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Contribuições da Filosofia do Direito e da Hermenêutica para o enfrentamento da Crise estrutural do

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CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA DO 
DIREITO E DA HERMENÊUTICA 
FILOSÓFICA PARA O ENFRENTAMENTO 
DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
CONTRIBUTIONS FROM PHILOSOPHY OF 
LAW AND PHILOSOPHICAL 
HERMENEUTICS FOR FACING THE 
STRUCTURAL CRISIS IN BRAZIL
Eudes Quintino de Oliveira Júnior
Advogado
Promotor de Justiça do Estado de São Paulo aposentado
Reitor do Centro Universitário do Norte Paulista-SP
Pós-doutorado em Ciências da Saúde
Mestre em Direito Público
João Carneiro Duarte Neto
Juiz do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
Mestrando em Direito pela Faculdade Guanambi-BA
RESUMO
Esta pesquisa demonstra a situação crítica do Estado brasileiro quanto a problemas estruturais em todos os Poderes 
da República. Analisam-se as principais causas, contornos e consequências de tal crise. Aponta-se a grande insatis-
fação social, entendendo-se esta como sendo a saída do estado letárgico de ignorância, etapa prévia necessária para 
se viabilizar qualquer busca teórica para crises de base estatal. Trabalham-se algumas contribuições da filosofia do 
direito, em especial de Herbert Hart, com seu sistema de regras primárias e secundárias; Ronald Dworkin, entendendo 
o direito como integridade e as suas várias metáforas para explicar a atuação e comportamento do fenômeno jurídico; 
bem como Robert Alexy no contexto da jurisprudência dos valores, na busca pela correção do direito via regulamen-
tação do discurso e argumentação. Realizou-se estudo dos contributos da hermenêutica, a evolução dos paradigmas 
filosóficos do conhecimento (desde a essência, consciência e linguagem), concluindo-se que o tratamento jurídico 
dos fenômenos é reflexo do paradigma filosófico em que se está situado, em especial os ensinamentos do hermeneu-
ta-filosófico Hans-Georg Gadamer, apoiado em Heidegger. Realizam-se confrontações das teorias defendidas pelos 
autores citados com as particularidades e problemas enfrentados pelo sistema político-social-jurídico brasileiro, 
apontando-se acertos e desacertos. 
Palavras-chave: Filosofia do direito. Hermenêutica filosófica. Crise estrutural do Brasil. Teoria brasileira.
ABSTRACT
This research demonstrates the critical situation of the Brazilian State regarding structural problems in all the Powers 
of the Republic. The main causes, outlines and consequences of such crisis are analyzed. It is pointed out the great 
social dissatisfaction, being understood as being the exit from the lethargic state of ignorance, previous step neces-
sary to make viable any theoretical search for state-based crises. Some contributions of the philosophy of law, in 
particular of Herbert Hart, are worked with its system of primary and secondary rules; Ronald Dworkin, understanding 
the law as integrity and its various metaphors to explain the acting and behavior of legal phenomenon; as well as 
Robert Alexy in the context of the jurisprudence of the values, in the search for the correction of the right through 
regulation of the discourse and argumentation. The study of the contributions of hermeneutics, the evolution of the 
philosophical paradigms of knowledge (from the essence, conscience and language) has been carried out, concluding 
that the legal treatment of the phenomena is a reflection of the philosophical paradigm in which one is situated, 
especially the teachings of the hermeneuta-philosophical Hans-Georg Gadamer, supported in Heidegger. There are 
confrontations of the theories defended by the mentioned authors with the peculiarities and problems faced by the 
Brazilian political-social-legal system, pointing out correct and unfortunate. Finally, it concludes by the need to build 
a national theory that is adequate, strong, viable and, above all, Brazilian.
Keywords: Philosophy of law. Philosophical hermeneutics. Structural crisis of Brazil. Brazilian theory.
SUMÁRIO
1. Introdução; 2. O momento institucional democrático brasileiro; 3. Possíveis contribuições da filosofia e da hermenêutica 
filosófica para a correção de rumo institucional no Brasil; 4. Daquilo que o Brasil precisa; 5. Conclusões
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CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA DO DIREITO E DA HERMENÊUTICA FILOSÓFICA
PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, demonstrou-se a situação crítica a exigir providências imedia-
tas no sistema estrutural da República Federativa do Brasil pela qual passamos na 
atualidade. Os contornos de tal crise apontam para um total descrédito para com a 
política, seja legislativo ou executivo, demonstrando grande repúdio social à maneira 
pela qual o país vem sendo conduzido. Ainda, apontaram-se as principais críticas 
direcionadas ao Poder Judiciário. 
Ficou latente que o quadro institucional contemporâneo aponta para a neces-
sidade de alterações estruturais imediatamente, do contrário colocar-se-ão em risco 
as próprias bases democráticas em que se sustenta o Estado brasileiro. 
Em seguida, analisaram-se as contribuições que a filosofia do direito e a 
hermenêutica filosófica podem prestar aos grandes temas ensejadores dos graves e 
basilares problemas vivenciados pelo Brasil. 
Passaram-se, brevemente, pelos principais elementos da teoria desenvolvida 
por Herbert Hart em sua obra “O conceito de direito”, em que se procurou responder 
e analisar como o direito se diferencia de ordens emanadas mediante ameaça; como 
a obrigação jurídica se destaca da simples obrigação moral e de como estruturar o 
Direito como um sistema de regras primárias e secundárias. 
Apontaram-se as contribuições do pensamento filosófico e político-liberal de 
Ronald Dworkin. Ressaltou-se a exigência de uma postura diferenciada do julgador, 
o qual deve obrigação institucional de revolver as entranhas do direito em busca de 
uma resposta correta. Sua teoria da integridade combate a discricionariedade do jul-
gador, a qual é aceita e defendida por Hart. 
Avante, destacaram-se alguns elementos das teorias da argumentação e dos 
direitos fundamentais de Robert Alexy, especialmente denunciando a recepção equi-
vocada pelos juristas brasileiros. Ficou consignado o tratamento discursivo dado ao 
fenômeno jurídico e a preocupação com a correção do direito via procedimento, não 
mais se aceitando como direito válido aquele que vai de encontro aos valores. 
Adentrando nas contribuições da hermenêutica, partindo-se do pressuposto 
de que o tratamento jurídico dos fenômenos é reflexo do paradigma filosófico em que 
se está situado, ressaltou-se a alteração paradigmática do conhecimento, saindo 
do foco antigo da essência das coisas (mito do dado) para o sujeito assujeitador da 
modernidade (filosofia da consciência), até se chegar à discursividade via linguagem 
na relação equivalente intersubjetiva (relação sujeito/linguagem – sujeito/linguagem). 
O maior enfoque se deu em torno dos pensamentos do hermeneuta-filosó-
fico Hans-Georg Gadamer, o qual, apoiado em seu mestre Heidegger, desenvolve 
conceitos como historicidade, tradição, fusão de horizontes e círculo hermenêutico. 
Em seguida, confrontaram-se os principais ensinamentos dos autores cita-
dos com a realidade sócio-político-jurídica do Brasil, sempre com o escopo prático 
de se extrair possíveis contribuições para o desenvolvimento de uma teoria do direito 
pátrio.
Antes, desvelou-se o estado letárgico de ignorância da realidade social em 
que o brasileiro se encontra(va). Fato este que tem o potencial de impedir ou dis-
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torcer qualquer tentativa de busca teórica de soluções para os problemas críticos 
apontados.
Consciente da inviabilidade de importações prontas de teorias do direito de 
outros países, foram indicadas teses que poderiam ser aproveitadas como elemen-
tos construtivos para o enfrentamento e a formatação de uma teoria pátria, adequada 
aos nossos problemas e aos nossos operadores do fenômeno jurídico.
Por fim, reconhecendo-se a crescente complexidade dos problemas estrutu-
rais do Estado brasileiro, ratificaram-se os pontos acima e concluiu-se que o único 
caminho viávele possível para se trilhar uma teoria brasileira é o esforço conjunto 
de aproveitar-se do universo teórico já desenvolvido e do universo prático do nosso 
sistema jurídico brasileiro.
2 O MOMENTO INSTITUCIONAL DEMOCRÁTICO BRASILEIRO
O Estado para cumprir os misteres para o qual foi pensado necessita que as 
instituições que o compõe sejam fortes, autônomas e concatenadas umas com as 
outras. A organização político-administrativa constitucionalmente regulada pressu-
põe estabilidade política entre os três poderes, mecanismos jurídicos acessíveis para 
correção de ilegalidades e/ou abusos, bem como consciência e participação popular. 
Em meados de 2013, o Brasil experimentou um momento de intensa inquie-
tação social que levou para as ruas expressões angustiadas das demandas popula-
res. Foi o ápice das insatisfações acumuladas que descortinaram aspectos conflitan-
tes na forma como o país se organiza politicamente, como lida com as disparidades 
sociais e que medidas são tomadas no surgimento de problemas que se revelam a 
partir de tais acontecimentos.
Em seguida, a descoberta de diversos casos de desvios de condutas nos 
altos escalões do governo mostraram um quadro crônico, radical e sistêmico de cor-
rupção em nossas instituições públicas. Uma verdadeira e nefasta confusão entre o 
público e o privado, numa total ausência de postura republicana por parte dos ocu-
pantes dos cargos eletivos. E o pior, as notícias de desvios de verbas públicas não 
param de emergir, ainda não se sabe ao certo o montante nem as consequências. O 
que já se tem como certa e imperiosa é a necessidade de mudanças!
A utilização do instituto do impeachment, por duas vezes já levado a cabo 
por nossa jovem democracia, revela, por si só, certa instabilidade política. O impea-
chment, em si, é um instrumento constitucional legítimo, entretanto a crise é gerada 
pela sua não aceitação, pela sua deturpação, pelo jogo político antirrepublicano exis-
tente às escondidas. 
A partir do cenário sociopolítico instaurado, nota-se que a necessidade de 
organização do sistema político brasileiro é latente, haja vista o momento de tensões 
históricas que o país vem experimentando. Nessa conjuntura, o problema centraliza 
as discussões com a quantidade de sujeitos que não se sentem representados pelo 
sistema eleitoral. Desse modo, a possibilidade de se repensar e reorganizar politica-
mente estes aspectos conflitantes surge como um alento para restaurar o equilíbrio 
na relação eleitor-sistema eleitoral.
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PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
No plano interno brasileiro, a Constituição Federal exige harmonia e indepen-
dência entre os poderes, entremeado por um sistema de freios e contrapesos com 
escopo de evitar a supremacia de um deles sobre os demais. 
Atualmente, em especial devido ao maior desvelamento de casos de cor-
rupção sistêmica no universo da política brasileira, descrédito generalizado e falta 
de representatividade, somadas à postura por vezes ativista do Supremo Tribunal 
Federal, observa-se de forma clara e deliberada um acirramento entre os poderes 
em diversas ocasiões. 
O embate entre os poderes é natural e esperado, pois a teoria da separação 
dos poderes e o sistema de freios e contrapesos já preveem mecanismos de retorno 
ao equilíbrio. O que não se pode admitir, sob pena de ruína do próprio Estado Demo-
crático de Direito, são posturas dos representantes dos poderes contrárias ao texto 
constitucional. Nesse sentido, as soluções para crises entre os poderes devem sem-
pre ser extraídas da Carta maior. Do contrário, estar-se-ia numa crise institucional 
sem precedentes. 
Fica latente e muito claro o descrédito profundo da população com os re-
presentantes dos Poderes Executivo e Legislativo, restando apenas se socorrer do 
Poder Judiciário. Quanto a este, espera-se uma estrutura estatal de resposta aos 
conflitos levados a ele que funcione de forma segura, estável, célere, imparcial, justa 
e eficiente. 
Acontece que é facilmente perceptível a constatação de problemas na pres-
tação do serviço de justiça brasileiro, tais como a dificuldade de acesso ao Judiciário, 
que ainda teima em ficar distante da sociedade carente e semianalfabeta; a demora 
excessiva para se chegar ao fim das demandas judiciais, processos que se arrastam 
por longos anos até o trânsito em julgado; sociedade extremamente demandante e 
dependente do Judiciário para solução de questões simples do dia-a-dia; seletivida-
de da justiça criminal e, por conseguinte, da execução penal, devido leis penais dire-
cionadas às classes menos favorecidas e órgãos de persecução penal tendenciosos 
ou com dificuldades de apuração dos ilícitos de “colarinho branco”; influências políti-
cas nos Tribunais brasileiros, devido previsão do quinto constitucional e nomeações 
por chefes do Poder Executivo, gerando o fenômeno da politização do Judiciário; 
dentre outras tantas dificuldades e equívocos da estrutura e funcionamento do Poder 
Judiciário. 
Sendo assim, tal quadro institucional de crise revela a necessidade e ur-
gência de se realizarem mudanças estruturais, cujo escopo de atingir o equilíbrio 
político-administrativo é pressuposto para a paz social e viabilizador do crescimento 
econômico. O Brasil precisa disso, sob pena de cair em ruína a própria base demo-
crática em que se sustenta, o que teria consequências imensuráveis. 
3 POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES DA FILOSOFIA E DA HERMENÊUTICA FILOSÓ-
FICA PARA A CORREÇÃO DE RUMO INSTITUCIONAL NO BRASIL
Herbert Hart, pretendendo aprofundar a compreensão do Direito, da coerção 
e da moral, entendendo-os como fenômenos sociais distintos, porém inter-relaciona-
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dos entre si, escreveu sua obra principal “O Conceito de Direito”. Procurou responder 
e analisar como o direito se diferencia de ordens emanadas mediante ameaça; como 
a obrigação jurídica se destaca da simples obrigação moral e de como estruturar o 
Direito como um sistema de regras primárias e secundárias. 
Ainda numa concepção de direito de cunho positivista, Hart estrutura o fe-
nômeno jurídico de forma a priorizar a segurança jurídica, a coerência com o uso 
esperado e habitual na sociedade, com a força coercitiva necessária a regular o 
comportamento humano, mas com a sensibilidade na aceitação e no tratamento dos 
elementos da moral e justiça num sistema aparentemente “frio” de regras. 
Após constatar que um modelo simples do direito como um conjunto de or-
dens coercitivas do soberano seria insuficiente e estaria fadado ao fracasso, Hart 
propõe um modelo de união de normas do tipo regras primárias e secundárias, sendo 
bastante incisivo e convincente nos seus argumentos.
Assim, constatada a insuficiência de um sistema formado apenas por regras 
primárias e apontadas as características negativas quanto a incertezas, estaticidade 
e ineficácia do sistema, Hart lança a ideia de regras secundárias de reconhecimento 
para colmatar as lacunas e corrigir as pontos negativos, sendo de validade, de alte-
rabilidade e de coerção. 
As regras secundárias teriam o condão de reduzir as incertezas, como que 
numa espécie de aferição para com a realidade social, destinatária fática das nor-
mas. Ainda, as regras secundárias possuem a importante função de atualização do 
sistema de normas primárias, deixando-o mais forte, pois agora viável a sua longevi-
dade. Por fim, tais regras secundárias deverão identificar autoridades com poder de 
exararem decisões, em casos concretos, com a força, legitimidade e respeitabilidade 
suficientes para a pacificação do conflito social. 
Hart delineia o porquê da necessidade das regras secundárias e indica suas 
possíveis fontes nos seguintes termos: 
Onde quer que essa norma de reconhecimento seja aceita, tanto os indivídu-
os quanto as autoridades públicas dispõem de critérios válidos para a identifi-
cação das normas primárias de obrigação. Os critérios assim disponibilizadospodem, como vimos, assumir qualquer uma, ou mais de uma, dentre diversas 
formas; incluem dentre estas a referência a um texto autorizado; a um ato 
legislativo; à prática consuetudinária; a declarações gerais de pessoas espe-
cíficas; ou, em casos particulares, a decisões judiciais anteriores sobre casos 
específicos. (HART, 2009, p. 130). 
 
O autor reconhece expressamente a textura aberta do direito, em especial 
devido às normas gerais, aos padrões de conduta e aos princípios. Somando-se a 
isso, Hart declara “a essa altura, tal linguagem geral em que a norma se expressa 
não pode fornecer senão uma orientação incerta, como faria um exemplo igualmente 
dotado de autoridade” (HART, 2009, p. 165). Por fim, em casos mais específicos, 
também a textura aberta ainda se mantém, em especial quando a complexidade do 
caso se sobressai do regular. 
Tal característica do sistema jurídico termina por gerar certa dose de discri-
cionariedade ao magistrado, o que Hart não vê, por si só, como uma disfunção do 
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sistema, mas sim como algo natural do fenômeno jurídico. Tal ponto será duramente 
criticado por Ronald Dworkin e pela Crítica Hermenêutica do Direito. 
As teorias de base positivista invariavelmente terminam por desaguarem, 
em alguma medida, na discricionariedade do julgador, pois sempre concluem pela 
impossibilidade real e prática da completude do sistema. Nesse sentido, caminha a 
lógica da textura aberta de Herbert Hart. 
Ronald Dworkin, jusfilósofo político, tem muito a contribuir para com o Brasil. 
Autor de diversos livros, sempre tendo como pano de fundo uma teoria política libe-
ral, a qual impregna seus textos de um ideal democrático, respeitador dos direitos 
fundamentais e das individualidades humanas. Suas obras apontam um estudioso 
obstinado por encontrar uma resposta correta a cada conflito social.
Utilizou-se de várias metáforas para defender seus posicionamentos, tais 
como a do juiz de um jogo de xadrez, ocasião em que explicita a necessidade de 
se respeitar as regras do jogo e de conhecê-las a fundo e na origem, chegando a 
falar que cada participante do jogo teria um direito “enxadrístico” a ser obedecido 
(DWORKIN, 2010, p. 158). A do juiz Hércules, figura esta do magistrado de capaci-
dade, sabedoria, paciência e sagacidade sobre-humanas, o qual deveria ir às origens 
investigando e revolvendo as instituições jurídicas até encontrar a resposta correta 
para cada caso (DWORKIN, 2010, p. 165). Ainda, elaborou a metáfora do romance 
em cadeia, em que enaltece a necessidade de se respeitar, evoluir e ter coerência 
para com os julgados anteriores do Tribunal. 
Sua teoria do direito como integridade tem como uma das principais con-
tribuições à teoria da decisão o combate à discricionariedade do julgador, talvez o 
grande mal de herança e inspiração do paradigma filosófico moderno, presente nas 
diversas formas de positivismos. 
Talvez um dos grandes equívocos quando da interpretação da teoria de 
Dworkin, em especial ao Juiz Hércules, seria tentar dar concretude a tal julgador, 
tornando-o um ser humano plenipotenciário e absoluto. Tal desastre interpretativo vai 
de encontro a tudo que foi pregado por Dworkin. 
Trata-se de uma figura metafórica, logo imaginária, de postura democrática e 
respeitadora das instituições jurídicas e das individualidades pessoais. As qualidades 
que o autor atribui a ele são características que um operador do direito deve buscar 
incessantemente, sempre no sentido de ter a obsessão de encontrar uma resposta 
correta diante de cada caso concreto. 
Hart e Dworkin travaram intenso e, por vezes, ácido debate quando na defe-
sa de suas teorias. Entretanto, não é o enfoque desta pesquisa demonstrá-lo. O que 
se está a perseguir é a contribuição que cada desenvolvimento de teoria do direito e 
de filosofia pode trazer aos problemas apresentados no Brasil. 
Já no contexto do pós 2ª Guerra Mundial, inspirado nos enfrentamentos de 
questões complexas e tormentosas pela Corte Constitucional Alemã, com o argu-
mento da correção do direito, no contexto da jurisprudência dos valores, Robert Ale-
xy divide norma em regras e princípios, estes carregam toda uma carga valorativa 
e moral para dentro do direito formal. Assim, tenta-se tornar jurídico – conceito de 
validade e invalidade – argumentos até então externos ao direito. E esse passo de 
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considerar inválidas normas absolutamente injustas é feito dentro de uma teoria dis-
cursiva impregnada de uma racionalidade argumentativa comunicacional de origem 
Habermasiana. 
Inicialmente, Alexy vai inserir sua teoria dentro de uma filosofia da linguagem, 
demonstrando que a exteriorização de posições e interesses passa por uma reflexão 
fundamentada anteriormente, ainda que apenas interna, e isso é o próprio conceito 
de argumento. 
A pesquisa sobre a racionalidade do discurso jurídico foca a atenção no pro-
cedimento, formal, no caminho, no meio, em como fazer; entretanto, não se esquece 
do material, do conteúdo. Nesse ponto quiçá esteja o primeiro grande engano dos 
operadores do direito que tenham contato com a teoria de Alexy, pois de forma pre-
cipitada tendem a concluírem que o autor não se importa com o resultado e que, por 
isso, não merece atenção, pois não traz a solução desejada pelos pós-positivistas. 
Não se pode confundir certeza absoluta com a ideia fundamental de discurso racional 
prático. 
Assim, sempre ressaltando que o ser humano é por essência linguagem, o 
autor vai pinçando as regras de fundamentação, de razão, de carga de argumenta-
ção e de transição. Nada escapa ao discurso, seja internamente (o conteúdo das 
próprias regras do discurso) ou externamente (a forma das regras do discurso). Por 
isso, a racionalidade e o processo de eliminação dos absurdos inaceitáveis são rea-
lizados desde o primeiro argumento lançado, num contexto de argumento e contra-
-argumento.
Um discurso que se tenha desenvolvido segundo as regras elaboradas até 
agora, e nas formas anteriormente analisadas, não supõe uma garantia quan-
to à correção do resultado. Isso não é assim em relação a algumas normas 
discursivamente necessárias. A maioria das normas é apenas discursivamen-
te possível. […] Não é um defeito de uma teoria do discurso que isso seja dei-
xado ao encargo dos participantes no discurso, mas uma de suas vantagens 
decisivas. (ALEXY, 2011, p. 137).
Fixados os alicerces de uma teoria do discurso prático racional geral, o autor 
avança para o delineamento de uma teoria da argumentação jurídica, num processo 
de afunilamento lógico e racional movido por argumentos sérios e concatenados. 
Com isso, relacionando os tipos de discurso geral e mais especial, cumulando as 
conquistas argumentativas, estabelece as regras de justificação interna e externa. 
Aquela é entendida como a verificação se a decisão é uma consequência lógica das 
premissas expostas na fundamentação; e esta é entendida como a correção de tais 
premissas, as quais podem ser aferidas por meio de regras de direito positivo e/ou 
enunciados empíricos. Aqui, as regras de argumentação serão mais exigidas para 
não se perder a correção. 
Cláudia Toledo, na apresentação da edição brasileira da obra “Teoria da ar-
gumentação jurídica”, 2013, esclarece que o discurso é prático (pois é voltado ao agir 
humano), é normativo (pois estabelece orientação), é racional (pois é construído ar-
gumentativamente) e busca a correção (preocupação com o resultado justo através 
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PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
da forma). Esclarecendo ainda: 
O discurso prático deve então obedecer a certas regras que buscam a cor-
reção dos argumentos, ou seja, é correto o que é discursivamente racional. 
Há, portanto, identidade no discurso entre racionalidade e correção. Essa é a 
concepçãoda teoria consensual da verdade habermasiana que Alexy adota, 
após algumas modificações críticas, na formulação de seu discurso prático 
racional geral e do discurso jurídico. 
A elaboração e cumprimento dessas regras proporcionam a racionalidade do 
discurso e é precisamente a racionalidade o que confere universalidade às 
conclusões obtidas consensualmente. 
Refuta-se, com isso, a afirmação positivista de não cientificidade ou de re-
latividade das ciências normativas. Os juízos de valor (axiologia) e os juízos 
de dever (deontologia) têm sua verdade atingida argumentativamente com a 
observância de regras do discurso. Sua verdade é chamada correção. (ALE-
XY, 2013, p. 01-18). 
Para a teoria dos direitos fundamentais, o ponto de partida mais importante 
é a distinção entre regras e princípios. Essa distinção é a base da fundamentação no 
âmbito dos direitos fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais 
da dogmática dos direitos fundamentais. 
A distinção entre regras e princípios constitui, além disso, a estrutura de uma 
teoria normativo-material dos direitos fundamentais e, com isso, um ponto 
de partida para a resposta à pergunta acerca da possibilidade e dos limi-
tes da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais. (ALEXY, 2017, p. 
85). 
Assim, as regras são determinações, normas que sempre ou são satisfeitas 
ou não satisfeitas, no âmbito do que é fática e juridicamente possível. Regras são 
razões definitivas para decisões concretas. Os aparentes conflitos entre regras são 
resolvidos por outras regras, dentro de uma perspectiva de validade, tais como crité-
rios da hierarquia, da especialidade, da cronologia, dentre outras regras. 
Já os princípios são mandamentos de otimização, são normas que ordenam 
que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas 
e fáticas existentes, podendo ser satisfeitos em graus variados, pois colisões entre 
eles são possíveis. Princípios são razões prima facie, sendo razões para regras e 
também para decisões concretas. 
A aplicação da estrutura do balanceamento aos casos de colisão de princí-
pios é feita por etapas e utilizando-se de toda a teoria da argumentação jurídica de 
Alexy, mediante fundamentações jurídicas apresentadas por um discurso racional. 
A Lei do Balanceamento demonstra que o balanceamento pode ser dividido 
em três etapas ou estágios. O primeiro é o do estabelecimento do grau de 
não-satisfação ou de detrimento do primeiro princípio. Segue-se um segundo 
estágio, no qual a importância de satisfazer o princípio concorrente é esta-
belecida. Finalmente, o terceiro estágio responde à questão de saber se a 
importância de se satisfazer ou não o princípio concorrente justifica o detri-
mento ou a não-satisfação do primeiro. (ALEXY, 2003, vol. 16, n. 2, p. 131-
140). 
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Assim, o sopesamento em si é constituído de análises racionais individua-
lizadas profundas dos princípios em colisão, fixando-se graus ou intensidades de 
importância de aplicação ou de sacrifício para cada princípio. Por fim, a análise é 
relacional entre as conclusões a que se chegaram anteriormente. Esse juízo de pon-
deração deve ser feito exaustivamente e por etapas, sempre obedecendo as regras 
do discurso jurídico. 
Avançando, a ciência da hermenêutica, após passar a ser vista como filosó-
fica e se desprender da ideia de mera técnica interpretativa, potencializou sua força 
contributiva no enfrentamento das questões mais tormentosas do direito. O cresci-
mento e amadurecimento crítico de tal ciência, entrelaçando-se com a filosofia do di-
reito, têm o potencial de desvelar o que está por trás do processo de decisão judicial, 
aquilo que, num olhar acrítico e superficial, não se percebe. 
O tratamento jurídico do fenômeno natural do conflito social foi e sempre será 
reflexo do paradigma filosófico em que se está situado. 
Nesse sentido, resgatamos o universo antigo, em que se supunha um mun-
do organizado, planejado e que cada objeto/coisa teria o seu devido lugar e estaria 
predeterminado ao desenvolvimento de alguma virtude, tal estrutura é conhecido por 
“mito do dado”. Com isso, numa relação sujeito-objeto, tem-se que este determinaria 
aquele, pois ao sujeito somente restaria investigar e descobrir o sentido já contido 
nos objetos. Nessa lógica, entre intérprete (sujeito) e legislação (objeto), dá-se força 
total à legislação, pois ao intérprete resta apenas a atividade subsuntiva de aplicar a 
lei ao caso concreto, método silogístico, acrítico, simples, direto e puro. 
Com a modernidade, aquecida pelo pensamento iluminista, temos a alte-
ração da estrutura de pensamento e modo de ver o universo. Desloca-se para o 
sujeito o destaque no esquema sujeito – objeto, o que, na seara jurídica, termina 
por supervalorizar o intérprete e aplicador do direito. Com essa postura, tem-se o 
desenvolvimento da filosofia da consciência, em que o sujeito se torna dominador do 
objeto, formatando o ideal de pensamento até hoje predominante, qual seja, o sujeito 
cognoscente frente e superior ao objeto cognoscível.
O desenvolvimento das teorias do direito, sob tal paradigma moderno, for-
taleceu em demasia o julgador. As várias formas de positivismos jurídicos sempre 
terminam por cair, em algum momento, num espaço de atuação com certa liberdade 
para o juiz. Cito o mito da completude do ordenamento jurídico, com as soluções 
integrativas de analogia em caso de lacuna; a norma de textura aberta de Hart; a 
aplicação do direito como algo estranho à teoria pura do direito de Kelsen. 
O grande direcionamento inovador para a filosofia do direito e para a her-
menêutica jurídica foi a “Virada ou Giro Ontológico-Linguístico”, em que se altera 
radicalmente a maneira de se pensar, o paradigma filosófico, tendo potencial de al-
teração imensurável sobre todas as ciências. Logo, toda a construção jurídica deve 
ser reavaliada sob o novo enfoque, num diferente esquema agora sujeito/linguagem 
– sujeito/linguagem. 
O Dicionário de Hermenêutica de Lenio Luiz Streck trabalha nesse sentido: 
Esse giro “liberta” a filosofia do fundamentum que, da essência, passara, na 
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PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
modernidade, para a consciência. Mas, registre-se, o giro ou guinada não se 
sustenta tão somente no fato de que, agora, os problemas filosóficos serão 
linguísticos, em face da propalada “invasão” da filosofia pela linguagem. Mais 
do que isso, tratava-se do ingresso prático na filosofia. [...]
Nele [novo paradigma], existe a descoberta de que, para além do elemen-
to lógico-analítico, pressupõe-se sempre uma dimensão de caráter prático-
-pragmático. (STRECK, 2017, p. 86). 
Nesse contexto, um dos maiores expoentes da hermenêutica filosófica é o 
alemão Hans-Georg Gadamer. Absorvendo a evolução filosófica do estudo da lingua-
gem e da condição do ser humano no universo de seu mestre Heidegger, há uma 
verdadeira mudança paradigmática da maneira de se colocar frente aos fenômenos 
fáticos. 
Supera-se a questão do método moderno por uma autoconsciência da con-
dição do homem no mundo, numa verdadeira ontologia do intérprete e de seus con-
dicionamentos existenciais, sua historicidade, o respeito à tradição, o abandono da 
ilusão da neutralidade frente às coisas, tudo isso através e pela linguagem como 
condição de possibilidade e não como mero instrumento. Abandona-se o enfoque 
histórico regressivo, adotando-se um modelo compreensivo atual ontológico numa 
relação intersubjetiva de “fusão de horizontes”. 
No entendimento heideggeriano, o homem não pode abandonar sua vida, 
suas experiências, frustrações, preconceitos, subjetividades, pois ele é e faz parte 
desse mundo, lançando a ideia de Dasein, de “ser-aí”. A historicidade de cada um 
é sua vida e o acompanha, bem como está em constante atualização. Assim, a nin-
guém é possível uma neutralidade inicial, não háque se falar em condição zero em 
qualquer ato interpretativo. O que se exige e se espera é a consciência e percepção 
da sua historicidade, para então saber lidar com ela. 
A hermenêutica-filosófica gadameriana pressupõe já estarmos conformados 
pelas ideias normativas nas quais fomos educados e que sustentam a ordem de 
toda vida social. Ressaltando que tais perspectivas podem ser alteradas criticamen-
te. Nesse sentido, aquele que busca compreender algo, necessariamente já carrega 
consigo uma antecipação que o interliga com aquilo que busca compreender, uma 
espécie de consenso de base. É o reconhecimento da tradição, bem como a imersão 
nela do intérprete. 
Gadamer reforça o papel da hermenêutica como sendo uma tarefa teórica 
e prática. Nessa linha, o hermeneuta filosófico deixa claro que a tarefa de busca do 
direito e do juízo correto implica uma inevitável tensão, já analisada por Aristóteles 
como a tensão entre a universalidade da legislação vigente – codificada ou não – e a 
particularidade do caso concreto. A aplicação da lei pressupõe sempre uma interpre-
tação correta, bem como toda aplicação de uma lei ultrapassa a mera compreensão 
de seu sentido jurídico e termina, invariavelmente, por criar uma nova realidade. A 
aplicação da lei num caso particular implica num ato interpretativo, o qual é criativo 
como se viu, concretizando e aprimorando o sentido da lei. 
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4 DAQUILO QUE O BRASIL PRECISA
 Preliminarmente, é pressuposto para o enfretamento de qualquer pro-
blema existente numa sociedade a conscientização da sua real existência, dos con-
tornos mínimos de sua abrangência e prováveis consequências. 
 Entretanto, o Brasil encontra-se numa situação letárgica de inconsci-
ência, de não percepção do que acontece na realidade social, situação esta que 
inviabiliza a própria evolução da sociedade, pois não se pode superar crises/proble-
mas se estes não são adequadamente percebidos e compreendidos. É como se os 
brasileiros vivessem num constante estado de “pós-verdade”. 
 Tal fato foi provado por pesquisa realizada entre setembro e novembro 
de 2016 pelo instituto Ipsos Mori intitulada “Os perigos da percepção”. A pesquisa 
revelou quão equivocadas as pessoas estão a respeito da própria realidade em que 
vivem. Na maioria dos países, os pesquisados mostraram-se dissociados do pen-
samento médio de seus concidadãos em questões centrais como religião, aborto, 
homossexualidade, felicidade e distribuição de renda.
As discrepâncias entre percepção e realidade foram tais que levaram o institu-
to a criar o “Índice Ipsos de Ignorância”. A partir de cinco questões amparadas 
por dados factuais, o Ipsos Mori avaliou quão acuradas eram as percepções 
dos pesquisados nos 40 países. Destes, o Brasil ocupa a sexta posição 
no ranking das nações mais ignorantes, ou seja, onde a percepção dos 
cidadãos é bastante dissociada da realidade. O País perde apenas para 
os Estados Unidos, África do Sul, Taiwan, China e Índia. Em posição oposta, 
Malásia, República Checa, Coreia do Sul, Grã-Bretanha e Holanda são os 
países onde se observam as menores variações porcentuais entre percepção 
e realidade. (INSTITUTO IPSOS MORI, 2017, grifos nossos).
Assim, caso superada a ignorância quanto ao que realmente está acontecendo 
no país, aí sim se poderia pensar em soluções para os casos ora delineados. A 
ignorância ou a percepção equivocada da realidade são fatores impeditivos ou de 
distorção na busca por saídas viáveis para as crises que assolam a sociedade, inde-
pendentemente da área. 
Saindo da escuridão da ignorância apontada, tenta-se fazer correlação das 
teorias filosóficas brevemente analisadas acima com a realidade social brasileira, no 
sentido de quais contribuições a filosofia do direito e a hermenêutica filosófica pode-
riam ofertar no combate à crise nacional constatada. 
Deve-se aprender com os exemplos de fora, contribui no processo de amadu-
recimento democrático e filosófico, o que não significa importar teorias acriticamente. 
Deve-se sempre estimular soluções internas, personalizadas e de raiz nacional, pois 
só assim seriam legítimas e eficazes. 
O desdobramento da obra de Herbert Hart pode ser útil ao desenvolvimento 
de uma teoria filosófica brasileira no sentido de trazer traços de segurança jurídica, 
previsibilidade, coerência, força e efetividade do Estado e estabilidade sem imutabi-
lidade.
Trata-se de teoria de base positivista, porém não fechada e/ou estática, pois 
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PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
se reconhece expressamente o caráter de textura aberta do direito, com previsão de 
regras secundárias de legitimação, adaptação e colmatação de lacunas. Por fim, ter-
mina por culminar no reconhecimento da discricionariedade do juiz diante de casos 
concretos específicos, devido à textura aberta do direito e à incompletude do sistema. 
Sobre tal ponto recai severa crítica de parte da doutrina brasileira, já sob uma 
visão da Crítica Hermenêutica do Direito; por eles cito Victor Gameiro Drummond: 
E mais, quem disse ao julgador que ele deve decidir conforme a sua consci-
ência? E pior, quem lhe disse que esta é a solução para tudo? Pois a chave 
do problema é que o juiz, ao acreditar que sua escolha é lícita, factível e cor-
reta em decorrência de se produzir (em seu entendimento) na mais profun-
da intimidade de sua consciência, subliminarmente está atribuindo à própria 
consciência uma qualidade e superioridade que não possui. Por que a cons-
ciência do juiz deve ser mais valiosa do que a do não julgador? E, com isso 
o julgador não compreende que dá azo a um descolamento e à cisão entre 
compreensão, interpretação e aplicação, o que afronta um dos fundamentos 
mais importantes e presentes na hermenêutica filosófica gadameriana e na 
filosofia hermenêutica heideggeriana: o fato de que a hermenêutica é una. 
(DRUMMOND, 2014, p. 313).
Quanto a Ronald Dworkin, ao trabalharmos seus pensamentos sob uma óti-
ca dos problemas nacionais, podemos apontar como viáveis para o crescimento da 
nossa teoria o aprofundamento endógeno nos problemas, a busca das essências 
institucionais, traduzindo uma consciência das imperfeições do sistema jurídico, mas 
com a exigência de postura visando à perfeição. 
Ademais, observa-se que sistemas judiciários de origem common law pos-
suem uma tendência de irem se purificando e afunilando o conteúdo das decisões 
judiciais. Explico, o hábito de se partir de um caso concreto julgado anteriormente, 
diferentemente de se partir do ordenamento jurídico como no civil law, provoca um 
entrechoque entre os próprios casos concretos e entre os julgadores, ocasionando 
ao longo dos anos um fenômeno de lapidação das decisões judiciais, de coerência 
das respostas judiciais aos casos assemelhados, terminando por gerar certa estabi-
lidade e segurança jurídica na prestação jurisdicional.
Nossa origem de tradição jurídica romano-germânica, portanto civil law, não 
impede que os operadores de direito passem a adotar algumas posturas típicas do 
universo common law, pois de grande valia para o crescimento e amadurecimento do 
direito pátrio. 
De forma sensata, consciente do papel estatal, realística e democrática, 
Dworkin exige dos representantes do Estado uma postura diferenciada, o que certa-
mente é caso de aplicação aos agentes públicos do Brasil. 
Sem dúvida, é inevitável que alguma instância do governo tenha a última pa-
lavra sobre que leis serão efetivamente implementadas. Quando os homens 
discordam sobre os direitos morais, nenhuma das partes tem como provar 
seu ponto de vista e alguma decisão deve prevalecer, se não quisermos que 
a anarquia se instale. Mas esse exemplo de sabedoria ortodoxa deve ser o 
início, e não o fim, de uma filosofia da legislação e da aplicação das leis. Se 
não podemos exigir que o governo chegue a respostas corretas sobre 
os direitos de seus cidadãos, podemos aomenos exigir que o tente. Po-
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demos exigir que leve os direitos a sério, que siga uma teoria coerente 
sobre a natureza desses direitos, e que aja de maneira consistente com 
suas próprias convicções. (DWOKIN, 2010, p. 286, destaque nosso).
Robert Alexy já possui grande utilização de suas teorias nos Tribunais 
brasileiros, sendo constantemente citado em julgados, o que certamente vem contri-
buindo para o desenvolvimento da teoria do direito pátrio. A grande crítica que se faz 
não é em relação às teorias da argumentação e dos direitos fundamentais, mas sim 
à recepção equivocada dos pensamentos pelos ditos alexyanos brasileiros. 
Em pesquisa exauriente de Fausto Santos de Morais em que examina 189 
decisões do Supremo Tribunal Federal que citam as teorias de Robert Alexy há a 
conclusão de que o pensamento do autor alemão ou não é aplicado, ou é aplicado 
parcial e equivocadamente ou é deturpado. Essa foi a recepção pelos juristas ditos 
seguidores na nossa Corte Maior. 
Não foi possível identificar nas decisões analisadas a construção da lei de 
colisão, como produto do sopesamento realizado no caso concreto. Assim, 
como propõe Alexy, não há a construção de um suporte ao silogismo da de-
cisão com a indicação das possibilidades fáticas e jurídicas levadas em con-
sideração. O que se pode entender, numa especulação, é que a fundamen-
tação da lei de colisão do caso concreto, como visto nas decisões do STF, 
dificilmente serve para apresentar o que foi efetivamente considerado. Essa 
constatação acaba mostrando o problema da fundamentação das decisões 
judiciais, servindo, por isso, as críticas quanto ao decisionismo do sopesa-
mento quando desvinculado da responsabilidade argumentativa da apresen-
tação de sua legitimidade (racional). (MORAIS, 2013, p. 218). 
 
 Entretanto, em que pese as deturpações da recepção da obra do autor 
alemão, não se tem dúvidas quanto à contribuição na abertura comunicativa e/ou 
argumentativa do direito, forjando um direito discursivo e dialogado. Tal contribuição 
certamente fortalece as bases da democracia. Resta apenas aos operadores maior 
respeito e fidelidade às teorias originais. 
 Primeiro com a filosofia hermenêutica de Heiddegger e depois, já ainda 
mais solidificada, com a hermenêutica filosófica de Gadamer, o fenômeno jurídico 
está sofrendo processo de releitura. Tal transformação deve-se, sobretudo, à mudan-
ça do paradigma filosófico de acesso ao conhecimento, desta feita de forma paritária 
entre sujeito e sujeito, imersos na linguagem e via linguagem, esta deixando de ser 
instrumento e tornando-se verdadeira condição de possibilidade. 
Considerando que Hans-Georg Gadamer reforça o papel da hermenêutica 
como sendo uma tarefa teórica e prática (GADAMER, 2011, p. 349-369) não há que 
se falar em importações estrangeiras que sejam totalmente alheias às práticas dos 
nossos Tribunais, sob pena de se gerar um estranhamento insuperável. 
Faz-se mister deixar consignado que importações de teorias estrangeiras em 
bloco e sem prévias considerações costumeiramente são frustradas. A uma, impor-
tam-se as soluções, mas se importam também os problemas por eles enfrentados, 
pois obviamente ainda não se descobriu sistema perfeito. A duas, importam-se as 
ideias, mas os operadores continuam sendo brasileiros, formados nas nossas facul-
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PARA O ENFRENTAMENTO DA CRISE ESTRUTURAL DO BRASIL
dades ainda sob o paradigma moderno da filosofia da consciência. A três, qualquer 
teoria desenvolvida sob os auspícios do sistema common law necessariamente pres-
supõe uma cultura jurídica enraizada de valorização costumeira, a qual deve brotar 
de posturas repetidas ao longo de anos a fio, sendo inviável ser implantada por ato 
de força em nosso sistema de origem civil law. 
Sendo assim, diante dos problemas apresentados e da inviabilidade de im-
portação de soluções prontas, temos a necessidade de desenvolvermos uma teo-
ria do direito brasileira, enfrentando nossas dificuldades e especificidades. Portanto, 
conclui-se firmemente que cabe aos operadores do direito brasileiro construírem uma 
teoria nossa e capaz de enfrentar nossos problemas. 
Não se trata de tentar fazer um “mix” filosófico e/ou hermenêutico, mas sim 
de se aproveitar o que de melhor já se desenvolveu pelo mundo, numa postura humil-
de, crítica e proativa na busca de se desenvolver uma filosofia do direito radicalmente 
brasileira na nossa jovem democracia. 
5 CONCLUSÕES
A presente pesquisa mostrou a existência e gravidade da crise pela qual o 
Brasil passa, abrangendo todos os Poderes da República. A profunda insatisfação 
popular demonstra o processo de saída do estado de ignorância, o qual é pressupos-
to para qualquer atitude de enfrentamento e superação de crises estruturais. 
Após os apontamentos e breves comentários acerca dos contributos da filo-
sofia do direito e da hermenêutica filosófica, concluiu-se que tais ciências têm muito a 
auxiliar na difícil tarefa de se encontrar soluções para os mais variados e complexos 
problemas estruturais que um Estado possa sofrer. 
Entretanto, concluiu-se ainda pela impossibilidade de se importar em bloco 
e sem filtros críticos e práticos as teorias do direito de outros países, sob pena de 
frustrações, ineficiências e potencialização de novas dificuldades. 
Por fim, reconhecendo-se a crescente complexidade dos problemas estrutu-
rais do Estado brasileiro, concluiu-se que o único caminho viável e possível para se 
trilhar uma teoria brasileira não é pelo isolamento teórico nem pela importação pron-
ta. Mas sim por criticamente absorver o estado da arte filosófico já produzido pelo 
mundo e, levando em conta as particularidades do nosso sistema jurídico, construir 
uma teoria nacional adequada, forte, viável e, acima de tudo, brasileira. 
 
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Submetido: 13/06/2018
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