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Percepção dos universitários sobre formação docente

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PERCEPÇÃO DOS UNIVERSITÁRIOS A RESPEITO DOS SABERES 
ADQUIRIDOS EM SUA FORMAÇÃO INICIAL: PROFISSIONALIDADE 
DOCENTE1 
 
Complexas transformações ocorridas na sociedade apontam para a necessidade 
de se desenhar um novo perfil profissional do professor, no que se refere às 
competências pessoais e profissionais do quadro de suas funções e atribuições 
escolares, bem como, no contexto das abordagens sobre a formação docente. 
Para que sejam capazes que dar respostas mais acertadas às atuais questões 
sociais e educacionais, Leitão e Alarcão (2006, p. 63) afirmam que a formação 
do professor deve torná-lo um “profissional capaz de reflectir e de resolver 
problemas emergentes nas suas práticas, de mobilizar e de conceber estratégias 
pedagógicas adequadas aos contextos em que trabalha”. 
É evidente que para intervir de forma eficiente na aprendizagem dos alunos, 
além de ter conhecimento dos conteúdos de sua área, o docente precisa 
conhecer as metodologias adequadas para ensinar. Leitão e Alarcão (2006, p. 
68) defendem que a profissionalidade docente deve estabelecer “uma relação 
directa com o conhecimento do currículo e pressupõe a compreensão dos fins, 
objectivos e valores educacionais”. 
Por esses motivos, os cursos de formação de professores devem apresentar 
qualidade e valorizar o papel desse profissional no contexto de sala de aula. Ele 
deve se formar para ser um docente reflexivo sobre os problemas cotidianos, 
sem deixar de se apoiar em estudos e pesquisas de fundamentos científicos. 
No entanto, como salienta Pérez Gomes (1992), a formação de professores 
adotada em muitas instituições, entendida apenas como um processo de 
socialização e indução profissional na prática de sala de aula, sem recorrer ao 
apoio conceptual e teórico da investigação, conduz à reprodução de vícios, 
preconceitos e mitos acumulados no decorrer de sua prática. 
A partir de tal premissa, surgiram alguns questionamentos a respeito da 
formação docente: como os futuros professores concebem os conhecimentos 
adquiridos no decorrer de sua formação inicial? Sentem-se preparados para 
atuar na escola? Percebem que as competências docentes desenvolvem-se ao 
longo de sua profissionalidade? 
 
1Excerto do artigo (apresentado em forma de comunicação) de Cruz e col. (2017), publicado no EDUCERE, 
em Curitiba-PR. 
 
Pensando nisto, o presente trabalho apoia-se na premissa de que a reflexão 
sobre a prática docente torna-se fator imprescindível de transformação pessoal 
e profissional, tanto na formação inicial, quanto na formação continuada. 
Ao se referir à “profissão de pedagogia”, Meirieu (2002, p. 11) aponta a 
coexistência de duas ordens de conhecimentos docentes: “os saberes da 
prática, de caráter essencialmente empírico, e os saberes da teoria, amplamente 
modelizados – ‘o que se faz’ – e nem sempre se sabe dizer e ‘o que se diz’ sem 
que seja verdadeiramente destinado a ser feito”. 
Na visão de Meirieu (2006), a autoformação é autorreflexiva, é um processo que 
ocorre no sujeito, é inalienável, é condição de base para a aquisição de 
aprendizagens e condutas que ninguém consegue fazer pelo outro. É a 
determinação em colocar a autocrítica e a criatividade como procedimentos de 
promoção de transformação. Para que isso ocorra, é necessário que o professor 
volte-se para si e procure na própria essência de seu projeto de ensinar as 
razões para não perder a esperança em seu trabalho; nesse sentido, ninguém o 
aconselhará, nem o ajudará. 
Neste sentido, o curso de Pedagogia deve ser um processo dinâmico de 
aprendizagem nas diferentes áreas de atuação no campo profissional, 
proporcionando aos futuros professores embasamento teórico e metodológico, 
sendo que no estágio supervisionado, nas vivências de situações escolares 
reais, têm oportunidade de aplicar os conhecimentos adquiridos e refletir sobre 
eles. 
Os dados aqui apresentados referem-se à pesquisa que vem sendo realizada 
desde o ano de 2010 com universitários, no período em que estão frequentando 
o sexto e sétimo semestres do curso de Pedagogia da UNIP de Araraquara-SP. 
De 2010 a 2014, a investigação sobre os conhecimentos adquiridos e a 
percepção de se sentir preparado ou não para exercer a profissão docente deu-
se apenas por meio de discussões, sem registro algum. 
A partir de 2015, após os referidos debates, passou-se a solicitar aos 
universitários que respondessem ao questionário aberto. 
E somente em 2016 e 2017 foi-lhes requerido também a assinatura do “Termo 
de Consentimento Livre e Esclarecido”, motivo pelo qual apenas os dados 
relativos a estes dois anos estão aqui expostos. 
Em 2016, de duas turmas compostas por 52 universitários que receberam o 
questionário, obtivemos retorno de 39 deles e destes, apresentaremos a 
resposta de três. No início de 2017, foi aplicado o questionário para o mesmo 
número de universitários, também de duas turmas, sendo que 43 entregaram-no 
respondido e destes, igualmente serão divulgadas as respostas de três, 
totalizando, portanto, o envolvimento de seis sujeitos. 
Perguntas e respostas do questionário e posterior discussão: 
1 - Quando iniciou o curso, quais conhecimentos você acreditava adquirir? 
Acreditava adquirir conhecimentos em como ensinar meu 
aluno, como trabalhar com os conteúdos, em como fazer 
realmente parte do seu aprendizado. Acreditava sair totalmente 
preparada. (U2-2016) 
Acreditava que aprenderia a alfabetizar, ensinar matemática e 
outros conhecimentos. Porém, acreditava que existiria um 
único jeito de fazer isso, um método prático. (U1-2017) 
2 – Agora no último semestre, você considera ter adquirido tais conhecimentos? 
Finalmente quase concluindo o curso, adquiri muito mais 
conhecimento do que esperei, aprendendo a teoria e as raízes 
as quais me incentivaram a fazer Pedagogia. (U1-2016) 
De certa forma, sim, pois os conteúdos já adquiri, mas o medo 
maior é a prática, do como aplicar tudo o que aprendi no tempo 
em que estive na universidade. (U2-2016) 
3 – Você se sente preparado para atuar na escola? Em quais aspectos sente-se 
mais preparado? 
Sim, acredito estar mais preparada a conduzir uma aula na 
perspectiva construtivista, que reconhece o erro do aluno como 
uma oportunidade de intervir e não criticar; trabalhar de forma 
participativa e não autoritária. (U1-2017) 
Sim, mas também tenho medo de como será minha atuação, 
pois sei que irão surgir muitas dificuldades com as quais terei 
que lidar. Sinto-me mais preparada para lidar com as crianças 
na sala de aula. (U3-2017) 
4 - Em quais aspectos sente-se menos preparado? 
Acredito que tenho insegurança para lidar com alunos 
hiperativos ou com algum outro problema, deficiência etc. Não 
sei como trabalharia adequadamente com esses alunos. 
(U1-2017) 
No Ensino Fundamental, que em minha visão, preciso 
aprofundar mais os estudos nessa área, para melhor 
desenvolver o trabalho em sala. (U2-2017) 
5 – Pensa em dar continuidade a sua formação? 
Sim. Pretendo fazer a especialização de Psicopedagogia, pois 
me interesso pela questão psicológica e o desenvolvimento da 
criança. (U1-2017) 
Sim, pretendo ter uma formação continuada, pois acredito que 
nós, professores, precisamos nos manter sempre atualizados. 
(U3-2017) 
6 – Pensando em um termo ou uma palavra apenas, qual melhor traduziria o que 
você sente ao perceber que está próximo de se formar Professor? 
Ansiedade. (U3-2016) 
Realização. (U2-2017) 
 
Segundo os dados, ao ingressar no curso de Pedagogia, os universitários 
esperavam sair preparados, prontos para exercer a prática docente. Suas 
respostas apontam que as expectativas estavam voltadas para a aprendizagem 
de disciplinas específicas à sua profissionalidade, direcionadas à atuação com 
os alunos. Mostram, ainda, que consideravam o domínio do conteúdo e a 
competência pedagógica aspectos importantes para sua formação.Tal ideia sugere que, visando obter habilidades instrumentais a serem 
empregadas em sala de aula, buscavam técnicas de manejo de classe e 
modelos para serem seguidos. Para Pimenta e Lima (2004, p. 10), a exigência 
dos alunos reforça a crença no poder de tais recursos para “resolver as 
deficiências da profissão e do ensino, fortalecendo, assim, o mito das técnicas e 
das metodologias”. 
Em relação à percepção dos conhecimentos adquiridos no decorrer no curso, os 
dados confirmam os saberes que descreveram esperar na formação inicial, já 
que enfatizam ter alcançado o domínio teórico, embora apareça nas respostas o 
receio de não terem atingido o mesmo resultado no que tange ao aspecto das 
habilidades práticas. 
Almeida (2011) defende os princípios orientadores da organização dos cursos 
de licenciatura imprescindíveis à articulação entre teoria e prática, de forma que 
assegurem o entendimento adequado da ação docente. Acrescenta a integração 
entre a dimensão disciplinar e a dimensão pedagógica dos conteúdos que serão 
ensinados. 
Segundo Leitão e Alarcão (2006, p. 64), tais elementos fazem parte da reflexão 
sobre a formação de educadores/professores, já que visam “o enfoque de 
conceber a construção da profissionalidade como forma de ultrapassar a 
dicotomia teoria-prática, gerir contextos de incerteza e produzir conhecimento 
pedagógico e científico inovador”. 
Destaca-se nas respostas dos sujeitos, o interesse de um deles em atuar na 
coordenação pedagógica da escola. Essa perspectiva encontra-se contemplada 
na Resolução CNE/CP n° 01/2006, que estabelece as Diretrizes Curriculares 
Nacionais para o curso de Pedagogia em licenciatura, em seus artigos 4° e 5°, 
os quais definem as aptidões requeridas do profissional desse curso, 
assegurando a articulação entre a docência, a gestão educacional e a produção 
do conhecimento na área da Educação. O objetivo é a formação global dos 
pedagogos para que, além dos conhecimentos diretamente relacionados à 
profissão, possam trazer o que é esperado desse profissional para sua prática, 
ou seja, relacionar a vida na escola com a vida fora dela. 
Nas perguntas sobre os aspectos aos quais se sentem “mais” ou “menos” 
preparados para atuar na escola, apesar de dois universitários terem apontado 
a Educação Infantil como o nível que lhes oferece mais segurança e um outro, a 
sala de aula, suas respostas revelam receio de errar e de não saber agir 
adequadamente quando se defrontarem com problemas pontuais de 
aprendizagem ou de comportamento dos alunos. 
Para que a formação integral se concretize, as Diretrizes Curriculares Nacionais 
para o curso de Pedagogia em licenciatura estabelecem que, ao mesmo tempo 
que o futuro pedagogo estude o conteúdo básico, a este se agregue um grupo 
de disciplinas para o aprofundamento das áreas em que atuará, assim como um 
núcleo de estudos integradores. 
Na quinta pergunta, sobre à intenção de continuar os estudos, embora os 
universitários demonstrem valorizar os saberes que lhes foram oferecidos na 
formação inicial e se mostrarem satisfeitos com o que aprenderam, e, ainda, 
considerarem importante a experiência para a consolidação dos conhecimentos 
docentes, são unânimes em apontar o desejo de frequentar os cursos de 
especialização, mestrado e “até uma segunda faculdade”, nas palavras de um 
sujeito. Portanto, admitem ser a formação continuada a forma que buscam para 
aprimorar seus saberes, como enfatiza um sujeito, “[...] nós, professores, 
precisamos nos manter sempre atualizados”. 
Em relação à última pergunta, na qual se solicita dos universitários que 
expressem “em uma palavra” o que sentem ao se aproximarem da formatura, os 
sentimentos manifestos transitam de alegria à preocupação. 
Vale a pena salientar que, embora muito se tenha debatido, no decorrer do curso, 
a dura realidade do contexto escolar e o “mal-estar docente”, expressão utilizada 
por Esteve (1996, p. 25) para “descrever os efeitos permanentes de caráter 
negativo que afetam a personalidade do professor como resultado das condições 
psicológicas e sociais em que se exerce a docência”, em nenhuma resposta dos 
universitários encontramos indícios de preocupação sobre tal tema. 
Em acaloradas discussões ocorridas nas aulas, o que se observou foi um 
posicionamento contrário, já que os universitários queixavam-se dos 
comentários negativos que muitos professores fazem sobre a docência, no que 
diz respeito às más condições de estrutura, ao desrespeito e falta de 
reconhecimento e à baixa remuneração, nos momentos em que frequentaram os 
estágios. Considerando uma tentativa de os dissuadir a prosseguir os estudos, 
alguns universitários exprimiam tristeza e indignação com o desânimo e a revolta 
que permeiam o cotidiano destes docentes. 
Assim, os resultados indicam satisfação dos universitários quanto aos saberes 
adquiridos no curso de Pedagogia, confirmando o que vários estudos apontam 
sobre a relevância da universidade como espaço de produção de conhecimento 
e de formação profissional, no sentido de preparar o professor competente para 
a atuação na escola, bem como, para a reflexão sobre ela.

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