas as comunidades, os quais eram enviados para representarem seus agrupamentos. Se vencedores, eram homenageados, revestiam-se de prestígio e glória, recebendo toda a exaltação de seus compatriotas. Gagigal (1984) demonstra o quão importante eram os jogos, pois, durante sua realização, os povos que se achavam em conflito estabeleciam trégua. Neste capítulo, estamos mais preocupados em demonstrar a relação do esporte com o contexto social da época. Assim, a descrição das várias modalidades de práticas esportivas, já mencionadas no primeiro capítulo, não será aqui detalhada. Seguindo o sentido religioso dos Jogos Olímpicos, convém lembrar que depois do Partenón, localizado em Atenas,era em Olímpia a maior manifestação do poder arquitetônico grego. Ali havia, no relato de Cagigal (1984, p. 43), “um conglomerado de edifícios públicos, templos (mais de oitenta), recintos desportivos, que só nas festas ganhavam vida”. Também aí se encontrava uma estátua de Zeus, sentado, com treze metros de altura, ladeada pelo templo dedicado a esse deus (Figura 1). Para se ter a dimensão desse evento na época, cerca de cento e cinquenta mil pessoas chegavam a participar da aglomeração para as festas. Figura 1: Templo grego Olímpia, dedicado ao deus Zeus. Fonte: Olympia-ZeusTempelRestoration.jpg (2018). 76 UNIUBE Interessante, no sentido de compararmos hoje, por exemplo, a um evento de porte competitivo, o relato de Gagigal (1984, p. 42): Dois meses antes do primeiro dia de competição, todos os participantes se reuniam em Elis, capital da Élida, a 50 km de Olímpia. Durante um mês inteiro se dedicavam a fortes treinamentos e a exercícios discriminatórios para a categoria da prova: “crianças” e “adultos”. Platão, em as Leis, fala não de duas, mas de três classes de competidores: “crianças”, “adolescentes” e “adultos”. Com toda essa tradição é possível afirmar que estava presente no povo grego o sentido da associação de valores espirituais com as práticas esportivas, associação essa criada pela vivência e pela permanência dos jogos durante muito tempo. Por outro lado, há também o lado pragmático do esporte grego da época, pois os exercícios que se realizavam, corrida, saltos em distância em que os competidores ainda levavam pesos nas mãos, lançamentos, lutas, pugilato, pancrácio, todos estes podem ser considerados exercícios preparativos para um atleta/soldado estar bem preparado para as batalhas. Outro fato interessante a ser mencionado é a relação entre esporte e filosofia, tendo como um personagem principal nada menos do que Platão, atleta e pensador grego. Entre suas frases há uma apropriada para a argumentação aqui levantada, encontrada em Cagigal (1984, p. 46): O corpo humano, que envolve nossa alma, é um templo no qual se aloja de repente a divindade. Há que se ornar esse templo por meio da ginástica para que Deus se encontre bem nele. Deste modo o habitará por muito tempo e nossa vida transcorrerá harmoniosamente. Aristóteles, por sua vez, também valorizava o esporte, mas criticava quando este se estruturava só no sentido utilitário. Para este pensador, o esporte poderia e deveria auxiliar na educação moral, a qual, no início UNIUBE 77 do processo educativo, era considerada mais importante inclusive que a educação intelectual. “É, pois, a beleza moral, não a violência, a que se deve colocar num primeiro plano. Não se trata de formar um lobo nem uma grande fera, senão um homem honesto, capaz de afrontar qualquer perigo”. (CAGIGAL,1984, p. 48). Parece-nos, salvo melhor juízo, que a área da Educação Física/Esporte tem muito que aprender com a tradição grega, considerando hoje, na formação profissional em cursos de graduação, não encontrarmos com facilidade discentes portadores do conhecimento de tais valores. E apenas para não sermos injustos com a área, em outros ramos de formação profissional, nas mais diversas manifestações de ciência, também o fato não se explicita. Afinal, os gregos foram os maiores e melhores filósofos, oradores, poetas, e, de certa forma, também podemos dizer: cientistas dos tempos antigos. Concomitantemente, foram também os maiores e melhores atletas de sua época. 4.2 O esporte no contexto sociocultural de Roma até a Idade Média Com o domínio romano, temos uma mudança na concepção de esporte, que perde o seu sentido religioso e puro. Aparece, a partir de então, o esporte mais como espetáculo. O homem romano foi reconhecido pela sua dedicação ao direito, às leis, não valorizando, como o grego, as artes e a filosofia. Se na Grécia o esporte estava associado também ao preparo de soldados, em Roma isto não ocorria. A formação dos soldados não se dava via esporte, e, sim, nas campanhas militares. 78 UNIUBE A expressão “pão e circo”, originária desta fase de domínio romano, demonstra a passagem do esporte, fonte de culto ou festa religiosa, para o espetáculo controlado pelos detentores do poder e a serviço de uma forma de dominação do povo. Se adentrarmos na Idade Média, encontramos o esporte representado pelos torneios de competições a cavalo, vivenciados pelos guerreiros medievais. Claro que estas competições também eram adestramentos para o combate em guerras, demonstrando o sentido utilitário do esporte. Autores, por exemplo, Cagigal (1984), analisam essa nova postura ante o esporte, na época do domínio romano, perdurando, é claro, na Idade Média, como uma nova abordagem do esporte nada digna desse fenômeno, pois tratava-se, muitas vezes, de um jogo sangrento, com lutas que duravam o dia todo, proporcionando feridos e mortos. Como ponto contraditório, depois dessa faina, havia festas comemorativas representadas pelos banquetes e momentos de dança em homenagem aos vencedores. Quais diferenças básicas você pode reconhecer entre o esporte praticado na Grécia, em Roma e na Idade Média? O ressurgimento dos Jogos Olímpicos 4.3 Adentrando nos tempos modernos, o momento que pode ser caracterizado como revolucionário para o esporte é, sem dúvida, a proposta do Barão Pierre de Coubertin relacionada ao ressurgimento do olimpismo nesses tempos. A partir do final do século XIX, o esporte já ganha uma dimensão globalizada, dimensão essa crescente em todo o século XX. É em Atenas, escolhida por motivos óbvios, no ano de 1896, que são realizados os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna. Cagigal (1984, UNIUBE 79 p. 381) faz grandes elogios a Coubertin, afirmando que ele “demonstrou dotes excepcionais de organizador, conhecedor de homens e realizador eficaz”. Já em 1900, realizam-se os segundos jogos na cidade de Paris, aqui se conseguindo “dar consistência a dois dos mais profundos sentidos do renovado olimpismo: a internacionalização e a periodicidade”. Como todo fenômeno humano na sociedade moderna, encontramos, no desenvolvimento do olimpismo moderno, valores humanos e sociais altamente significativos numa análise axiológica, como a recuperação de atitudes éticas, o respeito ao adversário, a competição com e não contra um outro oponente. Se por um lado tudo isto se encontra presente nas competições dos jogos, há, por outro lado, a apropriação de oportunidades mercantis, justificando a exploração dos atletas e vitórias às custas de doping, retirando da proposta inicial dos Jogos Olímpicos gregos seu purismo e seu amadorismo. É possível afirmar algo resultante ligado à enormidade desse fenômeno esportivo, que é o surgimento de toda uma infraestrutura dependente do novo sentido de esporte: • laboratórios ligados ao rendimento atlético; • ampliação da mídia esportiva, hoje com canais vinte e quatro horas no ar só destinados aos esportes; • efetivação da indústria de materiais esportivos representada por aparelhos, calçados e roupas; • estruturação de federações e confederações nacionais e internacionais; • estabelecimento de políticas voltadas para o desenvolvimento de programas e de práticas esportivas para todas as idades. Axiológico Que diz respeito a um valor ou a valores (não cifrados). 80 UNIUBE Aparece o que Cagigal (1984) nomeia como o homem olímpico. Homem esse fadado, quando atleta, a ser endeusado ou desprezado em caso de derrota. Concomitantemente ao indivíduo, a nova aparência do esporte via olimpismo propicia o aparecimento da possibilidade de exploração de propaganda política, como presenciamos, durante mais da metade do século XX, o embate entre capitalismo versus comunismo para se saber quem era melhor nos esportes. Como todo fenômeno humano, o universo esportivo apresenta duas facetas muito claras: a primeira, de virtudes, as quais exploraremos mais no oitavo capítulo deste livro; a segundade problemas de toda ordem, como os relacionados a seguir, apenas como exemplos. Simson e Jennings (1992) produziram um livro com o título “Os Senhores dos Anéis: poder, dinheiro e drogas nas Olimpíadas modernas”, denunciando um grupo que controla os Jogos Olímpicos há vários anos, apropriando-se do esporte para lucro privativo. Indicam inclusive, no final da obra, uma relação de noventa e três nomes, representando países de todos os continentes, como os donos do poder e das decisões que afetam os jogos. Os autores denunciam a corrupção vinda das confederações nacionais, das empresas de material esportivo, entre outros aspectos, indicando a falta de transparência das decisões tomadas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI). Como prova disto, Simson e Jennings (1992, p. 32) revelam detalhes dos encontros anuais destinados a votar a política da entidade: Na teoria, esse encontro anual debate e depois vota a política a ser implementada em nome das Olimpíadas. Apesar do comparecimento maciço da imprensa – 500 repórteres, fotógrafos e equipes de televisão credenciados compareceram a Birmingham UNIUBE 81 -, quase nada do que se debate realmente no COI é revelado. As reuniões se realizam a portas fechadas. Representantes da imprensa não podem entrar. Em geral, as informações sobre os temas discutidos e decisões tomadas sofre o controle rígido da assessoria de imprensa do COI. Os autores demonstram que cada vez que ligamos a televisão para assistirmos a um evento patrocinado pelo COI ou mesmo pela FIFA, tornamos os envolvidos com essas entidades mais ricos. Essa é a situação vigente, ainda nos dias de hoje. Depois da realização do trabalho referente ao COI, Jennings (2011) foca suas pesquisas, por meio do livro “Jogo Sujo: o mundo secreto da FIFA – compra de votos e escândalo de ingressos”, para o universo do futebol. Desvenda vários problemas ligados à FIFA e já na apresentação de sua obra Jennings (2011, p. 12) dá os trilhos de suas descobertas: Levei anos. As coisas que descobri são tão estarrecedoras que até eu mesmo fiquei chocado. Alguns caras malvados passaram por lá (na FIFA) – ou ainda estão lá – tirando tudo o que podem. O futebol ainda é um jogo bonito, é claro. Isso eles não podem roubar de nós. Mas, conforme você vai ler aqui, na FIFA acontecem negócios abomináveis. Eu gostaria que o futebol tivesse a liderança que merece. Nesse espírito, dedico este livro a todos os torcedores e fãs do futebol. O autor revela todo o esquema de corrupção e de propinas que envolve, por exemplo, a escolha das cidades-sede para as copas do mundo. Tudo isto realizado por uma equipe de lobistas e “funcionários trabalhando em tempo integral e agentes de meio período estrategicamente posicionados em todas as federações e associações internacionais (JENNINGS, 2011, p.30). Indica ainda o autor que, em todas as empresas ao redor deste planeta, é prática corrente a divulgação de balanços em relatórios, bem 82 UNIUBE como se pode conhecer salários, honorários e gratificações de todos os funcionários envolvidos. Esta é uma regra básica de respeito aos acionistas quanto a como se gerencia seus investimentos. Daí, lança perguntas: “O que acontece quando você pergunta à FIFA sobre a remuneração paga a seus administradores?” E ainda completa: “Será que os acionistas e fãs do futebol podem saber que fatia dos bilhões de dólares gerados pela Copa do Mundo é embolsada pelos altos dirigentes?” (JENNINGS, 2011, p.96). No final de seu escrito, o autor ainda manifesta a possibilidade de alteração desse quadro, destinando esperanças em investigações deflagradas pela Comissão de Ética do Comitê Olímpico Internacional. Cremos que, por agora, nos basta as menções dos problemas entrelaçados no universo do esporte. É fundamental reconhecermos as diversas facetas do esporte, normalmente associado apenas, ou de forma prioritária, ao espetáculo e ao profissionalismo, esporte esse acessado por uma pequena quantidade de pessoas dotadas de grande performance. No entanto, uma outra faceta menos divulgada e muito presente em nossa sociedade é a do esporte como prática individual ou de pequenos grupos, para o qual voltam-se objetivos de melhoria de condicionamento físico, de superação de momentos de estresse, de busca de superação do modelo sedentário, muito presente entre nós no tempo presente. Provavelmente podemos superar parte dos problemas apresentados anteriormente em relação ao esporte, inclusive relacionada à alta especialização e à exacerbação do caráter competitivo, se voltarmos a privilegiar o sentido de jogo presente no âmago do universo esportivo. É condição existencial do homem ser competitivo, mas isto não pode nos levar a entender competição no patamar de eliminação do oponente. UNIUBE 83 Competir, inclusive, exige a presença do outro, e não sua ausência. Mais uma vez recorremos a Cagigal (1984, p. 416) O homem não pode deixar de ser competitivo. O importante é que esta competição, desde as formas terrivelmente agressivas e sangrentas, seja levada ao diálogo pacífico e fecundo com a convivência, com o jogo. O desporto, realidade eminentemente competitiva, é primariamente jogo. Desta oxigenadora condição jamais deveria ser separado. Com ela manterá suas máximas garantias humanísticas, as que podem converter verdadeiramente em um positivo elemento para a recuperação do equilíbrio do homem do nosso tempo. Este autor ainda sugere como pontos fundamentais: • colocar o esporte como parte integrante do sistema educacional, considerando o prazer que o esporte desperta em sua prática; • a importância do esporte para o desenvolvimento biológico e suas possibilidades para dignificar o comportamento humano em sociedade; • a possibilidade do esporte auxiliar numa educação que valorize a espontaneidade e incentive atitudes de iniciativa e criatividade (GARDIGAL, 1984). Pela importância do esporte como fenômeno social da atualidade, voltaremos a explanar a argumentação do sentido educacional e existencial do esporte no capítulo oitavo deste livro. Mais um comentário se faz necessário neste momento: buscar alterações na visão senso comum do esporte requer investimentos na formação do profissional desta área. Daí a complexidade desse empreendimento. Moreira, Pellegrinotti e Borin (2006, p.188) afirmam que o complexo universo da formação em esporte “deve contemplar elementos, numa teia de integrações, que estão presentes nos sentidos de ensino, pesquisa e extensão a partir do fenômeno ser humano...”. Listam, a partir disto, 84 UNIUBE várias áreas de conhecimento ou disciplinas que deveriam entrar para o cumprimento dessa missão, entre as quais, destacamos: Filosofia, Antropologia, História, Pedagogia, Fisiologia, Anatomia, Avaliação Física. Os autores demonstram a importância do entendimento dessa complexidade na formação profissional, enfatizando: • nas áreas de humanas podem ser estudados quais deveriam ser os fundamentos éticos das vivências esportivas; • nas áreas de ciências aplicadas e administrativas, reconhecer a necessidade da preservação e de administração do patrimônio cultural representado pelos complexos esportivos, preservando, inclusive, a sua história; • na área da saúde, estudar as possibilidades, entre outras, da busca e manutenção da qualidade de vida por meio das práticas de modalidades esportivas; • na área da educação, partindo do pressuposto de que “o profissional em esporte é um educador [...], a área pedagógica terá uma participação decisiva na transmissão de valores e no saber fazer e no saber compreender as atividades e os pressupostos ligados ao esporte”. (MOREIRA, PELLEGRINOTTI, BORIN, 2006, p. 188). UNIUBE 85 Quebrar paradigmas, relacionados a um corpo máquina e mecânico a ser melhorado, exclusivamente, por meio de malhação e transpiração, é missão dos que militam na área da Educação Física/Esporte. Novas propostas epistêmicas como asteorias Sistêmica (CAPRA, 1999) e da Complexidade (MORIN, 1999 e 2013) são presenças obrigatórias para a formação desses professores e profissionais. Você conhece a teoria Sistêmica, de Capra, e a teoria da Complexidade, de Moran? Sobre Teoria Sistêmica temos que: O pensamento sistêmico é uma forma de abordagem da realidade que surgiu no século XX, em contraposição ao pensamento “reducionista- mecanicista” herdado dos filósofos da Revolução Científica do século XVII, como Descartes, Francis Bacon e Newton. O pensamento sistêmico não nega a racionalidade científica, mas acredita que ela não oferece parâmetros suficientes para o desenvolvimento humano e para descrição do universo material, por isso deve ser desenvolvida conjuntamente com a subjetividade das artes e das diversas tradições espirituais. Isto se deve à limitação do método científico e da análise quando aplicadas nos estudos de física subatômica (onde se encontram as forças que compõem todo o universo), biologia, medicina e ciências humanas. É visto como componente do paradigma emergente, que tem como representantes cientistas, pesquisadores, filósofos e intelectuais de vários campos. O pensamento sistêmico inclui a interdisciplinaridade. (ENAP, 2018, p.1). Acerca da Teoria da Complexidade, pode-se dizer que a complexidade e suas implicações são as bases do denominado pensamento complexo do estudioso Edgar Morin. Essa perspectiva observa o mundo como um todo indissociável e oferece uma abordagem multidisciplinar e multirreferenciada SAIBA MAIS 86 UNIUBE para a construção do conhecimento. É contrária à causalidade linear por contemplar os fenômenos como totalidade orgânica. A proposta da complexidade é a abordagem transdisciplinar dos fenômenos, bem como a mudança de paradigma, abdicando o reducionismo que tem influenciado a investigação científica em todos os campos e conferindo lugar à criatividade e ao caos. Qual a importância do Olimpismo Moderno? Além disso, como evitar os problemas ocorridos e descritos, no COI e na FIFA, que demandam contra a ética no esporte? Resumo Neste capítulo, foi possível estudar, graças à volumosa e excelente obra da José Maria Cagigal, todo o desenrolar dos acontecimentos históricos ligados ao esporte, da Grécia Clássica ao mundo moderno, analisando seus propósitos, suas nuances, seus mais variados sentidos e estruturas organizacionais. Vimos que essa história é dotada de momentos mais significativos e de momentos de quase esquecimento, bem como reconhecemos os grandes feitos de esportistas e personagens ligados ao esporte, em especial, Pierre de Coubertain. Infelizmente, como em grande parte das instituições e objetos de poder, estivemos na presença dos atos de corrupção política e financeira do mundo esportivo, relatando fatos constantes da história do Comitê Olímpico Internacional e da Federação Internacional de Futebol. UNIUBE 87 Referências CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1999. CAGIGAL, José Maria. Obras Selectas – Volume I, II e III. Cadiz/Espanha: Linea Offset, 1984. DEPOSITPHOTOS. Disponível em: https://br.depositphotos.com/. Acesso em: 15 jan. 2019. ENAP. Escola Nacional de Administração Pública. Disponível em: https://www.enap. gov.br/index.php/pt/noticias/enap-entrevista-o-pensamento-sistemico-como-novo- paradigma-da-ciencia. Acesso em: 19 dez. 2018 GETTY Images. Disponível em: https://www.gettyimages.com.br/. Acesso em: 29 nov. 2018. HOUAISS, Antônio. VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. JENNINGS, Andrew. Jogo Sujo: O mundo secreto da FIFA - Compra de votos e escândalo de ingressos. São Paulo: Panda Books, 2011. MOREIRA, Wagner Wey, PELLEGRINOTTI, Idico Luiz; BORIN, João Paulo. Formação profissional em esporte: a complexidade e a performance humana. In: TANI, Go; BENTO, Jorge Olímpio; PETERSEN, Ricardo D. de Souza (Orgs.) Pedagogia do desporto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999. MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. OLYMPIA-ZEUSTEMPELRESTORATION.JPG. Altura: 1.033. Largura: 1.620. 627 KB. Formato JPEG. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Templo_de_ Zeus_(Ol%C3%ADmpia)#/media/File:Olympia-ZeusTempelRestoration.jpg. Acesso em: 06 dez. 2018. SIMSON, Vyv; JENNINGS, Andrew. Os senhores dos anéis: poder, dinheiro e drogas nas Olimpíadas modernas. São Paulo: Editora Best Seller, 1992. Introdução Aspectos sócio-históricos do esporte moderno Capítulo5 Neste capítulo, estudaremos a origem e a constituição do esporte moderno e as suas relações com a sociedade e com o Estado. Considerado um patrimônio cultural construído historicamente pela sociedade, o objeto de nosso estudo é hoje passível de ressignifi cações à luz de diferentes interpretações teóricas que perpassam áreas como a Sociologia, a Antropologia, a História, a Economia e, principalmente, a Pedagogia. Nesse sentido, destacamos, para o futuro professor de Educação Física, a importância da investigação e a necessidade de aprofundamento acerca das questões relacionadas ao conhecimento, já existente e disponível, do universo esportivo, pelas implicações que delas decorrem, sobremaneira, a infl uência na condução das propostas de ensino do fenômeno esportivo, enquanto um dos conteúdos hegemônicos da Educação Física escolar. Para a consecução de nosso trabalho, conheceremos inicialmente o contexto do processo histórico e social da origem e constituição do esporte enquanto um empreendimento da modernidade, destacando o surgimento do esporte moderno a partir do declínio dos jogos populares na Inglaterra do século XVIII. 90 UNIUBE A seguir, analisaremos como o esporte tem se constituído tomando por referência a interpretação de diversas correntes teóricas e diferentes perspectivas de análise do fenômeno esportivo. Empreenderemos a análise de algumas questões que permeiam os estudos da história do esporte moderno, reconhecendo que diversos pesquisadores têm voltado o olhar para tais questões e considerando, ainda, que eles vêm se constituindo em importantes referenciais para as diferentes perspectivas de análises do tema. Esta abordagem se justifica, na medida em que pretendemos fazer algumas considerações sobre a importância de identificarmos, na história do esporte moderno, elementos que possibilitam a compreensão deste fenômeno e das relações socioeducativas que dele resultam. Continuando nossa caminhada, identificaremos as relações entre a sociedade capitalista, o Estado e o esporte, apresentando de forma sucinta um modelo de análise pelo viés da sociologia do esporte, o qual empreende uma crítica severa à organização capitalista do esporte moderno. Finalizaremos nossa empreitada com uma análise sobre a relação entre o Estado e o esporte. Para esse estudo, nos basearemos especialmente no artigo “Esportes coletivos: em busca de parâmetros para uma metodologia de ensino na formação profissional”, dos autores Luiz Antônio Silva Campos e Silas Queiroz de Souza, publicado no Anais do I Congresso de Ciência do Desporto, da Universidade Estadual de Campinas, em 2005. Esperamos que o estudo dos referenciais, contemplados neste capítulo, torne-se importante para você, na medida em que possam contribuir para uma reflexão mais abrangente sobre o UNIUBE 91 5.1 A origem e a constituição do esporte moderno 5.2 Perspectivas de análise sobre a constituição do esporte moderno 5.3 O esporte na sociedade capitalista 5.4 O papel do Estado frente às questões do esporte no Brasil Esquema Ao final do estudo deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • demonstrar o processo de constituição histórica do esporte moderno; • explicar, historicamente, as diferentes abordagens que versam acerca da origem e constituição do esporte moderno; • mostrar o fenômeno esportivoe as suas relações com a cultura e a sociedade segundo o ponto de vista de pensadores da Educação Física escolar; • contextualizar o esporte na sociedade capitalista; • relacionar a visão de esporte na sociedade capitalista e educação física escolar; • analisar as relações entre o esporte e o Estado; • demostrar a participação do Estado e da escola nas questões do esporte brasileiro. Objetivos esporte e, consequentemente, para uma possível ampliação de sua compreensão sobre os diferentes aspectos que margeiam esse universo, o que contribuirá para sua tomada de decisão de como deverá ser trabalhado esse conteúdo em suas aulas. 92 UNIUBE A origem e a constituição do esporte moderno5.1 Observamos que há consenso entre alguns teóricos sobre o surgimento do esporte moderno, (concebido a partir do final do século XVIII, precisamente na Inglaterra), evidenciando como esse fenômeno vem se constituindo, influenciando e sendo influenciado pela sociedade até o momento atual. Segundo Bracht (2005), citado por Campos e Souza (2005), o princípio do século XIX marca o início do declínio dos jogos populares, aqueles ligados às questões religiosas, atividades de colheita e comemorações populares. Na perspectiva desse autor, com o declínio desses jogos, somado ao processo de industrialização na Inglaterra, mobilizando uma grande população para os centros industriais, inicia- se nas escolas públicas uma renovação e codificação dos esportes, principalmente do futebol. (CAMPOS; SOUZA, 2005, p.4-5). Na mesma perspectiva Bourdieu (1983) apud Campos e Souza (2005, p.5) observa ser indiscutível que a passagem do jogo ao esporte propriamente dito tenha se realizado nas grandes escolas, as chamadas public schools, que eram reservadas às elites da sociedade burguesa da Inglaterra. Os autores ainda destacam que, para o Bourdieu, ocorreu uma mudança de significado e de função dos jogos populares acontecidos naquele tempo, propostos pelos filhos da aristocracia e da burguesia, ressaltando que Para caracterizar os princípios desta transformação, pode-se dizer que os exercícios corporais da “elite” foram separados das ocasiões sociais ordinárias às quais os jogos populares permaneciam associados (festas agrárias, por exemplo) e desprovidos das funções sociais (e, a fortiori, religiosas) ainda ligadas a vários jogos tradicionais (como os jogos rituais praticados em muitas sociedades pré-capitalistas em UNIUBE 93 certas passagens do ano agrícola). (BOURDIEU, 1983, p. 139 apud CAMPOS; SOUZA, 2005, p.5) A partir dessas considerações, podemos dar centralidade a uma primeira questão, qual seja: o esporte moderno surge a partir de uma ruptura com as atividades ligadas a jogos populares consideradas ancestrais e se estabelece, primeiramente, em escolas da elite inglesa, durante os séculos XVIII e XIX, se expandindo rapidamente para os demais países. 5.2 Perspectivas de análise sobre a constituição do esporte moderno Continuando com Campos e Souza (2005, p.5), os autores mostram que, embora considerando a advertência encetada por Gebara (2002), quando, ao relatar diferentes perspectivas na história para a compreensão do fenômeno esportivo, considera que, sendo o esporte moderno um objeto em constituição, ele não está ainda constituído a ponto de permitir sua compreensão com base em um modelo de análise preconcebido. Optamos, assim, a partir da análise do texto de Bourdieu, por compreender como esse objeto vem se constituindo e quais as possíveis influências têm surgido nesse contexto. Ao relatarem tal questão, Campos e Souza (2005) destacam a importante colaboração do historiador Ademir Gebara quando este apresenta uma síntese de diferentes possibilidades de análises sobre a constituição histórica do esporte moderno. Essas análises foram realizadas em períodos distintos na literatura internacional e nacional, por historiadores, sociólogos, antropólogos e economistas. Buscando apresentar uma abordagem mais histórica, Gebara (2002) discute temas, como: o surgimento da política de massas no final do século XIX; a expansão da burguesia e a criação da identidade de seus membros; a questão da massificação, globalização e democratização do esporte; o processo de mercantilização e espetacularização do esporte, entre outros. 94 UNIUBE Entretanto, Campos e Souza (2005) vão se aprofundar nesta questão da constituição do esporte moderno a partir das análises acerca do fenômeno esportivo, construídas pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu. Nessa perspectiva, para os autores, Ao considerar o esporte moderno como um conjunto de práticas e de consumos esportivos oferecidos aos agentes sociais como uma oferta destinada a encontrar uma certa demanda social, o sociólogo questiona como são produzidas estas demandas pelos produtos esportivos, ou, como o próprio autor destaca, como as pessoas passam a ter o gosto pelo esporte e justamente por um determinado esporte mais do que por outro. (CAMPOS; SOUZA, 2005, p. 20). A tese empreendida por Bourdieu (1983 apud CAMPOS; SOUZA, 2005), para argumentar como o esporte moderno vem se constituindo, está centrada na lógica do esporte enquanto um produto de consumo. Portanto, suas análises contribuem para uma reflexão mais ampla acerca do esporte, pois o considera enquanto elemento da cultura corporal construído historicamente, praticado em diferentes ambientes e por diversos indivíduos de todas as faixas etárias e, ao mesmo tempo, podendo ser consumido passivamente como produto midiático. A questão que se anuncia é, pois: tais escolhas estariam associadas ao esporte enquanto prática ou enquanto espetáculo? Campos e Souza (2005, p.5) destacam que, ao engendrar tais questões, questionando sobre as condições históricas e sociais que tornaram possível a constituição do sistema de instituições e de agentes ligados à existência de práticas e de consumos esportivos, Bourdieu nos coloca duas questões concorrentes. Na primeira, referindo-se à constituição do sistema de instituições, o autor indaga a maneira como foi se constituindo o corpo de especialistas que atuam direta ou indiretamente no esporte para, em seguida, lançar outra questão: quando, exatamente, UNIUBE 95 o sistema de agentes e de instituições relacionados ao esporte passou a funcionar como “campo de concorrência”. Em relação às considerações de Bourdieu, Campos e Souza (2005, p.5) explicitam: Analisando as considerações de Bourdieu (evidentemente sem aprofundarmos nas teorias por ele propostas, como por exemplo, a noção de habitus ou o conceito de campo e grupos sociais), percebemos a intencionalidade do autor em sugerir que o esporte moderno tem se constituído como um campo específico, com suas regras e leis específicas e que deve ser compreendido a partir de sua própria história, considerada pelo autor como relativamente autônoma, vinculada ao processo de construção de regulamentos, das competições, dos recordes, da invenção das modalidades coletivas, como o basquetebol e o voleibol, da estruturação das primeiras federações esportivas, da reativação dos jogos olímpicos no ano de 1896, e dos demais aspectos inerentes a estas práticas. Ao empreendermos tais considerações sobre o percurso histórico do esporte moderno, baseando- nos principalmente nas análises críticas dos autores que trouxemos para essa discussão, percebemos o quanto esse fenômeno, com todas as características apontadas, está presente no cotidiano da sociedade. Habitus Para Bourdieu, o conceito de habitus pode ser considerado como um sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita que funciona como um sistema de esquemas geradores. Assim, esse sistema é gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente concebidas para esse fim. Conceito de campo Bourdieu (1983 apud CAMPOS;SOUZA, 2005) considera o conceito de campo como espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem das posições nesses espaços, podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes (em parte determinadas por elas). 96 UNIUBE O esporte na sociedade capitalista5.3 Continuando nossa imersão nesse percurso histórico, Campos e Souza (2005, p.5-6), pelas análises de Gebara (2002) e Bracht (2002) anteriormente formuladas, destacam que, se por um lado, há um consenso entre os historiadores e sociólogos sobre a origem do esporte moderno, por outro, o mesmo não podemos afirmar, sobre sua constituição, embora acreditamos ter trazido para reflexão dois dos aspectos mais recorrentes sobre a origem e a constituição do esporte moderno. Assim, pensamos que, ao optarmos pela análise dos escritos de Bourdieu, uma segunda questão pode ser extraída para a continuidade de nossa reflexão: a competição no âmbito esportivo e sua influência na sociedade atual. Entendemos que o aspecto que tem regido o esporte nesses últimos dois séculos, e consequentemente, influenciado sua constituição, é a competição. Certamente, embutidos no conjunto de práticas que determina uma competição esportiva estão outros aspectos: a especialização, a instituição das regras e, mais recentemente, a utilização extremada de recursos ergogênicos para a obtenção de performances elevadas. Para justificarmos essa tese, basta analisarmos qual o tratamento que o desporto educacional tem recebido no âmbito escolar e nas escolinhas de clubes esportivos nos últimos anos, sobretudo a partir da década de 1960. Segundo Campos e Souza (2005, p.6), a perspectiva de análise que gostaríamos de apresentar refere-se aos possíveis efeitos que a competição tem causado no campo esportivo, para, a posteriori, verificarmos as relações que podem ser resultantes das normas estabelecidas pelo Estado para o controle do esporte no país. Não raro, o formato destas atividades é quase sempre voltado para o rendimento esportivo, com vistas à participação de crianças e UNIUBE 97 adolescentes em competições esportivas, o que nem sempre contribui para a formação e para o desenvolvimeno harmonioso destes indivíduos. Campos e Sousa (2005, p.6) afirmam ainda que Nesta perspectiva, acreditamos que uma breve referência ao estudo desenvolvido por Proni (2002) sobre a organização capitalista do esporte, baseado na obra intitulada Sociologie politique du sport, de Jean Marie Brohm, publicada na França em 1976, poderá contribuir para a compreensão do significado deste fenômeno. Segundo Proni (2002 apud CAMPOS; SOUSA, 2005), a escolha pelo modelo de análise de Brohm se deu por se tratar de uma abordagem consistente e bem articulada com o propósito de oferecer um modelo sociológico que possa dar conta de explicar a relação dialética entre esporte e sociedade. Neste sentido, Para Brohm, a competição é a relação dominante na instituição esportiva e o recorde é a “noção-chave da sociologia do esporte” (cap. 4, p.138) – como ocorre com a categoria valor na análise do sistema capitalista. A analogia é imediata: o recorde é uma espécie de “fetiche típico do esporte” (cap. 4, p. 140), o reflexo de uma sociedade baseada na concorrência, na medição e comparação de desempenhos e na classificação dos indivíduos. (PRONI, 2002, p. 43 apud CAMPOS; SOUZA, 2005, p.6). A partir do eixo central da sua tese, qual seja, da lógica capitalista de organização do sistema esportivo, o autor nos leva a refletir sobre questões referentes à função da instituição esportiva, dos meios de comunicação de massa e do uso do esporte como aparato ideológico do estado. 98 UNIUBE Conforme observam Campos e Souza (2005, p.6), pelo exposto, a estreita relação existente entre o modelo de competição esportiva baseado na busca do rendimento com a lógica capitalista que rege a sociedade atual. Isso de fato não é novo. Entretanto, o que intentamos sugerir a partir dessa análise concerne justamente em verificarmos quais influências decorrentes deste modelo de competição, centrado na busca da performance, têm permeado o ambiente daqueles que, de alguma forma, se apropriaram ou não das práticas esportivas [...] Neste caso, dos alunos que participam das aulas de educação física na escola. Os estudos realizados nesta unidade tiveram como objetivo principal contribuir para sua maior compreensão do fenômeno esportivo, sobretudo, em relação aos aspectos de sua constituição histórica e às possíveis relações com a sociedade capitalista. Para você, o referido modelo competitivo contribui para a democratização do acesso à prática dos esportes? O papel do Estado frente às questões do esporte no Brasil5.4 Outra questão a ser considerada refere-se à construção histórica do modelo de competição esportiva, que, de fato, foi promovida por diferentes agentes sociais. Segundo Campos e Souza (2005, p.6), não obstante, a participação da sociedade nesse processo, gerando as tensões necessárias para que eventuais mudanças pudessem vir ocorrendo, a observação que gostaríamos de registrar, concluindo nossa tentativa de levantarmos alguns aspectos históricos e sociais que julgamos importantes para o contexto deste estudo, concerne à participação efetiva do Estado na instituição de normas para o controle das atividades esportivas no país. UNIUBE 99 Reconhecendo que atualmente o Estado intervém no esporte de forma intensa, principalmente a partir da década de 1960, somos levados a questionar sobre quais poderiam ser os interesses do Estado em interagir com a organização esportiva. No Brasil, percebemos a intencionalidade do Estado em transformar o esporte em seu aparato ideológico, quando recorrendo à Lei n°. 9.615/98, observamos, entre outras questões, a tentativa de classificação das diferentes expressões do esporte, estabelecidas em seu Art. 3o (CAMPOS; SOUSA, 2005, p. 6). Os autores citam o art. 3º da Lei n°. 9.615/98: I - Desporto Educacional: praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer; II - Desporto de Participação: praticado de modo voluntário, compreendendo as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para a integração dos praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e educação e na preservação do meio ambiente; III - Desporto de Rendimento: praticado segundo normas gerais da Lei nº 9.615/98 e regras de prática desportiva, nacionais e internacionais, com a finalidade de obter resultados e integrar pessoas e comunidades do País e estas com as de outras nações. (BRASIL, 2005 apud CAMPOS; SOUSA, 2005, p.7). Ainda na perspectiva destes autores, embora em linhas gerais possa parecer, aos menos avisados, que a classificação estabelecida pelo Estado venha ser efetivada tal como está descrita na referida lei, efetivamente não é isso o que acontece. O próprio Estado contribui para a negação daquilo que está recomendado como norma legal, quando institui competições para jovens escolares com idades entre quinze e dezessete anos, através dos Jogos Escolares Brasileiros e dos Jogos da Juventude, competições estas altamente seletivas e com níveis altíssimos de rendimento. 100 UNIUBE No modelo de desporto de participação sugerido, embora a presença do Estado seja menos efetiva, a própria sociedade se encarrega de atribuir, àquilo que deveria ser considerado como lazer, altas doses de competitividade, bastando, verificar para tal confirmação, os torneios inter-bairros promovidos por associações de moradores e as competições internas em clubes sociais. (CAMPOS; SOUSA, 2005, p.7). Além da análise sobre o Estado enquanto um campo eobjeto de lutas de classes, tendo como função básica nas sociedades capitalistas garantir a reprodução do capital, é importante que você reflita também sobre os motivos que levam a sociedade a manter uma certa passividade em relação ao papel do Estado frente ao esporte, desvelando a ausência de conflitos e, ao mesmo tempo, a função conservadora cumprida pelos esportes institucionalizados. Você deve ter participado de algumas atividades esportivas em sua trajetória escolar, durante as aulas de Educação Física. Faça uma retomada dessas experiências e construa um texto, relatando e explicando suas percepções em relação àquelas aulas e destacando alguns aspectos, tais como: a. Ao início das atividades, o (a) professor (a) explicava sobre o que seria a aula? Quais eram os conteúdos ministrados por seus professores nas aulas de educação física? b. Os esportes eram contemplados nessas aulas? c. Quais esportes eram mais praticados nas aulas de Educação Física? d. Como seus professores ensinavam os conteúdos relacionados aos esportes? e. Finalize seu texto fazendo um comentário sobre qual deve ser o papel da escola com relação ao esporte. AGORA É A SUA VEZ UNIUBE 101 Na escola, qual das manifestações do esporte, expressas na Lei n° 9.615/98, deve ser contemplada? Resumo Neste capítulo, vimos que o esporte moderno surge a partir de uma ruptura com as atividades ligadas a jogos populares consideradas ancestrais e se estabelece, primeiramente, em escolas da elite inglesa, durante os séculos XVIII e XIX, se expandindo rapidamente para os demais países. Um dos principais sociólogos do século XX, o francês Pierre Bourdieu, enfatiza que o esporte moderno pode ser considerado um objeto em constituição, portanto não está ainda constituído a ponto de permitir sua compreensão com base em um modelo de análise preconcebido. Bourdieu destaca ainda que o esporte moderno tem se constituído como um campo específico, com suas regras e leis específicas, e que deve ser compreendido a partir de sua própria história, considerada como relativamente autônoma, vinculada ao processo de construção de regulamentos, das competições, dos recordes, da invenção das modalidades coletivas, como o basquetebol e o voleibol, da estruturação das primeiras federações esportivas, da reativação dos Jogos Olímpicos no ano de 1896 e dos demais aspectos inerentes a estas práticas. Outro autor que discute a temática do esporte no século XX, Jean Marie Brohm, observa que o aspecto que tem regido o esporte nesses últimos dois séculos e, consequentemente, influenciado sua constituição é a competição. Certamente, embutidos no conjunto de práticas que determina uma competição esportiva estão outros aspectos, tais como: a especialização, a instituição das regras e, mais recentemente, a utilização extremada de recursos ergogênicos para a obtenção de performances elevadas. 102 UNIUBE No Brasil foram instituídas, em diferentes momentos, normas legais para o controle das atividades esportivas no país. Mais recentemente, temos a Lei n° 9.615 de 24 de março de 1998, também conhecida como Lei Pelé, a qual institui normas gerais sobre desporto, demonstrando o interesse do Estado em controlar as atividades ligadas ao esporte. Referências BOURDIEU, Pierre. Como ser esportivo? In: BOURDIEU, Pierre. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 136-153. BRACHT, Valter. Esporte, história e cultura. In: PRONI, Marcelo W.; LUCENA, Ricardo F. Esporte: história e Sociedade. Campinas: Autores Associados, 2002. _______, Valter. Esporte e Estado. In: BRACHT, Valter. Sociologia crítica do esporte. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005, Cap. 8, p. 69-79. _______, Valter. A gênese do esporte moderno. In: BRACHT, Valter. Sociologia crítica do esporte. Ijuí: Ed. Unijuí, 2005, Cap. 1, p. 13-20. BRASIL, Lei n° 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L9615consol.htm>. Acesso em: 24 de set. 2018. CAMPOS, Luiz Antônio Silva; SOUZA, Silas Queiroz de. Esportes coletivos: em busca de parâmetros para uma metodologia de ensino na formação profissional. In: I Congresso de Ciência do Desporto. 2005. Campinas. Anais do I Congresso de Ciência do Desporto. Campinas: Universidade estadual de Campinas, 2005. DEPOSITPHOTOS. Disponível em: https://br.depositphotos.com/. Acesso em: 15 jan. 2019. GETTY Images. Disponível em: https://www.gettyimages.com.br/. Acesso em: 29 nov. 2018. UNIUBE 103 GEBARA, Ademir. História do esporte: novas abordagens. In: PRONI, Marcelo W.; LUCENA, Ricardo F. Esporte: história e Sociedade. Campinas: Autores Associados, 2002, cap. 1, p. 5-29. PRONI, Marcelo W. Brohm e a organização capitalista do esporte. In: PRONI, Marcelo W.; LUCENA, Ricardo F. Esporte: história e Sociedade. Campinas: Autores Associados, 2002, Cap. 2, p. 31-61. Introdução Educação Física e Ciência: principais propostas atuais Capítulo6 Talvez um dos assuntos que os profi ssionais e professores da Educação Física deixaram de analisar de forma mais consistente, mesmo a partir da década de setenta do século passado quando de sua “crise”, foi a defi nição da possibilidade de identifi car bases epistemológicas para a área. Entenda-se que a epistemologia, de forma geral, é um ramo da fi losofi a que se preocupa com a análise do aparecimento e estruturação de novas formas de se produzir conhecimento, podendo isto, com o tempo, delimitar uma área específi ca de ciência. Por essa razão, mesmo na forma sintética, vamos aqui apresentar as principais propostas delineadas destinadas a responder a uma simples questão: o que é Educação Física? Não entraremos na descrição de cada uma delas em seus pormenores, o que poderá ser alcançado por meio das referências constantes no fi nal do capítulo. Nosso intuito é apenas informar que a produção existe e que sua discussão e análise estão fora da maioria dos cursos de formação profi ssional em Educação Física, seja na Licenciatura ou no Bacharelado. O conhecimento apresentado a seguir mostra tentativas de colocar a Educação Física num patamar de área de conhecimento 106 UNIUBE científico, com objeto de estudo delineado e pesquisado, por meio de metodologias concernentes com este propósito. É comum perguntarmos hoje o que é Educação Física aos formados nesse campo do saber e, na maioria das vezes, as respostas vêm no sentido de explicitar sua importância. Vejam, não foi perguntado qual a importância da Educação Física, e, sim, o que ela é. E quando as respostas vêm na trilha da importância, encontramos dizeres do tipo: “É importante para a saúde”, ou “Por meio do jogo as crianças se socializam”, ou ainda “Se tivermos uma pedagogia de corpo inteiro a criança aprende a melhor” e mais outras várias manifestações. Observem se isto é verdadeiro; podemos dizer que a saúde é historicamente responsabilidade de médicos e enfermeiros, que a socialização é objeto de estudo da sociologia e que o ensinar e criar propostas pedagógicas estaria a cargo do pedagogo. Assim, a Educação Física é tudo de tudo e, consequentemente, nada de nada, ou apenas a aplicação de conhecimento científico pertencente a uma outra área. Isto não significa que tudo o que foi mencionado no parágrafo anterior não tenha validade. Apenas demonstra a falta de identificação da possibilidade de a Educação Física ser uma área de conhecimento científico claramente definida. Assim, o que define e diferencia a Educação Física de outras áreas já constituídas na educação e na saúde? Eis a razão do presente capítulo: auxiliar na possível escolha de propostas apresentadas para esse fim. Para tanto, utilizaremos como referência básica artigo elaborado por Carbinatto e Moreira (2006), o qual apresenta uma síntese do trabalho de dissertação de mestrado de Michele Viviane Carbinatto defendida no Programa UNIUBE 107 6.1 A Teoria Antropológica-Cultural doEsporte e da Educação Física 6.2 A Educação Física como Ciência da Praxiologia Motriz 6.3 A Teoria da Psicocinética 6.4 A Ciência da Motricidade Humana 6.5 A Ciência do Desporto Esquema Ao final do estudo deste capítulo, esperamos que seja capaz de: • demonstrar os fundamentos das cinco propostas apresentadas, procurando apresentar os pontos semelhantes ou diferentes entre elas; • explicar mais detalhadamente os princípios balizadores das duas propostas mais difundidas no Brasil, a saber, a da Ciência da Motricidade Humana e a da Ciência do Desporto; • propor, como experimento inicial, a exploração de uma das propostas como fonte subsidiada para a preparação de aulas em Educação Física para o Ensino Fundamental. Objetivos de Mestrado em Educação Física na Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP). Após demonstrar que a preocupação com o status de ciência para a área já estar presente desde os movimentos ginásticos ocorridos nos séculos XVIII e XIX, Carbinatto e Moreira (2006) adentram no que foi produzido para esse fim no século XX. 108 UNIUBE 6.1 A Teoria Antropológica-Cultural do Esporte e da Educação Física A primeira das propostas vincula-se à Teoria Antropológica-Cultural do Esporte e da Educação Física, construída por José Maria Cagigal, autor por nós bastante referenciado no capítulo quarto. Você sabe o que significa antropologia cultural? Segundo o dicionário Houaiss e Villar (2009, p. 150), temos que é a que “trata do estudo da cultura do homem em todos seus aspectos, servindo- se assim de dados e conceitos próprios de diversas outras ciências como a arqueologia, a etnologia, a etnografia, a linguística, a sociologia, a economia etc.”. Sendo assim, como o próprio nome diz, essa teoria contemplará o Esporte e a Educação Física, considerando as múltiplas dimensões que envolvem o ser humano. SAIBA MAIS Cadigal inicia seu trabalho a partir do reconhecimento de que a palavra esporte pode abarcar vários sentidos, como recreação, diversão, execu- ção de exercícios mais elaborados e até a alta competição. UNIUBE 109 Demonstrando porque o esporte é intrínseco a uma sociedade, esse autor não consegue vê-lo a não ser como uma práxis humana por: • ser entendido por todas as pessoas; • propiciar a prática de exercícios físicos; • ser acessível a todas as idades e tipos diferentes de seres humanos. Carbinatto e Moreira (2006, p.129) informam ainda que, para Cagigal (1984), o fenômeno esportivo nos mostra “aportes importantes como: luta para vencer, beleza de movimentos, diversidade de categorias e formas de apresentação, o que o levou à categoria de arte/espetáculo, despertando rapidamente os interesses mercantilistas”. Em sua teoria, chega a apresentar quatro manifestações de práticas esportivas, nomeadas de: • competição, • treinamento, 110 UNIUBE • jogos e • educação esportiva. Afirma ainda Gagigal que a Educação Física “possui os pressupostos necessários para ser ciência, considerando possuir métodos de observação próprios, sistematização específica e delimitação de objeto de estudo que é o homem e suas possibilidades físicas de ação e expressão (CARBINATTO; MOREIRA, 2006, p. 130). A Educação Física como Ciência da Praxiologia Motriz6.2 Uma segunda proposta para confirmação da Educação Física como ciência autônoma vem de Pierre Parlebás por meio de sua Ciência da Praxiologia Motriz. O propósito da teoria de Parlebás é estudar, de forma rigorosa, os jogos esportivos, divididos pelo autor em dois tipos, referidos por Carbinatto e Moreira (2006, p.130): Os tradicionais, centrados numa tradição surgida no passado, com regras, mas que não possuem o reconhecimento institucional; os esportivos, institucionalizados oficialmente, aparecendo aqui o espetáculo, a publicidade, as consequências sócio-econômicas, a direção e as federações. Para esse autor, ao considerar a Educação Física como Ciência da Praxiologia Motriz, o esporte é a explicitação de normas sociais e, ao mesmo tempo, reflexo dos valores presentes nessas normas. Praxiologia É o “estudo da conduta humana que tem como objetivo entender as causas e as consequências das ações do indivíduo, de forma a poder controlar ou induzir comportamentos que beneficiem a sociedade como um todo”. (DICIO, 2018, p.1). UNIUBE 111 Por meio do esporte, “podemos compreender contatos corporais, enfrentamentos, controle e domínio de relações afetivas e relacionais, chegando a classificar situações motrizes e listar essas às principais atividades físicas e esportivas a elas equivalentes”. (CARBINATO; MOREIRA, 2006, p. 130). Das cinco propostas que apresentamos neste capítulo, provavelmente a teoria de Parlebás foi a que menor impacto teve entre os pesquisadores da epistemologia da Educação Física em nosso país. A Teoria da Psicocinética6.3 A terceira contribuição sobre o tema Educação Física vem de Jean Le Boulch (Figura 1) com sua apresentação da Teoria da Psicocinética, muito difundida na área da educação como elemento da Psicomotricidade. Psicocinética É a capacidade humana de produzir movimentos em objetos físicos, por meio do poder psíquico ou mental. Figura 1: Jean Le Bouch. Fonte: Acervo EAD-Uniube. 112 UNIUBE Le Bouch (1987) justifica sua proposta por entender que a Educação Física, até então, não conseguia exercer o domínio do corpo de forma adequada, em especial quando se trata de crianças na idade escolar. Para atender de forma qualitativa a esse fim, propõe uma nova ciência do movimento, a Psicocinética na qual “o movimento é considerado como uma manifestação significante da conduta do homem”. (CARBINATTO, MOREIRA, 2006, p. 130) Le Boulch (1987, p.17) ainda informa que essa conduta é “o organismo em movimento na dialética de suas relações com o seu meio”, acrescentando como integrantes a mais desse contexto a intencionalidade e a significação. A base para as análises dos pressupostos referidos pelo autor se encontra nos conteúdos da Educação Física, que, para ele, são o jogo, o esporte e a dança. Como informação importante convém destacar que Le Boulch (1987) apresenta duas trilhas para se considerar os esportes: a da competição e neste o trabalho, objetivando sempre o alcance de superação; e o jogo, no qual se busca prioritariamente o prazer de sua prática. UNIUBE 113 Podemos ainda constatar que este pesquisador está muito mais presente na área pedagógica e educacional que no universo da Educação Física, pois cursos de psicomotricidade são apresentados e disponibilizados em grande número por cursos de pedagogia, enfatizando elementos como coordenação motora, lateralidade, noção espacial e outras características. A Ciência da Motricidade Humana6.4 A quarta contribuição para o estudo das bases epistemológicas pode ser encontrada na proposta da Ciência da Motricidade Humana, arquitetada por Manuel Sérgio (Figura 2). Este autor propõe ser objeto da Educação Física o estudo e as pesquisas relacionados com o ser humano, que se movimenta intencionalmente na direção da autossuperação. Figura 2: Manuel Sérgio. Fonte: Acervo EAD-Uniube. 114 UNIUBE Abrangem o universo dessa ciência, entre outros, alguns elementos históricos da Educação Física, como o jogo, o esporte, a ginástica, a dança, além de outros, como o circo, bem como o trabalho com a ergonomia e a reabilitação. Carbinatto e Moreira (2006, p. 130) ainda informam: Defende o autor a transformação de valores presentes na Educação Física, enquanto pedagogia, para valores abarcados pela Educação Motora, em que o corpo objeto passa a ser visto como corpo sujeito, o ato mecânico passe a ser concebido como um ato corpóreo consciente; a participação elitista seja substituída pela massificação da prática; o ritmo padronizado transformado para o ritmo próprio do indivíduo e a busca apenas do rendimento seja substituída pela vivência do prazer e da ludicidade. A proposta da Ciência da Motricidade Humanateve grande repercussão no quadro da Educação Física brasileira, entre outros motivos, pela UNIUBE 115 permanência do autor no país por um período de três anos, como participante do quadro de professores da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) entre os anos de 1987 e 1989. A Ciência do Desporto6.5 A última das menções a ser feita trata-se da proposta da Ciência do Desporto (esporte), elaborada pela Universidade do Porto – Portugal e encabeçada pelos trabalhos de Jorge Olímpio Bento (Figura 3), autor que será muito utilizado no oitavo capítulo deste livro. Figura 3: Jorge Olímpio Bento. Fonte: Acervo EAD-Uniube. Este autor traz praticamente toda a sua produção científica no trato com o fenômeno esportivo, apresentando-o em toda a sua complexidade e abrangência. Ele assim se expressa sobre a definição do fenômeno esportivo: “Entendo o desporto como um conjunto de tecnologias corporais, sendo o uso destas balizado por razões culturais e por intencionalidades, metas e valorizações sociais”. (BENTO, 2006, p. 155) A partir desse pressuposto, ele inicia o desfilar de argumentos para mostrar a importância do esporte para o ser humano. Lembra, entre 116 UNIUBE outras manifestações, que o esporte centra sua preocupação maior em olhar “a forma humana, o aprimoramento corporal, gestual e comportamental do homem. Esse projeto inconcluso e inacabado que, desde o início e até o fim dos tempos, move e há de continuar a mover a civilização”. (BENTO, 2006, p. 156). Jorge Bento foi, durante muitos anos, diretor da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, faculdade essa que originariamente tinha o título de Faculdade de Educação Física e Desporto, passando depois a ser chamada de Faculdade de Ciências do Desporto e finalmente Faculdade do Desporto. Toda essa transformação esteve atrelada a alguns fatores defendidos por seus integrantes: o desporto é algo mais abrangente que a tradicional área da Educação Física; o desporto chegou a um estágio tal, no que diz sentido ao conhecimento científico, que não necessita ser chamado como ciência, e, sim, reconhecido como tal. Daí, continua o pensamento de Bento (2013: p. 62): É, pois, do corpo que cuidamos, atentos ao Homem-Todo. Do corpo como estrutura de viver e cumprir os ritos de existir. Do corpo desportivo, esse admirável ser transcendente. Construído por sucessivas formas de elevação e assente de colunas de sublimidade, como um templo sonhado pela nossa imperfeita perfeição. Inatingível, é por isso um desafio. Hoje e sempre! Por isto se estuda o esporte, para a formulação de pareceres, produção de pesquisas, assunção de posições e recomendações com relação ao rigor científico, tudo isto dentro da missão da academia em relação ao fenômeno esportivo. Melhor dizendo, nas palavras de Bento (2013, p.69), “É por isso que também se estuda e investiga na área do desporto. Para impulsionar um entendimento e uma vivência do desporto à altura das premissas e necessidades culturais”. UNIUBE 117 Em todos os seus argumentos, o autor coloca o fenômeno esportivo debaixo de valores axiológicos, os quais deverão definir a presença do esporte entre nós, tanto no acesso e na materialização de pesquisa quanto da proposta de práticas de modalidades esportivas. Sobre isto, Bento (2013, p. 72-73) coloca bem a missão da Faculdade do Desporto e de seus integrantes, ao dizer: Em suma, a formação e a investigação reclamam um protagonismo axiológico no desporto. A sua função primordial é a de reavivar e espicaçar a consciência acerca do modo como a questão da dignidade do homem é abordada e concretizada no desporto. É a de pugnar pela elevação da qualidade do desporto, balizada por padrões culturais civilizacionais, por critérios éticos e humanos. A de ajudar a entender e construir o sentido de um desporto melhor; a de se consagrar à configuração de um fenômeno universal, que vem do fundo do tempo em que os homens se ergueram do chão e ousaram fitar o céu e sonhar com o infinito. Percebe-se, tanto aqui quanto nas passagens do autor, que será utilizado, no oitavo capítulo, o entendimento do esporte como arte, e nele a possibilidade de aflorar não só o rendimento, mas também a sensibilidade como entidade a propiciar a (re) significação do mundo esportivo. 118 UNIUBE Agora que já construiu uma visão geral acerca de cada teoria, convi- damo-lo para preencher o quadro a seguir. AGORA É A SUA VEZ Teoria Pesquisador Ideias-chaves Antropológica- Cultural do Esporte e da Educação Física José Maria Cagigal Ciência da Praxiologia Motriz Pierre Parlebás Psicocinética Jean Le Bouch Ciência da Motricidade Humana Manuel Sérgio Ciência do Desporto Jorge Olímpio Bento Como você, como professor na escola, informará o assunto Educação Física e conhecimento científico para seus alunos? UNIUBE 119 Resumo É somente a partir da década de setenta do século passado que um grupo de professores e pesquisadores da área se comprometeram em tentar determinar as bases epistemológicas para a área da Educação Física e Esporte. Surgem aí cinco propostas que indicavam a possibilidade de a área ter uma identidade própria. A primeira das sugestões é conhecida como a Teoria Antropológica Cultural do Esporte e da Educação Física arquitetada por José Maria Cargigal, o qual afirma ser a Educação Física já uma área de ciência por possuir métodos de investigação próprios, centrados no objetivo de estudar o homem enquanto executante do exercício físico e dotado de expressão corporal. Uma segunda proposta é arquitetada por Pierre Parlebás, para quem a Educação Física e o Esporte permitem codificar as ações motoras e atender a essa demanda mediante a realização do exercício físico. Nomeou sua proposta de Praxiologia das Atividades Motoras. Já Jean Le Boulch propõe a Psicocinética por entender que o movimento é uma das mais significativas manifestações da conduta humana. Manuel Sérgio Vieira e Cunha, conhecido entre os profissionais da Educação Física e Esporte apenas como Manuel Sérgio, oferece a proposta da Ciência da Motricidade Humana, a qual deveria substituir a Educação Física Tradicional e estudar o ser humano que se movimenta na direção da autossuperação. Por fim Jorge Olímpio Bento e sua indicação da Ciência do Desporto, apresentada em sua complexidade e abrangência, centrando sua argumentação na importância do desporto para a concretização do humano no homem. 120 UNIUBE Referências BENTO, Jorge Olímpio. Corpo e desporto: reflexões em torno desta relação. In: MOREIRA, Wagner Wey (Org.) Século XXI: a era do corpo ativo. Campinas: Papirus, 2006. BENTO, Jorge Olímpio. Desporto: discurso e substância. Belo Horizonte: Instituto Casa da Educação Física / Campinas: Unicamp, 2013. CARBINATTO, Michele Viviane; MOREIRA, Wagner Wey. Bases epistemológicas, a Educação Física e o Esporte: possibilidades. Revista Brasileira Educação Física Esportes. São Paulo, v. 20, p. 129-130, set .2006, suplemento n. 5. DEPOSITPHOTOS. Disponível em: https://br.depositphotos.com/. Acesso em: 15 jan. 2019. DICIO. Praxiologia. Disponível em: https://www.dicio.com.br/praxiologico/. Acesso em: 07 dez. 2018. GETTY Images. Disponível em: https://www.gettyimages.com.br/. Acesso em: 29 nov. 2018. HOUAISS, Antônio. VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. LE BOULCH, Jean. Rumo a uma ciência do movimento humano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. Introdução Educação Física e temas atuaisCapítulo7 Ao fi nal do estudo deste capítulo, esperamos que seja capaz de: • demonstrar a relação entre a Educação Física e os temas de saúde e qualidade de vida, reconhecendo a complexidade e a abrangência dessa área de conhecimento; Objetivos Associar a área da Educação Física e Esportes a temas atuais é tentar identifi car quais são os critérios e valores hoje presentes na área, os quais demandam produção de conhecimento e açõesjunto aos seres humanos. Elegemos, entre outros, três temas considerados por nós como os mais abrangentes e necessários para refl etirmos sobre o assunto, quais sejam: saúde e qualidade de vida, corporeidade e esporte. Tais temas, com certeza, permeiam os currículos atuais da Educação Física escolar e fazem parte do cotidiano do professor de Educação Física. Compreender as relações existentes entre eles, seus signifi cados e as representações que dessas relações decorrem é de suma importância para uma atuação profi ssional crítica, segura e contextualizada. 122 UNIUBE 7.1 Educação Física/Saúde/Qualidade de Vida 7.2 Educação Física/Corporeidade 7.3 Educação Física/Legado/Olimpismo 7.3.1 O Legado Olímpico 7.3.2 O Legado da Copa do Mundo no Brasil Esquema • mostrar a importância da Educação Física, quando da prática de exercícios físicos sistematizados e de esportes, para a manutenção de um estilo de vida ativo, contribuindo para a manutenção de um estado equilibrado de saúde; • explicar o conceito de corpo, passando do sentido de corpo máquina para a atitude da corporeidade, redimensionando a prática de exercícios e o sentido de jogar; • mostrar o sentido unitário do corpo, propondo a execução de exercícios e a prática de esportes, valorizando o ser sensível e inteligível; • defender a importância para o ser humano do universo do esporte, tanto na perspectiva teórica quanto prática. Educação Física/Saúde/Qualidade de Vida7.1 Quando estudamos a história da Educação Física, identificamos que ela, no Brasil, sempre esteve ligada à escola, enquanto disciplina curricular até a década de oitenta do século passado, ganhando uma expressão mais abrangente a partir dessa época. Houve um evento mundial, em 1999, realizado na cidade de Berlim – Alemanha, no qual apresentava-se o novo panorama, para a área, já claramente delineado. A Educação Física teve sua gênese histórica na escola e agora se debruçava sobre novas perspectivas: UNIUBE 123 • estava na área da saúde no sentido de colaborar para a prevenção; • destinava-se ao trabalho com grupos específicos não apenas com escolares, mas com grupos de gestantes, hipertensos e obesos, por exemplo; • buscava trazer para seu universo um maior número de pessoas, valorizando o sentido de inclusão; • era necessária quando se pensava em uma educação permanente, deixando o locus da sala de aula apenas. Um dos autores da área a produzir extensa pesquisa sobre qualidade de vida e saúde é Nahas (2001). Ele traz informações sobre a importância do profissional da Educação Física para a vivência de um estilo de vida ativo, estilo esse que só pode ser alcançado com a mudança de atitude na busca de uma vida saudável. Esse autor deixa claro que iniciar e manter a participação em programas de atividades físicas, destinando tempo diário para a realização de exercícios físicos sistematizados, demanda esforço e persistência. Oferece ainda uma tríade indispensável para se conseguir os objetivos propostos, centrada em conhecimento, atitudes e ações. 124 UNIUBE Nahas (2001, p.3) indica: Considerando as oportunidades e barreiras que as pessoas enfrentam em seu dia a dia, é preciso que: - se conscientizem da importância da atividade física regular para a saúde e qualidade de vida (informação); - desenvolvam o desejo de aplicar tais conhecimentos (atitudes favoráveis); - e se motivem para realizar tais intenções de forma continuada (ação e manutenção). Ao discorrer sobre o estilo de vida ativo, o autor exprime seu conceito sobre qualidade de vida como sendo “a condição humana resultante de um conjunto de parâmetros individuais e socioambientais, modificáveis ou não, que caracterizam as condições em que vivem o ser humano”. (NAHAS, 2001, p.5). Claro está que falar em qualidade de vida, e o autor mencionado também coloca dessa forma, só pode ser pensado a partir do momento em que as barreiras da sobrevivência são transpostas. Já vivenciar com qualidade um estilo de vida demanda superação de problemas individuais que possam nos afetar, como estresse, má alimentação, sedentarismo (Figura 1), bem como superar socialmente estágios de pobreza e de subdesenvolvimento. Figura 1: Sedentarismo. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. UNIUBE 125 É apenas no século XX que notamos a associação dos termos atividade física, aptidão física e saúde, termos esses agora imbricados em se possuir saúde e ter longevidade. Para Nahas (2001, p.23), não associar isto à saúde pública em períodos anteriores era natural, considerando que “as principais causas de morte eram ligadas ao meio ambiente – água, alimentos, esgoto, clima – e às chamadas “causas externas”, como as mortes violentas nas guerras e os acidentes em geral”. Hoje, a “afisicidade”, a inatividade física, passou a ser uma questão de saúde pública em todo o globo terrestre, exigindo atenção de iniciativas privadas, de órgãos governamentais, com a sociedade cobrando o estabelecimento de políticas públicas para o enfrentamento desse problema. A realização das atividades físicas na perspectiva de prática de exercícios sistematizados, área de atuação do profissional da Educação Física, pressupõe a superação do antigo conceito: saúde é apenas a ausência de enfermidade. Nahas (2001, p.34) diz ainda que aptidão física, quando enfocada para a saúde, é idêntica a aptidão para a vida pelo fato de possuir elementos destinados a uma vida ativa, pois apresenta subsídios “fundamentais para uma vida ativa, com menos riscos de doenças hipocinéticas (obesidade, problemas articulares e musculares, doenças cardiovasculares etc.) e perspectiva de uma vida mais longa e autônoma“. Em seu livro, ainda dá destaque às aptidões físicas cardiorrespiratória e musculoesquelética (Figura 2). 126 UNIUBE Figura 2: Atividades físicas sistematizadas. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. A importância do profissional da Educação Física para a qualidade de vida e para a aquisição de um estilo de vida ativo fica evidente quando o autor oferece orientações gerais para a prática de exercícios, estabelecendo itens, como: • princípios gerais do condicionamento físico; • prescrição de exercícios, chamando a atenção da complexidade dessa tarefa, a qual deve ser executada com ciência e arte; • cuidados gerais na prática de exercícios; e • parâmetros para o controle e execução de condicionamento aeróbico, treinamento de força muscular e treinamento de flexibilidade. O escrito de Nahas (2001) pode ser entendido, também, como um excelente manual de ação do profissional da Educação Física destinado a trabalhar com a saúde do ser humano. O escrito, além de explicitar uma proposta de Programa de Exercícios, detém-se em sugerir a divisão das sessões de exercícios, indicando quais exercícios devem ser evitados, tudo isto a partir de experimentos científicos e de referências de pesquisa de qualidade na área. UNIUBE 127 Por fim, há um interessante alerta que o autor faz de algumas evidências, destacando para a longevidade itens como atividade física, aptidão física, saúde e bem-estar, enquanto para a morte prematura a opção por inatividade, baixa aptidão, doenças e debilidade. Isto leva a concluir: Os riscos associados à inatividade física são claros. A inatividade física deve ser considerada um problema sério de saúde pública, representando um desafio para os órgãos de saúde e da educação, e a promoção de estilos de vida mais ativos para toda a população. (NAHAS, 2001, p. 113). Como vivemos um momento em que as academias de ginástica, dança e condicionamento físico estão muito presentes, demandando um campo de trabalho muito grande para o profissional da Educação Física, é interessante mencionar o trabalho de Morales e Nahas(2003) versando sobe a situação de iniciação, aderência e abandono de programas de exercícios físicos oferecidos por academias de ginástica na região sul do país. Na conclusão do estudo, os autores mostram que,das dezessete academias selecionadas, a permanência nos programas obteve média pouco inferior a dois anos e que a atividade preferida dos frequentadores dessas academias é a musculação, na opinião dos autores, por ser essa atividade a que produz resultados visíveis mais rápidos. Seguem-se a ela as escolhas preferenciais de ginástica localizada, atividades aeróbicas específicas e artes marciais. Guedes e Souza (2010, p.271) realizaram uma pesquisa “de base populacional, envolvendo medidas antropométricas, percepção quanto à qualidade de vida e à prática habitual de atividade física, além de informações sociodemográficas de escolares da cidade de João Pessoa/ PB”. Os sujeitos da pesquisa eram adolescentes e jovens de idades entre quinze e dezoito anos. Nas conclusões do trabalho, ficaram evidentes as preocupações com a falta de realizações de exercícios físicos, demandando um índice de 24% de prevalência do sedentarismo. 128 UNIUBE Carvalho (2010, p.294) centra sua preocupação com o que denomina “envelhecimento ativo”, demonstrando a importância da atividade física praticada de forma regular para “diminuir a degeneração progressiva associada ao envelhecimento”. Por outro lado, adverte dos riscos associados à exercitação, sugerindo trabalhos de treinamentos para a flexibilidade, a capacidade aeróbica e força muscular do idoso. Por fim, adverte que, depois de todas as explicações e justificativas fisiológicas, “importa salientar que um programa de exercício físico deve ser prescrito de acordo com as características, necessidades, objetivos, nível inicial, estado de saúde e de condição física dos idosos”. (CARVALHO, 2010, p.294). Pellegrinotti e Cesar (2016, p. 365) também expressam preocupação com o estilo de vida atual das pessoas, realçando o sedentarismo, a prática de uma alimentação inadequada, entre outros problemas, recomendando a prática de exercícios físicos como forma de melhoria de aptidão física e, assim, minimizando fatores de risco à saúde, por exemplo, a doença coronariana. Lembram que o exercício físico é “a atividade física planejada e estruturada, visando à manutenção ou melhora da aptidão física”. A partir desta justificativa, os autores propõem um interessante delineamento do exercício físico e esporte na saúde, via ciência do esporte, enfatizando: Com o conhecimento científico e o compromisso pedagógico da ciência do esporte, as práticas corporais ganham asas para voar na direção da compreensão da auto-organização que a natureza corporal apresenta após a ação de estímulos no entrelaçamento biopsicodinâmico. Os movimentos nos dão a compreensão da vida e a performance é a arte vivida, já que as capacidades e habilidades que se apresentam nos exercícios levam à percepção da capacidade criadora de realização dos gestos. (PELLEGRINOTTI; CESAR, 2016, p.368) UNIUBE 129 Pelos trabalhos de pesquisa aqui trazidos, vê-se a importância para o profissional da Educação Física trabalhar a relação atividade física, aptidão física, exercício físico sistematizado, vivenciados em academias (Figura 3), parques, na prática de esportes, entre outros locais e situações, junto às preocupações com a qualidade de vida, com o assumir um estilo de vida, demandando uma preparação profissional complexa e critérios de trabalho qualificado e ético na ação profissional junto à área da saúde. Figura 3: Atividades físicas em academias. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Convém lembrar aos professores de Educação Física na escola que eles não estão alijados dessa missão. O aluno, na escola, deve ter informações suficientes e ser ensinado de práticas condizentes ao alcance da qualidade de vida. Como a área da Educação Física pode colaborar para a promoção da qualidade de vida? 130 UNIUBE Educação Física/Corporeidade7.2 Tradicionalmente, a Educação Física se apresentava como uma área a estudar o corpo e a interferir nesse por meio de exercícios físicos sistematizados, executados através de jogos, esportes, danças, movimentos gímnicos e lutas. Se os ambientes de trabalho estavam delineados assim, a forma de ensino e de aprendizagem para isso ressaltava quase que exclusivamente a ideia de um corpo mecânico a ser melhorado em seu rendimento físico. Não se precisava pensar para a realização das atividades, bastava cumpri-las sob a ordem de um instrutor. Isto era tão evidente que, por exemplo, na escola não havia livros-texto da disciplina de Educação Física como proponentes de um conhecimento a ser estudado e, quando havia, tratava-se apenas do ensino de regras em diversas modalidades esportivas. Esse quadro modificou-se bastante a partir da segunda metade do século passado e, entre as propostas para a qualificação do trabalho de professores e profissionais da área, surge o entendimento da atitude da corporeidade (Figura 4). Com ela, busca-se a compreensão de um corpo que não seja simplesmente sinônimo de massa muscular, reconhecido apenas por seus atributos anatômicos e fisiológicos, nem dotado exclusivamente de uma racionalidade. UNIUBE 131 Figura 4: Atitude de corporeidade. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Corporeidade é sinal de passagem de um corpo-objeto, manipulado e invadido pelos critérios da ciência tradicional, para o corpo-sujeito. Na expressão do filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, é um corpo complexo, objetivo e subjetivo, produtor de história e cultura e ao mesmo tempo sendo modificado por essa história e cultura. PONTO-CHAVE É a partir dos escritos de Merleau-Ponty e da abordagem fenomenológica que no Brasil o tema corporeidade passa a fazer parte das preocupações do universo acadêmico de professores de Educação Física e docentes de outras áreas. 132 UNIUBE Vocês conhecem Merleau-Ponty? Merleau-Ponty (Figura 5) foi um filósofo fenomenológo francês. Em linhas gerais, ele estabelece como ponto de partida o estudo da percepção, sendo levado a reconhecer que o “corpo próprio” não é apenas uma coisa, um objeto potencial de estudo para a ciência, mas também é uma condição permanente da experiência, que é constituinte da abertura perceptiva para o mundo e seu investimento. Ele então enfatiza que há uma consciência e um corpo inerentes que a análise da percepção deve levar em conta. Por assim dizer, a primazia da percepção significa um primado da experiência, na medida em que a percepção tem uma dimensão ativa e constitutiva. SAIBA MAIS Figura 5: Merleau-Ponty. Fonte: Acervo EAD-Uniube. Santin (2013) alerta que falar de corporeidade parece algo simples e de entendimento inequívoco, não sendo isso verdadeiro. Normalmente os conceitos de corpo estão atrelados à ideologia da racionalidade, aliás, isto está muito presente no momento atual de nosso UNIUBE 133 país. Isso leva, novamente, a vivenciarmos o corpo na perspectiva de máquina, com a Educação Física propondo exercícios com o único intuito de malhação, de seguir uma estética padronizada (Figura 6) pelos meios de comunicação, para a qual devemos preparar o corpo para um rendimento melhor. Figura 6: Estética padronizada. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Isto remete ao sentido de utilidade como bem observa Santin (2013, p.63) A educação física e os esportes detêm a outra fatia do poder de agir sobre os corpos. A educação física não classifica os corpos com critérios de doença ou saúde, mas dentro da ótica da aptidão e da capacidade para a prática de determinados exercícios. Assim a educação física age sobre o corpo em nome do princípio da utilidade. Aludindo à área da Educação Física e Esportes, Santin fala acerca da iniciativa de um corpo disciplinado, ainda passivo de sacrifício para o bem da humanidade, seja na perspectiva individual ou na coletiva. A partir disso, sugere assumirmos o sentido e a atitude da corporeidade, a qual deve ser cultuada e cultivada. 134 UNIUBE Santin (2013, p. 68) indica que “corporeidade será vivida em primeiro lugarsob os signos da abundância. A corporeidade humana não pode ficar presa à satisfação de suas necessidades primárias”. Por essa razão “A educação física repensada para cultivar e cultuar a corporeidade humana precisará inspirar-se no impulso do sensível, na harmonia musical, nos ideais de beleza e nos valores estéticos”. Outro autor preocupado com a relação Educação Física e corporeidade, relação essa complexa como já dissemos, é Regis de Morais (2013). Ele alerta aos profissionais e professores de Educação Física a necessidade da radical alteração do tipo de trabalho oferecido por eles. Diz o autor: Eis porque os profissionais da corporeidade só têm diante de si um par de alternativas: ou seguem lidando com o corpo como se esse fora simples coisa burra que se adestra ou despertam para o fato de sermos um corpo como forma de estar-no-mundo sensível e inteligentemente. Se a segunda alternativa é aceita, o profissional tem que admitir sair da comodidade de rotinas e programas mecanicistas a fim de que inicia longo diálogo de aprendizagem com o corpo próprio e alheio. (MORAIS, 2013, p.84). Gallo (2006, p.28) expressa uma sensível esperança de resistência aos modos como hoje o corpo é tratado pela ciência e por todos nós de maneira geral. Espera que o corpo ativo, ou a corporeidade possa ser “Resistência à cultura do hiperconsumo [...] ao império do efêmero [...] à imposição de uma estética pasteurizada [...] ao narcisismo sem limites [...] ao controle generalizado”. Espera que a corporeidade, ou corpo ativo, propicie “uma forma de ser-no-mundo, como o exercício de uma vida autônoma, crítica, criativa”. Adentrando nas produções sobre corporeidade firmadas por professores de Educação Física, encontramos Nóbrega (2010, p.72) dissertando sobre uma fenomenologia do corpo, demonstrando que conhecer o corpo é muito mais que se relacionar com a justaposição de seus UNIUBE 135 órgãos. Explorando o sentido da percepção nas trilhas de Merleau-Ponty, demonstra que perceber é mais que aferir um determinado conceito ao que se procura, e, sim, interpretar os sentidos possíveis a partir de todo o corpo (Figura 7). É categórica ao afirmar: “[...] a percepção não é uma representação mentalista, mas sim um acontecimento da existência”. Figura 7: Liberdade de interpretar os sentidos possíveis do corpo. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Nóbrega, na mesma preocupação levantada por Regis de Morais já mencionada, insiste na necessidade de alterarmos a busca de conhecimento sobre o corpo. Merece nossa atenção seu escrito: É nossa relação corporal com o mundo que cabe destacar. Essa contingência marca tudo o que tem lugar fora do corpo, inclusive nas investigações científicas ou filosóficas sobre o corpo humano, bem como as intervenções educativas. O corpo, abstraído em análises que recortam-no, fragmenta-se no corpo naturalizado de uma determinada visão da Biologia, no corpo socializado das Ciências Sociais, no corpo instrumentalizado por diversas pedagogias. [...] Como é possível considerar o corpo como um campo de saberes, um campo de pesquisa que ultrapasse esse reducionismo e que considere a nossa condição corpórea? (NÓBREGA, 2006, p. 64). 136 UNIUBE Se isto no primeiro momento parece mera descrição teórica, perguntamos: • Não aprendemos tudo sobre o corpo nos cursos de formação profissional de maneira fragmentada? • Não temos em um momento os aspectos anatômicos, em outro os fisiológicos e em outro os filosóficos e sociológicos, nunca essas partes conversando entre si? • Mesmo quando deparamos com as metodologias de ensino, não são essas metodologias que nos são passadas por meio do que poderíamos chamar de “metodologia das partes”? • Não aprendemos sequências pedagógicas parte por parte para depois juntarmos tudo, tentando visualizar o todo? Moreira, Porto, Maneschy e Simões (2006, p.140) deixam claro: A corporeidade, ao participar do processo educativo, busca compreender o fenômeno humano, pois suas preocupações estão ligadas ao ser humano, ao sentido de sua existência, à sua história e à sua cultura. Para essa aprendizagem não é possível reduzir a estrutura do fenômeno humano a nenhum de seus elementos. Há que utilizar uma dialética polissêmica, polimorfa e simbólica. Já há muito tempo que pensadores afirmam: a soma das partes não dá o todo. Hoje, com teorias como a Visão Sistêmica (CAPRA, 1999) e da Complexidade (MORIN, 2013), isto já é assunto epistêmico superado. No entanto, parece ainda faltar uma grande distância para a chegada dessas “novidades” à área da Educação Física e dos Esportes. Campos e Moreira (2018), ao descreverem as possibilidades da corporeidade no jogo e no esporte, apresentam seus trajetos existenciais na presença desses fenômenos, assumindo a possibilidade da atitude da corporeidade explicitada nas aulas de Educação Física na escola e com isso visam reverter propostas epistemológicas, científicas, éticas e estéticas. É fundamental incorporar e saborear o conhecimento apreendido na escola. UNIUBE 137 Assumir o sentido e a atitude da corporeidade, informam Moreira e Simões (2016, p. 145), leva o professor de Educação Física na escola a ensinar seus alunos (Figura 8) não apenas os aspectos físicos do corpo, mas destinar parte de suas aulas à “preocupação com esse corpo que se movimenta às questões de ordem social, política, religiosa e econômica, compreendendo, assim, que a corporeidade não pode ser analisada apenas da perspectiva individual...”. Figura 8: Aprendizes. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Esses autores afirmam ainda que o trabalho com o fenômeno corporeidade nas aulas da Educação Física na escola pode propiciar aos alunos perceberem a impossibilidade do conhecimento do ser humano e de seu corpo “por meio de disciplinas hiperespecializadas, fechadas em si mesmas, que não dialogam com outras abordagens de conhecimento”. (MOREIRA; SIMÕES, 2016, p. 146). Por fim, esses autores expressam uma esperança e um desejo: Enfim, há que se estabelecer como fundantes as reflexões e as vivências da corporeidade e do esporte nos cursos de formação profissional em educação física. Não deveríamos nós, profissionais 138 UNIUBE da área, abrir espaços de diálogo e de encontro para operacionalizar as mudanças necessárias para os cursos de graduação? Não deveriam as entidades representativas dos profissionais da educação física, como CBCE, CONFEF e CREFs destinarem parte de suas preocupações a essa missão, numa visão de pluralidade para esse fim, deixando de lado posições dogmáticas que restringem e mesmo dificultam o caminhar até mesmo da legitimação da área? (MOREIRA, SIMÕES, 2016, p.146/7). Até aqui escrevemos muitos argumentos sobre corporeidade, mas não definimos o que é corporeidade. Isto foi de propósito, porque acreditamos que ela é muito mais uma atitude de vida do que um conceito definido. Vivenciar as atitudes por ela buscada e interpretar ou mesmo perspectivar suas possibilidades conceituais é colaborar para a transformação do trato do corpo pela Educação Física. A partir do que foi apresentado sobre corporeidade, você vê necessidade de alteração da forma como se formam professores de Educação Física? Educação Física/Legado/Olimpismo7.3 Você já percebeu que este sétimo capítulo é destinado a temas atuais que envolvem a Educação Física/Esporte, assim sendo não poderiam estar ausentes questões como o movimento olímpico e as possíveis interpretações dos significados de legado esportivo. O Brasil foi palco de grandes manifestações esportivas neste século XXI. Aqui sediamos os Jogos Pan-Americanos em 2007, os Jogos Mundiais das Forças Armadas em 2011, a Copa das Confederações em 2013, o Campeonato Mundial de Futebol em 2014 e os Jogos Olímpicos (Figura 9) e Paralímpicos em 2016. Esses eventos exigiram uma demanda de organização e investimentos nunca vistos no cenário nacional para a área dosesportes. UNIUBE 139 Figura 9: Prova de natação. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Como toda proposta de organização e desenvolvimento de acontecimentos sociais, ao avaliarmos tais propostas, podemos encontrar elementos positivos e negativos ocorridos, tentando refletir sobre o impacto disso no contexto social. Este é o propósito deste item, bem como pretendemos alargar o entendimento de o que possa significar o termo legado esportivo para a própria história da Educação Física. 7.3.1 O Legado Olímpico Os meios de comunicação, normalmente, proclamam o sentido de evento esportivo associado às construções edificadas para abrigar uma determinada competição. Foi assim que a informação chegou à população brasileira. As construções servirão para fortalecer o desenvolvimento de espetáculos de toda monta. Se legado for só isto, a tragédia dos gastos com o esporte neste período já estava anunciada. Países que sediaram esses grandes eventos, com algumas exceções, têm hoje vários parques esportivos construídos e abandonados em seus territórios. Assim ocorreu, para colocarmos 140 UNIUBE apenas alguns exemplos, desde países do chamado “primeiro mundo” até os que são considerados “países em desenvolvimento”. É sabido que temos Jogos Olímpicos de dois em dois anos. Nós brasileiros estamos acostumados com o período de quatro em quatro anos porque temos em nosso imaginário social apenas os Jogos Olímpicos de Verão. Mas, em anos pares intermediários aos desses jogos, temos os Jogos Olímpicos de Inverno. A comprovação dos problemas já acontecidos, os quais já indicavam o que está a acontecer no Brasil, pode ser rapidamente mostrada: começamos com alguns exemplos de países europeus e instalações construídas para os Jogos Olímpicos de Inverno. Neste caso, de Sarayevo (Bósnia - Herzergovina), poderíamos até justificar o problema, pois, após os Jogos Olímpicos de Inverno, o país entrou em revolução armada, a guerra yugoslava, e este local, inclusive, foi utilizado por tropas. Caminhemos agora para eventos mais recentes e com instalações construídas para os Jogos Olímpicos de Verão, também com dois exemplos. Quando observamos o Brasil, vemos que, seis meses depois do Rio 2016, quatorze das arenas construídas estavam fechadas e não se conseguiu implantar em várias modalidades nenhum programa de fomento ao esporte ou de utilização racional dos espaços. Ou seja, a tragédia estava anunciada. Rio 2016 É a designação mais comum dada aos Jogos Olímpicos de 2016, realizados na cidade Rio de Janeiro. Chamado oficialmente como Jogos da XXXI Olimpíada, foi um evento multiesportivo, mundial, ocorrido no período de 3 a 21 de agosto deste ano, seguido das Paralimpíadas, que aconteceram entre 7 e 18 de setembro. Houve 306 disputas de medalhas em 28 esportes, divididos em 42 modalidades. A escolha do Brasil como sede ocorreu na 121º sessão do Comitê Olímpico Internacional, em Compenhague, na Dinarmaca, em 2009. UNIUBE 141 Como pode ser comprovado, se o sentido de legado for apenas construções de instalações, reforçamos que a possibilidade de desastre já estava anunciada e o Brasil se tornou mais um país onde esses problemas acontecem. Não pretendendo justificar o descaso com as instalações, necessitamos entender melhor o que é legado olímpico. Rubio (2014), uma das maiores especialistas brasileiras em assuntos olímpicos, lembra que há sete grandes dimensões a compor o sentido de um legado olímpico: econômico; ambiental; infomação e educação; políticas públicas e cultura; símbolos, memória e história e o legado esportivo propriamente dito. 142 UNIUBE Caracteriza-se o legado econômico como aquele que pode ser aferido com o aumento de turismo e melhoria de qualidade de vida dos participantes de uma cidade-sede. Já o ambiental diz respeito às exigências que o movimento olímpico faz às cidades que se candidatam, por exemplo, obras ligadas a saneamento básico e à despoluição, entre outros. Documentos oficiais do Comitê Olímpico Internacional enfatizam a luta contra a exclusão por encarar o esporte como uma possibilidade na luta contra a pobreza. Diz mais Rubio (2014, p. 18) O legado educacional não se mede da mesma forma, porque não é material, nem concreto. O legado educacional diz respeito à compreensão dos ideais olímpicos e sua aplicação no cotidiano tanto da população, quanto na vida dos atletas. As políticas públicas e a cultura são também parte das dimensões do legado. Estão relacionadas com as inovações ocorridas na cidade que se expressam na cultura. Incluem-se aqui as novas formas de cooperação e parcerias que se desenvolvem ao longo do processo de realização dos Jogos, como por exemplo, a formação de pessoal para trabalhar no corpo de voluntários. Finalmente, ainda segundo Rubio (2014), o legado esportivo deve estar atrelado ao investimento na melhoria e na manutenção do esporte na cidade-sede e no país. Quando se fala de melhoria do esporte, a ideia não é apenas ligada ao de alta performance, devendo haver incentivo de participação esportiva para a maioria das pessoas, muito no sentido de um esporte-educação, colaborando para a formação do cidadão. Também aqui vemos que o Rio 2016 não cumpriu várias das metas. Apenas como exemplo, já em 2014, ou seja, dois anos antes da realização dos Jogos no Rio de Janeiro, Guimarães, Paranhos e Guimarães (2014), adaptando um quadro criado por Garcia e Vergara (2000) sobre diferenças entre sustentabilidade forte e fraca, alertavam para a trilha inadequada da preparação da cidade no quisito sustentabilidade. Diziam que, por tudo o que havia sido providenciado, perspectivava-se enquadrar as obras no Rio de Janeiro na chamada sustentabilidade fraca, a qual apresenta, entre outras, as seguintes características: UNIUBE 143 • concepção mais tecnocêntrica que ecocêntrica, daí um valor meramente mecanisicta; • sustentabilidade compatível com crescimento, dando prioridade ao capital natural em detrimento do capital humano; • desenvolvimento sustentável atrelado à ideia de crescimento econômico contínuo. Os mesmos autores mostram a diferença deste item quando comparado com o conceito de sustentabilidade forte: concepção mais ecocêntrica que antropocêntrica; concepção sistêmica, deixando clara a incompatibilidade entre sustentabilidade e crescimento contínuo; desenvolvimento do sentido de meio ambiente global e sistêmico. Sem, em nenhum momento, pormenorizar os problemas até agora apresentados, temos que reconhecer a existência de um outro ângulo possível de entender a palavra “legado”. Nesse viés, centraremos a acepção dessa palavra com foco na natureza humana. Sabemos que esse sentido, geralmente, está distante do conhecimento dos formados em Educação Física, mesmo havendo informações de serem esses profissionais os detentores do domínio do assunto. Esse reconhecimento do legado do esporte é, inclusive, independente de sediar ou não os Jogos Olímpicos em nosso país. Temos uma história de atletas que não são conhecidos pelos profissionais da área nem pela população em geral, que também merecem ser consagrados como legado. Vamos, novamente, apenas como pequenos exemplos, tentar deixar claro nosso pensamento sobre o assunto. Os exemplos a seguir foram escolhidos de forma aleatória, não seguindo nenhum critério mais lógico. É importante deixar claro que existe um número muito mais expressivo de atletas merecedores da lembrança de todos nós brasileiros. 144 UNIUBE Guilherme Paraense foi o primeiro medalhista de ouro pelo Brasil em Jogos Olímpicos, isto na edição de 1920. A delegação brasileira para esses jogos era pequena e quase não conseguiu chegar a tempo aos jogos, pois estava indo de navio para Antuérpia. Felizmente, na escala em Portugal, a equipe de atiradores embarcou de trem de Lisboa para o local dos jogos. Quantos profissionais da área da Educação Física conhecem isso? Isto não é legado esportivoe olímpico? Essa equipe ainda conquistou outras medalhas, história essa desconhecida pelos responsáveis pela Educação Física. Guilherme Paraense (Figura 10) foi um esportista brasileiro, nasceu em 25 de junho de 1884, em Belém (PA), e faleceu em 18 de abril de 1968, no Rio de Janeiro. SAIBA MAIS Figura 10: Guilherme Paraense. Fonte: Acervo EAD-Uniube. Tenente do Exército brasileiro e integrante do Fluminense Football Club, foi o primeiro atleta brasileiro a conquistar uma medalha de ouro em Jogos Olímpicos, na modalidade tiro. UNIUBE 145 O Brasil tem um histórico de sucesso em uma prova de atletismo nos Jogos Olímpicos, sempre tendo destaque nesta prova: o salto triplo. Vamos mencionar dois símbolos dessa prova: o primeiro, de história mais recente, foi João Carlos de Oliveira, medalhista de prata nos Jogos de Moscou, por mero pragmatismo falso. João teve seu salto vencedor e recorde, o que lhe garantia a medalha de ouro, mas o juiz indicou que ele “queimara o salto”. Anos depois, João inclusive já havia até falecido, o juiz desse evento reconheceu que desqualificou aquele salto em função do vencedor ser do país-sede. Outra informação se faz necessária: quantos entusiastas do atletismo sabem que, por mais de duas décadas, o salto de João, nos jogos Pan-Americanos do México, foi recorde mundial com a marca de 17.89 metros? Isto não é legado esportivo e olímpico? João Carlos de Oliveira (Figura 11), conhecido como João do Pulo , nasceu em Pindamonhangaba no dia 28 de maio de 1954 e faleceu em 29 de maio de 1999. Especialista em saltos, foi ex-recordista mundial do salto triplo, medalhista olímpico e tetracampeão panamericano no triplo e no salto em distância, militar por formação profissional e político brasileiro. SAIBA MAIS Figura 11: João Carlos de Oliveira – João do Pulo. Fonte: Acervo EAD-Uniube. 146 UNIUBE Tornou-se político após deixar o atletismo por causa de um desastre automobilístico em que perdeu uma perna. Foi eleito para dois mandatos como deputado estadual em seu estado natal, São Paulo. Neste segundo exemplo, enfatizamos mais uma vez a necessidade do entendimento um pouco diferenciado do que possa ser legado esportivo e olímpico. Há todo esse contexto de sacrifício humano, de dedicação por longos anos, certamente com muitas privações para se alcançar esse sucesso e nós, brasileiros, não nos damos conta disto. Isto não é legado esportivo e olímpico? Adhemar Ferreira da Silva, quanto já ouviram falar desse nome e de sua façanha? Primeiro atleta brasileiro a ganhar duas medalhas de ouro olímpicas. Aliás, como curiosidade complementar, se associarmos a vida deste atleta ao futebol, os torcedores do São Paulo Futebol Clube deveriam se orgulhar. Por quê? No uniforme do tricolor paulista há duas estrelas amarelas que não se relacionam ao futebol, e, sim, a esse atleta. São as duas medalhas por ele conquistadas em Jogos Olímpicos e presentes no dístico do São Paulo por ele ser atleta desse clube. Adhemar Ferreira Silva (Figura 12) foi um atleta brasileiro, primeiro bicampeão olímpico do país. Conquistou as medalhas de ouro no salto triplo nos Jogos de Helsinque em 1952 e de Melbourne em 1956. Em 2012, foi imortalizado no Hall da Fama do Atletismo. SAIBA MAIS UNIUBE 147 Figura 12: Adhemar Ferreira Silva. Fonte: Acervo EAD-Uniube. Ele é o único brasileiro a representar o país no salão da Federação Internacional de Atletismo (IAAF), criado como parte das celebrações pelo centenário dessa instituição. Em nosso último exemplo, estamos deixando o palco olímpico, mas sem abandonar a cultura esportiva, tão em falta para todos nós e pouco lembrada como legado olímpico e esportivo numa época de grandes eventos esportivos em nosso país. Maria Ester Bueno foi considerada por muitos institutos e órgãos de imprensa como a maior atleta feminina da América do Sul. Isto não é legado esportivo? Qual a porcentagem de brasileiros que se apropriou desse legado? Maria Ester Bueno (Figura 13), chamada como Maria Bueno, foi uma tenista brasileira, que jogou nas décadas de 1950, 1960 e 1970, sendo uma das poucas tenistas que conquistaram títulos em décadas diferentes. SAIBA MAIS 148 UNIUBE É considerada a maior atleta do tênis brasileiro (entre homens e mulheres), destacou-se como a melhor tenista do século XX da América Latina e incluída em 2012 na posição 38 entre os 100 Melhores Tenistas da história (considerando homens e mulheres) pelo canal Tennis Channel. Durante os anos de carreira, conquistou 589 títulos internacionais, entre os quais se evidenciam alguns muito importantes, como a conquista dos torneios individuais de Forest Hills (atual US Open), em 1959, 1963, 1964 e 1966, e os de duplas de 1960 e 1962 (com Darlene Hard) e 1968 (com Margaret Smith Court). Figura 13: Maria Esther Bueno. Fonte: Acervo EAD-Uniube. Na soma dos títulos conquistados, Bueno venceu dezenove torneios do Grand Slam (sete na categoria simples; onze em duplas femininas; um em duplas mistas). De acordo com a Federação Internacional de Tênis, foi a n.º 1 do mundo em 1959 na categoria individual feminina. A instituição International Tennis Hall of Fame também a evidenciou como a melhor tenista do mundo, em 1964 (depois de perder a final no Torneio de Roland-Garros e ganhar Wimbledon e o US Open) e 1966. No ano de 1960, essa grande atleta marcou a história como a primeira mulher a UNIUBE 149 ganhar o chamado Grand Slam de tênis, isto é, a conquistar os quatro Grand Slams jogando em duplas num mesmo ano (três com Darlene Hard e um com Christine Truman Janes). Bueno está no Livro dos Recordes: na final do US Open de 1964, quando disputou com a americana Carole Caldwell Graebner, Maria Esther venceu a partida, necessitanto apenas de dezenove minutos para isso. Ressalta-se que sua vitória sobre Margaret Court na final individual de Wimbledon, em 1964, é tida por muitos como um dos dez jogos com mais emoção da história do tênis. Bueno é chamada por A Bailarina do Tênis, pois sempre apresentou elegância de estilo de jogo. Seu saque também é um dos mais potentes. Infelizmente, não pôde representar o Brasil nos Jogos Olímpicos, pois esse esporte deixara de ser olímpico na década de 1930, voltando apenas em 1996 a essa categoria. Mencioná-la aqui é para prestar homenagem a essa grande atleta, que em sua trajetória ganhou, entre outras conquistas: mais de 500 títulos internacionais; 9 torneios Grand Slam na categoria simples, sendo 3 em Wimbledon e 4 US Open; 12 Grand Slam na categoria duplas. Isto não é legado esportivo? Quantos brasileiros conhecem isto? Caso queira conhecer um pouco mais sobre essa grande atleta brasileira, sugerimos que leia o artigo “Maior tenista da história do Brasil, Maria Esther Bueno morre aos 78 anos”, do site Globo Esporte. Assista também aos dois vídeos disponíveis no site: no primeiro, a própria tenista fala de suas conquistas e, no segundo, há uma abordagem acerca de seu falecimento, em 2018. https://globoesporte.globo.com/tenis/noticia/maior-tenista-da-historia-do- brasil-maria-esther-bueno-morre-aos-78-anos.ghtml SAIBA MAIS 150 UNIUBE A lista poderia ser bem maior, mas os exemplos anteriores bastam para nosso estudo neste momento. Mais uma vez vale ressaltar que não estamos com isso pretendendo esconder todos os problemas também já mencionados. Eles existiram, existem e merecem ser atacados. Mas, e este outro lado? Não merece ser conhecido, divulgado e reverenciado? 7.3.2 O Legado da Copa do Mundo no Brasil Se até aqui demos espaço preferencial aos Jogos Olímpicos, a seguir vamos também nos ater um pouco ao futebol, paixão de todos nós. Como no início deste capítulo dissemos, também no futebol tivemos grandes competições mundiais por aqui. Para atender às exigências da FIFA, no que diz respeito a sediar uma Copa do Mundo, houve a necessidade da implantação de boa infraestrutura para o futebol, como: construção ou reaparelhamento de estádios; melhoriasno setor viário para acesso aos locais de jogos para torcedores; construção de centros de treinamento para as equipes participantes... e muito mais, demandando a essa missão a aplicação de recursos, tanto público como privado. Como sempre acontece no Brasil, o orçamento inicial previsto para a realização da Copa do Mundo de Futebol foi, em muito, superado, especialmente, na demanda de recursos públicos. Foram edificadas várias arenas em capitais brasileiras, como as de Manaus, Natal, Cuiabá, entre outras, além de reformas como a do Maracanã, no Rio de Janeiro. Este último foi posto abaixo e construído um novo estádio. Por sinal, só neste século XXI, o Maracanã sofreu duas grandes reformas e uma total reconstrução! UNIUBE 151 Não há dúvida que o lado positivo dessa empreitada pode ser descrito por meio de alguns itens, como: • melhoria de acomodação para o torcedor; • qualidade dos novos gramados para o desenvolvimento do jogo; • em alguns locais, houve melhoria do acesso e reaparelhamento de locais de estacionamento e outros. Mas, não podemos deixar de mencionar a criação de “elefantes brancos”, representada pela estrutura de arenas desproporcionais no que diz respeito à sua utilização pelo universo do futebol. Um exemplo é a Arena da Amazônia, com acomodações para aproximadamente cinquenta mil fãs do futebol. Sua subutilização pôde ser observada no campeonato de futebol amazonense, da principal série, uma vez que a média de público talvez não chegasse a mil expectadores. Alegava-se que ela poderia ser utilizada para sediar jogos de grandes clássicos do futebol brasileiro durante o ano, fato esse pouco provável, considerando os custos de transferências desses jogos de regiões como sudeste e sul para a capital Manaus. Como discorremos acerca dos jogos olímpicos, está claro que o legado para o futebol também não se resume às estruturas físicas criadas. Mas, no caso do futebol, há algo já incorporado pelo brasileiro, assim as justificativas colocadas anteriormente ficam com menor repercussão. O Brasil, no que diz respeito ao futebol, necessita de uma política totalmente diferente da atual. Se amamos esse esporte, devemos priorizar o sentido participativo em relação a ele, participação esta que permita um número cada vez maior de praticantes do futebol, seja no sentido educativo, seja no de lazer, priorizando aí os investimentos públicos. O alto rendimento deve estar sempre na mão da iniciativa privada, considerando que se o estado assume essa responsabilidade 152 UNIUBE não haverá possibilidade de investir no esporte de base e no esporte- participação. Se por um lado, o esporte-espetáculo cada vez mais causa impacto na sociedade contemporânea, e isto é fato, devemos centrar esforços nas outras dimensões do esporte, no caso o futebol, que é muito estimado pelo nosso povo. Para isso, se faz necessário investir na pedagogia do esporte, lembrando duas preocupações elencadas por Nista-Piccolo e Nunomura (2014, p. 173 e 179): O esporte em si não tem significado se não for analisado a partir do contexto social em que está inserido, pois, é justamente esta sociedade que lhe atribui significado. [...] Tanto as instituições esportivas como os profissionais que nela atuam, os quais tratam o ensino e o treinamento de qualquer modalidade esportiva fundamentando-se num bom programa pedagógico, têm e veem a formação humana como prioridade, sempre antecedendo à capacitação motora de seus alunos/atletas. A partir do momento em que se institucionalizar políticas públicas do esporte com valores aqui destacados, certamente os investimentos serão mais dignos e a contribuição do universo desportivo para a formação do cidadão cumprirá sua finalidade. Vejamos a seguir um último lembrete para colocar todo esse tema de investimentos no esporte no seu devido lugar. Houve, durante todo o processo de investimentos financeiros para os grandes espetáculos esportivos ocorridos no Brasil, nos últimos tempos, muitos casos de corrupção e todos devem ser apurados e seus responsáveis devem ser punidos. Mas, passou ser considerado pelo senso comum que o esporte depreciou os cuidados com o ensino e com a saúde. Esta não é a correta forma de se analisar o problema, considerando duas razões: UNIUBE 153 • a primeira diz respeito à corrupção, a qual sempre esteve presente nos círculos políticos e administrativos nacionais, não surgindo apenas neste momento de investimentos no esporte; • a segunda: educação e saúde já sofrem, há muito tempo, descaso dos responsáveis pelo poder neste país. Assumir o problema já existente não deve ser um peso a ser carregado apenas pelo mundo esportivo! O recebimento da Copa do Mundo de Futebol pelo Brasil no ano de 2018 trouxe benefícios para a prática esportiva no futebol? Resumo No momento atual, a área da Educação Física e Esporte apresenta- se como possibilidade de contribuir para o desenvolvimento do sentido humano no homem. Mais ainda, há teóricos convictos de que, a partir do século XX, o ser humano redescobriu o que é corpo. Assim, conquistar um padrão de vida saudável, garantindo qualidade de vida por meio de um corpo ativo, passa a demonstrar que a Educação Física, durante muito tempo atrelada apenas à escola formal, hoje é presença fundamental na área da saúde, especialmente no sentido de prevenção. Neste capítulo, vimos que, para garantir a importância do trabalho da Educação Física para o ser humano, é necessária a transposição do entendimento de corpo para a corporeidade, esta redimensionando o viver. Por fim, mostramos que o esporte, em sua complexidade, deve ser associado às mais diferentes manifestações sociais, garantindo a permanência de legados que possam contribuir para a vida em sociedade e a aprendizagem da cultura. 154 UNIUBE Referências CAMPOS, Marcus Vinícius Simões de; MOREIRA, Wagner Wey. Jogo/esporte no corpo/corporeidade: corpo/corporeidade no jogo/esporte. In: NÓBREGA, Terezinha Petrúcia da; MOREIRA, Wagner Wey (Orgs.) Ser professor (a) universitário (a): o sensível, o inteligível e a motricidade. Natal: Editora IFRN, 2018. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1999. CARVALHO, Joana. Envelhecimento activo: recomendações para a prática de exercício físico. In: BENTO, Jorge Olímpio; TANI, Go; PRISTA, António. Desporto e educação física em português. Maputo: Universidade do Porto, 2010. p. 294-307. DEPOSITPHOTOS. Disponível em: https://br.depositphotos.com/. Acesso em: 15 jan. 2019. GETTY Images. Disponível em: https://www.gettyimages.com.br/. Acesso em: 29 nov. 2018. GALLO, Silvio, Corpo ativo e filosofia. In: MOREIRA, Wagner Wey (Org.) Século XXI: a era do corpo ativo. Campinas: Papirus, 2006, p. 9-30. GUEDES, Dartagnan Pinto; SOUZA, Mônica Vieira de. Atividade física habitual e fatores associados em adolescentes brasileiros. In: BENTO, Jorge Olímpio; TANI, Go; PRISTA, António. Desporto e educação física em português. Maputo: Universidade do Porto, 2010. p. 217-227. GUIMARÃES, Alexandre Magno; PARANHOS, Rones de Deus; GUIMARÃES, Simone Sendin Moreira. Sustentabilidade e jogos olímpicos: qual é o legado? In: MOREIRA, Wagner Wey; BENTO, Jorge Olímpio (Orgs.) Citius, Altius, Fortius: Brasil, esportes e jogos olímpicos. Belo Horizonte: Casa da Educação Física, 2014, p. 35-60. MORALES, Pedro Jorge Cortes; NAHAS, Markus Vinicius. Programa de exercícios físicos oferecidos por academias de ginástica: iniciação, aderência e abandono. In: NASCIMENTO, Juarez Vieira do; LOPES, Adair da Silva (Orgs.) Investigação em educação física: primeiros passos, novos horizontes. Londrina: Midiograf, 2003, p. 135-151. MOREIRA, Wagner Wey; SIMÕES, Regina. Educação física, esporte e corporeidade: associação indispensável. In: MOREIRA, Wagner Wey; NISTA-PICCOLO, Vilma Leni (Orgs.) Educação física e esportes no século XXI. Campinas: Papirus, p. 133-149. UNIUBE 155 MOREIRA, Wagner Wey; PORTO, Eline Tereza Rosante; MANESCHY,Pedro Paulo Araujo; SIMÕES, Regina. Corporeidade aprendente: a complexidade do aprender viver. In: MOREIRA, Wagner Wey (Org.) Século XXI: a era do corpo ativo. Campinas: Papirus, 2006, p. 137-154. MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bretrand Basil, 2013. NAHAS, Markus Vinicius. Atividade física, saúde e qualidade de vida: conceitos e sugestões para um estilo de vida ativo. Londrina: Midiograf, 2001. NISTA-PICCOLO, Vilma Leni; NUNOMURA, Myrian. Os jogos olímpicos na perspectiva da pedagogia do esporte no Brasil. In: MOREIRA, Wagner Wey; BENTO, Jorge Olimpio (Orgs) Citius, altius, fortius: Brasil, esportes e jogos olímpicos. Belo Horizonte: Casa da Educação Física, 2014, p. 171-208. NÓBREGA, Terezinha Petrúcia da. Corpo e epistemologia. In: NÓBREGA, Terezinha Petrúcia da (Org.) Epistemologia, saberes e práticas da educação física. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 2006. ________. Uma fenomenologia do corpo. São Paulo: Livraria da Física, 2010. PELLEGRINOTTI, Ídico Luiz; CESAR, Marcelo de Castro. Educação física e saúde no século XXI: conhecimento e compromisso social. In: MOREIRA, Wagner Wey, NISTA-PICCOLO, Vilma Leni (Orgs.) Educação física e esporte no século XXI, Campinas: Papirus, 2016, p. 363-380. REGIS DE MORAIS, João Francisco. Consciência corporal e dimensionamento do futuro. In: MOREIRA, Wagner Wey (Org.). Educação física e esportes: perspectivas para o século XXI, Campinas: Papirus, 2013, p. 71-87. RUBIO, Kátia, Jogos olímpicos do Rio de Janeiro: o que representa esse evento para o Brasil. In: MOREIRA, Wagner Wey; BENTO, Jorge Olímpio (Orgs.) Citius, Altius, Fortius: Brasil, esportes e jogos olímpicos. Belo Horizonte: Casa da Educação Física, 2014, p. 11-33. SANTIN, Silvino. Perspectivas na visão da corporeidade. In: MOREIRA, Wagner Wey (Org.), Educação física e esportes: perspectivas para o século XXI, Campinas: Papirus, 2013, p. 51-69. Introdução Educação Física/Esporte: direito do ser humano Capítulo8 Logo de início, neste capítulo, necessitamos justifi car o porquê colocamos, gravado, em seu título, a junção das expressões Educação Física/Esporte. Entendemos, mais uma vez, que essa observação se faz necessária, pelo esporte ser, hoje, um fenômeno mais abrangente que a própria Educação Física. Sendo assim, ele não pode ser considerado apenas como um simples conhecimento ou conteúdo da Educação Física. Isto também justifi ca desenvolvermos uma argumentação mais centrada no esporte, na perspectiva de encontrarmos o Homo Sportivus. Para tanto, recorremos de maneira prioritária a Jorge Olímpio Bento (2013) em seu “Desporto: discurso e substância”. Ao fi nal deste capítulo, esperamos que você seja capaz de: • demonstrar a importância do conhecimento e da prática esportiva para o ser humano viver ativamente em sociedade; • mostrar as possibilidades da (re) signifi cação do esporte, normalmente conhecido apenas como prática de alta performance; Objetivos 158 UNIUBE 8.1 A relevância do esporte na sociedade atual 8.2 Por uma outra dimensão do fenômeno esportivo Esquema A relevância do esporte na sociedade atual8.1 • utilizar o universo esportivo para reverter conceitos, princípios, valores, contribuindo para uma vivência ética e cidadã; • explicar que a vivência da Educação Física, por meio da prática de exercícios sistematizados e da prática esportiva, é um direito inalienável do ser humano na busca de sua transcendência. Iniciamos o tópico deste capítulo com as falas de Bento (2013) por entendermos que elas têm o sentido de justificar e demonstrar a importância e o encanto que o esporte transmite à vida do ser humano. Bento (2013, p.75) apresenta várias perguntas que pretende responder, ao longo de seu escrito, a partir de alguns significados. Vejamos: O que é que está por debaixo da exercitação, do treino e da competição? O que é que leva as pessoas ao desconforto da transpiração, do esforço e do cansaço, dor da contração muscular, ao sabor amargo do débito do oxigênio e do dispêndio de energias, ao susto do bater do coração, às tensões, dúvidas e agruras da mobilização das forças e da vontade na procura de rendimento? Por que será que tantos milhões de pessoas se dirigem cada vez mais para os cenários formais e informais das práticas desportivas? Por que razão é que ginásios, piscinas, estúdios de condição física e de ginástica aeróbica, assim como os locais mais aprazíveis e menos poluídos das nossas cidades são diariamente invadidos por jovens, adultos e idosos, por homens e mulheres, por indivíduos portadores de menores ou maiores deficiências e anormalidades? UNIUBE 159 Por que é que se entregam tão intensa, árdua e religiosamente ao exercício, como se estivessem a cumprir um ritual de evocar a Deus em que acreditam ou ao santo padroeiro da sua proteção? Ou como se, desse modo, exorcizassem e esconjurassem todos os males do seu corpo? Certamente todas estas perguntas demonstram a importância e a abrangência do fenômeno esportivo na sociedade atual, bem como a complexidade do estudo do esporte, podendo este ser referência nas mais diversas áreas de conhecimento humano e âmbito de pesquisas científicas. No universo do esporte, encontramos referências destinadas ao sagrado e ao profano, vivenciam-se expressões de encanto e arte, da mesma forma que de desencanto e sujeira; encontramos a vitória e a derrota, o reconhecimento e a crítica, a esperança e o desespero. Vive-se todo o espectro das sensações humanas. Mais uma vez recorrendo a Bento (2013, p. 77) temos a afirmação que o esporte é “um fenômeno antropológico fundamental em todas as épocas e lugares”. O esporte, segundo especialistas que nele militam, sempre foi colocado a serviço da arte de viver, levando Bento (2013, p. 76) a indicar: A esta luz o tão propalado ideal da harmonia do corpo e da alma configura-se na habilidade corporal, na beleza espiritual, na agilidade do pensamento, na elegância das ideias, na sinceridade das palavras, na cortesia dos gestos, na correção das atitudes, na fineza do riso, no refinamento das emoções e na lhaneza dos sentimentos. A isso chama-se a enformar a vida de ética e de estética; ensinar aos homens a rir e a jogar, coisas que aos deuses não foi dado aprender ou vivenciar. Lhaneza “Qualidade do que é lhano, afável; candura, singeleza, lhanura” (HOUAISS; VILLAR, 2009, p.1174). 160 UNIUBE Vê-se, nestas palavras, uma nova forma de entender o esporte, não apenas associado aos condicionamentos físicos, aos treinamentos enfadonhos e repetitivos, ao sentido de mera malhação, fatores esses todos atrelados à busca de um rendimento sempre maior. Por uma outra dimensão do fenômeno esportivo8.2 Passar da visão delineada no parágrafo anterior para os novos olhares expressos ao esporte, indicados nas referências de Bento (2013) é um processo doloroso, revelando a perda de certezas e a aquisição de desafios pouco enfrentados por teóricos e pesquisadores deste fenômeno. Moreira e Simões (2018, p. 163), ao apresentar o pensamento de Edgar Morin referente a tríade indivíduo, sociedade e espécie, indicam a dificuldade da transposição referida anteriormente. Mostram que a área da Educação Física/Esporte ainda não consegue superar uma oposição de menor importância na formação profissional, que é a do embate entre o mundo biológico e o cultural: “Os conceitos da biologia, da anatomia e da fisiologia aprendidos nesses cursos não dialogam com os conceitos antropológicos, sociológicos e psicológicos”. (MOREIRA; SIMÕES, 2018, p.163). A importância do jogo e do esporte para o ser humano é reconhecida não só pelos profissionais da área, mas pela maioria dos pensadores modernos. Morin (2013), ao se referir ao homo ludens, mostra que nós, diferentemente dos outros animais, trazemos em nossa história a permanência do jogo. Infelizmente, em nosso desenvolvimento civilizacional, o jogo ganhou PONTO-CHAVEUNIUBE 161 contornos mais específicos dos aspectos técnicos, utilitários e racionais, impedindo, muitas vezes, que, ao vivenciá-lo, saboreamos o prazer (Figura 1), a felicidade e a emoção do ato de jogar. Figura 1: Vivenciando o prazer de jogar. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Outro fator que podemos demonstrar, num momento de total falta de respeito à diversidade humana como estamos a presenciar hoje, é a importância do jogo e do esporte para recuperar a vida em comunidade, respeitando-se as diferenças. Como exemplo, lembremo-nos das equipes de futebol, pois nelas encontramos atletas das mais variadas regiões e continentes, africanos, sul-americanos, asiáticos, europeus, todos preservando suas identidades na maneira de ser e existir, no entanto lutando para o alcance dos objetivos de vencer, o que exige unidade de ação. Moreira e Simões (2018, p. 166) desafiam-nos com a pergunta: “Por que não aproveitar essa mestiçagem cultural como mais um elemento integrador para o estabelecimento de políticas humanas”? 162 UNIUBE Completando a preocupação levantada por esses autores, voltamos a Bento (2013, p.82/83): O desporto é um palco onde entra em cena a representação do corpo, das suas possibilidades e limites, do diálogo e relação com a nossa natureza interior e exterior, com a vida e o mundo. Quer se diga de crianças e jovens, de adultos e idosos, de carentes e deficientes, de rendimento ou recreação, o desporto é em todos os casos instrumento de concretização de uma filosofia do corpo e da vida. Constitui uma esperança para a necessidade de viver. Mais um fato interessante vem à nossa mente: hoje nos preocupamos com a falta de movimentos corporais do ser humano, a chamada “afisicidade”. Para combatê-la, nos apropriamos de ingestão de remédios, de assumirmos as mais variadas formas de regimes, elementos que certamente podem contribuir para uma qualidade de vida e de saúde. No entanto, mesmo com toda a argumentação até aqui desenvolvida, indicando o prazer, a utilidade, os benefícios da prática esportiva, temos ainda uma formulação bem pequena de inquéritos de pesquisas científicas, versando sobre a importância dos hábitos esportivos e sua contribuição para o alcance dessa qualidade de vida. Encontramos, por outro lado, muitos profissionais da área da saúde recomendando os cuidados e alertando sobre os fatores de risco dessas práticas. No que diz respeito às crianças, o jogo e o esporte podem propiciar um retorno ao que perdemos nos dias atuais, o amor à vida e à natureza. Mais apropriadamente nas palavras de Bento (2013, p.83): “São crianças tontas de alegria simples que consomem filosofia nas suas pernas, no seu esforço e suor. Encenam o desporto como elemento de uma pedagogia do amor à terra, ao corpo, à vida”. É possível que estejamos na hora de (re) significar o esporte, dando passagem para um espaço maior de educação em seu interior (Figura 2). Já conquistamos direito ao tempo livre, e a sociedade, cada vez UNIUBE 163 mais destinada ao mundo tecnológico, parece indicar a possibilidade de usufruirmos sempre mais do tempo ocioso. É necessário vivenciar esse tempo a partir do corpo próprio, a partir de dentro do ser. Figura 2: Vivências de jogos coletivos. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Essa perspectiva nos remete novamente à preocupação com a formação profissional na área, oferecendo argumentação consistente aos professores para, via jogo e esporte, contribuírem para a educação das crianças. Recorremos mais uma vez a Bento (2013, p.95) Mais, a formação da competência desportiva não pode ser desligada da questão mais geral da competência cultural e do tempo livre. Quanto menor for a preparação cultural autêntica tanto mais dinheiro é preciso gastar para se divertir num fim de semana ou durante as férias. Se ninguém ensinar as pessoas em geral e as crianças em particular a produzir gozos ativos a partir de dentro, criativamente, então elas têm que comprar tudo fora. O mesmo autor, mencionando a lembrança que Savater (1997) faz de um pensamento taoísta, escreve: “O erro dos homens é tentar alegrar o coração através das coisas, quando o que devemos fazer é alegrar as coisas com o nosso coração”. (SAVATER,1997, p.95). 164 UNIUBE Vejamos algumas reflexões a partir destes argumentos: não é isto que vemos quase todos os dias, crianças esbravejando porque os pais não compraram um certo brinquedo no shopping? Ou, crianças inertes e apáticas manejando os controles remotos para o movimento dos brinquedos? Não estamos a inverter uma lógica, que é a de crianças inativas no comando de brinquedos ativos? PARADA PARA REFLEXÃO Constata-se, nos dias de hoje, a ausência de uma educação e de uma vivência pautadas em valores, fator esse que degrada as relações humanas. Teóricos do esporte mostram ser o esporte um excelente contributo para o desenvolvimento de princípios humanos. Os valores aprendidos na vivência do jogo e da prática esportiva não se esgotam apenas quando vividos no momento de sua realização. Eles podem ser incorporados ao dia a dia das pessoas e são apreendidos, na maioria das vezes, de maneiro prazerosa. Bento (2013, p. 99/100) elenca valores encontrados no meio esportivo que podem ser processados continuamente em nossas vidas. A lista é longa, mas vale a pena registrá-la na íntegra no sentido de justificar a importância do fenômeno esporte para a aquisição desses valores a serem explicitados no dia a dia das pessoas: Colocar paixão e emoção naquilo que se faz, envolvendo-se com empenho e afinco e mobilizando todas as forças e energias na realização dos objetivos traçados. Exercitar a disciplina e autodisciplina e gerir bem o tempo de cada dia, no sentido de suplantar as insuficiências e de perseguir o aprimoramento constante. Ter um comportamento de desprendimento e de renúncia a papéis de vedeta e de ator principal, quando a harmonia necessária ao trabalho em equipe exige o desempenho de funções secundárias. Interagir com os outros, sejam eles colegas ou adversários, juízes ou espectadores. Agir segundo UNIUBE 165 as regras do jogo que são as da correção e da ética, da consideração e do respeito pelo adversário, como forma de se respeitar a si próprio. Desenvolver e testar competências de vários tipos: motor, técnico, tático, afetivo e cognitivo. Desenvolver as capacidades de resistência e persistência, tendo em conta que a vida é bela, mas também é dura e que é muito tênue a linha de separação entre a vitória e a derrota. Pelo que é importante nunca desistir, saber lidar com as adversidades e contrariedades, com os erros, com os problemas e os insucessos, encarando-os como pretextos e oportunidades de aprendizagem, de crescimento e desenvolvimento. Incorporar o gosto e o risco de tomar decisões com consequências para o próprio, para o grupo e para outras pessoas. Adquirir o hábito de assumir responsabilidades e aceitar críticas pelo nível de cumprimento das tarefas claramente definidas e atribuídas pelo técnico a cada elemento da equipe. Formar um sentido de liderança. E este não decorre de gestos focalizados na afirmação de um individualismo exuberante, mas sim da maneira como se consegue levar os outros a pensar e acreditar, a ver e fazer aquilo que possivelmente não veriam nem fariam sem o nosso impulso. Cultivar a imaginação, a inovação e a criatividade, a alegria e o otimismo – qualidades que o jogo permite treinar de modo quase ilimitado e que tão relevantes são para a vida, para reinventar o presente e sonhar e olhar para o futuro. Experimentar e aprender a conviver com estados de alma tão afastados e tão próximos uns dos outros: perder e ganhar, ter prazer e dor, o júbilo e a tristeza, a festa e a depressão, a ressurreição na vitória e a crucificação na derrota, a ascensão ao céu no sucesso e a descida ao inferno no insucesso, o gozo no sol no triunfo e a perdição das trevas no revés, a glória dos vencedorese a desonra dos vencidos, a euforia e a frustração, o choro e o canto, o encanto e o desalento. No fundo, aprender a lidar com a vida e com as várias dimensões que ela comporta: dia e noite, comédia e drama, riso e tragédia, manhã e ocaso, claridade e obscuridade, crescimento e apagamento. Sem correr o risco de exagerar, as palavras descritas nessa citação poderiam se tornar nosso mote principal, nossa justificativa primordial na direção de explicitarmos a importância do jogo e do esporte para a vida de todos os seres humanos. 166 UNIUBE As abordagens Homo Ludens e Homo Sportivus contribuem para a (re) significação da vida, pensando assim nos tornam mais humanos e possibilitam a vivência de valores tão ausentes nas relações entre as pessoas nos dias de hoje. Para isto, devemos empreender esforços na formação de profissionais e professores da Educação Física/Esporte (Figura 3). Serão eles que terão o privilégio de trabalhar junto a alunos e atletas, desenvolvendo a aprendizagem desses valores. Figura 3: Professores de Educação Física. Fonte: Depositphotos Acervo EAD-Uniube. Moreira (2012), preocupado com as questões educacionais e com a formação de professores de Educação Física, indicava ser a área uma fonte de ensino de pressupostos éticos, os quais poderiam fazer parte de nossas reflexões, exaltando o sentido coletivo da ética. Para tanto, traz a nós Pegoraro (2000, p.33): Para Heidegger, o problema de fundo está em que a razão “esqueceu de meditar” o sentido da existência para dedicar a “calcular a realidade matematicamente”, cientificamente e tecnicamente. A razão meditante reduziu-se à razão calculante, notadamente a partir de Descartes [...] Segundo Heidegger, o século XX colheu o resultado mais pesado desta redução e limitação da UNIUBE 167 razão ao cálculo. Somos uma geração que perdeu o sentido da profundidade ontológica. A existência humana torna-se errante, sem certezas e com rumos mal definidos. Contribuir para que professores e profissionais da Educação Física/Esporte exercitem a capacidade de refletir, de meditar, torna-se fundamental para alterar os sentidos do esporte e do jogo. Educar por meio desse conhecimento é nossa função, é colaborar via Educação Física/Esporte para o alcance da cidadania. Tubino (2013) apresentou três grandes trilhas percorridas pelo esporte: a da performance, destinada ao desenvolvimento do alto rendimento atlético, vivenciada por equipes e por atletas profissionais; a de participação, a qual é percorrida voluntariamente com o objetivo de busca do bem-estar por meio da aquisição ou manutenção de um estilo de vida saudável, e a da educação, destinada a prover os seres humanos do direito do lazer e da prática esportiva para todos, contribuindo para a vivência cidadã. Ontológico “No heideggerianismo, relativo ao ser em si mesmo, em sua dimensão ampla e fundamental, em oposição ao ôntico, que se refere aos seres múltiplos e concretos da realidade”. (HOUAISS; VILLAR, 2009, p.1389). 168 UNIUBE A delimitação de cada uma dessas trilhas do esporte não pode ser identificada com clareza, considerando que, em vários momentos, uma trilha coabita com as outras ou mesmo se sobrepõe. Por essa razão, não estamos aqui a discutir os critérios conceituais, mas, sim, apropriando- nos do autor referido, para mais uma vez enfatizar a abrangência e a importância do esporte para a incorporação de valores humanos. Moreira, Guimarães e Campos (2018) buscam demonstrar a importância do alcance da autonomia por meio da educação, para crianças e adolescentes, incluindo, no processo educativo, a vivência do jogo e do esporte. De início deixam claro que autonomia não pode ser um conceito abstrato. Ela deve possibilitar a indivíduos e às coletividades atitudes condizentes com a missão de recuperar o sentido e os compromissos com a humanidade. Para o alcance da autonomia, enquanto algo concreto, não necessitamos experimentar e vivenciar princípios universais, como respeito a normas, ser disciplinado, buscar por meio do esforço e do suor superar problemas, tudo isto como elementos a serem apreendidos na escola via processos pedagógicos. E mais: isto tudo não faz parte do universo dos jogos e dos esportes? Se sim, porque deixarmos de lado essa excelente ferramenta educacional presente na escola, via disciplina Educação Física? PARADA PARA REFLEXÃO Mais uma vez evidencia-se a importância da área não só para ensinar gestos técnicos e táticos, mas para transformar atitudes. UNIUBE 169 A autonomia, para ser alcançada, demanda “que o educando aprenda a jogar e a competir. A vida é, em última análise, um jogo em que competimos permanentemente para manter a condição de estar vivo”. (MOREIRA, GUIMARÃES, CAMPOS, 2018, p. 108). Também é importante deixarmos claro que competição não é algo tão negativo. O problema é qual valor damos à competição. Se competimos para eliminar outros, partimos de um valor inadequado, indigno de ser trabalhado nos momentos competitivos. Por outro lado, é evidente a máxima: quem não sabe competir, não sabe cooperar. Apropriamo-nos mais uma vez de Moreira, Guimarães e Campos (2018, p. 109) Como pode ser observado, o problema não é a competição e sim o valor que a ela destinamos. Que seria a vida das crianças no caminhar pela trilha da busca da autonomia se esta não apresentasse, para alcançar esse fim, o universo dos jogos, dos brinquedos e das práticas esportivas? Jogando e brincando, e muitas vezes aí competindo, nos preparamos para sermos mais conosco mesmo, sermos melhor na relação com os outros e termos melhor conhecimento do mundo e das coisas. Isto é, salvo melhor juízo, educar-se. Muitas vezes pensamos que a importância dos jogos e dos esportes se dá apenas aos alunos participantes da Educação Infantil e do Ensino Fundamental. Grande equívoco pensar assim, considerando que o trabalho com esses conhecimentos também é essencial no Ensino Médio. Daí a preocupação de Golin e Moreira (2018, p.127) quando apresentam um artigo revelando várias produções na relação jogo e esporte com o Ensino Médio, reforçando, ao final, a necessidade da presença desses conhecimentos nessa fase de escolarização. “Ensinar o esporte na escola leva-nos a afirmar que a busca da competência esportiva não pode estar desligada da competência cultural e da vivência do tempo livre”. Afirmam ainda que vivenciar conscientemente o esporte é “poder 170 UNIUBE substituir hábitos de consumo do que está fora do corpo, por utilização do tempo com criatividade, com ações prazerosas que vêm de dentro do corpo”. (GOLIN; MOREIRA, 2018, p.17). Vivenciar o jogo e o esporte na escola não abandona a necessidade da utilização de técnicas, mas exige o abandono de formas tradicionais de ensino, centradas na repetição e automatização dos fundamentos dos esportes. A técnica é bem-vinda no ensino desses conhecimentos, desde que reformulada em seu sentido. Para mostrarmos a importância disto, apropriamo-nos de Bento (2006, p. 157): É a técnica que precede e possibilita a criatividade e a inovação. A criatividade será uma espécie de estado de graça, de harmonia e perfeição, um sopro de inspiração que responde a uma ordem e a uma voz que vêm de dentro, mas que só resulta quando a técnica se instala como uma segunda natureza. Sim, difícil é a técnica; com ela o resto é fácil. A técnica é uma condição acrescida e aumentativa; não serve apenas a eficácia, transporta para a leveza, a elegância e a simplicidade, para a admiração e o espanto, para o engenho e a expressão de encanto. Sem ela não se escrevem poemas, não se compõem melodias, não se executam obras de arte, não se marcam gols, não se conseguem cestas e pontos, não se pode ser bom em nenhum ofício e mister. A arte, a qualidade, o ritmo, a harmonia e a perfeição implicam tecnicidade. Sem técnica não há estética de coisa alguma. E a ética fica deficitária e manca. Enfim, sem técnicanão logramos ser verdadeiramente humanos. Como vimos, Bento (2006) ratifica que o ensino da técnica não pode e não deve ser desprezado pelos professores de Educação Física, dada a sua relevância para que os educandos possam usufruir das modalidades esportivas plenamente. No entanto, como educadores, devemos estar atentos às opções metodológicas que iremos dispor para o trabalho educativo. Resgatar, dar valor às experiências das crianças e buscar o prazer e a ludicidade deve, sim, fazer parte do cotidiano escolar. UNIUBE 171 A vivência cidadã é pautada por pressupostos éticos e o trabalho com o jogo e com os esportes para crianças e adolescentes é de fundamental importância para essa conquista. Neste sentido, cabe à escola e sobretudo aos professores de Educação Física utilizarem esse patrimônio construído historicamente pela sociedade chamado Esporte, como mais uma ferramenta em prol da formação de nossos alunos. Quais diferenças você consegue identificar sobre os sentidos de esporte na visão tradicional e na apresentada neste capítulo? Resumo Neste capítulo vimos que o fenômeno esportivo pode ser conhecido e vivenciado no sentido da melhoria das relações humanas, pois ele propicia a incorporação de valores como perseverança, corresponsabilidade, atitudes éticas, convivência e outros, valores esses importantes para a vida em sociedade. Mais ainda, ao nos movimentarmos, podemos ir ao encontro do outro, do mundo, qualificando a vida e transformando saber em sabor. A vida demanda movimento e este pode ser qualitativamente garantido pela presença de uma Educação Física e de um esporte assumidos de forma consciente. Ser esportista, quer seja enquanto lazer ou educação ou até mesmo alto rendimento, é direito de todos. Daí a importância de se conhecer e vivenciar o universo esportivo apresentado por uma Educação Física calcada em valores éticos e estéticos. 172 UNIUBE Referências BENTO, Jorge Olímpio. Desporto: discurso e substância. Belo Horizonte: Instituto Casa da Educação Física / Campinas: Unicamp, 2013. DEPOSITPHOTOS. Disponível em: https://br.depositphotos.com/. Acesso em: 15 jan. 2019. GETTY Images. Disponível em: https://www.gettyimages.com.br/. Acesso em: 29 nov. 2018. HOUAISS, Antônio. VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. GOLIN, Carlo Henrique; MOREIRA, Wagner Wey. Educação física no ensino médio: experiências recentes e a (re) significação do conteúdo esporte para o trato de valores. In: SILVA, João Batista Lopes da; BELTRAME, André Luiz Normanton (Orgs.) Educação Física: Esporte e lazer em perspectiva sociocultural e inclusiva. Brasília: Art Letras Gráficas e Editora LTDA-ME, 2018, p. 115-132. MOREIRA, Wagner Wey; GUIMARÃES, Alexandre Magno, CAMPOS, Marcus Vinicius Simões de. Jogo/Esporte e autonomia: educação pelo jogo/esporte à disposição de crianças/adolescentes. In: GOLIN, Carlo Henrique; SILVA JUNOIR, Vagner Pereira da; PACHECO NETO, Manuel. (Org.) Educação física e suas pluralidades. Várzea Paulista: Fontoura, 2018, p. 105-122. ________, Wagner Wey; SIMÕES, Regina. Esporte e humanismo. In: SILVA, Junior Vagner Pereira da; MOREIRA, Wagner Wey. (Orgs.) Lazer e esporte no século XXI: novidades no horizonte. Curitiba: InterSaberes, 2018, p. 161-177. ________, Wagner Wey. Formação profissional em Ciência do Esporte: homo sportivus e humanismo. In: BENTO, Jorge Olímpio; MOREIRA, Wagner Wey. Homo sportivus: o humano no homem. Belo Horizonte: Instituto Casa da Educação Física, 2012, p. 112-180. MORIN, Edgar. A via para o futuro da humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. PEGORARO, Olinto A. Ética e sentido da existência. In: CASTRO, Dagmar S. P. de; AZAR, Fátima P.; PICCINO, Josefina D.; JOSGRILBERG, Rui de S. (Orgs.) Fenomenologia e análise do existir. São Paulo: Editora UMESP, 2000, p. 33-40. UNIUBE 173 SAVATER, Fernando. O valor de educar. Lisboa: Editorial Presença, 1997. TUBINO, Manuel J. Gomes. Uma visão paradigmática das perspectivas do esporte para o início do século XXI. In: MOREIRA, Wagner W. (Org.) Educação física e esportes: perspectivas para o século XXI. Campinas: Papirus, 2013, p.125-139. Anotações _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ __________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ __________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ __________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ __________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ Anotações _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ __________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ __________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ __________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ __________________________________________________________ _________________________________________________________ __________________________________________________________________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________ _________________________________________________________