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UNIVERSIDADE DE ARARAQUARA Jhonatan Miguel Silva A IMPORTÂNCIA DA BIOTECNOLOGIA NA ÁREA DA SAÚDE Panorama histórico e perspectivas futuras. Disciplina: Seminários de integração Docente: Prof. Dr. Antônio Carlos Massabni Data: 01 de novembro de 2019 Araraquara 2019 RESUMO A biotecnologia, em seu sentindo amplo, pode ser definida como o uso de seres vivos ou suas partes para a produção de bens e serviços. Apesar de ser considerada uma área recente, seus processos estão presentes desde a antiguidade na produção de alimentos e bebidas fermentadas. A biotecnologia também se faz presente na medicina desde a antiguidade. Técnicas antigas utilizavam sanguessugas para promover a sangria em pacientes afim de diminuir a quantidade de liquido circulante. Hoje, apesar da sangria ser considerada uma prática sem embasamento científico as sanguessugas ainda estão sendo utilizadas na produção de medicamentos anticoagulantes em membros reimplantados para promover a revascularização. Nesse sentido, muitos tratamentos surgiram no decorrer do tempo como as vacinas, a produção do primeiro antibiótico e a produção da insulina, que revolucionaram a medicina e possibilitaram uma melhor qualidade de vida para o ser humano. Muitos produtos e tecnologias ainda estão surgindo como os scaffolds em Medicina Regenerativa, a produção de células tronco pluripotentes induzidas e os sistemas micro fisiológicos, que prometem aprimorar ainda mais a medicina moderna e proporcionar melhores técnicas e terapias para diversos tratamentos. Palavras-chave: Biotecnologia, Medicina, Vacinas, Scaffolds, Medicina Regenerativa, Células tronco pluripotentes induzidas. 1 – INTRODUÇÃO: BIOTECNOLOGIA CLÁSSICA E MODERNA A biotecnologia, palavra derivada do grego bios (βίος)- vida; technos (τεχνηος) –prática and logos (λόγος) – pensamento ou estudo, é reconhecida conceitualmente como a união de biologia e tecnologia. Contudo não existe um consenso em sua definição, logo é possível encontrar diversas formas de defini-la. Segundo Faleiro e Andrade (FALEIRO; ANDRADE, 2011) “Em seu significado mais amplo, a biotecnologia é definida como uso de seres vivos, suas partes ou produtos para a produção de bens e serviço”. Já de acordo com o Ministério do Meio Ambiente “As biotecnologias, em seu sentido mais amplo, compreendem a manipulação de micro-organismos, plantas e animais, com vistas à obtenção de processos e produtos de interesse para a sociedade” (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2019). Há ainda o debate sobre o que se entende por biotecnologia clássica e moderna. De acordo com Souza e Canongia (SOUZA; CANONGIA, 2006) a biotecnologia clássica se refere a processos tradicionais como a fermentação, o melhoramento genético por seleção, o uso de seres vivos ou suas partes para produzir bens e serviços. Já a biotecnologia moderna, de acordo com Faleiro e Andrade (FALEIRO; ANDRADE, 2011) nasceu com o descobrimento do DNA que possibilitou uma revolução na área da genética e biologia molecular. Já as técnicas da biotecnologia clássica são utilizadas há bastante tempo. Estima-se que processos fermentativos para produção de alimentos, como queijo e vinho, datam de 6000 a.C. pelos assírios e babilônios (BARCELOS et al., 2018; FALEIRO; ANDRADE, 2011; KAFARSKI, 2012; THÁLYTA, 2010). 2 – A BIOTECNOLOGIA NA MEDICINA ANTIGA Técnicas de biotecnologia também foram utilizadas na antiguidade com fins terapêuticos. O uso de anelídeos em sangrias e cascas ou secreções de feridas de varíola bovina como prevenção da varíola humana são bons exemplos dessas técnicas (MARTINS, R. A. et al., 1997; REZENDE; REZENDE, 2009). As sanguessugas inicialmente surgiram como uma variação da sangria e tornou-se bastante popular no início do século XIX. Acreditava-se que problemas como enxaquecas e hemorroidas seriam causadas pelo excesso de sangue e seriam facilmente resolvidas com a técnica. Hoje sabe-se que a técnica não possui embasamento científico (CIPRANDI; HORN; TERMIGNONI, 2003; REZENDE; REZENDE, 2009). Figura 1: O emprego de sanguessugas. Fonte: Rezende, 2009 (REZENDE; REZENDE, 2009). Apesar disso, pesquisas vêm sendo desenvolvidas para a produção de medicamentos anticoagulantes com base na saliva desses anelídeos (CIPRANDI; HORN; TERMIGNONI, 2003; REZENDE; REZENDE, 2009). Aliás, nos últimos cinco anos, as sanguessugas voltaram em cena, pois vêm revelando-se úteis no pós- operatório de pacientes que tiveram membros reimplantados, uma vez que auxiliam a restabelecer a circulação sanguínea entre os tecidos reconstituídos (TARAZJAMSHIDI et al., 2014). Figura 2: Terapia de sanguessugas no pós-operatório de pacientes com membros reimplantados. Fonte: TarazJamshidi et al., 2014 (TARAZJAMSHIDI et al., 2014). Há mais de 500 anos, na China, utilizavam-se feridas de varíola secas ao sol como prevenção para a doença. O método baseia-se na exposição dos patógenos a radiação solar que os enfraqueciam. Assim, ao aspirar o pó obtido o corpo entraria em contato com uma versão mais inofensiva do vírus e tornava-se imune (MARTINS, R. A et al., 1997). Figura 3: Aspiração do pó obtido das feridas secas da varíola para imunização. Fonte: Martins et al., 1994 (MARTINS, R. A. et al., 1997). Já em 1780, Edward Jenner descobriu que a varíola bovina causava uma infecção inofensiva e protegiam as pessoas da varíola humana. Assim, as secreções das feridas de varíola bovina eram colocadas em contato com a pele previamente arranhada de pacientes que desenvolviam a doença de forma mais branda e tornavam-se imune a varíola humana. Surgindo assim a primeira vacina, termo derivado do latim Vaccinus que significa “derivado da vaca” (HILLEMAN, 1999; MEDEIROS, 2016). 3 - A BIOTECNOLOGIA NA MEDICINA CONTEMPORÂNEA Com a evolução da ciência, a biotecnologia passou a ser sistematizada, o que potencializou seus benefícios sociais e ambientais. Exemplos claros foram a evolução das vacinas e o descobrimento da penicilina. Durante o século XIX, a vacinação contra a varíola tornou-se uma prática mundial, especialmente na Europa e América do Norte. Mas os princípios aprendidos com os resultados de Jenner permaneceram ociosos por mais de um século e meio, durante os quais nenhuma nova vacina apareceu. Apesar de se demonstrarem eficazes na imunização, sofreram protestos e objeções por parte da população e da igreja pois foi reconhecida a possibilidade de morte dos inoculados (02 a 03 óbitos em cada 100 inoculados). Além disso, havia o temor por parte da população que houvesse a transferência aos “vacinados” de características bovinas, tais como: feições de boi, nascimento de chifres e mugidos, pelo fato do procedimento consistir na introdução de matéria extraída dos úberes da vaca. Desta forma tornava-se necessário aumentar a confiabilidade das vacinas e eliminar a ideia que as doenças seriam “castigo divino” (BONANNI; SANTOS, 2011; HILLEMAN, 1999; LAROCCA; CARRARO, 2000). Figura 4: Charge inglesa do século IX que demonstra pessoas adquirindo características bovinas após a imunização. Fonte: www.poder360.com.br/midia/fake- news-sabotaram-campanhas-de-vacinacao-na-epoca-do-imperio/#close-modal http://www.poder360.com.br/midia/fake-news-sabotaram-campanhas-de-vacinacao-na-epoca-do-imperio/#close-modal http://www.poder360.com.br/midia/fake-news-sabotaram-campanhas-de-vacinacao-na-epoca-do-imperio/#close-modal Grande parte dessa descrença se dava pelo desconhecimento da causa das doenças. Ainda naquela época experimento estava sendo realizados para obter provas que rejeitassem a teoria da geração espontânea e que estabelecesse a teoria germinativa da doença. Através da pesquisa pioneira de Louis Pasteur e Robert Koch, a qual estabeleceu que os micro-organismos eram a causade doenças infecciosas, a ciência da imunologia foi fundada (BONANNI; SANTOS, 2011; HILLEMAN, 1999; LAROCCA; CARRARO, 2000; MOHR, 2016). Pasteur desqualificou a teoria da geração espontânea de micróbios, e seus estudos sobre o metabolismo de micro-organismos levaram à descoberta de maneiras para transformar os patógenos em versões inofensivas possibilitando a produção de vacinas e outras novas maneiras de prevenir e tratar infecções. Assim surgiram técnicas como a atenuação ou inativação de micro-organismos que possibilitaram a imunização de diversas doenças como a raiva, febre tifoide, cólera e peste negra (peste bubônica) (BONANNI; SANTOS, 2011). Figura 5: Louis Pasteur em seu gabinete de estudos. Fonte: http://www.ccms.saude.gov.br/revolta/personas/pasteur.html. http://www.ccms.saude.gov.br/revolta/personas/pasteur.html Outro grande marco da biotecnologia na medicina moderna é a produção da penicilina, o primeiro antibiótico. A população mundial, em especial a da Europa e Ásia, sofreu vários casos de pandemia na era pré-antibiótica. Estima-se que apenas a peste negra, causada pela bactéria Yersinia pestis, foi responsável por pelo menos três pandemias na história, ocasionando quase 100 milhões de mortes na Europa e o surto entre 1895 e 1930, com cerca de 12 milhões de vítimas, principalmente na Índia (MOHR, 2016). Nos dias em que nada se sabia sobre a causa das infecções, métodos de prevenção, antibióticos e vacinação, por milhares de anos a humanidade foi torturada por enormes epidemias como sífilis, varíola, malária, tifo, febre amarela, hanseníase, tuberculose, gripe espanhola, cólera e peste negra, para citar apenas alguns exemplos (MOHR, 2016; "Alexander Fleming e a descoberta da penicilina”, 2009) A descoberta acidental da penicilina, em 1928 pelo médico inglês Alexander Fleming inaugurou uma nova era na medicina, uma vez que enfermidades infecciosas que normalmente levariam à morte puderam ser curadas ("Alexander Fleming e a descoberta da penicilina”, 2009). A penicilina é uma substância secretada pelo fungo Pennicilium e demonstrou-se mais eficiente no controle de proliferação bacteriana comparado às substâncias químicas utilizadas na época, como o salvarsan (utilizado no tratamento de sífilis), a proflavina (largamente utilizada na segunda guerra mundial, principalmente em feridas profundas), e as sulfas ou sulfonamidas (prontosil) (GUIMARÃES et al., 2010). Contudo, o antibiótico somente foi introduzido como agente terapêutico nos anos 1940. Após o processo de industrialização da penicilina, especialmente em consequência da Segunda Guerra Mundial, foi observado um rápido crescimento na descoberta e desenvolvimento de novos antibióticos (GUIMARÃES et al., 2010). Figura 6: Alexander Fleming em seu laboratório de pesquisa. Fonte: (“Alexander Fleming e a descoberta da penicilina”, 2009). Outro marco para a biotecnologia na área da medicina foi a produção de insulina sintética por micro-organismos transgênicos para o tratamento de diabetes. O diabetes melito é uma doença bastante antiga. Existem registros de seus sintomas que datam de 1.500 a. C., como a diurese frequente e abundante, sede incontrolável e emagrecimento acentuado, suas principais manifestações clínicas. Aretaeus, médico romano, criou o termo “dia-betes” que significa “passar-através” por causa de excessiva diurese, um dos sintomas mais evidentes da doença (BARNETT; KRALL, 2016; CHACRA; PIRES, 2008). Contudo, foi apenas em 1889 que Joseph von Mering e Oskar Minkowsky durante suas pesquisas sobre digestão de gorduras observaram que ao retirar o pâncreas de cães desencadeavam sintomas muito similares da doença. Em 1908 o cientista Georg Zuelzer desenvolveu o primeiro extrato pancreático injetável que suprimiu a glicosúria, entretanto, essa modalidade terapêutica não evoluiu devido seus efeitos adversos (BARNETT; KRALL, 2016; CHACRA; PIRES, 2008). A insulina foi isolada do extrato pancreático em 1921 por Banting e Charlie Best, no laboratório do fisiologista MecLeord. O primeiro teste para a diminuição da glicosúria e cetonúria foi realizada em 1922 pela injeção de 15 mL de extrato pancreático em um paciente de 14 anos. Contudo o efeito obtido foi abaixo do esperado, além de provocar abcessos no local de aplicação. Somente após a purificação do extrato pelo bioquímico J. B. Collip, que o procedimento surtiu o efeito desejado de forma imediata. A descoberta da relação entre a secreção pancreática e o diabetes melitos rendeu o Nobel de medicina e fisiologia em razão dessa conquista terapêutica (BARNETT; KRALL, 2016; CHACRA; PIRES, 2008). A primeira insulina produzida comercialmente foi a insulina regular ou insulina “R”. Inicialmente extraídas de animais, possui um mecanismo rápido de ação, logo necessitava de diversas aplicações ao longo do dia rendendo vária queixas por parte dos pacientes. Desta forma, outros tipos de insulinas com maior tempo de ação foram produzidos, dentre elas destacam-se a Insulina NPH, com adição da proteína básica protamina, e a insulina (PZI – Protaminic zinc insuline) com adição de zinco em sua composição. Porém, na prática clínica, diferentes complicações do uso destas insulinas foram observadas, entre elas, quadros alérgicos, lipodistrofias nos locais das aplicações e, a mais importante, a resistência imunológica à insulina (BARNETT; KRALL, 2016; CHACRA; PIRES, 2008). Com o avanço da biologia molecular, iniciou-se a era das insulinas biossintéticas humana. Seu princípio se baseia na modificação genética de bactérias para induzir a produção do hormônio utilizado no tratamento de diabetes. A técnica possui cinco procedimentos gerais: fracionar o DNA em locais específicos utilizando enzimas de restrição, unir fragmentos de DNA de forma covalente (DNA ligase), selecionar um DNA que pode se autorreplicar para vetor de clonagem, transferir o DNA para uma célula hospedeira e selecionar as células com o DNA recombinante. A bactéria Escherichia coli foi o primeiro organismo usado para o trabalho do rDNA e ainda é a célula hospedeira mais comum (SILVA; LOPES, 2012). Graças à insulina biossintética não era mais necessária sua extração de animais, que além de possibilitar a produção em larga escala contribuiu para atenuar o problema de rejeições e reações alérgicas, uma vez que o hormônio produzido é muito semelhante ao secretado pelos humanos. 4 – PERSPECTIVAS PARA A BIOTECNOLOGIA NA MEDICINA DO FUTURO. Com o desenvolvimento de técnicas e novos materiais as perspectivas para a biotecnologia aplicada na área da saúde são bastante promissoras. Em especial destaca-se o uso da celulose bacteriana na produção de scaffolds com potencial aplicação em Medicina Regenerativa. A Medicina Regenerativa é um ramo da medicina que propõe restaurar ou substituir células, tecidos e órgãos para recuperar sua funcionalidade. Segundo Porcellini (PORCELLINI, 2009), é uma área bastante recente que surgiu em 1997 quando Whitman et al (WHITMAN et al., 1997) propôs a integração de plasma rico em plaquetas aderidas em fibrina para a possível regeneração óssea do maxilar. Em 1998 no trabalho de Marx et al (MARX et al., 1998), foi demonstrado que plasma rico em plaquetas é capaz de induzir a regeneração óssea da mandíbula. Figura 7: À esquerda enxerto em funcionamento de medula óssea após 6 meses de tratamento sem plasma rico em plaquetas. À direita, funcionamento do enxerto de medula esponjosa onde o plasma rico em plaquetas foi utilizado e demonstra uma maturidade e consolidação óssea aumentadas aos 6 meses. Fonte: (MARX et al., 1998). A Regeneração Óssea, que consiste no tratamento de condições como traumas, osteossarcoma (tumor ósseos primário), osteomielite (infeção grave do tecido ósseo), osteíte (inflamação no tecidoósseo), entre outras, tem sido um grande desafio na clínica cirúrgica. Muitas abordagens terapêuticas como: aloenxertos (transplante entre diferentes indivíduos de uma mesma espécie), xenoenxertos (transplante cirúrgico entre indivíduos de espécies diferentes), autoenxertos (transplante retirado do próprio indivíduo), enxertos artificiais, têm sido empregadas para restaurar a função de óssea. Contudo, tais abordagens possuem limitações que dificultam sua aplicação como: a quantidade limitada de ossos doados ou retirados do próprio paciente, risco de resposta do sistema imune, possíveis infeções e morte de tecidos. Além disso, próteses sintéticas dificilmente são capazes de mimetizar ossos verdadeiros e de interagirem bem com tecidos ósseos circundantes, o que podem ocasionar em alguma fadiga (TORGBO; SUKYAI, 2018). Desta forma a biotecnologia aplicada à regeneração óssea tem se demonstrado bastante promissora, em especial os scaffolds em Engenharia de Tecidos. Os scaffolds podem promover diferentes tipos de mecanismos para a regeneração óssea como a Osteocondução (Capacidade de estimular o crescimento de novos tecidos na superfície e nos poros do implante, promovendo a aderência e proliferação das células para formar novo tecido ósseo vascularizado), Osteoindução (Capacidade de atrair células imaturas e induzi-las a se transformarem em células formadoras de tecido ósseo. Em geral induzem células a formação óssea em meio ectópico por mecanismos de sinalização biomolecular) e Osteointegração (Ocorre a integração entre células tecido ósseo e o implante pela adesão das células na superfície do material implantado) (TORGBO; SUKYAI, 2018). O osso possui um sistema biomecânico bastante complexo o que exige dos scaffolds propriedades específicas que para promoverem essa restauração como a biocompatibilidade, propriedades mecânicas semelhantes a estrutura óssea, porosidade adequada que permita a vascularização do tecido ósseo (entre 200 e 350 μm) e bioabsobabilidade/biodegradabilidade. Desta forma os scaffolds utilizando celulose bacteriana tem se demonstrado bastante promissores para regeneração óssea, uma vez que apresentam as propriedades ideais exigidas para a tal aplicação (TORGBO; SUKYAI, 2018). O trabalho de revisão de Torgbo e Sukyai (TORGBO; SUKYAI, 2018) cita diversos materiais baseados em celulose bacteriana com potencial aplicação em regeneração óssea como do trabalho de Huang et al (HUANG et al., 2017), que produziram um scaffold de celulose bacteriana/Hidroxiapatita em gel de agarose que foi capaz de promover a adesão, a proliferação e a viabilidade celular em processo osteogênico de células estaminais da medula óssea humana. Figura 8: Coloração H&E (Hematoxilina e Eosina) (100x e 200x) de CB (a, a1), CB / Gel (b, b1), CB / PA / Gel (c, c1) e CB / PA / Gel / HAp (d, d1) andaimes com hBMSCs implantado nas bolsas musculares da coxa de camundongos após 6 semanas. As setas indicam nova formação óssea. Fonte: HUANG et al., 2017. Uma outra área da Medicina Regenerativa que será beneficiada pelos novos materiais biotecnológicos é a produção de vasos sanguíneos artificiais. De acordo com dados com a Organização Mundial da Saúde (OMS) as doenças cardiovasculares são a maior causa de mortalidade em todo o mundo. Estima-se que apenas em 2016 causou a morte de aproximadamente 17,9 milhões de pessoas em todo o mundo cerca de 31% de todas as mortes (“World Health Organization, Factsheets, Cardiovascular Diseases (CVDs)”, 2017). Segundo o trabalho e Lee e Park (LEE; PARK, 2017) todo ano cerca de 600 mil procedimentos cirúrgicos relacionados às doenças cardiovasculares, como o transplante de coronária, são realizados mundialmente. Tal demanda, segundo Schumann et al (SCHUMANN et al., 2009), ocasionou no uso generalizado de enxertos artificiais com os de Politerefitalato de etileno e Teflon (Politetrafluoroetileno expandido – PTEFe). Contudo, em enxertos de pequeno diâmetro (< 6mm) a taxa oclusão e trombose era de 40% dos casos em menos de 6 meses de implante. A oclusão de vasos artificiais é associada às interações do sangue com os materiais sintéticos que ocasionam a obstrução. Além disso, materiais artificiais aumentam o risco de infeções bacteriana e podem provocar rejeições e inflamações generalizadas. Considerando os enxertos naturais, implantes vêm sendo realizados utilizando a veia safena, como a mamária interna autóloga, em processos de revascularização. Contudo, o procedimento não é totalmente adequado uma vez que por ser pequena a veia mamária pode apresentar varicosidade. Desta forma, a busca por novos implantes de pequeno diâmetro, biocompativeis e que não ocorra inclusão é de grande importância. A celulose bacteriana apresenta características relevantes para a produção de vasos sanguíneos artificiais como: propriedades mecânicas adequadas (módulo de Young 134 GPa e resistência a tração de 2 GPa por fibra), pureza elevada, microestrutura que permita a adesão e proliferação de células e biocompatibilidade. Figura 9: Tubos BASYC® - Com diferentes diâmetros internos em diferentes espessuras. O trabalho de Schumann (SCHUMANN et al., 2009) foram realizados transplantes dos vasos sanguíneos de celulose bacteriana (BASYC® (KLEMM et al., 2001)) in vivo como substituinte de artérias carótidas em 5 ratos, com a cavidade interior de 1mm, quais foram deixados crescer por 1 ano. Foram implantados também em artérias carótidas de 8 porcos, com o peso entre 35-40 Kg, que tiveram acesso livre a comida e foram deixados crescer por 3 meses. Os animais foram abatidos e os implantes avaliados, quanto à resistência a pressão sanguínea 70mmHg e a obstrução dos vasos. Nos ratos observou-se que no local de contato entre a prótese e o recém- formado vaso sanguíneo verificou a presença de fibroblastos ativos que produz colágeno, necessários para a integração e adequação dos vasos sintéticos ao corpo do animal. Além disso, em todos os animais de um ano, não verificou a obstrução de nenhuma artéria sintética. Estima-se que a alta taxa de permeabilidade pode ser favorecida pela natureza orientada das fibras da BASYC®, que facilitam o fluxo sanguíneo. Já nos porcos a taxa de permeabilidade dos enxertos foi de 87,5% (1 de 8 enxertos foi encontrado obstruído) acredita-se que a obstrução poder ter ocorrido devido o tecido circundante que não aderiu corretamente ao enxerto. Contudo, não foi identificado nenhum tipo de estreitamento das artérias artificiais (estenose) e nenhum tipo de anastomose (rede de canais que se bifurcam). Vale ressaltar também que não houve mudanças aparentes em nenhum dos enxertos, incluindo dilatação (aneurisma), deiscência (fissura natural) e fístulas (conexões inapropriadas de tecidos e órgãos distintos). Indicando que os enxertos de vasos sanguíneos artificiais de celulose bacteriana têm um grande potencial para aplicações futuras em humanos. Técnicas de biotecnologia moderna também estão surgindo e possuem um grande potencial para diversas áreas da medicina. Um destes procedimentos é a produção de células tronco pluripotentes induzidas (iPSC). O interesse por células pluripotentes consiste no tratamento de tecidos, órgãos lesados ou destruídos, por isso podem ser uma rota para o tratamento de mal de Parkson, lesões medulares e diabetes (TAKAHASHI; YAMANAKA, 2006). Atualmente, tratamentos com células tronco sofrem um grande embate ético pelo uso de embriões humanos no processo. Além disso, existe a preocupação de ocorrer rejeição imunológica em durante o procedimento. As células tronco, ou células estaminais (ES), podem ser classificadas em dois tipos principais: embrionárias e não embrionárias. As células estaminais embrionárias possuem a característica de ser pluripotentes, ou seja, podem formar qualquer tipo de célula nas três camadasgerminativas (endoderme, mesoderme e ectoderme), já as estaminais não embrionárias são capazes de formar diversos tipos de tecidos, ou seja, são multipotentes, e podem ser extraídas de alguns tecidos ou órgão como a placenta, cordão umbilical, medula óssea, sangue periférico. Obtidas inicialmente no trabalho de Takahashi e Yamanaka (TAKAHASHI; YAMANAKA, 2006) utilizando cultivos de fibroblastos embrionários e adultos de camundongos, as iPSC foram produzidas in vitro pela reprogramação gênica de células somáticas através de quatro fatores de transcrição que as induzem a adquirirem propriedades semelhantes às células estaminais embrionárias. A hipótese foi fundamentada na reprogramação nuclear baseadas em genes de ovócitos (oócitos II) os quais mantém a propriedade pluripotente embrionárias por tempo elevado. Através de vetores retrovirais os genes são introduzidos em células somáticas e induz a expressão endógena de pluripotência. Além disso, fatores exógenos que possuem papéis chave na diferenciação celular são silenciados e o estado pluripotente torna-se completamente dependente do circuito transcricional endógeno (CUNHA; REIS, 2017; TAKAHASHI; YAMANAKA, 2006). As células tronco pluripotentes induzidas (iPSC) produzidas no trabalho de Takahashi e Yamanaka (TAKAHASHI; YAMANAKA, 2006) foram transplantadas de forma subcutânea em camundongos imunodeficientes e encontrou-se tumores com células dos três tipos de tecidos embrionários, indicando que a indução de células somáticas para obtenção de propriedades pluripotentes foi eficaz. Segundo o trabalho de Reis (CUNHA; REIS, 2017), a reprogramação gênica tem sido realizada utilizando fibroblastos de pele humana com uso de vetores virais. Contudo, devido a dificuldade de se obter tecido epitelial pela necessidade de biópsia alguns estudos recentes indicam que outras células humanas estão sendo utilizadas para a produção de iPSC, como células tronco de tecido adiposos, hepatócitos, linfócitos de sangue periférico, entre outras, que podem viabilizar diversos tratamentos e evitar reações de rejeição por utilizar células do próprio paciente. A Figura 10 demonstra o esquema resumido da formação de iPSC e as células que se formam. Figura 10: Representação esquemática da produção de iPSC e a formação de células de diferentes tecidos embrionários. Fonte: https://www.sigmaaldrich.com/technical-documents/protocols/biology/ipsc- differentiation.html. Ainda pensando nas aplicações de iPSC e no uso dos suportes 3D para cultura de células (Scaffolds), o trabalho de Edington (EDINGTON et al., 2018) aborda a produção de “Sistemas micro fisiolóficos” (“MPSs) que mimetizam as funções fisiológica in vivo através de microambientes de cultura especializado para que seja realizados testes de fármacos in vitro. https://www.sigmaaldrich.com/technical-documents/protocols/biology/ipsc-differentiation.html https://www.sigmaaldrich.com/technical-documents/protocols/biology/ipsc-differentiation.html Conhecidos como “corpo humano em chip” ou “órgãos em pastilhas”, os sistemas micro fisiológicos são microambientes de culturas celulares especializadas, que em matrizes 3D (scaffolds) interligadas por canais de microperfusão buscam simular o funcionamento fisiológico do corpo humano. Estão sendo desenvolvidos afim de suprir a demanda em farmacologia pré-clínica por modelos mais eficazes para teste de toxicidade e segurança de medicamentos. Atualmente, utiliza-se os modelos animais, que além de retardam o desenvolvimento de tratamentos, não são muito precisos em prever a segurança e eficácia dos medicamentos em humanos, ocasionando bilhões de dólares perdidos a cada ano (EDINGTON et al., 2018). Contudo, a produção de sistemas micro fisiológicos multifuncionais ainda se encontram em desenvolvimento e apresentam alguns desafios técnicos a serem superados, como descritos por Edington et al (EDINGTON et al., 2018): “(i) criação e manutenção de MPSs que exibam função fisiológica suficientemente representativa e robusta em periodos de cultura prolongada, exigindo tipicamente a obtenção e preparação intensiva de células primárias ou células-tronco pluripotentes (PSCs) para atingir a maturidade funcional em microambientes especializados; (ii) concepção e fabrico de equipamento em forma de plataforma que possa acomodar e sustentar as MPS relevantes - incluindo a transferência de fora da plataforma para a plataforma, no caso das MPS que exijam tempos de maturação díspares e meios complexos de maturação - ligando-as fluidicamente de uma forma que seja permissiva para a análise quantitativa de fenómenos biológicos envolvendo o destino de drogas ou fenómenos de doenças; (iii) seleção de uma composição média compatível com as diferentes MPS na plataforma; (iv) uma variedade de outros aspectos práticos e translacionais, incluindo separação do fluxo, taxas de fluxo, fisiológicos.” A Figura 11 é a representação esquemática do funcionamento dos sistemas micro fisiológicos. Figura 11: Representação esquemática do funcionamento de sistemas micro fisiológicos aplicados em testes farmacológicos pré-clínicos. Fonte: (EDINGTON et al., 2018). 5 – CONCLUSÃO Há muito tempo, a biotecnologia tem contribuído para a manutenção da saúde humana. Desde a produção de formas para imunização em massa, como as vacinas, passando pela produção de fármacos revolucionários como a penincilina e até a produção de insulina humana para o tratamento de diabetes, a biotecnologia possibilitou um aumento na qualidade de vida do homem e auxiliou no desenvolvimento da sociedade que conhecemos. Ainda hoje, processos e materiais biotecnológicos têm sido desenvolvidos com o objetivo de atender a demanda por novos produtos e serviços visando melhorar ainda mais os procedimentos aplicados na medicina moderna. A produção de scaffolds aplicados à regeneração de tecidos e órgãos, células tronco pluripotentes induzidas e sistemas micro fisiológicos, são apenas algumas das tecnologias que poderão aprimorar ainda mais a medicina e proporcionar melhores tecnologias e terapias para diversos tratamentos. Portanto, é inegável a importância da biotecnologia para a sociedade contemporânea, uma vez que dificilmente conseguiríamos avança-la sem a contribuição dessa importante área. 6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA BARCELOS, M. C. S. et al. The colors of biotechnology: General overview and developments of white, green and blue areas. FEMS Microbiology Letters, v. 365, n. 21, 2018. BARNETT, D. M.; KRALL, L. P. Joslin: Diabetes Melito. 14a Ed, 2016. BONANNI, P.; SANTOS, J. I. Vaccine evolution. Perspectives in Vaccinology, v. 1, n. 1, p. 1–24, 2011. CHACRA, A. R.; PIRES, A. C. A Evolução da Insulinoterapia no Diabetes Melito Tipo 1. 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