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BIANCA MARINELLI – DIREITO PENAL 2º TERMO Título II – Do Crime ANTIJURIDICIDADE Conceito analítico de crime: ação + tipicidade + ilicitude + culpabilidade Antijuridicidade é um “juízo de desvalor objetivo que recai sobre a conduta típica e se realiza com base em critério geral: o ordenamento jurídico” (Reg is Prado). O crime não é um fato antijurídico, tendo em vista que o fato jurídico são fenômenos que produzem efeito jurídico. O crime tem importância, por esse motivo usa-se o termo ilicitude. Antijuridicidade material Baseada no aspecto da lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos penalmente protegidos. Exemplo: vida, propriedade, honra, liberdade sexual e etc. Antijuridicidade formal Contradição entre uma conduta e o ordenamento jurídico (uno, indivisível, coerente e harmônico). Antijuridicidade formal tem caráter objetivo e genérico, sem verificar se o sujeito tinha consciência de que agia de forma contrária ao Direito. A consciência da ilicitude está na culpabilidade. O que é ilícito é em relação a todo o ordenamento jurídico. Não há algo lícito para um ramo do Direito e ilícito para outro. Tipicidade expressa um juízo positivo, tem que se encaixar num tipo penal. Até que prove o contrário o fato típico é um fato que é antijurídico. Já a antijuridicidade expressa um juízo negativo, só será ilícita se não houver legítima defesa, estado de necessidade e etc. Ilicitude X Injusto: A ilicitude é a ação contrária ao ordenamento jurídico. O injusto é a própria ação valorada como antijurídica. Essa ação é específica e pode ser enxergada, medida, embora seja igualmente ilícitos. O Código Penal trata de diversas espécies de injustos. Exemplo: homicídio e agressão. BIANCA MARINELLI – DIREITO PENAL 2º TERMO Crime = ação/omissão + tipicidade + antijuridicidade + culpabilidade Injusto = ação/omissão + tipicidade + antijuridicidade Portanto ➔ Crime = injusto + culpabilidade = injusto culpável EXCLUSÃO DE ILICITUDE Exclusão de ilicitude Art. 23º CP: Não há crime quando o agente pratica o fato: I - em estado de necessidade; II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. As causas de exclusão abrangem normas permissivas que excluem a ilicitude, permitindo a prática de um fato típico. Nessas hipóteses o Direito Penal autoriza a lesão de bens jurídicos para a salvaguarda de bens jurídicos daquele ou de terceiro que está sendo ofendido. Causas supralegais são causas que não estão expressamente previstas em lei. Exemplo: consentimento do ofendido no crime de dano (analogia in bonam partem). Elementos das causas de justificação: a) Objetivos: vide a lei, está na lei. b) Subjetivos: consciência de que age acobertado por uma excludência (ocorrem os elementos objetivos da causa de justificação) e que tenha vontade de evitar um dano pessoal ou alheio (defesa, salvamento). Excesso punível Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo. ESTADO DE NECESSIDADE Estado de necessidade Art. 24º CP: Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro BIANCA MARINELLI – DIREITO PENAL 2º TERMO modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. Estado de perigo para certo bem jurídico, que somente pode ser protegido mediante a lesão de outro. Colisão de bens, de igual ou de maior valor, causada por forças diversas. § 1º - Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de enfrentar o perigo. § 2º - Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena poderá ser reduzida de um a dois terços. Requisitos: a) O perigo deve ser atual ou iminente; b) Ameaça a direito próprio ou alheio; c) Situação não causada voluntariamente pelo sujeito; d) Inexistência do dever legal de arrostar perigo. Exemplo: salva vidas tem seu dever legal de salvar. e) Inevitabilidade do comportamento lesivo. Se o agente puder evitar. Exemplo: fuga, pedido de socorro às autoridades públicas. f) Inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado. Ponderação de bens. Deve ser razoável o sacrifício. Exemplo: Sacrificar a propriedade e não a vida. g) Elemento subjetivo. Conhecimento da situação de fato justificante e vontade de salvamento. Exemplos: Furto famélico (furto por alguém que está morrendo de fome) sacrifica-se o valor patrimonial em benefício de se salvar a vida. Antropofagia (comer carne humana) sacrifica-se o bem jurídico vida em bem de outro. Dois náufragos numa tábua de salvação. Morte de um animal que ataca alguém. Subtração de automóvel para levar alguém ao hospital. Invasão de domicílio para escapar de sequestro. Aeronave em pane que aterrissa em propriedade alheia causando danos. Teorias: a) Diferenciadora se o bem jurídico sacrificado tiver valor menor ou igual ao do bem jurídico salvaguardado (ex.: salvar a vida e danificar patrimônio alheio), haverá estado de necessidade justificante (excludente de ilicitude). Se o bem sacrificado tiver valor maior que o bem protegido, (ex.: salvar a própria vida em detrimento da vida alheia), haverá estado de necessidade exculpante (excludente da culpabilidade). b) Unitária em quaisquer das hipóteses acima analisadas, há exclusão da ili- citude. Bens de valores iguais e bens de valores diferentes são tratados unitariamente. Foi a teoria adotada no Código Penal. Estado de necessidade justificante. BIANCA MARINELLI – DIREITO PENAL 2º TERMO LEGÍTIMA DEFESA Art. 25º CP: Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo, considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes. Legítima defesa é a exigência natural, instinto, natureza humana que leva o agredido a repelir a agressão a um seu bem tutelado, mediante a lesão de um bem do agressor (Bettiol). É uma ação permitida. Impossibilidade do Estado de impedir a lesão de bens jurídicos. É possível legitima defesa da honra. Requisitos: a) Existência de uma agressão. Exemplo: Se for animal é estado de necessidade, e não legítima defesa, a não ser que o animal esteja sendo usado como objeto de crime. b) Atualidade ou iminência (ameaça/aproximação) da agressão. c) Injustiça dessa agressão. d) Agressão contra direito próprio ou alheio. e) Conhecimento da situação justificante (animus defendendi). Exemplo: Vontade de defesa. O sujeito queria realmente se defender ou agredir? f) Uso dos meios necessários para repeli‐la. Exemplo: Chamar a polícia quando há tempo ao invés de usar a arma. g) Uso moderado desses meios. No excesso não há legítima defesa. Exemplo: Dar apenas um tiro. Espécies: a) Legítima defesa real: É a que exclui a ilicitude. b) Legítima defesa recíproca: É a legítima defesa contra legítima defesa. Inadmissível, salvo se uma delas ou todas forem putativas. c) Legítima defesa sucessiva: Cuida-se da reação contra o excesso. Ilícito. d) Legítima defesa própria: Quando o agente salva direito próprio. e) Legítima defesa de terceiro: Quando o sujeito defende direito alheio. f) Legítima defesa putativa: Trata-se da imaginária, que constitui modalidade de erro (CP, art. 20 parágrafo 1 ou art. 21) e isenta de pena. g) Legítima defesa subjetiva: Dá-se quando há excesso exculpante (decorre do erro inevitável). h) Legítima defesa com aberratio ictus (erro): O sujeito ao repelir a agressão injusta, por erro na execução, atinge bem de pessoa diversa da que o agredia. Absolvido por legítima defesa na esfera criminal e responsabilidade pelosdanos no cível. BIANCA MARINELLI – DIREITO PENAL 2º TERMO É possível... Legítima defesa de legítima defesa? Não, a lei usa a expressão “injusta”, ou seja, um dos dois deve ser injusto. Legítima defesa real contra legítima defesa putativa? Sim, a legitima defesa putativa contra alguém é injusta pois é apenas suposição. Exclui a culpabilidade do agressor e a legítima defesa real é possível. Legítima defesa putativa contra legítima defesa putativa? Sim, há uma ação injusta contra outra ação injusta. Exclui a culpabilidade. Legítima defesa contra agressão de inimputáveis (menores, doentes mentais etc.)? Sim, pois a agressão é injusta, o que lhe falta é capacidade mental, mas não retira ilicitude da sua ação. Exclui a culpabilidade. Legítima defesa contra estado de necessidade? Não, pois deve ser justo contra injusto. Legítima defesa real contra estado de necessidade putativo? Sim, pois o estado de necessidade putativo é injusto, assim como qualquer outro putativo. Legítima defesa putativa contra estrito cumprimento do dever legal putativo? Sim, pois é injusto contra injusto. Estado de necessidade contra estado de necessidade? Sim, duas pessoas enfrentam o mesmo perigo. Não se exige do titular do bem em risco o dever de permitir o sacrifício ao seu direito quando diante da mesma situação de perigo do outro. É o denominado estado de necessidade recíproco. Estado de necessidade X Legítima defesa Conflito entre bens jurídicos Ataque a um bem jurídico Conflito entre interesses lícitos Conflito entre interesse lícito e ilícito. O bem jurídico é exposto a perigo O direito sofre agressão (humana) injusta. Existe ação Existe reação O perigo pode vir de força humana ou ataque de irracional Só há contra agressão humana BIANCA MARINELLI – DIREITO PENAL 2º TERMO O necessitado pode dirigir sua conduta contra terceiro O agredido deve dirigir sua conduta contra o agressor A agressão não precisa ser injusta A agressão deve ser injusta EXECESSO DA LEGÍTIMA DEFESA O excesso ocorre quando, iniciada a legítima defesa, intensifica-se a reação, indo além do necessário para repelir a agressão. Exemplo: utilizando imoderadamente um meio necessário ou empregando meio desnecessário. Pode ser doloso, culposo ou ser originado pelo erro. É proibido em lei, ilícito. No excesso doloso, o sujeito conscientemente vai além do necessário para repelir a agressão. Exclui a legítima defesa a partir do momento em que o agente incorre no excesso. Responde pelo crime doloso cometido durante o excesso (art. 23, p. único). No excesso culposo, o sujeito, inicialmente em legítima defesa, dá causa ao resultado excessivo, por ele não querido, por negligência, imprudência ou imperícia. Responde pelo crime culposo, se prevista a forma culposa na lei penal. No excesso exculpante, por erro, o sujeito, inicialmente em legítima defesa, utiliza imoderadamente o meio por erro inevitável, supondo que a agressão ainda o ameaça (legítima defesa subjetiva). Há erro invencível (qualquer pessoa, na mesma situação, agiria em excesso). Causa supralegal de inexigibilidade de conduta diversa, que exclui a culpabilidade. EXERCICIO REGULAR DO DIREITO Todo aquele que exerce um direito assegurado por lei não pratica ato ilícito, porque autorizado pelo ordenamento jurídico. O que é lícito para um ramo do direito é para todos (princípio da não-contradição). No Direito Penal, a ação típica que consiste num exercício do direito repercute como excludente de ilicitude. Exemplos: → Penhor forçado. Art 1467, 1469 e 1470. → Defesa no esbulho possessório. Art. 1210, §1º. → Imunidade judiciária. Art. 142, I. → Direito de crítica. Art. 142, II. → Exclusão do crime de injúria/difamação. Art. 142. → Direito correcional dos pais em relação aos filhos. BIANCA MARINELLI – DIREITO PENAL 2º TERMO → Intervenções médicas e cirúrgicas. → Lesões decorrentes da prática desportiva. → Flagrante facultativo. Art. 301 CPP. Faculdade legal de qualquer do povo de prender quem esteja em flagrante delito. Não pode ser punido por sequestro (CP, art. 148) ou constrangimento ilegal (CP, art. 146). → Ofendículos. Meios ou obstáculos instalados para a defesa de bens jurídicos individuais, especialmente da propriedade. Quando impõem empecilho ou resistência normal, conhecida, notória, pública (cacos de vidro no muro, arame farpado, grades pontiagudas, plantas com espinhos, cerca elétrica com aviso) é exercício regular do direito. Quando mecânicos, automáticos ou automatizados e atuam com violência programada se houver invasão (maçaneta ou cerca eletrificada, arma engatilhada, mina explosiva, cão feroz) sem aviso é legítima defesa preordenada. ESTRITO CUMPRIMENTO DE DEVER LEGAL O dever legal é aquele proveniente de disposições jurídico-normativas, como leis, decretos, regulamento e etc. As obrigações meramente morais, sociais ou religiosas são excluídas. Exemplo: Policial que força alguém a ceder lugar para uma pessoa idosa. A excludente pressupõe que o executor seja agente público que aja por ordem da lei, não se excluindo o particular que exerça função pública (jurado, perito, mesário da Justiça Eleitoral). O cumprimento deve ser estrito, deve se realizar nos limites do dever imposto pela norma, sendo punível o agente se houver excesso ou abuso de direito. Exemplo: Policial que cumpre mandado de prisão. Oficial de justiça que executa o despejo. Fiscal sanitário que entra no quintal alheio. Soldado que mata o inimigo no campo de batalha. Policiais que empregam força física para evitar fuga de presídio. O escriturário que presta informação desabonadora. Pode haver com consentimento do ofendido. a) Causa excludente de tipicidade: Quando a figura típica contém o dissentimento do ofendido como elemento específico, se houver o consenso, o fato é atípico. Exemplo: Art. 150, caput, Art. 164, Art. 213. b) Causa excludente de antijuridicidade: Quando a figura típica não contém o dissentimento do ofendido como elementar, tratando-se de pessoa capaz e disponível o bem jurídico, o consenso exclui a ilicitude. Causa supralegal de exclusão da antijuridicidade. Exemplo: Art. 163 – dano, Art. 140 – injúria. Para excluir a antijuridicidade é necessário que o bem seja disponível (homicídio com o consentimento da vítima não exclui, o consentimento não é elementar no BIANCA MARINELLI – DIREITO PENAL 2º TERMO homicídio, por exemplo eutanásia). Necessário que seja o ofendido pessoa capaz, compreenda o ato. TEORIA DA TIPICIDADE CONGLOBANTE O fato típico (antijurídico) pressupõe que a conduta esteja proibida pelo ordenamento jurídico como um todo, globalmente considerado. Quando algum ramo do direito, civil, administrativo, econômico etc., permitir o comportamento, o fato será considerado atípico. Seria contraditório autorizar a prática de uma conduta por considerá-la lícita e, ao mesmo tempo, descrevê-la em um tipo como crime. Se o fato é permitido expressamente, não pode ser típico. Exemplo: Funcionário público no estrito cumprimento do seu dever legal, o ordenamento jurídico manda que ele faça alguma coisa. Vigilância sanitária ingressa na residência abandonada de alguém com uma ordem judicial pois há inúmeros focos de dengue. O exercício regular do direito é excludente de tipicidade. Se o fato é um direito, não pode estar descrito como infração penal. O conceito de tipicidade é então reformulado, sendo ele a tipicidade formal (enquadramento no tipo penal) com a tipicidade conglobante (contrariedade com o ordenamento jurídico). Conglobante decorre da necessidade de que a conduta seja contrária ao ordenamento jurídico em geral (conglobado) e não apenas ao ordenamento penal. Os principais defensores desta teoria são os penalistas Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangelli.
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