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1 CEDERJ - CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR A DISTÂNCIA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Curso: Engenharia de Produção Disciplina: Gestão da Manutenção Conteudistas: José Antonio Assunção Peixoto e Leydervan de Souza Xavier DI: Vittorio Lo Bianco Aula 1: Engenharia de Produção ou Engenharia de Manutenção: qual o seu curso? Meta Explorar a experiência informal e pessoal sobre o termo manutenção e mostrar possibilidades de como as concepções de manutenção e produção podem ser intercambiáveis conforme o contexto. Objetivos Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1. Reconhecer as atividades de manutenção e de produção em um contexto de organização do trabalho produtivo, a partir da escolha de suas fronteiras; 2. Identificar os conceitos usados na representação das atividades de manutenção e produção associadas ao contexto organizacional; 3. Relacionar produção e manutenção ao mundo da vida, no espaço de atuação da Engenharia de Produção (EP) e além deste; 2 1. INTRODUÇÃO Você sabe o que é Manutenção? Com certeza, se você fechar os olhos e pensar em uma cena que represente manutenção, vão lhe aparecer várias. Parece acontecer com a maioria das pessoas surgirem cenas que se referem a alguém com ferramentas, uniforme, consertando máquinas, motores; em outras vezes aparecem obras em calçadas, edifícios. Você, também, pensou assim? E se, agora, você for perguntado em que atividades um Engenheiro de Produção poderia trabalhar com manutenção? Ou ainda, qual a finalidade da Gestão da Manutenção no contexto da Engenharia de Produção? O que veio primeiro a sua mente? Provavelmente, suas respostas estariam associadas ao que visualizou espontaneamente, antes, ou então haveria alguns instantes de hesitação, e você tentaria raciocinar e associar a pergunta ao que você conhece de EP... BOX DE REFLEXÃO Uma forma de representar essas questões e compreendê-las em seu contexto, é interpretando organogramas funcionais. Por exemplo, considere o organograma da Fig.1 e verifique onde você poderia atuar como profissional de EP nas atividades de manutenção. Considere que o mesmo organograma pode ser pensado: para uma empresa com uma única planta ou para várias plantas; que as equipes podem ser duas, ou muitas e, ainda, podem ter dois técnicos ou dezenas de técnicos, cada; as equipes podem ser de funcionários da própria empresa, podem incluir colaboradores terceirizados ou serem, integralmente, compostas por funcionários de outras empresas. Assim, a gestão na base do organograma da organização de trabalho pode ser relativamente simples ou muito complexa, tanto quanto nos níveis mais altos e próximos da alta gestão. FIM DO BOX 3 Figura 1 Organograma de uma empresa com detalhamento das atividades de manutenção. Pensando no organograma da Fig.1, mas não se limitando a ele, se disséssemos a você que Engenharia de Produção e Engenharia de Manutenção, em essência, correspondem a modos de fazer idênticos, qual sua primeira reação? Vamos conversar sobre isso... BOX MULTIMÍDIA A Associação Brasileira de Engenharia de Produção (ABEPRO) apresenta em www.abepro.org.br um conjunto de 10 áreas do conhecimento relacionadas à Engenharia de Produção que balizam esta modalidade na Graduação. Destaca-se a descrição da Área 1 denominada ENGENHARIA DE OPERAÇÕES E PROCESSOS DA PRODUÇÃO com Gestão da Manutenção constante no item 1.3, intrinsecamente relacionada ao conteúdo desta disciplina. Disponível em http://www.abepro.org.br/a-profissao/ FIM DO BOX Por razões históricas (PROJETO MEMÓRIA-ABEPRO, 2019), há uma forte correlação entre a engenharia de produção e o ambiente industrial de manufaturas, típico do século XIX e XX. O organograma da Fig1 parece descrever bem esse tipo de contexto, que também é o das engenharias mecânica e elétrica. Neste tipo de empresa nosso ‘ PRESIDENTE DIRETOR COMERCIAL DIRETOR FINANCEIRO DIRETOR INDUSTRIAL DIRETOR ADMINIST GERENTE DE PRODUÇÃO CUSTOS CONTROLE DA QUALIDADE SUPERVISOR DE MANUTENÇÃO PRODUÇÃO SUPRIMENTOS ENGENHARIA DE MÉTODOS RELAÇÕES EMPRESARIAIS PLANEJAMENTO E CONTROLE DA PRODUÇÃO ANALISTA DE MANUTENÇÃO ELÉTRICA E MECÂNICA PLANEJADOR DE MANUTENÇÃO SUPORTE E COMPRAS ENCARREGADO DE MANUTENÇÃO ELÉTRICA E MECÂNICA MECÂNICO DE MANUTENÇÃO ELETRICISTA DE MANUTENÇÃO EQUIPE A ENCARREGADO DE MANUTENÇÃO ELÉTRICA E MECÂNICA MECÂNICO DE MANUTENÇÃO ELETRICISTA DE MANUTENÇÃO EQUIPE B http://www.abepro.org.br/a-profissao/ 4 imaginário sempre inclui linhas de produção, estações de trabalho, fluxos de insumos e produtos, máquinas, motores, controles, estoques etc. Em síntese, serão sempre muitos itens e muita movimentação de coisas e de pessoas. E, também por razões históricas, a organização das atividades neste contexto de atuação profissional estabelece, com muita frequência, áreas e equipes de “produção” e de “manutenção”. Cada uma dessas áreas demanda atividades de gestão, técnicas e procedimentos específicos e, integrando as duas áreas, quando estão demarcadas, é preciso, também, outro nível de gestão. Às vezes a gestão da manutenção está incluída ou subordinada à gestão da produção, em outras, são interdependentes. Por isto, é bem provável que você, por experiência, cultura ou imaginação, tenha tomado este tipo de ambiente como referência para pensar o que faria um profissional de EP. E, logicamente, há, pelo menos, dois campos de atuação: de execução das atividades de manutenção, em si, e de gestão destas atividades, em diversos níveis, considerando as que são realizadas pela própria organização ou contratadas de outras. Neste rumo, você pode se lembrar de ferramentas de gestão e pensar em conjuntos de técnicas, metodologias de análise e solução de problemas, análise de modos de falhas, parâmetros de desempenho e outros elementos que, a esta altura do curso, compõem sua formação. Sem desconsiderar esse mundo, bem real e, possivelmente, disponível em seu horizonte profissional, gostaríamos de convidar você a olhar um outro ambiente, que não se restringe ao da indústria de manufatura, e se fazer as mesmas perguntas pensando nele. Primeiro, considere a imensa diversidade de empresas que produzem serviços e, dentre elas, as que sequer tem uma sede física para instalar todos os seus colaboradores. Algumas delas cabem na palma da mão, pois funcionam conectadas ao seu celular e a uma rede de colaboradores que quase nunca se encontram pessoalmente, mas podem se comunicar intensamente a partir deste ponto. Em seguida, considere Terra como ambiente da atividade humana, sem esquecer que pode, também, haver atividade em projetos espaciais em órbita da Terra e além dela, no espaço. Agora, transponha para esses contextos a pergunta: qual o papel da Gestão da Manutenção no contexto da Engenharia de Produção? Nos parece que sua vida como engenheiro e cidadão vai se situar na fronteira aberta entre esses ambientes, o de uma organização do trabalho produtivo (seja ela exibindo instalações físicas de manufatura convencionais ou bastante virtualizada e disponibilizada em seu celular) e o do Mundo da Vida. É nesta perspectiva que 5 pretendemos situar os conceitos e as práticas de Gestão da Manutenção. Até porque, esses ambientes ou contextos de atividades estão conectados, não é mesmo? 2. CONCEITOS Primeiro, uma referência importante para a disciplina, o curso e sua formação profissional. Manutenção, segundo a NBR5462 CONFIABILIDADE E MANTENABILIDADE – no seu item 2.8 (ABNT,1984), é: “Combinação de todas as ações técnicas e administrativas, incluindo as de supervisão, destinadas a manter ou recolocar um item em um estado no qual possa desempenhar uma função requerida. ” “Nota: A manutençãopode incluir uma modificação do item. ” Observe que na definição acima nada há que impeça que um item possa ser pensado como algo acessível materialmente (uma ferramenta, uma máquina, uma peça, uma instalação, etc.) ou como um modo de pensar organizado (uma norma, um procedimento, uma especificação, uma regra, um hábito, um papel social, etc.). 2.1 Manutenção como suporte à produção Na perspectiva da NBR5462, você pode pensar em manutenção como suporte à atividade produtiva de um item. Você, certamente, pode não se achar um “item”, mas uma pessoa e, certamente uma pessoa ativa e produtiva. Estudante, com certeza você é! Mas pode ser que além de fazer este curso, também trabalhe ou estagie com papel social definido. Considerando, então, a sua rotina diária de vida, em que momento você estaria realizando uma tarefa de produção e em que momento estaria realizando uma tarefa de manutenção? Se você aceitar a definição da NBR5462, pode pensar que, enquanto exerce suas atividades de estudante, de estagiário em sua formação profissional, estaria trabalhando em produção e, nos demais momentos, enquanto estivesse se preparando para exercer essas atividades, você poderia estar trabalhando em manutenção. Faz sentido? Na Fig. 2 esses contextos de atividades estão indicados. 6 Figura 2 Contextos de atividades de produção e de manutenção. Assim, por exemplo e de forma prática, enquanto estivesse dormindo, se alimentando, fazendo sua higiene pessoal, sendo atendido em um hospital ou em um outro tratamento de saúde, em férias ou descansando nos horários vagos, você estaria trabalhando em manutenção; em outras palavras, na auto-organização da sua manutenção. Mas, há outros eventos interessantes. Por exemplo, para você se vestir, tomar banho, ou para comer, houve um conjunto de atividades anteriores, exercidas por você ou por outras pessoas, que tornaram essas atividades autônomas possíveis. Elas foram preparadas ou produzidas, com antecedência. Assim, se você aumentar a visão inicialmente posta em você para incluir um grupo maior de pessoas, verá que “a sua manutenção” implica no trabalho anterior ou simultâneo de outras pessoas. Se você perguntasse a elas se trabalham em manutenção, com aquela visão inicial que você pode ter adotado, elas, simplesmente, diriam: não! Esse seria o caso do padeiro, da costureira, do cozinheiro, do motorista do transporte, do médico, do dentista e dos demais. Todos eles trabalham, de fato (ou verdadeiramente), produzindo bens e serviços; isso é o que provavelmente diriam! Estágio EP Graduação EP Atividade profissional Sono Alimentação Higiene pessoal Transporte Espera Tratamento de saúde Lazer Vestimenta PRODUÇÃO MANUTENÇÃO MUNDO DA VIDA 7 Sem o trabalho “produtivo” deles, sua manutenção não ocorreria. Assim, para você, definitivamente, eles trabalham em sua manutenção. E, de forma semelhante, alguém pode estar contando com o que você produz para manter outras formas de produção em funcionamento. E, para essas pessoas, você trabalharia em manutenção. Na Fig. 3 a representação contempla essa perspectiva ampliada. Repare que um contexto de sociedade foi incluído, mantendo-se o mundo da vida. Figura 3. Uma visão ampliada de contextos de atividades de produção e manutenção situadas no mundo da vida. Observe que “você’ não está na figura, mas as ações que realiza estão no campo “produção”, interagindo com outras ações humanas e não humanas que foram alocadas no campo “manutenção” que, por sua vez, interagem no campo de organização e realização do trabalho total da “sociedade”. Assim, contendo todas as pessoas e ações, matéria e energia e informação disponíveis para tudo se manter, está o Mundo da Vida. Estágio EP Graduação EP Atividade profissional Sono Alimentação Higiene pessoal Transporte Espera Tratamento de saúde Lazer Vestimenta PRODUÇÃO MANUTENÇÃO SOCIEDADE Pada ria Restaurante Serviço de transporte Serv iço d e saúd eProdução de roupas S erviço de S egurança MUNDO DA VIDA Ar Flora Fauna Água Energia El em en to s qu ím ico s 8 Se, ao invés de você, um médico, padeiro, motorista ou qualquer outra pessoa usasse esta representação, o que ele faz, estaria no campo de produção e você e suas atividades seriam deslocados para o campo de manutenção ou de sociedade. Assim, essa figura funcionaria como um caleidoscópio, ajustado à perspectiva de quem analisa a realidade. E, deste modo, os fluxos que ligam as atividades e as pessoas têm significados relativos que são definidos conforme o ponto-de-vista. Agora, ao invés de olhar para fora, ampliando os horizontes de reflexão, você pode olhar para dentro de você mesmo, aprofundando a análise. Assim, por exemplo, para ler esse texto, que partes ou “itens” de seu corpo foram usados? E, neste trabalho de aprendizado, que partes de seu organismo trabalharam em produção e quais outras trabalharam em manutenção? A complexidade da fisiologia humana torna essa resposta, tecnicamente, muito sofisticada. Mas, de forma intuitiva, parece ser muito difícil dizer que alguma parte do corpo humano só tenha trabalhado em produção ou só em manutenção das demais. Dependendo do ponto de vista, todas contribuem com as duas atividades simultaneamente. Por exemplo, os tecidos da medula que produzem as hemácias realizam um trabalho altamente especializado. E você poderia pensar que são de produção. Mas as hemácias operam o transporte de oxigênio para todas demais células do corpo e sem esse processo a vida não se manteria. As hemácias têm vida limitada e precisam ser substituídas, periodicamente, assim, a medula que as produz mantém a vida orgânica, como um todo. Além disto, a própria medula precisa de oxigênio e, deste modo, depende de sua própria produção, indiretamente, para sobreviver e continuar produzindo... Para ler, você precisa de oxigênio, das hemácias e da medula. Esta visão de organismo não seria aplicável às empresas? Nesta lógica de alterar a escala de observação envolvendo um determinado agente - no caso você - fica evidente que a distinção entre as ações de produção e de manutenção (como uma atividade de suporte à produção) depende do ponto de vista. 9 Por outro lado, cada atividade desenvolvida, não importa a escala de observação, implica na transformação de matéria, energia, informação e da vida, em suas diversas manifestações, fazendo com que as ações de produção e de manutenção se igualem, neste sentido essencial. Esta percepção é vital para o desempenho profissional do engenheiro. Esta concepção está representada na Fig.4 Figura 4. Equivalência produção-manutenção como ações ou transformações em cada contexto. Observe que você não produz matéria nem energia, mas as transforma, quer esteja “produzindo” ou “mantendo” alguma coisa. Como a fonte de matéria e energia está representada pelo Mundo da vida, cada ação humana ou não humana realizada impacta, em alguma medida, diretamente nele e, em consequência, a sociedade e os espaços de atividade humana. 2.2 Produção, manutenção, ação e transformação Neste ponto, você poderia dizer que toda produção realizada por uma pessoa ou máquina, assim como toda manutenção, são ações realizadas com alguma intencionalidade e com alguma finalidade, ou seja, são obras da consciência. Esta discussão, conceitualmente, vai muito longe, se você considerar ações como sorrir, chorar, atos reflexos, em que o sujeito está consciente, mas não reflete sobre o que está fazendo. Em outras situações, há uma reflexão prévia a uma ação ou durante toda a ação, como por exemplo, quando você joga xadrez. O cumprimento de ordens ou execução de tarefas também podem ser realizadas conscientemente e com muita MANUTENÇÃOPRODUÇÃO AÇÃO TRANSFORMAÇÃO MUNDO DA VIDA MÁTERIA ENERGIASOCIEDADE 10 destreza e atenção, mas sem um domínio do quê e o porquê se está fazendo algo, quer por opção do executante, quer por imposições sociais. Assim, convém sempre distinguir a ação consciente da ação consciente e refletida. Toda ação se constitui em uma transformação, ou seja, gera uma mudança na organização da matéria ou na forma de manifestação da energia, bem como na informação produzida e, também, nas pessoas que agem. Em cada ação-transformação há um trabalho que consome energia e gera alguma forma de resultado material ou de outro tipo percebido pela mente humana como algo não-material. Contudo, quando um raio ou qualquer fenômeno natural – sem a intervenção humana – ocorre e você pode observá-lo, aquela hipótese de intencionalidade de uma pessoa não será válida. O fenômeno natural será considerado uma mera ocorrência observada como um fato natural independente da vontade humana. Existem outras produções, como a que você faz mentalmente, quando projeta ou imagina alguma coisa. Estas produções podem não se materializar em bens e serviços concretos, mas consomem energia e se constituem em transformações, primeiro de você mesmo, sob o efeito do que pensou; e depois, no mundo, quando essas ideias, eventualmente, forem comunicadas a alguém ou, ainda, quando se transformarem em alguma coisa material. Em sentido contrário, do mundo da vida para você, as produções realizadas atuarão em você, uma segunda vez, porque aquilo que você pensou e foi realizado, gerou efeitos no mundo da vida, percebidos por você e pelos demais e sua relação com as pessoas será afetada por isso. Na figura 5 você encontra uma representação destas interações. 11 Figura 5 Relações de sentido entre: consciência, ação, transformação, sociedade, organização, produção e manutenção. Observe que você, agora, aparece como um “sujeito consciente” e a produção é caracterizada pela intencionalidade, seja considerando fazer uma “produção” ou uma “manutenção”. Aquilo sobre o que você age, pode ser um objeto material ou imaginário, e em seguida pode ser introduzido na sociedade, criando transformações sobre todos os campos e sujeitos. Fluxos de matéria e energia são indispensáveis a todas as ações e existem indo e vindo de todos os pontos, bem como fluxos de informação que interligam e regulam toda comunicação do que se intenciona fazer. Assim surgem diferentes formas de organização como instrumentos de construção social da realidade, que serão explorados adiante. Vamos explorar um pouco mais o funcionamento do organismo: suponha que você estagia ou atua profissionalmente em uma empresa de serviços terceirizados de manutenção. Enquanto você trabalha lá, produz serviços que são vendidos e que sustentam sua empresa, as pessoas que trabalham lá e você. Todas essas vidas são mantidas com o trabalho realizado por você e pelos demais. Ao mesmo tempo, seu trabalho é, explicita e formalmente, de manutenção para quem contrata esses serviços, por intermédio da empresa em que você estagia. SUJEITO CONSCIENTE OBJETO DO MUNDO DA VIDA OBJETO DO IMAGINÁRIO AÇÃO Energia Matéria Sociedade Mundo da Vida Transformação Organização Produção Manutenção OBJETO DO MUNDO DA VIDA OBJETO DO MUNDO DA VIDA INTENCIONALIDADE 12 Neste caso, o que você faz é atividade de manutenção ou de produção? A resposta lógica é de que depende do “ponto de vista”, ou de outra forma, do “contexto” sob análise. As aspas serão discutidas mais adiante! Figura 6 A produção de serviços de manutenção. Observe que na Fig.6 os sujeitos, que são você e o cliente de sua empresa, veem, cada um em seu contexto organizacional, o produto que você elaborou por uma perspectiva própria. Para você se trata de produção, mas para ele, de manutenção. Ambos integram a sociedade e se conectam em uma cadeia de elos de trabalho ou de processos produtivos, por onde circulam matéria e energia e informação, criando transformações e repercutindo no Mundo da Vida e em todos os sujeitos e campos contidos nele. Considere, agora, esta empresa em que você trabalha. Ela presta serviços de manutenção terceirizados, mas, admita que ela tenha várias divisões, departamentos e setores e, além disto, haja algum destes designados como de manutenção e outros como sendo de produção de alguma coisa. Pensando no conjunto de todos eles, como uma totalidade que você chama de “empresa”, ele não poderia ser comparado ao seu organismo? E nesse caso, que tipo de trabalho cada parte estaria realizando? Só produção ou também manutenção? Quem seriam as hemácias da empresa? E o oxigênio? Você, Sujeito consciente Ação= transformação = produção de serviços Organização produtiva Serviços terceirizados de manunteção Contratante de serviços Sujeito consciente Ação= transformação = contratação de serviços Organização produtiva produção manutenção Sociedade Mundo da Vida Cadeia de processos produtivos 13 E, será que a resposta para esta pergunta dada por alguém de dentro da empresa se pareceria com a resposta de uma pessoa de fora dela? Os contratos de serviço entre empresas ou entre pessoas físicas e empresas são concebidos e geridos a partir dessas definições. Profissionalmente, você vai precisar entender isso com clareza. A efetividade dependerá de conhecer, conectar e gerir todos os sujeitos envolvidos, considerando suas próprias perspectivas do trabalho que realizam. Box de Reflexão E se, agora, o conjunto ou contexto contemplasse as pessoas, as empresas, as edificações, leis, instituições, eventos culturais, atividades econômicas, sociais, etc. O que seria manutenção e o que seria produção neste caso? E, ampliando esse conjunto para abranger a Terra e tudo que está vivendo na dependência dela, o que seria manutenção e produção? O que seriam ações preocupadas com a sustentabilidade? Atividades de produção ou de manutenção? É justamente neste conjunto ou em um subconjunto deste que você vai exercer sua atividade como Engenheiro... e aí cabe a pergunta: de manutenção ou de produção? E, nesta perspectiva relativa ao conjunto, haveria alguma distinção essencial entre esses dois nomes? Fim do BOX 1.1 Organização A palavra conjunto foi usada provisoriamente! Vamos refinar esse conceito. Para isso, uma pergunta: em que espaço você vive? Ou, ainda de forma mais geral: onde qualquer trabalho, seja de produção ou de manutenção conforme o ponto-de-vista, acontece? Pense um pouco..., há, possivelmente, muitas formas de responder essa pergunta, mas vamos escolher uma, conceitualmente, relevante para a EP: pode-se pensar que toda e qualquer produção, manutenção ou trabalho acontece associada a uma organização situada nas interações das dimensões do tempo e do espaço. 14 Esta palavra remete a organon – no Grego, órgão, aquilo que funciona; e ergon – no grego, trabalho; e também à organizare e a organum - no Latim o trabalho para pôr em ordem, fazer funcionar, no sentido de atender a uma causa final. Você pode pensar em duas acepções para organização: uma forma lógica de por algo (itens materiais) em ordem ou uma forma de ordenação envolvendo comportamentos e significados simbólicos produzidos por pessoas. Na Fig.7 há dois exemplos de organização de pessoas. Figura 7. Exemplos de organização de pessoas. Ordem hierárquica e ordem em rede. Observe que nas relações em pirâmide, em que por exemplo há uma hierarquia, um sujeito não se relaciona diretamente com todos os demais. Já no arranjo em rede, pode ser possível que todos os sujeitos se relacionam com todos, diretamente. Em cada caso, os níveis de reflexão sobre a ação podem ser muito diferentes. Ainda pensando em organização, a forma lógica pode ser puramente mental, como nos momentos em que você “põe em ordem” suas ideias ou emoções;quando busca lembrar a “ordem” dos acontecimentos que estão armazenados na sua memória, mas que precisam de uma sequência temporal e espacial para fazerem sentido. Esta ordenação pode ser, inicialmente mental e, depois materializada, quando, por exemplo, você pensa na “desordem” em que se encontram os livros em sua estante e que você precisa “se organizar” (mental e emocionalmente, com sua agenda) para Ordem hierárquica Ordem em rede Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sujeito consciente Sociedade Sociedade Mundo da Vida Mundo da Vida 15 colocar cada um no seu devido lugar, movimentando um peso considerável, ao final do trabalho. Na figura 8, a representação do que um sujeito consciente fez ao organizar seus livros, conforme o texto e os conceitos acima. Figura 8 A ação de organizar por um sujeito. Sujeito consciente Abstração e projeto Ação Sociedade Mundo da Vida lógica nexo tempo espaço Matéria Linguagem Energia Trabalho organizar OBJETO DO MUNDO DA VIDA OBJETO DO MUNDO DA VIDA OBJETO IMAGINÁRIO 16 Você pode pensar nos casos em que pessoas e objetos e a paisagem natural (sem considerar a ação do homem sobre a natureza) se relacionam de forma ordenada e compõem uma totalidade que você conhece e reconhece. Por exemplo, quando pensa no CEFET/RJ, a “instituição” ou “organização” é um conjunto de muitos itens: pessoas, prédios, equipamentos, regras, recursos naturais etc. Mas esses itens, somente, não “se organizam”. Há uma dinâmica que dá vida a esse conjunto de itens e que não pode ser resumida a nenhum dos seus elementos, mas vive na interação entre todos eles. As organizações, assim como seu organismo, se caracterizam por serem ativas, ou de outro modo, por produzirem produtos materiais e informacionais. São conjuntos vivos. Os campi do CEFET/RJ, com todos os bens materiais, dão suporte a essa vida, mas são, apenas, uma forma de estrutura sem vida, quando as pessoas, as formas de comunicação entre elas e com os produtos do seu trabalho não estão lá. E, de uma forma geral, você pode pensar em organizações do trabalho produtivo como uma interação entre estrutura e ação material e imaterial, em alguma medida, combinada. Estrutura não se limita aos prédios, instalações elétricas etc. Quando você diz que a “estrutura daquela empresa é o diretor de planejamento....”, no que está pensando? Ou ainda, quando diz que não tem estrutura para viver certa experiência? Neste caminho, você pode, agora, identificar “a organização” em que você produz e responder a pergunta acima: “em que espaço você vive?” Poderia pensar, por exemplo, na família, em uma empresa, no Cefet, na sociedade brasileira, que são molduras ou nomes que servem para enquadramos algumas das organizações que você, naturalmente, integra. Pode pensar também nos espaços virtuais de trabalho, de estudo e de interação social, profissional ou não. As regras morais de sua família com as quais você foi educado, o manual do aluno, as boas práticas da engenharia, o código civil, a constituição federal, e mesmo o bom senso, também, seriam molduras de outras formas de organização que fazem parte de sua vida. E, valendo o que foi mencionado, para cada estrutura emoldurada haverá 17 sempre um conjunto de ações indissociáveis, em qualquer organização de pessoas. Qualquer forma de gestão vai ser também estrutura e ação. E, à propósito, haverá alguma organização que não seja de pessoas ou feita por pessoas? Pense, para responder, que se as estruturas e as ações dependem de uma intencionalidade, na gênese de qualquer representação de formas de ordem, haverá sempre a produção de um sujeito consciente. Certamente, quando se pensa na Natureza sem a ação humana, isso pode perder o sentido, mas nas reflexões transcendentais as justificativas a respeito das formas de existência podem ir além!! Em certa medida, no movimento feito antes, de expandir os horizontes ou aprofundar as observações, pode-se reconhecer o seu organismo como uma organização unificada. E, considerar organização como a interação das duas acepções possíveis: uma totalidade conectada de partes (órgãos, tecidos, células, organelas, compostos orgânicos, elementos químicos) e uma forma (orgânica) de funcionar. O mesmo pode ser feito em relação à Terra, com todas as formas de vida. Entre essas duas referências, se encontram todas as formas de produção e de manutenção humanas. Assim, você pode considerar que viver é uma forma de produção em que cada forma de vida, ou ser vivo, produz e se auto mantém em conexão com a manutenção das demais. As cadeias produtivas, os parques industriais, os mercados não seriam semelhantes? A visão ecológica, nesta perspectiva, que originalmente é aplicada às interações entre as formas vivas, poderia ser, analogamente, aplicada às organizações e à sociedade. Veja, por exemplo, o conceito de ecoparque industrial (ABEPRO, 2019) Monchy (1989) inicia sua abordagem sobre manutenção sugerindo uma analogia com a saúde humana. Assim como nos cuidamos para não adoecer ou agravar alguma doença, a manutenção faz o mesmo com a saúde das máquinas e, por extensão, com a saúde das organizações que dependem delas para produzir e sobreviver. E, poderíamos acrescentar, à saúde da sociedade, que depende das organizações produtivas. 1.1.1 Produção e manutenção nas organizações 18 No início desta aula, apresentamos um organograma funcional de uma empresa ou organização na Fig.1. Compare essa representação com as representações da Fig.7. Esta organização funciona hierarquicamente e você pode considerar que o trabalho de cada sujeito, localizado em um dos níveis da hierarquia tem uma finalidade conhecida dele mesmo e determinada pelos níveis acima dele. Assim, as finalidades da manutenção e da produção serão perfeitamente distinguíveis para todos os sujeitos envolvidos, com reflexos nas suas rotinas de trabalho, procedimentos técnicos, ferramentas, uniformes, áreas de atuação e itens sob sua responsabilidade técnica. Como você verá adiante, nas discussões de Manutenção Produtiva Total e Manutenção Centrada na Confiabilidade, há formas de organização em que se estimula um nível de reflexão dos sujeitos que permita a ele ter consciência da interdependência de todas as atividades da organização para o seu bom desempenho. Por outro lado, há organizações em que as atividades são estritamente prescritas e os sujeitos não conseguem desenvolver um nível de consciência em que as suas atividades de trabalho se conectem às demais. Em cada cenário, a Gestão da Manutenção será conduzida conforme a cultura da organização e você, como Engenheiro de Produção vai ser desafiado a compreendê-la e interagir positivamente com ela. Atividade Uma das competências típicas do Engenheiro de Produção é analisar para intervir com efetividade. Assim, você precisará observar, entender fenômenos e transformar esse entendimento em grandezas sobre as quais irá agir segundo uma intencionalidade, geralmente, visando desempenho, qualidade, segurança, etc. Para as atividades de manutenção não será diferente. Para que você possa se familiarizar com as possibilidades das representações usadas nesta aula e, futuramente, usá-las profissionalmente ou para sua reflexão, considere a Saga dos Epesnasaguas, descrita na fig.9 e desenvolva as seguintes atividades. 19 Figura 9 A saga dos Epesnasaguas 1 2 3 4 5 6 7 8 20 Na fig. 10 nossos ancentrais, os Epesnasaguas tiveram sua saga registrada, artisticamente, em oito cenas, por meio pinturas rupestres correspondendoà sequência cronológica e referentes ao mesmo lugar no Mundo da Vida. 1) (Atende ao Objetivo 1) Considere a Fig.2 e a cena 1 da Fig.9. Identifique as atividades de produção e de manutenção na Cena 1 e disponha essas atividades em uma versão esboçada por você, da fig.2.; 2) (Atende ao Objetivo 2) Considere a Fig.5 e a cena 5 da Fig.9. Identifique todas as manifestações de organização e as atividades de manutenção e de produção; refaça a fig.5 relacionando as ações e transformações indicadas na cena aos respectivos objetos de intencionalidade, dispondo essas relações em uma versão, esboçada por você, da Fig.5. 3) (Atende ao Objetivo 3) Considere a Fig.4 e a cena 7 da Fig.9. Identifique as atividades de produção e de manutenção na Cena 7 e disponha essas atividades em uma versão esboçada por você, da fig.4. Observe que os arcos de transformação da Fig.4 tangenciam a fronteira entre o campo sociedade e o campo mundo da vida. Que correspondência você faria com a saga dos Epesnasaguas? Respostas comentadas da Atividade. 1) Neste caso, primeiro é preciso considerar quem é o sujeito consciente, papel que coube a você quando a Figura 2 foi apresentada nesta aula. Assim, vamos considerar qualquer membro do grupo Epesnasaguas. Basicamente a cena 1 mostra pessoas no abrigo de pedra, outras pescando e outras transportando peixe. No abrigo há uma fogueira e para que as pessoas lá possam comer, os demais estão fornecendo serviços. Neste caso estaria o primeiro grupo no campo azul e os demais no campo amarelo. Você pode redesenhar a figura e preencher os campos com cozinhar no azul e pescar e transportar no amarelo. Especulativamente, haveria atividades como vestir, preparar as lanças de pesca, manter o abrigo, que você poderia adicionar ao campo amarelo, mantendo o preparo da comida na produção. 2) Na cena 5 há um grupo pescando, outro tomando conta do pescado na brasa e um terceiro discutindo o problema do desabrigo. Tomando um sujeito consciente de cada grupo, como seu representante, ele estaria agindo intencionalmente para manter ou produzir algo, segundo o critério que adotarmos na representação. Por exemplo, o sujeito que busca uma nova solução para o abrigo, nesta cena, está projetando no campo da mente e se 21 comunicando com os demais. Os que pescam e assam peixe estão trabalhando sobre objetos tangíveis, e podem ser considerados em manutenção ou produção. Se todos os grupos estiverem consciente do que os demais estão fazendo, pode-se pensar em uma divisão do trabalho ou uma organização das atividades. Para cada grupo, há outro nível de organização de trabalho, envolvendo o que estão fazendo, como estão fazendo. Pode-se pensar em uma figura 5 ampliada com três sujeitos conscientes cada um atuando sobre objetos diferentes, conforme a análise anterior. 3) Na cena 7 há diversos grupos trabalhando, mas todos estão envolvidos na construção do novo abrigo. Pode-se pensar nos que removem e transportam pedras, nos que extraem betume do leito do rio, do que gerencia as atividades do alto da encosta, dos que montam as pedras e dos que rejuntam as pedras. Observe que todos os materiais foram extraídos do mundo da vida e vão transformar a sociedade local, pelo trabalho realizado sobre a matéria e com gasto de energia. Adicionalmente, o novo abrigo e a sua defesa frontal de pedras vão interferir no curso do rio, quando as cheias chegaram com o tempo chuvoso. Neste caso, haverá transformações diretas no Mundo da Vida essenciais para a sobrevivência dos Epesnasaguas. Empregando a Figura 4 você poderia colocar construção do abrigo como produção e todas as etapas auxiliares como manutenção, ou ainda um processo produtivo composto de várias atividades de produção, e considerar que as atividades de alimentação, preparação de ferramentas, vestimentas, etc. dariam suporte a elas. 4. Conclusão Para qualquer iniciativa sua no campo da Gestão da Manutenção é preciso, previamente e de forma a mais consciente e reflexiva possível, compreender as organizações envolvidas e as formas de organização do trabalho que interagem com as atividades previstas como de manutenção. A habilidade de representar processos e integrar trabalhos como planejamento, controle, produção e manutenção nas organizações é de fundamental importância para sua prática como Engenheiro de Produção. No mundo da vida, para além do campo profissional, pode-se contribuir usando essas mesmas perspectivas com as questões contemporâneas sobre sustentabilidade e responsabilidade social, seja corporativa ou cidadã. 22 5. Resumo Na perspectiva de que organizações são o contexto que dá significado às ações e, desta forma, podem surgir atividades tipificadas como de manutenção ou de produção, você foi convidado a refletir sobre as relações de interdependência entre essas ações, seja no interior de uma organização, seja permeando as fronteiras que imaginamos separá- la da sociedade e do mundo da vida. Essa percepção é estratégica para definir qualquer atividade de gestão, seja da produção seja da manutenção, de forma específica ou integrada. Essa concepção alerta e convida você para ampliar seu ponto de vista sobre os papéis que desempenha ou virá a desempenhar em determinada organização, podendo, assim, avaliar, de maneira mais responsável, crítica e produtiva, as repercussões de seu trabalho para os que dependam dele, direta ou indiretamente. 6. Informações sobre a próxima aula Na próxima aula você será convidado a refletir sobre as relações entre organização e entropia. E de como conceitos como valor, risco, perigo e as representações produzidas pela consciência influenciam nas relações entre produção e manutenção, que serão usadas, ao longo da disciplina, de forma recorrente como suporte ao desenvolvimento de suas habilidades na gestão da manutenção 7. Referências Bibliográficas ABEPRO. Associação Brasileira de Engenharia de Produção. Disponível em: https://www.abepro.org.br/. Acesso em: 30 jun. 2019. ABEPRO. Associação Brasileira de Engenharia de Produção. Projeto Memória Disponível em: http://www.abepro.org.br/arquivos/websites/1/Hist.pdf. Acesso em 27 dez. 2019. ABEPRO. Associação Brasileira de Engenharia de Produção. Ecoparques industriais. Disponível em : http://www.abepro.org.br/biblioteca/TN_WPG_226_316_29797.pdf. Acesso em 27 dez. 2019. ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5462: Confiabilidade e Mantenabilidade. Rio de Janeiro, 1994. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3ª ed. totalmente rev. e ampl. 2005 https://www.abepro.org.br/ http://www.abepro.org.br/arquivos/websites/1/Hist.pdf http://www.abepro.org.br/biblioteca/TN_WPG_226_316_29797.pdf 23 MORGAN, G. Imagens da organização. 1a. edição. São Paulo: Atlas, 2009. MONCHY, François. A função manutenção: formação para a gerência da manutenção industrial. São Paulo: EBRAS, 1989. 424p, il. (Série tecnologias). SLACK, N. Vantagem Competitiva em Manufatura: atingindo competitividade nas operações industriais. São Paulo: Editora Atlas, 2002.
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