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Prévia do material em texto

Apresentação da Disciplina 
Teoria da Literatura II
Caros (as) Acadêmicos (as),
Prosseguindo nesta caminhada pelos Estudos Literários, que se iniciou no 4º período e se estenderá até 
o último, temos o prazer de apresentar a vocês o Caderno Didático de Teoria da Literatura II, escrito pela Profª 
Tereza Virginia de Almeida da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.
O ponto mais importante deste caderno e o que justificou a sua escolha para esta fase de estudos, é que 
a autora trabalha os conceitos de narrativa, sempre relacionados a exemplos extraídos das grandes obras da 
nossa literatura. 
A dinâmica de exposição dos conteúdos é muito bem estruturada, o que certamente propiciará a todos 
os acadêmicos, melhor entendimento da disciplina.
Espero que todos tenham o melhor aproveitamento possível, sempre iniciando seus estudos pela apre-
sentação que a autora faz sobre o conteúdo da disciplina, e que é altamente esclarecedora da metodologia 
que ela usa. Além disso, as dúvidas que forem surgindo poderão ser tiradas nos fóruns da disciplina, com o 
professor formador e os tutores. Recomendo também que todos leiam os clássicos que a autora menciona 
ao longo da disciplina. Lembrem-se: vocês são acadêmicos de Letras. Ler e escrever bem são os nossos princi-
pais objetivos. 
Neste semestre vocês já entrarão no campo da Literatura Inglesa. Conhecer as teorias que permeiam o 
processo da criação literária vai ajudá-los a entender melhor os estilos e os gêneros literários em qualquer 
língua.
Até breve. 
Profa. Mariléia de Souza
Coordenadora Letras Inglês UAB - Unimontes
Teoria da Literatura II
Florianópolis - 2008
 Tereza Virginia de Almeida2º
Período
Governo Federal
Presidente da República: Luiz Inácio Lula da Silva
Ministro de Educação: Fernando Haddad
Secretário de Ensino a Distância: Carlos Eduardo Bielschowky
Coordenador Nacional da Universidade Aberta do Brasil: Celso Costa
Universidade Federal de Santa Catarina
Reitor: Alvaro Toubes Prata
Vice-Reitor: Carlos Alberto Justo da Silva
 Secretário de Educação a Distância: Cícero Barbosa
Pró-Reitoria de Ensino de Graduação: Yara Maria Rauh Muller
 Departamento de Educação à Distância: Araci Hack Catapan
Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão: Débora Peres Menezes
Pró-Reitoria de Pós-Graduação: José Roberto O’Shea
Pró-Reitor de Desenvolvimento Humano e Social: Luiz Henrique Vieira Silva
Pró-Reitor de Infra-Estrutura: João Batista Furtuoso
Pró-Reitor de Assuntos Estudantis: Cláudio José Amante
Centro de Ciências da Educação: Carlos Alberto Marques
Centro de Ciências Físicas e Matemáticas: Méricles Thadeu Moretti
Centro de Filosofia e Ciências Humanas: Maria Juracy Filgueiras Toneli
Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a Distância
Diretora Unidade de Ensino: Viviane M. Heberle
Chefe do Departamento: Zilma Gesser Nunes
Coordenador de Curso: Roberta Pires de Oliveira
Coordenador de Tutoria: Zilma Gesser Nunes
Coordenação Pedagógica: LANTEC/CED
Coordenação de Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem: Hiperlab/CCE
Comissão Editorial
Tânia Regina Oliveira Ramos
Izete Lehmkuhl Coelho
Mary Elizabeth Cerutti Rizzati
Equipe Coordenação Pedagógica Licenciaturas a Distância
EaD/CED/UFSC
Núcleo de Desenvolvimento de Materiais
Produção Gráfica e Hipermídia
Design Gráfico e Editorial: Ana Clara Miranda Gern; Kelly Cristine Suzuki
Responsável: Thiago Rocha Oliveira
Adaptação do Projeto Gráfico: Laura Martins Rodrigues, Thiago Rocha Oliveira
Diagramação: Gabriela Dal Toé Fortuna, Karina Silveira
Figuras: xxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Tratamento de Imagem: xxxxxxxxxxxxxxxxxxx
Revisão gramatical: Verônica Ribas Cúrcio
Design Instrucional
Responsável: Isabella Benfica Barbosa
Designer Instrucional: Verônica Ribas Cúrcio
Copyright © 2008, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSC
Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer 
meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordena-
ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância.
Ficha Catalográfica
X999y Virgínia de Almeida, Tereza. 
 Teoria da Literatura II / Tereza Virgínia de Almeida, UFSC, UAB.— 
Florianópolis : LLV/CCE/UFSC, 2008. 
 
 XXXp. : XXcm 
 ISBN 978-85-61482-11-4 
 
1. xxxxxx. 2. xxxxxx. I. xxxxxx. II. xxxxxx.
 
 
 CDD 410 
Elaborado por Rodrigo de Sales, supervisionado pelo Setor Técnico da 
Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina
Sumário
Unidade A ..........................................................................................11
A Temporalidade e a Experiência1 ............................................13
1. 1 Introdução ..........................................................................................................13
1.2 Narrativa e Experiência Humana .................................................................14
Tempo e Figuras de Duração2 ...................................................................17
2.1 A Narrativa Histórica e a Narrativa Ficcional ...........................................17
2.2 Os Diferentes Tempos na Narrativa ............................................................18
2.3 Figuras de Duração .........................................................................................21
Referências .........................................................................................24
Unidade B ...........................................................................................25
Leitor, Autor e Seus lugares na Narrativa3 .............................................27
1.1 Leitor-empírico x Leitor-modelo ................................................................27
1.2 Autor Empírico e Autor-modelo .................................................................29
1.3 Considerações Finais ...............................................................................31
Narrador e Foco Narrativo4 .........................................................................35
2.1 O Narrador ...........................................................................................................35
2.2 O Foco Narrativo ...............................................................................................40
Referências .........................................................................................43
Unidade C ...........................................................................................45
Ficção, Linguagem e Personagem5 ...........................................47
1.1 Personagem Como Sintoma Ficcional ......................................................47
1.2 Personagem x Ser Humano ...........................................................................50
1.3 Personagem Plana e Personagem Redonda ....................................58
1.4 Outras Tipologias para a Abordagem da Personagem de Ficção ...62
O Enredo6 ..........................................................................................................65
Referências .........................................................................................67
Unidade D ..........................................................................................69
A Adequação do Conteúdo ao Público-alvo7 ......................................71
A Narrativa no Ensino Fundamental 8 ....................................................75
2.1 A Narrativa como Parte do Cotidiano ........................................................75
2.2 A Recepção Criativa ........................................................................................76
A Narrativa no Ensino Médio 9 ................................................................81
3.1 O Cotidiano ........................................................................................................81
3.2 O Cânone Literário............................................................................................83Algumas Palavras Sobre Você e a Narrativa10 .....................................89
Referências .........................................................................................91
Apresentação
A disciplina Teoria da Literatura II tem como objetivo permitir a você o acesso a um conhecimento do gênero narrativo, suas especificidades e elementos constitutivos.
Para tanto, optei por abordar, ao longo desta disciplina, os aspectos teóricos 
da narrativa a partir de obras que você estará lendo na disciplina Literatura 
Brasileira II, ministrada pelo Professor Marco Antonio Castelli, acrescidos a 
contos que estarei designando ao longo do período. 
Cada capítulo será trabalhado com referência às obras literárias, de forma que 
você sempre terá como avaliar a sua própria compreensão dos pressupostos 
teóricos através de sua capacidade de relacioná-los com os exemplos retirados 
dos livros que estará lendo.
As obras a que me refiro se dividem em narrativas ficcionais e narrativas his-
toriográficas:
1. Narrativas ficcionais:
O cortiço de Aluízio de Azevedo,
Triste fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto
Dom Casmurro de Machado de Assis
Macunaíma de Mário de Andrade
Iracema de José de Alencar
Vidas secas de Graciliano Ramos
2. Narrativas historiográficas:
Retrato do Brasil de Paulo Prado
Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda
A subdivisão acima já remete a uma primeira distinção a ser estabelecida en-
tre história e ficção. Esta distinção, aparentemente simples, adquire complexi-
dade, na medida em que se percebe que muitas das convenções utilizadas pela 
ficção também estão presentes no discurso da história, que, por sua vez, pode 
se utilizar de elementos literários como metáforas e metonímias, o que poderá 
ser amplamente exemplificado pelas obras de história selecionadas e que se 
configuram como clássicos do modernismo brasileiro.
Isto significa dizer que quando se fala em narrativa, não se está necessaria-
mente falando de conto ou romance, ou seja, de ficção. Neste sentido, será 
possível perceber que a narrativa ficcional apresenta suas especificidades, mas 
que apresenta aspectos em comum com a narrativa historiográfica. 
Narrar é contar. E a narrativa está presente em nosso cotidiano de diversas 
formas. Em nossa fala cotidiana, comumente nos utilizamos do discurso nar-
rativo para relatar acontecimentos. Quando chego a casa à noite e tenho que 
informar como foi meu dia no trabalho, lanço mão de uma narrativa. Digo: 
“Hoje, minha chefe me pediu para escrever um relatório...” ou “Hoje, um aluno 
deixou o celular ligado e no momento em que eu estava explicando...”
Também é possível perceber que a narrativa está presente em outras formas de 
representação, como o cinema e a novela televisiva. 
É importante perceber que se a narrativa é uma forma de representação, deve 
se diferenciar de outras formas de representação. Se o cinema também é um 
exemplo de narrativa, o mesmo não se pode dizer de uma tela, de uma pintura, 
por exemplo. E a diferença central estaria nas formas como a narrativa e a pin-
tura, enquanto representações, lidam com a temporalidade.
No momento, para que você possa ter uma visão panorâmica do que será 
tratado ao longo do semestre, é importante examinar com atenção o que está 
sendo proposto no plano de ensino. A compreensão de cada uma das unidades 
pressupõe a leitura cuidadosa de textos teóricos. Você deve manter-se em dia 
com estas leituras e fazê-las na ordem em que forem solicitadas no livro-texto. 
Só assim poderá acompanhar o conteúdo e saber se está conseguindo estabe-
lecer as relações corretamente. É uma forma também de estar apto a cumprir 
as atividades propostas e a participar dos debates. Portanto, é importante que 
você se planeje de forma a ter em mãos os textos solicitados nas datas em que 
forem abordados. Para isso, durante o planejamento de seu semestre, esteja 
ciente da disponibilidade dos textos e do tempo que levam para chegar em caso 
de encomenda. Se você tiver que acumular leituras, será difícil acompanhar a 
disciplina a contento. A solicitação de leituras obedece a um planejamento em 
que a viabilidade do acompanhamento está prevista. A quantidade de leitura 
solicitada obedece ao bom senso. Mas, se você acumular, terá um volume so-
bre-humano de textos para ler e sua aprendizagem pode ser prejudicada. 
Escolhi abordar quase a totalidade da disciplina servindo-me dos pequenos 
volumes da Série Princípios, da Ática. São obras introdutórias, porém produzi-
das por teóricos consagrados e reconhecidos por suas trajetórias intelectuais e 
pela qualidade e extensão de suas obras.
Você poderá perceber que cada um destes pequenos livros contém uma bib-
liografia rica, que você poderá consultar mais tarde com o objetivo de apro-
fundar os seus conhecimentos. 
Outro ponto muito importante: não acumule dúvidas. Leia o material com 
atenção, mas toda vez que a leitura não for suficiente para sua compreensão, 
dirija-se aos tutores e peça explicações. 
Adquira também o hábito de fazer resumos dos pontos principais abordados 
nos textos teóricos. Os livros vêm divididos em capítulos curtos, que podem 
facilitar os seus resumos e fichamentos. Assim, você terá como estudar e como 
voltar aos textos com mais facilidade para estabelecer relações. 
Como você já está no seu segundo período de curso, já deve ter se familiari-
zado com o ambiente virtual de aprendizagem e com as possibilidades que este 
ambiente apresenta, mas é preciso sublinhar que nada substitui a leitura dos 
textos, literários e teóricos. 
Na medida em que formos trabalhando os conceitos relacionados à narrativa, 
vou estar constantemente remetendo você ao E-dicionário de termos literári-
os, que apresenta verbetes que podem ser bastante esclarecedores e indicar 
bibliografia e informações complementares.
Unidade A
Tempo e narrativa
FIGURA - ABERTURA 
DE UNIDADE
Capítulo 01A Temporalidade e a Experiência
13
1 A Temporalidade e a 
Experiência
Compositor de destinos 
Tambor de todos os rítmos 
Tempo tempo tempo tempo 
Entro num acordo contigo 
Tempo tempo tempo tempo... 
Por seres tão inventivo 
E pareceres contínuo 
Tempo tempo tempo tempo 
És um dos deuses mais lindos 
Tempo tempo tempo tempo... 
(Oração ao tempo, Caetano Veloso)
1. 1 Introdução
Para abordar esse primeiro capítulo, pedi que você lesse o conto de 
Sérgio Sant’Anna, O homem sozinho na estação ferroviária e os capítulos 
iniciais do livro de Benedito Nunes. 
Você deve ter percebido que a relação entre o título do conto e a sua 
introdução leva o leitor, a princípio, a acreditar que o homem na estação 
ferroviária é uma personagem e talvez até mesmo a personagem principal 
do conto. Entretanto, após algumas indagações acerca da origem e do des-
tino do viajante, sentado na estação ferroviária com uma maleta no colo, 
o narrador permite que o leitor perceba que o homem do qual fala está 
retratado em uma pintura: sua narrativa havia sido, até então, a represen-
tação discursiva de uma representação pictórica, ou seja, de um quadro. 
O que esta revelação deixa perceber é justamente aquilo que se tor-
na específico da narrativa, ou seja, aquilo que o narrador acrescenta à 
representação do quadro. Claro que seria possível falar do imaginário 
que permite ao narrador fazer algumas afirmativas como: “Carrega to-
dos os indícios de uma civilização que a Europa largou nos trópicos, 
Unidade A - Teoria da Literatura
14
desamparada. Um homem colonial e conservador, embora o negue até 
para si mesmo”. Mas o elemento principal é a temporalidade. 
A representação narrativa se distingue da representação pictóri-
ca em função da dimensão temporal. Enquanto um quadro pode ser 
apreendido pelo olhar, de forma instantânea, ao representar uma cena 
estática, a narrativa se desenvolve no tempo, depende da linearidade do 
discurso para ser apreendida e configura um enredo que terá a tempora-
lidade como dimensão necessária. Por isso, o imaginário do narradorse 
debruça sobre o homem da estação atribuindo-lhe um passado. “O mais 
terrível, porém, nesse quadro, é o que não vemos nele”. E o “mais terrí-
vel” diz respeito ao passado e ao medo do futuro, ou seja, à dimensão do 
tempo que é inerente a toda narrativa. 
Esta introdução do conto que você leu está aí para informar ao lei-
tor desavisado que o tema do conto é a própria possibilidade da nar-
rativa ficcional de construir mundos. Ou seja, esta introdução chama 
a atenção para a própria capacidade imaginativa do narrador, para o 
próprio ato de narrar que será capaz de recriar Mário e Oswald como 
entidades absolutamente ficcionais. 
Tanto na narrativa ficcional quanto na narrativa histórica, o enredo 
organiza personagens e ações em uma linha temporal. Personagens se 
transformam ao longo do tempo da narrativa a partir de acontecimen-
tos, sejam estes externos ou motivações internas de ordem psicológica. 
Não importa se o que está sendo contado seja referente ao espaço de 
um dia ou de um século, a narrativa terá que se desenrolar no tempo. 
Enquanto os elementos do quadro descrito pelo narrador podem ser 
apreendidos de imediato, já que apenas alguns segundos são necessários 
para que se visualize um homem sentado numa estação, o leitor desta 
pequena narrativa introdutória terá que perpassar mais de uma página 
para chegar a esta outra forma de representação do mesmo homem nas 
mesmas circunstâncias. 
1.2 Narrativa e Experiência Humana
Em sua obra Tempo e narrativa, Paul Ricoeur afirma que toda obra 
narrativa exibe um mundo temporal. O tempo torna-se tempo humano 
Capítulo 01A Temporalidade e a Experiência
15
na medida em que está articulado de modo narrativo; em compensação, 
a narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da expe-
riência temporal.
Esta relação entre temporalidade e narrativa faz com que a narrati-
va tenha um caráter referencial: toda e qualquer narrativa reproduz, de 
uma maneira ou de outra, a experiência humana do tempo. Embora a 
ficção se defina como irreal, se apresenta como uma forma de redescri-
ção da realidade, não porque descreva fatos acontecidos na realidade, 
mas porque toda forma narrativa reproduz a experiência humana do 
tempo, através da qual o ser humano vivencia o real. A relação com o 
tempo é recriada através da narrativa.
Capítulo 02Tempo e Figuras de Duração
17
2 Tempo e Figuras de Duração
 
Mandei uma mensagem a jato às entidades do tempo
já me foi verificado que nem mesmo haverá segundos
que os minutos foram reavaliados
e a cada suspiro serão dez contados.
 (Dez contados, Alec Haiat/Céu)
2.1 A Narrativa Histórica e a Narrativa Ficcional
Quando uma criança demonstra curiosidade em saber como termina 
uma estória, está reproduzindo a mesma sensação que se tem no cotidiano 
em relação ao futuro. Da mesma forma, todo leitor segue uma narrativa em 
busca dos acontecimentos que se revelam ao longo do tempo da narrativa. 
Isto não equivale a negar, entretanto, as distinções entre narrativa 
histórica e narrativa ficcional. A distinção básica estaria no fato de que a 
narrativa histórica é constrangida pelo tempo cronológico e a narrativa 
ficcional não. 
Como exemplos, é possível citar Raízes do Brasil e Retrato do Brasil. 
Sérgio Buarque de Holanda e Paulo Prado, enquanto historiadores, são 
forçados a obedecer à cronologia, já que pretendem buscar represen-
tações para a origem da sociedade brasileira e de suas especificidades. 
Para tanto, ambos retomam o Brasil do período colonial, desde a chega-
da do português. 
Já o tempo ficcional é guiado apenas pela própria estrutura da nar-
rativa em que se insere. A narrativa ficcional pode operar com anacro-
nismos, interromper e inverter o tempo cronológico. 
Nos capítulos que você leu do livro de Benedito Nunes, além de 
informações importantes acerca das relações entre tempo e narrativa, 
Unidade A - Teoria da Literatura
18
você encontra algumas importantes distinções e definições que devem 
ser bem compreendidas e das quais tratarei nos próximos itens. 
2.2 Os Diferentes Tempos na Narrativa
2.2.1 Tempo Físico e Tempo Psicológico
Este capítulo diz respeito à distinção entre o tempo que pode ser 
medido objetivamente, em durações como minutos, dias e anos (tempo 
físico) e a maneira como o sujeito vivencia o tempo (tempo psicológi-
co). Esta distinção, portanto, não acontece apenas na narrativa, mas em 
nossa própria relação cotidiana com os acontecimentos. Alguém que 
espera uma notícia ou o nascimento de um filho pode ter a sensação 
de que o tempo demora a passar, em função de seu estado psicológico 
dominado pela ansiedade. Alguém que está de férias em uma viagem 
repleta de alegrias e surpresas pode ter a sensação de que o tempo passa 
muito rápido. Da mesma forma, as mesmas duas horas de um filme po-
dem parecer demorar mais ou menos dependendo do menor ou maior 
envolvimento do espectador.
No caso da narrativa, o narrador pode criar esta sensação de maior 
ou menor duração, dependendo da maneira como lida com a subje-
tividade dos personagens e da forma como sua própria subjetividade 
se conecta aos acontecimentos. A morte de uma personagem pode ser 
contada em uma linha, mas pode também se estender por um ou mais 
capítulos, dependendo de como o narrador opte por abordá-la. Para que 
o tempo de um mesmo evento se estenda, o narrador lança mão do ele-
mento causal, implícito em toda relação temporal, já que é através das 
relações de causalidade que os acontecimentos podem se relacionar no 
tempo. Narrar é justamente preencher com uma explicação o espaço 
entre um evento e outro. 
A narrativa ficcional tira partido de todos os seus elementos para 
criar efeitos que possam engajar o leitor. Como exemplo, leia um bri-
lhante conto do escritor Victor Giudice. O conto se chama O arquivo 
e foi originalmente publicado na obra do escritor chamada Necrológio, 
publicada em 1973.
Você pode encontrá-lo 
em: http://www.releituras.
com/vgiudice_arquivo.asp
Capítulo 02Tempo e Figuras de Duração
19
Você deve ter percebido que a brevidade da narrativa é funcional 
no conto de Victor Giudice - observe como ela se relaciona intimamente 
com o seu conteúdo. As frases curtas e a rapidez com que um corte sala-
rial se sucede a outro na vida de João reproduzem a frieza da burocracia, 
frieza esta que é reproduzida pela maneira sintética com que o narrador 
narra os fatos, de forma objetiva, crua. Desta forma, o leitor é surpreen-
dido justamente pela crueza com que a vida de João fracassa a ponto de 
o funcionário se transformar em um arquivo de metal. Observe como 
esta transformação opera uma redução que é reproduzida ao longo do 
conto pela maneira econômica com que os fatos são narrados. Ou seja, 
a mediocridade da vida de João e a anulação de sua subjetividade por 
um sistema que explora sua força de trabalho se reproduzem na frieza 
e brevidade com que os fatos mais cruéis e inusitados, como os cortes 
salariais, são contados pelo narrador. 
2.2.2 Tempo Cronológico e Tempo Histórico
O tempo cronológico está relacionado ao tempo físico, mas não é 
idêntico a este. Ao mesmo tempo em que pode ser mensurado, se or-
ganiza a partir de datas que se tornam referência para outras, para o 
estabelecimento de relações de anterioridade e posterioridade. 
Já o tempo histórico está relacionado com outro tipo de medida: a for-
ma como se configuram unidades para a abordagem dos acontecimentos e 
seus processos de transformação. Assim como na história política, o tempo 
histórico se dá por unidades como Idade Média e Idade Moderna, na his-
tória da literatura, o tempo histórico se configura através da periodização 
literária: Romantismo, Realismo, Modernismo, Pós-modernismo, etc.
É importante assinalar que como o tempo histórico é cultural e de-
corre de um conjunto de valores, pode ser relativizado por novas gerações 
de historiadores, que podem criar novas unidades para se referir ao passa-
do (e ao presente) através da percepção diferenciada dos acontecimentose de seus efeitos e conexões causais. Por exemplo, o termo barroco surge 
a partir do séc. XIX. Antes disso, aquilo que se compreende como barroco 
era compreendido em continuidade com o clássico. Ou seja, a cultura do 
século XIX permitiu que os historiadores percebessem sutilezas na cultu-
ra e nas artes do século XVII que não haviam até então sido percebidas. 
Unidade A - Teoria da Literatura
20
2.2.3 Tempo lingüístico e tempos verbais
Neste capítulo, Benedito Nunes procura elaborar uma distinção 
entre o tempo do discurso e o tempo verbal utilizado em uma narra-
tiva. A narrativa pode se utilizar de verbos no passado, mas apresentar 
um narrador que se posicione claramente no presente, distanciado dos 
acontecimentos. 
Na verdade, o presente é sempre o eixo temporal a partir do qual 
os eventos se ordenam. Embora Dom Casmurro de Machado de Assis 
conte uma história que remonta ao passado ao refazer todo o percurso 
da paixão do narrador por Capitu, na medida em que se apresenta como 
uma narrativa em primeira pessoa, a obra acaba sendo sobre o estado 
presente da personagem principal. Como poderemos ver em um próxi-
mo capítulo, o presente do discurso do já maduro Dom Casmurro é o 
ponto central da narrativa. A maneira como esta organiza os aconteci-
mentos do passado através do discurso faz com que a temática do livro 
seja a própria visão parcial do narrador-personagem sobre os fatos, uma 
visão que se dá no presente da escrita. Observe este trecho, que abre o 
capítulo II de Dom Casmurro:
Agora que expliquei o título, passo a escrever o livro. Antes disso, 
porém, digamos os motivos que me põem a pena na mão. 
Vivo só, com um criado. A casa em que moro é própria; fi-la 
construir de propósito, levado de um desejo tão particular que 
me vexa imprimi-lo, mas vá lá. Um dia, há bastantes anos, lem-
brou-me reproduzir no Engenho Novo a casa em que me criei 
na antiga Rua de Matacavalos, dando-lhe o mesmo aspecto e 
economia daquela outra, que desapareceu. 
(grifos meus) (ASSIS, Machado de . Dom Casmurro. 5ª edição. 
São Paulo, FTD, 1999, p.18)
Observe os verbos que coloquei em negrito e perceba como o nar-
rador do livro se posiciona no presente da escrita, em sua vida presente, 
através da descrição da casa em que mora, para, então, remontar ao pas-
sado como forma de configurar explicações para o presente. Este movi-
mento entre o presente e o passado da escrita que se dá neste pequeno 
trecho é o mesmo movimento que se reproduz ao longo de toda a nar-
Capítulo 02Tempo e Figuras de Duração
21
rativa. O passado é sempre retomado e recontado para que o narrador 
estabeleça relações de causalidade que justifiquem, diante do leitor, seus 
atos e crenças no presente. 
2.2.4 Tempo da história e tempo do discurso 
No segundo capítulo, Benedito Nunes trata da dualidade que existe 
na narrativa entre história e discurso. A história diz respeito à realidade 
narrada, aos personagens e acontecimentos. A mesma história pode ser 
contada por uma narrativa literária e por um filme, por exemplo. Já o 
discurso refere-se ao modo de narrar. Esta distinção vai operar outra 
distinção: entre o tempo da história e o tempo do discurso. O primeiro 
se refere ao tempo sobre o qual se narra e o segundo ao próprio tempo 
da narrativa. O fato de uma narrativa tratar de um menor ou maior es-
paço de tempo nada tem a ver com o tempo da narrativa em si. Três sé-
culos podem ser contados por uma rápida sucessão de acontecimentos 
que torna a narrativa rápida. Macunaíma, por exemplo, é uma narrativa 
rápida. São muitos acontecimentos e transformações narrados, mas o 
narrador dá conta de toda a vida de Macunaíma em um pequeno livro. 
Por sua vez, um dia pode durar muitas e muitas páginas em uma narra-
tiva lenta, repleta de digressões do narrador. 
Tal como demonstra Benedito Nunes, ao analisar uma citação do 
conto de Machado de Assis A causa secreta, o tempo do discurso nem 
sempre obedece à ordem dos acontecimentos. O tempo da narrativa é 
medido em função das relações entre o tempo do narrar e o tempo narra-
do. No caso do conto A causa secreta, existe uma relação significativa en-
tre a desobediência à ordem cronológica e a dramaticidade da narrativa. 
É procedimento comum os narradores iniciarem seus romances 
com a apresentação de personagens em um tempo mais próximo do 
presente para só depois remontarem ao passado, em busca do estabele-
cimento de causalidades. 
2.3 Figuras de Duração 
Benedito Nunes apresenta algumas figuras de duração que você pode 
identificar ao longo da leitura das obras de Literatura Brasileira. São elas:
É o que se chama de 
anacronia, uma vez que 
a estratégia se dá como 
desobediência ao tempo 
cronológico.
Unidade A - Teoria da Literatura
22
sumárioa) : quando a narrativa abrevia os acontecimentos em um 
tempo menor do que o da suposta duração na história. 
alongamentob) : quando a narrativa, ao contrário do que ocorre 
no sumário, prolonga o tempo de duração do discurso, de forma 
que a narrativa dura mais que o tempo da história. 
pausac) : quando o tempo da história se interrompe para dar lugar 
à descrição. 
elipsed) : quando se dá a omissão de um acontecimento que pode 
ou não vir a ser revelado no decorrer da narrativa.
Tal como afirma Benedito Nunes, estas figuras de duração corres-
pondem a figuras retóricas de crucial importância no que diz respeito 
aos processos de estruturação da narrativa, já que são figuras relaciona-
das aos efeitos estéticos advindos das diferenças de andamento. Estes 
efeitos, por sua vez, serão de extrema importância na relação que o lei-
tor estabelece com o discurso narrativo. 
A partir da leitura dos romances designados na disciplina Litera-
tura Brasileira II, você pode encontrar exemplos das figuras de duração 
acima descritas. 
Como exemplo de elipse, posso citar os acontecimentos que envol-
vem o caráter do relacionamento entre Capitu e Escobar. O narrador 
em primeira pessoa tem apenas uma visão parcial dos fatos e o leitor 
não pode acessar nenhuma informação que comprove as suspeitas do 
narrador em torno da traição da esposa e do amigo. 
Ao longo de toda a narrativa de Dom Casmurro, há exemplos de 
outra figura de duração, a pausa, já que o narrador, em diversos mo-
mentos, interrompe a história para se ater a reflexões. O capítulo LXIV, 
Uma idéia e um escrúpulo, é um exemplo. Constantemente, ao longo do 
romance, o narrador comenta capítulos anteriores, tornando explícito o 
caráter textual da narrativa. 
O primeiro capítulo de Macunaíma de Mário de Andrade é um 
bom exemplo de sumário. Em um único capítulo, o herói nasce e cresce. 
Personagens de Dom 
Casmurro
Capítulo 02Tempo e Figuras de Duração
23
A narrativa se torna ágil principalmente porque se dá constantemente a 
intervenção do elemento mágico:
A moça botou Macunaíma na praia porém ele principiou chora-
mingando, que tinha muita formiga!... e pediu pra Sofará que o 
levasse até o derrame do morro lá dentro do mato, a moça fez. Mas 
assim que deitou o curumim nas tiriricas, tajás e trapoerabas da 
serrapilheira, e botou corpo num átimo e ficou um príncipe lindo.
(ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. 
São Paulo, Itatiaia, 1981, p.10)
Observe como a linguagem do narrador sintetiza as informações 
tornando-se ágil como a conexão dos acontecimentos. 
Como você pode ver pela consulta ao verbete, o termo anisocro-
nia se refere a estas mesmas figuras de duração abordadas por 
Benedito Nunes. 
Ao longo de sua leitura dos romances, fique atento ao apareci-
mento destas figuras e vá anotando exemplos. Este exercício será 
muito importante para o estabelecimento de relações e para a fi-
xação das categorias estudadas.
A próxima unidade de nosso programa prevê a abordagem de 
duas instâncias do discurso narrativo: o autor e leitor. A compre-
ensão desta distinção é crucial para que se percebam as nuances 
do discurso ficcional e para que se torne possível uma atividade 
de análise literária. 
Para abordar o tema,escolhi pedir que leia os dois primeiros ca-
pítulos do livro de Umberto Eco intitulado Seis passeios pelos bos-
ques da ficção.
Ao longo destes capítulos, Umberto Eco estará conceituando alguns 
elementos relacionados à narrativa: autor empírico e autor-modelo, lei-
tor empírico e leitor-modelo.
Autor e leitor são termos familiares a você. Mas Umberto Eco ela-
bora a definição destas instâncias para dar conta da complexidade ine-
rente ao universo ficcional. 
Para mais informações 
sobre o assunto, peço que 
leia o verbete anisocronia 
do E-dicionário de termos 
literários. http://www.fcsh.
unl.pt/edtl/verbetes/A/
anisocronia.htm
Vale, ainda, ressaltar que 
Umberto Eco, além de 
teórico, é autor de roman-
ces consagrados como O 
Nome da rosa e O pêndulo 
de Foucault. Ambos se 
configuram como leituras 
de grande interesse.
Unidade A - Teoria da Literatura
24
Creio que os dois primeiros capítulos do livro sejam suficientes para a 
compreensão destas definições, mas sugiro que adquiram o livro e que o leia 
por inteiro, pois se trata de uma obra muito interessante para aqueles que 
desejam compreender as nuances e especificidades do discurso ficcional. 
 Referências
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 1997. 
GIUDICE, Victor. Necrológio. Rio de Janeiro: Editora do Pasquim, 
1973. 
NUNES, Benedito. O tempo na narrativa. São Paulo: Ática, 2003
PRADO, Paulo. Retrato do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 
1998. 
RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa. v. I. São Paulo: Papirus, 1994. 
SANT’ANNA, Sérgio. A Senhorita Simpson. São Paulo: Companhia das 
Letras, 1989. 
 Leia mais!
RICOEUR, Paul. Tempo e narrativa, v. I. São Paulo: Papirus, 1994.
Unidade B
Os lugares textuais
FIGURA - ABERTURA 
DE UNIDADE
Capítulo 01Leitor, Autor e Seus Lugares na Narrativa
27
1 Leitor, Autor e Seus lugares na 
Narrativa
Como uma encadernação vistosa feita para iletrados a mulher se enfeita 
mas ela é um livro místico e somente a alguns 
a que tal graça se consente é dado lê-la
(Elegia, Péricles Cavalcanti e John Donne, 
tradução de Augusto de Campos)
1.1 Leitor-empírico x Leitor-modelo 
Umberto Eco se refere à narrativa ficcional como a um bosque. 
Com esta imagem, Eco pretende apontar para o fato de que para ler 
ficção, é preciso percorrer caminhos e se encontrar em um percurso que 
às vezes mostra certas artimanhas. 
O primeiro ponto a se reconhecer no pensamento de Eco diz respeito 
ao fato de que ao adentrar o universo ficcional, o leitor está participando 
de um jogo. Todo jogo tem regras definidas. Quando uma criança ouve 
o “era uma vez” de um conto de fadas e aceita como possível a fruição de 
uma narrativa em que os bichos falam e os príncipes são encantados, está 
aceitando as regras daquela forma de ficção: os fatos narrados não devem 
ser testados segundo as leis físicas do mundo cotidiano. 
O mesmo ocorre quando você lê Macunaíma e aceita que o he-
rói possa mudar de cor, transportar toda a casa da família para o lado 
do rio, aprender a língua portuguesa culta de um capítulo para outro e 
escrever às Icamiabas, entre outras peripécias. Nada disto é, entretan-
to, uma opção do leitor. A narrativa indica ao leitor como ele deve se 
comportar. Logo nas primeiras páginas de Macunaíma, descobrimos, 
através do narrador, que se trata de uma narrativa que pertence ao ma-
ravilhoso, mesmo que não conheçamos o conceito.
Ao tratar do tempo na narrativa, citei o trecho em que o herói Ma-
cunaíma se transforma “num átimo” em um príncipe lindo. Trata-se de 
Unidade B - Teoria da Literatura
28
uma intervenção mágica que faz com que o leitor imediatamente com-
preenda que, naquela obra, deve tomar como possíveis estas formas de 
intervenção, às quais estarão submetidas os personagens e a partir dos 
quais se estabelecem transformações. Estas transformações se tornam, 
então, verossímeis dentro da narrativa porque esta estabeleceu suas re-
gras próprias e as indicou ao leitor.
Por outro lado, livros como Triste fim de Policarpo Quaresma e O 
cortiço apresentam narradores que nos levam a um comportamento dis-
tinto enquanto leitores. Nestes casos, as narrativas em terceira pessoa 
funcionam dentro das convenções realistas. 
O autor do discurso historiográfico também se utiliza de convenções 
realistas, já que pressupõe um leitor-modelo que, ao contrário do leitor 
de Macunaíma, possa tomar as afirmações e informações fornecidas pela 
narrativa como verdadeiras. Além da utilização do narrador neutro como 
forma de escamotear a subjetividade do ponto de vista, também utilizado 
pela ficção, o narrador historiográfico faz referências a documentos histó-
ricos, data, locais e personagens passíveis de comprovação. 
Cada narrativa pressupõe um leitor-modelo e este não coincide com 
a pessoa que está lendo. O leitor com biografia, data de nascimento e in-
dividualidade é o leitor que existe no mundo real e a quem Umberto Eco 
denomina leitor empírico. Já leitor-modelo é uma instância ficcional, 
um lugar ideal de leitura a ser inferido e ocupado pelo leitor empírico. 
Vou tentar esclarecer melhor. Primeiro, através de um exemplo dado 
pelo próprio Eco. É possível chorar diante de uma comédia caso esteja-
mos em um dia ruim. Mas o leitor-modelo de uma comédia deve rir. O 
autor dá voz a um narrador que se expressa de tal maneira que o leitor 
deva perceber o seu discurso como um discurso humorístico e responder 
a este com o riso. O mesmo acontece com a ironia. Quando um autor se 
expressa de forma irônica, pressupõe uma leitura ideal em que se é capaz 
de compreender que o que está sendo escrito não deve ser lido de forma 
literal. Este leitor, capaz de decodificar a ironia, é capaz de estabelecer re-
lações, de perceber conflitos entre o que está sendo escrito e as crenças do 
narrador, em outras palavras, deve ser um leitor perspicaz. Caso o autor 
não previsse um leitor assim, não criaria um narrador que escrevesse de 
forma irônica, pois a ironia pressupõe certa complexidade de ordem in-
Capítulo 01Leitor, Autor e Seus Lugares na Narrativa
29
telectual. Da mesma forma, o autor pressupõe um leitor que compreenda 
que aquilo que é escrito pelo narrador não necessariamente coincide com 
suas crenças. Mas isto é um capítulo para mais adiante. 
O importante no momento é compreender que, enquanto leitor-
empírico, posso não perceber ironia e ler um texto de forma literal (às 
vezes, em função do desconhecimento de algum elemento necessário 
para a percepção da ironia), posso estar de mau-humor e não conseguir 
rir diante de um texto humorístico. Estarei, em todos estes caso, sendo 
um mau leitor, mas há um lugar ideal pressuposto. Este lugar é apenas 
ideal. Talvez nunca seja de fato preenchido por ninguém. Entretanto, é 
a crença nesta idealidade que faz da crítica literária um campo fértil e 
de estudos complexos. O crítico literário é um leitor sofisticado que 
procura inferir o leitor-modelo dos textos. 
Enquanto leitor-empírico, você é uma pessoa, mas é capaz de perce-
ber que Macunaíma e Iracema são narrativas que solicitam de você com-
portamentos diferenciados e, portanto, requerem diferentes leitores-mo-
delo. Diferentes formas de reação são ativadas pelos distintos romances.
Neste sentido, Umberto Eco estabelece uma distinção entre leitor-
modelo de primeiro nível e leitor-modelo de segundo nível. 
O leitor-modelo de primeiro nível é aquele lugar de leitura referen-
te à capacidade do leitor de acompanhar o desenrolar da narrativa, 
está mais relacionado à capacidade da narrativa de entreter, prender 
a atenção, manter curiosidade, criar suspense. Já o leitor-modelo 
de segundo nível é este, mais próximo do crítico literário.
1.2 Autor Empírico e Autor-modelo 
 A estas alturas, você deve já ter estabelecido alguma analogia que 
permita concluir o que são o autor-empírico e o autor-modelo. Na ver-
dade, a simetria entre autor e leitor empíricos é perfeita. Assim comoo leitor empírico, o autor empírico é a pessoa, o homem ou mulher 
que, por algum motivo, escolheram a função social de escritor. É a esta 
Unidade B - Teoria da Literatura
30
pessoa que se dedicam os biógrafos, mas, em geral, salvo raríssimas ex-
ceções, o autor-empírico pouco interessa à crítica literária. 
Já o autor-modelo se confunde, de certa forma, com este lugar que 
se denomina estilo e que acaba atendendo pelo nome de pessoa. Quando 
os críticos literários falam da literatura de Machado ou de Aluízio de 
Azevedo, da prosa de Lima Barreto, estão se referindo a uma forma de 
escrever, à voz que dá instruções ao leitor-modelo.
Basta que você compare Macunaíma e Iracema para perceber que estas 
narrativas pedem de você que se comporte de forma diferente enquanto lei-
tor-modelo porque, enquanto autores-modelo, elas também são totalmente 
distintas. Macunaíma se organiza com rapidez, apresenta peripécias, é uma 
narrativa risível. Iracema é poética, repleta de imagens, se apóia na beleza 
da linguagem utilizada. Estes estilos distintos são vozes distintas que, por 
sua vez, delineiam diferentes estilos de leitura. O estilo de uma narrativa 
corresponde ao que Umberto Eco chama de autor-modelo. 
Mais uma vez, o exemplo da ironia é bastante apropriado. O esti-
lo irônico delineia o leitor de ironia. Sem um discurso que se organize 
através de indicações de que deva significar o oposto ou além do que 
diz, ou seja, de que não deva ser lido de forma literal, não é possível a 
existência de um leitor que infira ironia. Caso isto ocorra, estaremos 
diante de um mau leitor, pois aquele que vê ironia onde ela não existe 
apenas terá se equivocado, já que é o autor-modelo, no caso o estilo do 
discurso, que configura os marcadores de ironia. 
Na disciplina Teoria da Literatura I, você leu o ensaio de Roland 
Barthes intitulado “A morte do autor”. Neste ensaio, se torna clara a 
idéia de que o autor é uma invenção moderna e que não se pode atri-
buir à intencionalidade do autor o correto significado da obra literária. 
Interpretar um texto não é, ao contrário do que diz o senso comum, 
descobrir o que o autor quis dizer, já que o autor não controla todos os 
significados do texto que escreve. 
Você deve lembrar também que o ensaio de Barthes esclarece que 
questiona a centralidade do autor, ao lembrar que nas sociedades etno-
gráficas, um mediador ou um recitador, não o autor, são aqueles que 
veiculam a narrativa. 
Caso você deseje se apro-
fundar no estudo da ironia, 
consulte a obra de Linda 
Hutcheon intitulada Teoria 
e política da ironia. Belo 
Horizonte, UFMG, 2000.
Sugiro que você faça uma 
revisão do material im-
presso da última unidade 
da disciplina Teoria da Lite-
ratura I e releia o ensaio de 
Roland Barthes, pois agora 
você já tem mais condi-
ções de aprofundar os 
conteúdos anteriormente 
abordados.
Capítulo 01Leitor, Autor e Seus Lugares na Narrativa
31
Barthes assinala o fato de que o autor adquire centralidade na so-
ciedade moderna justamente pela ênfase que esta dá ao indivíduo e à 
pessoa. Em sociedades em que o saber é concebido como patrimônio 
coletivo, as narrativas são transmitidas de geração a geração pelos me-
diadores, sem que se dê importância a suas origens. 
1.3 Considerações Finais 
É importante perceber o quanto as definições de autor-modelo e 
leitor-modelo como instâncias da narrativa, estratégias ficcionais, ad-
vêm de uma reação generalizada da crítica literária à antiga tendência 
de acreditar que ler uma obra correspondia a descobrir e revelar as in-
tenções do autor, como se a entidade empírica fosse detentora da verda-
de acerca do significado do texto. 
Antes da invenção da imprensa, a literatura era veiculada através 
de narrativas orais e do canto dos trovadores, ou seja, através do próprio 
corpo e da co-presença física da audiência. Após a invenção da impren-
sa, que se deu no século XV, o corpo do autor foi recalcado e em seu 
lugar surgiu uma idéia abstrata de sujeito e de subjetividade. 
Ao longo do século XX, a literatura buscou se desenvolver como ciên-
cia, de forma a possibilitar a abordagem do texto como entidade autôno-
ma, independente do autor e de sua intencionalidade ao escrever a obra. 
Ao criar categorias internas ao texto que incluem tanto a autoria 
quanto a recepção, Umberto Eco traz as intenções da obra para dentro 
de sua própria estrutura. 
Por outro lado, ao longo dos anos, o papel do leitor foi sendo cada 
vez mais valorizado e há correntes como a estética da recepção que cen-
tralizam no leitor a sua atenção. 
O verbete relativo ao “autor” apresenta como ponto central justamen-
te a maneira como a figura do autor se enfraquece ao longo do século XX, 
com o desenvolvimento de tendências críticas centradas no texto. Como 
você pode perceber, o verbete cita o ensaio de Roland Barthes. Não se 
trata, entretanto, de mera coincidência. O ensaio com o qual você entrou 
em contato na primeira fase do curso é um clássico dos estudos literários, 
Gostaria que você voltasse 
no E-dicionário de termos 
literários e lesse os diver-
sos verbetes disponíveis 
referentes a autor, leitor e 
“estética da recepção”.
Unidade B - Teoria da Literatura
32
assim como as reflexões de Foucault também citadas no verbete. 
Em sua obra intitulada O que é um autor, o filósofo francês Michel 
Foucault defende a idéia de que a autoria é uma função que se atri-
bui a certas formas textuais como os textos literários, mas não a todo 
e qualquer tipo de texto. Isto corresponde a dizer que, embora haja 
alguém que assine um texto e a quem se atribua a identidade por 
sua originalidade, por mais criativos que sejam os textos, só existem 
porque houve a recepção, a leitura de textos anteriores, sendo im-
possível rastrear a verdadeira origem de textos e idéias. Daí o fato de 
se compreender a autoria como uma convenção.
Claro está que a autoria é também algo típico da cultura moderna 
que, como vimos, valoriza o indivíduo e a individualidade e, por conse-
guinte, a originalidade e o talento individual. 
Caso você tenha interesse em aprofundar sua compreensão 
das relações entre a modernidade enquanto cultura e a estética 
moderna, compreendida como aquela que se manifesta do Pré-
Romantismo, sugiro que você procure a obra Os filhos do barro 
do poeta e crítico mexicano Octavio Paz, publicada pela Editora 
Nova Fronteira, em 1984. Trata-se de um livro esgotado, mas que 
pode ser encontrado em bibliotecas e sebos.
Os verbetes referentes às diversas denominações dadas à figura do 
leitor podem ser assim resumidos: 
leitor cooperante:a) aquele que lê de acordo com os critérios da 
comunidade interpretativa a que pertence. Neste sentido, o ato 
de leitura não é visto como um ato individual, e sim como um 
ato coletivo, na medida em que as leituras podem ser comparti-
lhadas por um ou mais indivíduos que formam o que se chama 
de comunidade interpretativa. Por exemplo, é possível que se 
realize uma leitura psicanalítica de um texto quando esta está 
Capítulo 01Leitor, Autor e Seus Lugares na Narrativa
33
disponível para determinada comunidade interpretativa, o que 
torna possível o estabelecimento de um consenso ou, ao menos 
de aceitabilidade em torno desta leitura. 
leitor implicadob) : também chamado de implícito ou narratário. 
Trata-se do leitor fictício previsto pelo texto e que acaba funcio-
nando como um dos personagens. Por exemplo, Macunaíma é 
uma obra que pressupõe um leitor capaz de neutralizar seus 
valores morais e éticos em torno do bem e do mal e se tornar 
cúmplice do herói. O herói, apesar de suas estripulias, inspira 
simpatia. Ao simpatizar com Macunaíma, estamos assumindo 
esta máscara prevista pela organização da narrativa. 
leitor realc) : diz respeito ao leitor individual que lança mão de 
seus valores no ato de leitura. 
leitor informadod) : é aquele que apresenta não apenas competên-
cia lingüística, mas também competência literária para compac-
tuar com aquilo que é exigido pelodiscurso literário. Por exem-
plo, um indivíduo pode ser capaz de ler em língua portuguesa e 
deter conhecimento gramatical, mas não ser capaz de compre-
ender figuras de linguagem utilizadas pelo texto literário. 
No verbete relativo ao “leitor”, a autora mapeia as diversas teorias 
que, ao longo do século XX, permitiram a maior centralidade do lei-
tor na abordagem do texto literário. Destas, destaquei a Estética da re-
cepção, que parte do pressuposto de que o leitor não é apenas aquele 
que identifica um sentido pré-existente, mas é soberano ao escolher a 
interpretação adequada. Isto faz com que os textos adquiram sentidos 
diferentes de acordo com os contextos históricos e culturais em que são 
recebidos. É importante, entretanto, perceber que não se trata aqui de 
defender a idéia da pertinência de qualquer leitura individual, e sim da 
possibilidade da diversidade de sentidos para um mesmo texto a partir 
de sua inscrição em diferentes comunidades interpretativas. 
Para o próximo capítulo, gostaria que você lesse o texto de Walter 
Benjamin intitulado O narrador, que se encontra no livro Magia 
e técnica, arte e política, bem como os dois primeiros capítulos do 
livro de Ligia Chiappini intitulado O foco narrativo.
Capítulo 02Narrador e Foco Narrativo
35
2 Narrador e Foco Narrativo
Alguém falou que ouviu de alguém 
que ouviu de alguém que disse 
ter ouvido alguma coisa sobre mim 
uma história mal contada, 
mal falada, mal ouvida 
uma história bem ruim 
(Resto do Mundo. Paulinho Moska)
2.1 O Narrador
Apesar de ter o subtítulo de Considerações sobre a obra de Nikolai 
Leskov, escritor russo do século XIX, não é por conta deste escritor 
que este artigo de Walter Benjamin nos interessa, mas sim em função 
do fato de apresentar algumas considerações importantes acerca das 
origens da narrativa. 
Benjamin chama atenção para a relação entre narrativa e experi-
ência naquele que se compreende como o narrador tradicional, aquele 
que narra através da oralidade. É esta relação com a experiência que 
Benjamin detecta no narrador arcaico e que será mais e mais neutrali-
zada no romance. 
Ao longo de seu artigo, Benjamin estabelece uma gradação que vai 
da narrativa oral, passa pelo romance e chega à era da informação. En-
quanto teórico marxista, ligado à Escola de Frankfurt, Benjamin rela-
ciona esta transformação na forma de abordagem dos fatos ao processo 
de consolidação da burguesia e do capitalismo, ao qual se relaciona a 
invenção da imprensa. O predomínio da informação corresponderia 
justamente a uma sociedade em que a experiência é neutralizada e a vi-
vência dos fatos é coletivizada através dos meios de comunicação: “Cada 
manhã recebemos notícias de todo o mundo. E, no entanto, somos po-
bres em histórias surpreendentes. A razão é que os fatos nos chegam 
Na disciplina Teoria da 
Literatura I você estudou 
o gênero épico. A poesia 
épica é a origem da nar-
rativa e está relacionada 
à oralidade: uma narrati-
va com métrica e ritmo, 
memorizada e cantada 
por poetas, de geração em 
geração.
 Unidade B - Teoria da Literatura
36
acompanhados de explicações. Em outras palavras: quase nada do que 
acontece está a serviço da narrativa, e quase tudo está a serviço da in-
formação” (BENJAMIN, Walter. O narrador. In: Magia e técnica, arte e 
política. Rio, brasiliense, 1987, p. 203). 
Tal como afirma Benjamin, o primeiro grande romance é Dom 
Quixote de Miguel de Cervantes. O romance representa a passagem de-
finitiva da narrativa para a escrita. Isto não quer dizer, entretanto, que 
as marcas de oralidade não possam estar presentes no romance e esta 
permanência é justamente o que é valorizado por Benjamin. 
Na literatura brasileira, um grande exemplo da sobrevivência de 
traços da oralidade no romance é a obra-prima de Guimarães Rosa, 
Grande Sertão Veredas, romance em primeira pessoa em que Riobaldo 
conta sua história dirigindo-se a um interlocutor fictício. 
Para Benjamin, a invenção da imprensa irá representar uma rela-
ção de afastamento entre o narrador e o leitor: “A origem do romance 
é o indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre 
suas preocupações mais importantes e que não recebe conselhos nem 
sabe dá-los” (Idem, ibidem, p. 201). Benjamin vê o narrador oral como 
o portador de experiências vividas que são incorporadas à experiência 
do ouvinte. A narrativa oral pertence à coletividade. Já o narrador do ro-
mance representa o indivíduo isolado e distanciado daquilo que narra. 
No limite, a informação escamoteia mais e mais as marcas do narrador 
para ir em busca da apresentação do fato em si. 
Não será difícil perceber que, apesar de estarmos inscritos em uma 
cultura que valoriza as informações advindas do texto impresso, como 
livros, revistas e jornais, o narrador oral sobrevive nos dias atuais. Pais 
e mães continuam contando histórias a seus filhos, narrativas memori-
zadas e transmitidas de geração a geração. Nas culturas tradicionais, os 
mais velhos costumam ser os detentores de informações sobre o passa-
do transmitidas às novas gerações através da oralidade.
No volume I da coleção História da vida privada no Brasil, você 
pode encontrar um capítulo intitulado O que se fala e o que se lê de 
Luiz Carlos Villalta. A temática é a escassez de livros no Brasil Colo-
nial e todo o controle que era mantido em torno da cultura livresca, 
Capítulo 02Narrador e Foco Narrativo
37
acessível apenas a alguns indivíduos pertencentes à elite, como o cle-
ro e os advogados. Era comum, então, tanto a memorização de obras 
por alguns indivíduos que eram capazes de contar romances e obras 
que tinham de cor, quanto a reunião das famílias e de associações em 
torno da leitura oral, devido à escassez de livros destinados à leitura 
individual. 
 Tal como afirma Ligia, Platão estabelece uma distinção significati-
va entre imitar e narrar, na medida em que sua preocupação se direcio-
na à idéia de real e de verdade. Para Platão, a poesia é uma imitação em 
segundo grau, porque se dá dentro de um mundo que já é um simulacro, 
uma imitação do Mundo das Idéias. 
Aristóteles, por sua vez, também reconhece a poesia como imitação, 
mas não vê nisto algo negativo. Para ele, a imitação é um atributo huma-
no que coloca o homem em posição superior em relação a outros seres. 
Ligia Chiappini escolhe abordar brevemente um filósofo que siste-
matizou os pensamentos de Platão e Aristóteles: Hegel. Em sua obra Es-
tética, Hegel aborda os gêneros épico, lírico e dramático a partir de suas 
relações com a objetividade. O épico seria objetivo, o lírico subjetivo e 
o dramático seria objetivo-subjetivo. Esta distinção é crucial para que 
Hegel introduza sua concepção do romance que tem origem no épico, 
mas que se alimenta dos três gêneros: lírico, épico e dramático. Neste 
sentido, o gênero dramático e o gênero épico se entrelaçam na comple-
xidade inerente ao foco narrativo e o gênero lírico estará cada vez mais 
presente no romance através da poeticidade da narrativa. 
Em seguida, Chiappini lança mão do pensamento de Wolfgang 
Kayser e de sua distinção entre o gênero épico e o romance. Esta distin-
ção já está presente no artigo de Benjamin. A passagem do épico ao ro-
mance pressupõe um processo de individuação. Para isso, Kayser chama 
a atenção para o fato de que o herói do poema épico representa valores 
coletivos, seu narrador compartilha dos valores de seu público. No caso 
do romance, o narrador, os personagens e o leitor sofrem um crescente 
processo de particularização. 
A partir daí, Chiappini vai abordar, além de alguns teóricos, o es-
critor Henry James e suas visões acerca do foco narrativo.
Você leu poemas épicos 
no primeiro período do 
curso, assim como as refle-
xões de Aristóteles sobre 
o tema. Está, portanto, 
apto a compreender esta 
breve introdução feita por 
Ligia Chiappini acerca dos 
pensamentos de Aristóte-
les e Platão.
Como você viu no semes-
tre anterior, a imitação em 
Aristóteles tem o nome demimese.
Para enriquecer seus 
conhecimentos acerca 
do narrador, peço que, 
mais uma vez, consulte 
o E-dicionário de termos 
literários: http://www.fcsh.
unl.pt/edtl/verbetes/N/
narrador.htm
 Unidade B - Teoria da Literatura
38
Dentro deste panorama, vou selecionar um conceito que pare-
ce digno de nota. Trata-se do autor implícito, apresentado por 
Wayne C. Booth. Este conceito já foi citado no E-dicionário de 
termos literários e se opõe às idéias de Percy Lubbock, pois sugere 
que a narrativa não deve ir em busca apenas de verossimilhança, 
mas dos efeitos que se quer alcançar. Estes efeitos são decididos 
pelo autor implícito, que se mascara através do narrador, mas que 
é, na verdade, a instância que define como se estrutura o uni-
verso ficcional. O autor implícito é a projeção na materialidade 
da linguagem do próprio autor real. Em função disto, creio ser 
possível estabelecer uma analogia entre autor-implícito de Booth 
e o autor-modelo de Umberto Eco.
Chiappini apresenta, ainda, a tipologia de Jean Poullon: a visão por 
trás, a visão com e a visão de fora: 
visão por trása) : trata-se do narrador onisciente, que domina to-
dos os elementos sobre a vida dos personagens e seu destino. 
visão comb) : o narrador que só tem conhecimento do que a pró-
pria personagem sabe sobre si. 
visão por forac) : o narrador só descreve sem demonstrar nenhum 
conhecimento para além do que pode ser visto exteriormente.
Portanto, este é um desafio para você: refletir sobre a adequação des-
tas diferentes tipologias aos romances que está lendo”.
Chiappini apresenta as relações que Maurice-Jean Lefebve estabelece 
entre narrador, diegese e discurso. Cabe ressaltar, em primeiro plano, que 
os termos diegese e discurso correspondem aos dos mesmos conceitos que 
utilizamos em capítulo anterior sob os nomes de história e discurso. O 
primeiro se refere aos acontecimentos e o segundo à forma de narrá-los.
Como é possível perceber, o foco de Lefebve reside na maior ou me-
nor ênfase que cada narrativa dá à história e ao discurso. No romance 
clássico, caracterizado por um narrador com visão “por trás”, há o equilí-
brio entre história e discurso, entre diegese e narrativa. Na “visão com”, há 
Capítulo 02Narrador e Foco Narrativo
39
a predominância do discurso sobre a narrativa, ou seja, a forma de narrar 
se torna mais importante do que o que é narrado. Observo aqui que esta 
forma de romance acaba por encontrar fronteiras com o gênero lírico. Na 
“visão por fora”, há o predomínio da história sobre o discurso. Neste tipo 
de romance, a narrativa quase não se deixa ver enquanto materialidade. 
No que se refere aos romances estudados em Literatura Brasileira 
II, creio ser possível caracterizá-los da seguinte maneira, a partir desta 
tipologia: 
Visão por trás
Visão com
Visão por fora 
Além das definições já estudadas, em que o mais importante a fri-
sar é a distinção definitiva existente entre narrador e autor, sendo o pri-
meiro uma instância ficcional mesmo que não faça parte da trama en-
quanto personagem, o E-dicionário apresenta ainda três outras formas 
de classificação do narrador, apresentadas por Gerard Genette na obra 
Discurso da narrativa:
narrador autodiegéticoa) : é aquele que narra suas próprias expe-
riências, ou seja, é o mesmo que narrador-personagem. É o caso 
do narrador do romance Dom Casmurro, de Machado de Assis. 
narrador heterodiegéticob) : é aquele que não faz parte da tra-
ma. É o caso dos narradores de Iracema, Triste fim de Policarpo 
Quaresma e O cortiço. 
narrador homodiegéticoc) : é aquele que é personagem da tra-
ma, mas não o personagem principal. 
Para a próxima etapa, gostaria que você lesse o segundo capítulo do 
livro de Ligia Chiappini, intitulado O foco narrativo, ou seja, o capítulo 
A tipologia de Norman Friedman, e o artigo de Silviano Santiago intitu-
lado Retórica da verossimilhança, que se encontra no livro Uma literatu-
ra nos trópicos. Este último é um estudo do romance Dom Casmurro de 
Machado de Assis que demonstra de forma brilhante a importância do 
foco narrativo para a compreensão de um texto literário. 
 Unidade B - Teoria da Literatura
40
2.2 O Foco Narrativo
No segundo capítulo de seu livro, Ligia Chiappini apresenta a tipo-
logia a partir da qual Norman Friedman conceitua as diversas formas 
de narrador:
narrador onisciente intrusoa) 
narrador onisciente neutrob) 
“eu” como testemunhac) 
narrador-protagonistad) 
onisciência seletiva múltiplae) 
onisciência seletivaf) 
Vamos abordar primeiro os tópicos a, b, e e f, referentes à noção de 
onisciência e às formas de narrador que lhe são correspondentes. 
A distinção entre o narrador onisciente intruso e o narrador onis-
ciente neutro é que o primeiro tece comentários sobre as personagens, os 
costumes, a moral, etc. e o segundo se limita a apresentar os fatos, evitando 
qualquer tipo de intromissão. A subjetividade do narrador onisciente neutro 
é escamoteada ao máximo para que obtenha o efeito de objetividade. 
No caso da onisciência seletiva múltipla o narrador é onisciente ape-
nas em relação a algumas personagens da trama. Esta estratégia permite, 
por exemplo, manter em segredo aspectos relativos a outras personagens 
cujas atitudes podem ser cruciais para o desenvolvimento da trama. 
Já a onisciência seletiva diz respeito a um narrador que é oniscien-
te apenas em relação a uma única personagem. Neste caso, o narrador 
sabe mais que a personagem sobre si mesma e seu destino, mas apenas e 
tão somente em relação a esta, mantendo-se cego em relação ao restante 
das personagens. 
O “eu” como testemunha é um narrador em primeira pessoa, mas 
que não participa da trama. A utilização da primeira pessoa neste caso 
tem, em geral, o objetivo de dar verossimilhança à narrativa, já que o nar-
rador se comporta como se tivesse sido testemunha daquilo que conta. 
A onisciência diz respeito 
a uma posição do sujeito 
que se coloca acima dos 
acontecimentos. O narra-
dor onisciente é um nar-
rador em terceira pessoa 
que sabe mais acerca da 
trama do que as persona-
gens nela envolvidas.
Capítulo 02Narrador e Foco Narrativo
41
O narrador-protagonista é aquele que narra a partir de um centro 
fixo limitado a suas percepções e sentimentos. O mundo que se apresen-
ta ao leitor é um mundo parcial que se dá como a representação deste 
único ponto de vista. 
O artigo de Silviano Santiago, Retórica da verossimilhança, trata 
justamente da função do narrador-personagem em Dom Casmurro de 
Machado de Assis. O objetivo do crítico é demonstrar o equívoco de se 
considerar a obra de Machado como um simples derivado dos roman-
ces do século XIX relacionados ao adultério feminino, como Madame 
Bovary de Flaubert e O Primo Basílio de Eça de Queiroz. 
Silviano Santiago demonstra o quanto é ingênua qualquer crítica que 
se atenha no tema do adultério e o quanto erram aqueles que procuram 
no livro de Machado uma verdade acerca da infidelidade de Capitu. 
A partir de uma forte linha argumentativa que tentarei acompanhar, 
Silviano demonstra que Dom Casmurro é um livro sobre o ciúme. O motivo 
desta crença reside no fato de que sendo o narrador a personagem central 
do livro e estando todos as outras personagens silenciadas, principalmente 
Capitu, os fatos apresentados são aqueles selecionados e apresentados por 
um único ponto de vista e este não é o do marido traído, mas o do marido 
que se sente como tal, independente da verdade ou não da traição. 
A questão do ponto de vista ou do foco narrativo se une ao que 
aprendemos com Umberto Eco acerca do leitor-modelo, já que a crítica 
de Silviano Santiago permite que se perceba que Machado de Assis arqui-
tetou sua narrativa de tal maneira que passa ser inegável que há um leitor 
ideal capaz de perceber que, enquanto advogado, Dom Casmurro é alguém 
que domina a arte da retórica. Daí o título do artigo: Retórica da verossi-
milhança. O discurso de Dom Casmurro não é falso ou verdadeiro, mas 
extremamente verossímil, já que o sexagenáriosabe se utilizar das palavras 
de forma a convencer o seu interlocutor. O ponto de vista em primeira 
pessoa é, assim, uma artimanha utilizada pelo autor-modelo de forma a 
tornar a abordagem do casamento e do tema da fidelidade um tanto mais 
complexa do que em romance anterior, Ressurreição, narrativa em terceira 
pessoa em que o narrador onisciente desvenda os fatos para o leitor. Em 
Dom Casmurro, a primeira pessoa traz à narrativa ambigüidade. 
 Unidade B - Teoria da Literatura
42
Santiago demonstra que o narrador de Dom Casmurro se comporta 
como quem defende uma tese. Ele sabe o que comprovar para justificar 
seu comportamento diante da esposa e do filho. Entretanto, o autor deixa 
pistas ao fazer com que, em alguns momentos, se perceba que há no livro 
o predomínio da imaginação sobre a memória. Neste sentido, as ques-
tões relativas ao tempo, abordadas em capítulo anterior, são de extrema 
valia. Perceba-se que o narrador, embora tenha vivido no passado que 
narra, fala em um suposto presente, diante do qual este passado já está 
distante. Para que este tempo já ido pudesse ser resgatado, o narrador 
teria, no mínimo, que ter uma grande memória. Mas Machado permite 
que se perceba que não é o caso, ao fazer com que o narrador demonstre 
dúvida acerca da autoria de citações das quais se utiliza, o que, para um 
homem letrado como Dom Casmurro, não é de todo perdoável. 
Silviano Santiago vai ainda mais além quando aponta para o fato de 
que, além de ser uma narrativa sobre o ciúme, Dom Casmurro se confi-
gura como uma crítica a uma sociedade que valoriza a retórica pratica-
da amplamente por bacharéis e jesuítas. E a retórica é uma arte que se 
pauta no provável, no verossímil e não no verdadeiro, o que faz com que 
a questão da personagem de Machado seja ética, já que precisa conven-
cer o leitor da culpa de Capitu para inocentar a si mesmo. 
É possível perceber, portanto, que este artigo de Silviano Santiago 
demonstra o quanto o conhecimento dos elementos da narrativa e de 
suas funções é capaz de promover uma leitura especializada, bem como 
possibilitar a atividade da análise, atividade esta que exige a ultrapassa-
gem de um nível superficial de leitura e o conhecimento dos procedi-
mentos efetivamente utilizados para a configuração de uma narrativa. 
O verbete focalização cita, ainda, o termo perspectiva como apropria-
do para designar a relação que o sujeito da narrativa mantém com o objeto 
que narra. O termo é utilizado nas artes plásticas para designar a técnica 
de pintura que permitiu, no século XV, que os quadros apresentassem uma 
ilusão de profundidade, ou seja, trata-se de uma técnica que possibilita re-
produzir em uma superfície bidimensional a realidade tridimensional. 
A perspectiva é um fenômeno, portanto, relacionado à percepção 
humana. Daí a utilização do termo na narrativa para designar a posição 
do narrador que é tecnicamente construída e delineia a maneira como 
Consulte no E-dicionário de 
termos literários o verbe-
te intitulado focalização, 
termo utilizado por Gerard 
Genette para designar o 
mesmo que foco narrativo 
ou ponto de vista: http://
www.fcsh.unl.pt/edtl/
verbetes/F/focalizacao.htm
Capítulo 02Narrador e Foco Narrativo
43
os objetos aparecem para o leitor. Assim como na pintura, a perspec-
tiva define a maneira como se torna possível visualizar os objetos de 
um quadro. Somente a perspectiva permite que um objeto pareça, por 
exemplo, estar à frente de outro, em uma superfície plana. 
Cabe ressaltar, ainda, que a perspectiva é um fenômeno da Idade 
Moderna e está relacionada com o próprio humanismo e com a neces-
sidade de fazer os objetos da realidade se relacionarem através do ele-
mento humano. Antes, na Idade Média, não havia esta necessidade e os 
quadros podiam apresentar figuras independentes na tela, porque estas 
figuras estavam todas submetidas à existência divina. 
Para a próxima unidade, peço que leia o capítulo Literatura e per-
sonagem, do livro A personagem de ficção, de Antonio Candido e outros 
autores, e o terceiro capítulo do livro de Beth Brait, A personagem. 
 Referências
ALENCAR, José de. Iracema. São Paulo: Ática, 1998. 
ANDRADE, Mário de. Macunaíma. Belo Horizonte: Itatiaia, 1981. 
ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. São Paulo: FTD, 1999. 
BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. 13 ed. São Paulo: 
Ática, 1994. 
BARTHES, Roland. O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. 
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. 3 ed. São Paulo: 
Brasiliense, 1987. 
CHIAPPINI, Ligia. O foco narrativo. São Paulo: Ática, 2006. 
ECO. Umberto. Seis passeios pelos bosques da ficção. São Paulo: Compa-
nhia das Letras, 1994. 
FOCAULT, Michel. O que é um autor?. Lisboa: Vega, 1992. 
SANTIAGO, Silviano. Retórica da verossimilhança. In: Uma literatura 
nos trópicos. São Paulo, Perspectiva, 1978. p. 29-48. 
VILLALTA, Luis Carlos. O que se fala e o que se lê. In: SOUZA, Laura 
de Mello e. História da vida privada, V. I. São Paulo: Companhia das 
Letras1999, p. 331-386. 
 Unidade B - Teoria da Literatura
44
 Leia mais!
CERVANTES, Miguel de. Dom Quixote. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004.
ROSA, Guimarães. Grande Sertão veredas. Rio de Janeiro: Nova Fron-
teira, 2005. 
Unidade C
A personagem e o enredo
FIGURA - ABERTURA 
DE UNIDADE
Capítulo 01Ficção, Linguagem e Personagem
47
1 Ficção, Linguagem e 
Personagem
Nos filmes que eu tento ver 
Nos livros que eu tento ler 
Você sempre é 
O personagem principal 
Que tem o beijo no final 
(Personagem, Carmem Silva) 
1.1 Personagem Como Sintoma Ficcional
Creio que o ponto crucial do primeiro capítulo do livro A persona-
gem de ficção seja o de chamar a atenção para o fato de que a persona-
gem e seu surgimento em uma narrativa possibilitam o imediato reco-
nhecimento de seu caráter ficcional. O capítulo argumenta em torno do 
fato de que, a partir do tratamento dado pelo narrador à personagem, é 
possível perceber a elaboração imaginária do discurso narrativo. 
É claro que isto é algo de que você já tinha conhecimento, embora 
talvez nunca tenha refletido sobre o assunto. Na maioria das vezes, você 
não costuma se enganar e sabe quando um livro é ou não de narrativas de 
origem imaginária e quando está diante de tramas e personagens ficcio-
nais, embora não saiba dizer exatamente o que levou você a esta certeza. 
Talvez você possa lembrar até que, algumas vezes, se confundiu e 
tomou como um texto de história, por exemplo, uma obra de ficção. Claro 
que você pode, de fato, ter se equivocado. Mas isto pode ocorrer porque 
alguns autores se utilizam de convenções realistas: inscrevem narradores 
em terceira pessoa, ambientam suas personagens em eventos retirados da 
historiografia oficial e as mesclam com personagens históricas. 
Na ficção histórica, por exemplo, é comum a recriação ficcional de 
eventos e fatos históricos, como ocorre com o romance Esaú e Jacó de 
Machado de Assis, em que a oposição entre República e Monarquia é 
recriada através da narrativa em torno de dois irmãos, Pedro e Paulo. 
Unidade C - Teoria da Literatura
48
 O importante é que, daqui em diante, você deve estar mais e mais 
consciente da narrativa ficcional enquanto conjunto de estratégias 
textuais. Você poderá utilizar seus conhecimentos para escolher os 
melhores textos literários para os seus alunos, assim como a ma-
neira de abordá-los de forma adequada. 
Em outras palavras, enquanto nas disciplinas de Literatura Brasilei-
ra, você estará entrando em contato com obras do cânone literário 
brasileiro, nas disciplinas de Teoria Literária, você estará entrando 
em contato com os elementos que configuram os textos literários e 
com as diversas correntes críticas. 
Como disse acima, em muitos momentos, você estará aprenden-
do a perceber e a abordar de forma mais objetiva o que já intuía. 
É o caso da origem imaginária de um texto.
O que se está querendo afirmar? Que existem certos verbos, por 
exemplo, que só podemser atribuídos a personagens de ficção, como 
aqueles referentes a processos psíquicos como “refletir”, “pensar”, “re-
cear”, “duvidar”, “imaginar”, “desejar”. A presença de uma afirmativa do 
tipo: “João refletiu por alguns segundos em silêncio: valeria a pena arris-
car-se a perder tudo que havia conquistado em tantos anos?” se define 
como um sintoma da ficção, na medida em que estados psíquicos não 
podem ser percebidos e descritos por observadores externos, a não ser 
no plano do imaginário. 
Logo no primeiro capítulo de Vidas secas, ao apresentar a triste re-
alidade vivenciada pelas personagens, o narrador expõe ao leitor uma 
seqüência de pensamentos de Fabiano que testemunha a dimensão da 
crueldade da realidade vivida: 
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou matá-lo. Tinha o 
coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua desgraça. 
A seca aparecia-lhe como um fato necessário – e a obstinação da 
criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era cul-
pado, mas dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, 
não sabia onde (...) 
Capítulo 01Ficção, Linguagem e Personagem
49
 Pelo espírito atribulado do sertanejo passou a idéia de abandonar 
o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas ossadas, co-
çou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinhá 
Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afir-
mou com alguns sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu 
a faca na bainha, guardou-a no cinturão, acocorou-se, pegou no 
pulso do menino, que se encolhia, os joelhos encostados ao estôma-
go, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano teve 
pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato.
(RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 103. ed. Rio de Janeiro: Re-
cord, 2007, p.10-11) 
Observe como o trecho citado tem como centro uma seqüência 
significativa de acontecimentos que não poderiam ser descritos por um 
observador externo, já que giram em torno de sentimentos, idéias, 
sensações e pensamentos internos a Fabiano. O trecho se torna, assim, 
na narrativa, um dos sintomas de ficção porque, ao expor pensamentos, 
explicita sua origem imaginária. É importante também perceber como a 
relação entre o narrador e a personagem é crucial para delinear a ficção. 
No caso, o narrador é capaz de adentrar os pensamentos de Fabiano e, 
com isto, permitir que o leitor também tenha acesso a eles. No caso de 
um narrador em primeira pessoa, a visão se torna parcial e somente os 
pensamentos internos do próprio narrador poderão ser acessados pelo 
leitor, e somente aqueles que o narrador inscrever em sua narrativa. 
Outro sintoma de ficção está na relação com o passado. Embora 
uma narrativa ficcional possa se utilizar do pretérito, este perde seu ca-
ráter de pretérito porque o leitor passa a presenciar o passado junto com 
o narrador. Ou seja, o narrador presentifica o passado, pois narra como 
se fosse testemunha ocular de um tempo que não é o presente. 
Observe, a título de exemplo, o início do segundo capítulo de Triste 
fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto: 
Havia bem dez dias que o Major Quaresma não saía de casa. 
Na sua meiga e sossegada casa de São Cristóvão, enchia os dias 
da forma mais útil e agradável às necessidades do seu espírito e 
do seu temperamento. De manhã, depois da toillette e do café, 
sentava-se no divã da sala principal e lia todos os jornais. Lia 
Unidade C - Teoria da Literatura
50
diversos, porque sempre esperava encontrar num ou noutro uma 
notícia curiosa, a sugestão de uma idéia útil à sua cara Pátria. 
Os seus hábitos burocráticos faziam-no almoçar cedo, e, embora 
estivesse de férias, para os não perder, continuava a tomar a pri-
meira refeição de garfo às nove e meia da manhã
Acabado o almoço, dava umas voltas pela chácara, chácara em 
que predominavam as fruteiras nacionais, recebendo a pitanga 
e o cambuí os mais cuidadosos tratamentos aconselhados pela 
pomologia, como se fosse bem cerejas e figos. 
(BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. 13. ed. São 
Paulo: Ática, 1984, p. 30)
É importante ressaltar que o narrador faz o leitor acompanhar em 
pormenores os hábitos do Major Quaresma, através da apresentação de 
detalhes que aproximam a narrativa do tempo passado. Esta aproxima-
ção, por sua vez, explicita o caráter ficcional da narrativa porque se atém 
a detalhes, como a contagem de dez dias sem sair de casa, difíceis de se-
rem apreendidos pela memória. Estes detalhes tornam evidente o cará-
ter imaginário da configuração do passado, assim como a exposição da 
consciência da personagem através de afirmações como “Lia diversos, 
porque sempre esperava encontrar num ou noutro uma notícia curiosa 
(...)”. Estes detalhes tornam o leitor não somente próximo do passado, 
mas próximo da própria personagem, a quem poderá acompanhar de 
forma minuciosa, passando a viver sua própria experiência. 
Observe também como determinados detalhes, dos hábitos regula-
res ao cultivo das “fruteiras nacionais” na chácara do Major Quaresma, 
são de extrema valia para a configuração de um quadro coerente acerca 
da personagem. Neste sentido, é importante observar que, na narrativa 
ficcional, como forma de arte, todos os elementos se tornam funcionais. 
Assim, aquilo que figuraria numa narrativa histórica como mero suple-
mento ou detalhe, adquire na ficção a função de configurar a coerência 
do cenário e das personagens. 
1.2 Personagem x Ser Humano
Em relação à personagem de ficção, o capítulo apresenta uma com-
paração desta com os seres humanos reais e afirma que as personagens 
Capítulo 01Ficção, Linguagem e Personagem
51
são mais ricas porque são elaboradas com concentração, seleção e den-
sidade. Além disto, na narrativa ficcional, as personagens são dadas à 
observação e se tornam transparentes de uma forma impossível aos 
seres humanos, como é o caso de Fabiano e do Major Quaresma, nos 
trechos acima citados. Na medida em que há um número limitado de 
orações em uma narrativa, as personagens apresentam um perfil muito 
mais definido e coerente do que as pessoais reais. 
Na ficção, o ser humano tornado personagem não se separa dos 
significantes utilizados para descrevê-lo e que são elaborados, antes de 
tudo, em nome do prazer estético. Selecionei alguns trechos dos roman-
ces que você está lendo para que possamos examinar cuidadosamente 
esta relação estreita existente entre linguagem e personagem, ou melhor, 
compreender por que a personagem de ficção é um ser de linguagem. 
“Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais a) 
negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de pal-
meira.
 O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha 
recendia no bosque como seu hálito perfumado”. (ALENCAR, 
José de. Iracema. São Paulo: Ática, 1998)
“Quaresma era um homem pequeno, magro, que usava b) pince-
nez, olhava sempre baixo, mas, quando fixava alguém ou al-
guma coisa, os seus olhos tomavam, por detrás das lentes, um 
forte brilho de penetração, e era como se ele quisesse ir à alma 
da pessoa ou da coisa que fixava. 
 Contudo, sempre os trazia baixos, como se se guiasse pela pon-
ta do cavanhaque que lhe enfeitava o queixo. Vestia-se sempre 
de fraque, preto, azul, ou de cinza, de pano listrado, mas sem-
pre de fraque, e era raro que não se cobrisse com uma cartola 
de abas curtas e muito alta, feita segundo um figurino antigo de 
que ele sabia com precisão a época”. (BARRETO, Lima. Triste 
fim de Policarpo Quaresma. 13. ed. Ática: 1984, p. 20)
“Zulmira tinha então doze para treze anos e era o tipo acabado c) 
da fluminense pálida, magrinha, com pequeninas manchas ro-
xas nas mucosas do nariz, das pálpebras e dos lábios, faces leve-
Unidade C - Teoria da Literatura
52
mente pintalgadas de sardas. Respirava o tom úmido das flores 
noturnas, uma brancura fria de magnólia; cabelos castanho-
claros, mãos quase transparentes, unhas moles e curtas, como 
as da mãe, dentes pouco mais claros do que a cútis do

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