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FACULDADE SANTA MARCELINA PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ARTES (MESTRADO ACADÊMICO) ARQUEOLOGIA DO PRESENTE: PROCESSOS ARTISTICOS Bruna Rafaella do Carmo Ferrer de Morais Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. ORIENTADORA: Dra. MIRTES MARINS DE OLIVEIRA SÃO PAULO 2011 Dissertação apresentada perante a seguinte banca examinadora: ______________________________________________________ Dr. Mirtes Marins de Oliveira (Presidente da Banca) ___________________________________________ (Docente Interno) ___________________________________________ (Docente Externo) São Paulo, de de 2011. Para meus avos maternos, D. Lulu e Seu Antônio in memoriam Agradecimentos Agradeço a colaboração e o apoio de Zeca Viana, Cyane Pacheco, Lylian Rodrigues, Mirtes Oliveira, Lisette Lagnado, Luise Weiss, Marcos Moraes, Chris Mello, Marina Noguti, Fabiola Notari, Lyara Oliveira, Lilian Soares, Carlos Lima, Camila Valones, Caio Bachmann, Aluisio Ferrer, Professor Claudio Silva, Maria José do Carmo, Rosimary do Carmo e Angela Feôla. Resumo.....06 Abstract.....07 Introdução.....09 Capítulo I.....16 Processos de trabalho de Arqueologia do presente.....16 1.1 Impressões como gesto: primeiros processos.....18 1.2 Da gruta a galeria: a caminhada e seu registro como processo.....31 1.3 Corpo e espaço arquivados: uma experiência háptica de registro.....48 Capítulo II......... Cidade dos artistas......... 2.1 Arqueologia como experiência estética.....62 2.2 Precursores da experiência estética na cidade:......... breve levantamento histórico.....64 2.3 Paulo Bruscky: poesia urbana.....71 2.4 Gordon Matta-Clark: cidade documentada.....75 Capítulo III......... Fotografia como vestígio.....84 Considerações finais.....98 Índice de ilustrações...104 Referências Bibliográficas...108 Sumário 6 Resumo A presente dissertação, desenvolvida no âmbito da pesquisa de natureza artística e intitulada Arqueologia do presente: processos artísticos, tem como foco principal de análise um grupo de trabalhos próprios – entre gravuras, performances e fotografias – realizados entre os anos de 2005 e 2011. O presente estudo visa analisar uma série de procedimentos de apropriação de vestígios, como artifício para produção de trabalhos artísticos, a partir de trabalhos próprios e de um diálogo com estratos de atividades artísticas que remontam manifestações cujo enfoque é dado a partir da segunda metade do século XX, em obras de artistas nacionais e internacionais. O intuito é o de estudar uma pequena parte da produção artística contemporânea. No lugar de escavar, observar. No lugar de classificar, aproximar. De forma a entender que o processo (artístico) escolhido para o atual estudo mantém uma relação de livre apropriação e inspiração com a metodologia arqueológica, que se apropria simbolicamente de um artefato, fruto de criação do ser humano, dando-lhe “novos” sentidos, atualizando determinado objeto de modo a ampliar a compreensão do seu momento específico de vida útil. 7 Abstract The current dissertation was developed under an artistic research intitled Archeology of the present: artistic processes, it has the main focus of analysing a group of own works - including prints, performances and photographs - conducted between 2005 and 2011. This study analyzes a series of procedures for the appropriation of traces, as a device for production of artwork from own works and a dialogue with strata of artistic expressions that go back focus from the second half of the century XX, in works of national and international artists. The aim is to study a small part of contemporary artistic production. Instead of digging, observe. Instead of sorting, approach. In order to understand the (art) process chosen for the current study maintains a list of free appropriation and inspiration with archaeological methodology, which symbolically appropriates an artifact, the result of man’s creation, giving it a “new” way, updating certain object in order to broaden the understanding it’s particular time of life. Introdução 9 Assim como os fluxos migratórios, o contínuo trânsito acelerado de pessoas, de informações e tecnologia nas grandes metrópoles é, sem dúvida, uma importante marca da atualidade. Este movimento é catalisador de dinâmicas específicas que enfatizam o transitório nos mais diversos campos do saber, como no território das artes visuais contemporâneas. Tal movimentação vem gerando mudanças incisivas nos procedimentos artísticos e no cenário institucional cultural brasileiro, especialmente depois da década de 1960. Logo uma questão fica latente na amplitude desta temática: seria a condição temporária, efêmera primordial nas concepções das práticas artísticas atuais? Acomodados num regime inevitavelmente capitalista no qual o valor monetário é quantificado pelo tempo empregado em determinada atividade, o momento destinado ao consumo da arte nos centros urbanos passa a ser cada vez mais raro, ou mais veloz. O olhar acelerado também impede uma contemplação mais plena da cidade e das relações que nela se instauram. Diante da grande quantidade e velocidade com que as informações são criadas, armazenadas, transmitidas e descartadas entre as pessoas, por diversos meios, o fator efemeridade vem sendo uma característica cada vez mais marcante na sociedade contemporânea. Nesse contexto, o modo de perceber e se relacionar esteticamente com o mundo indicam uma instauração da fugacidade no universo simbólico e material da produção artística atual. Com as transformações causadas principalmente a partir do período da Revolução Industrial, o impacto das inovações tecnológicas, nas mais diversas áreas, vem modificando a vida das pessoas ao longo do tempo. Estas mudanças geram incisivas reformulações na maneira de perceber e dialogar com o mundo, sendo desde então estudadas por teóricos em momentos distintos. Podemos perceber esses primeiros estudos ainda no começo do século XX. Diante da velocidade vertiginosa das sequências de imagens e da euforia causada pela tecnologia revolucionária do cinema nesse período, o teórico Walter Benjamin (1892-1940) desenvolve o termo denominado percepção de choque para um comportamento que remete ao estado de choque, paralisia ante o excesso de informações. 1 Nas circunstâncias atuais, analogamente, temos outro tipo de experiência sensória, aquela que naturaliza a operação 1 Quando Walter Benjamin analisa o cinema, principalmente no texto “A era da reprodutibilidade técnica”, o autor discute os efeitos provocados pela então nova mídia. Segundo o autor, a velocidade na sequência de imagens causaria uma espécie de paralisia, anestesia do olhar exposto a um excesso de informações (não processadas planamente). BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas, v. I – São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 193. 10 perceptiva própria da velocidade e da efemeridade, assimilando o choque. Nos dias atuais, mais especificamente no campo da arte, o excesso não implica necessariamente anestesiamento, diante da grande oferta de objetos e ideias, e da fugacidade que os mesmos são descartados, mas motiva reutilização e ressignificação. Como exemplo, através de diversas formas de uso da cidade, artistas propõem recortes deuma realidade no intuito de retirar camadas significativas de vestígios abandonados, e dessa operação emergem imagens que se revelam ao olhar atento, como um lapso de tempo – hiato de uma narrativa urbana ordinária –, crônica do silêncio no meio do caos. Dessas e de outras percepções se desenvolve o trabalho Arqueologia do presente, pesquisa composta de ações artísticas e teóricas que teve como ponto de partida, em 2005, experimentações utilizando como meio a gravura e, posteriormente, as linguagens da performance e da fotografia. O termo arqueologia utilizado nesta pesquisa é apropriado e ressignificado. Ao invés de estudar e reconstruir um discurso especificamente histórico através de indícios materiais, pretende-se entender o funcionamento do mecanismo que rege as produções artísticas próprias que se dão a partir de vestígios. O meio pelo qual esta arqueologia (artística) pode criar, compreender e resgatar ações artísticas contemporâneas na cidade acontece através de um embate direto com o espaço urbano, e de um diálogo com obras e artistas nacionais e internacionais. Sendo assim, a dissertação Arqueologia do presente: processos artísticos vem levantar uma série de procedimentos artísticos próprios e de alguns estratos2 de atividades artísticas que remontam manifestações na cidade, como campo de investigação estética. O intuito é o de estudar uma pequena parte da produção artística contemporânea. No lugar de escavar, observar. No lugar de classificar, aproximar. De forma a entender que o processo (artístico) escolhido para o atual estudo mantém uma relação íntima com a metodologia arqueológica, que se apropria simbolicamente de um artefato, fruto de criação do ser humano, dando-lhe “novos” sentidos, atualizando determinado objeto de modo a ampliar a compreensão do seu momento específico de vida útil. A dissertação é de natureza artística e tem como objetivo a análise de trabalhos artísticos próprios realizados entre os anos de 2005 e 2010, no âmbito das reflexões sobre procedimentos arqueológicos3 em relação, com os indícios 2 Estrato arqueológico é a unidade básica do trabalho do arqueólogo em cam- po. Cf. FUNARI, Pedro Paulo. “Como pensa o arqueólogo: do artefato à sociedade”. In: Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2010, p.29. 3 Segundo a concepção de arqueologia-artística desenvolvida nesta dissertação. 11 (vestígios) apropriados pelos seguintes artistas a saber: Paulo Bruscky, Gordon Matta-Clark, Richard Long, Man Ray, Yves Klein, Dennis Oppenheim e Vito Acconci. Para tal, procura-se elencar as diferentes referências e similaridades conceituais no campo da arte contemporânea entre o trabalho próprio e seus pares, expondo uma pequena coleção de textos, imagens e análise de alguns procedimentos artísticos em seu contexto, como uma maneira de contribuir com uma micro-história da arte através da leitura e exposição crítica desse conjunto. Parte da atitude de referenciar distintos processos do campo artístico com igual atenção, bem como analisar processos artísticos próprios, vem do fato de perceber que trabalhar com artes visuais, e com a construção de conhecimento através de trabalhos artísticos, é elaborar pensamento a partir da própria atividade artística em relação com a história dessa atividade. É descobrir, através de procedimentos particulares na apropriação e re- contextualização dos fragmentos, uma forma de dar sentido ao mundo e a uma existência individual. O artista, às voltas com o processo de instauração da obra, acaba por processar-se a si mesmo, coloca-se em processo de descoberta. Descobre coisas que não sabia antes e que só pode ter acesso através da obra4. O cintilar5 de determinado objeto a ser apropriado enquanto obra num espaço cotidiano urbano, acontece como uma tomada de consciência por parte do artista do entorno como um espaço narrativo aberto, onde desejos, ficções, representações e formas alimentam o imaginário coletivo, que gera re-configurações e ressignificações particulares. O nome Arqueologia do presente (aqui utilizado para designar a série de trabalhos artísticos próprios analisados ao longo desta dissertação) surgiu ao encontrar um elefante de brinquedo de cor azul semienterrado num pequeno espaço de areia numa calçada de concreto. Este fato aconteceu no ano de 2005 na cidade do Recife. A partir de então, o termo Arqueologia do presente passou a ser utilizado para uma série de pequenos objetos que eram encontrados pela cidade: cacos de vidro, penas de pássaros, pregos entortados, sem que isso tivesse alguma intenção artística até então, significava 4 REY, Sandra. Por uma abordagem metodológica da pesquisa em artes visuais. In BRITES, Blanca; TESSLER, Elida. (Org.) O meio como ponto zero: metodologia da pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002, p.123. 5 O termo cintilar aqui é usado para designar poeticamente o processo de ativação de percepção do artista no momento de apropriação de determinado objeto como artefato artístico. 12 apenas uma pequena coleção. No mesmo período foi dado início às primeiras gravuras da pesquisa. Estas gravuras eram feitas a partir da extração e fixação sobre tecido da ferrugem de objetos de metal, fragmentos da construção civil, como portões, janelas, balaústres, entre outros. Muitas dessas gravuras foram exibidas em pequenas mostras independentes. Este processo foi modificado, e as gravuras passaram a ser realizadas com uso de tinta sobre as matrizes (objetos de metal), e carimbadas (colocando-as em contato) sobre tecido, o que facilitou o processo expandindo o campo de atuação, com o uso de objetos de metal em edificações da cidade. Depois desses experimentos, foram iniciadas outras pesquisas artísticas no âmbito do desenho, que tratavam de conceitos distintos das gravuras experimentadas anteriormente, e só após cerca de dois anos foram retomadas concepções ligadas ao termo Arqueologia do presente, numa série de fotografias que começou a ser realizada em 2009 na cidade de São Paulo e continuou durante o ano de 2010. Os trabalhos artísticos próprios da pesquisa Arqueologia do presente em processo de análise nesta dissertação são (vídeo documental em anexo): cerca de dez gravuras sem título, feitas na cidade de Recife e Garanhuns (PE), entre os anos de 2005 e 2008; duas performances-gravuras feitas em Recife, uma realizada em 2006 e outra em 2008; uma série de sete fotografias sem título, feitas em São Paulo, nos anos de 2009 e 2010; e, por fim, uma série de quatro fotografias sem título, feitas na cidade de São Paulo no ano de 2010. Gravuras sem título da série Arqueologia do presente (Recife, 2005-2007) Série de gravuras feitas com técnicas de carimbo na extração de cópias de objetos ornamentais de metal de janelas, portões e grades em geral sobre tecido. Estas cópias são feitas ora transferindo a ferrugem destes objetos para tecido, ora revelando uma imagem a partir do depósito de tinta sobre os objetos em contato direto com tecido. Estes objetos são encontrados em ferro velho ou em edificações abandonadas da cidade e são escolhidos de forma a evidenciar as heranças da arquitetura da cidade, que chama atenção pelo contraste de sua forma heterogênea, onde elementos modernos convivem com elementos tradicionais de construção (por exemplo, inspirados no neoclassicismo francês – o caso da primeira gravura realizada em espaço público que aconteceu no edifício do Liceu de Artes e Ofício do Recife, edificação que possui esse tipo de construção arquitetônica). Performances-gravuras sem título da série Arqueologia do presente (Recife, 2006- 2008) 13 Usando a mesma técnica de extração de cópias de objeto de metal com tinta e tecido, descrita acima, a performance acontece quando é realizado o processo de feitura dessas gravuras sobre o tecido da roupa usada durante a ação. Ou seja, dessa vez o corpo inteiro precisa se mobilizar e pressionar as matrizes para obtenção de cópias defragmentos dos objetos de metais. Estes objetos são encontrados em ferro velho ou em edificações abandonadas da cidade. Resulta da performance de gravar as roupas usadas durante a ação, o registro em fotografias e vídeo. Fotografias sem título da série Arqueologia do presente (São Paulo, 2009-2010) Fotografias coloridas de vestígios materiais encontrados no chão (calçadas ou ruas) depositados por outrem ao acaso. Essa série é composta de imagens de restos de tinta, marca de folha depositada em cimento fresco, manchas coloridas resultantes do contato de óleo (de carros provavelmente) com o chão molhado. A ampliação e impressão digital (jato de tinta sobre papel fotográfico) dessas fotografias são mensuradas de modo a aproximar as medidas reais dos vestígios encontrados na rua. Fotos-gravuras sem título da série Arqueologia do presente (São Paulo, 2010) Fotografias que registram as marcas efêmeras em baixo relevo deixadas sobre a pele depois da ação de pressionar pequenos objetos de metal contra a mesma. A série de fotografias já foi exibida de três formas, em ampliações de pequeno a médio formato, com a técnica de lambe-lambe (onde 8 cartazes formam a imagem) e como vídeo de slides de registros das fotografias em lambe-lambe fixadas em muros nas ruas das cidades de Buenos Aires e São Paulo. O texto da dissertação se desenvolve a partir dos seguintes capítulos: No capítulo 1, Processos de trabalho de Arqueologia do presente, são descritos e analisados os processos investigativos das séries de trabalhos artísticos da Arqueologia do Presente. O capítulo é subdividido em três pontos de abordagens distintos que se relacionam com as três séries de trabalhos artísticos desenvolvidos ao longo da pesquisa. O primeiro, denominado “Impressões como gesto: primeiros processos” traz uma abordagem processual e histórica sobre a gravura contemporânea. De um modo geral, a gravura contemporânea passa por múltiplas transformações em seu processo (tradicional) e nos seus conceitos. Nessas incursões atuais, percebemos que em alguns momentos as questões que permeiam a produção da gravura de 14 alguns artistas contemporâneos promovem uma espécie de inversão, onde o processo pode tornar-se conceito, onde as reproduções gráficas tratam de questões ligadas às ações (e gestualidades) do artista. O segundo subcapítulo, “Da gruta à galeria: a caminhada e seu registro como processo”, reflete sobre a primeira série de fotografias da pesquisa e seu modo de operação, ligado ao ato de circular/transitar pela cidade como ação artística desde Dadá. O terceiro subcapítulo, “Corpo e espaço arquivados: uma experiência háptica de registro”, trata da relação de embate corporal com a cidade enquanto vivência e fonte de “memória”. Neste ponto é analisado o último trabalho da série, o qual é exposto como trabalho artístico final da dissertação. No segundo capítulo, Cidade dos artistas, são analisados conceitos e processos artísticos que se dão como apropriação de vestígios no campo específico do urbano. São referências as propostas artísticas do movimento Dadá, Surrealismo e Situacionismo, e mais as ações dos artistas Paulo Bruscky, no subcapítulo “Paulo Bruscky: poesia urbana”, e do artista Gordon Matta- Clark, o qual recebe tópico próprio no subcapítulo intitulado “Gordon Matta- Clark: cidde documentada”, onde se concentra a reflexão sobre o caráter documental da obra do artista. No capítulo 3, Fotografia como vestígio, são analisados conceitos teóricos que formulam a ideia de uma teoria da fotografia entendida como índice dentro da perspectiva da atividade fotográfica pós-moderna, em suas relações com as séries de trabalhos fotográficos próprios. Capitulo I Processos de traba lho da Arqueologia do presente Capitulo I Processos de trabalho da Arqueologia do presente 16 O trabalho artístico sob o título Arqueologia do presente surgiu do interesse em experimentar possibilidades artísticas tendo como base materiais encontrados principalmente pelas ruas da cidade. O encontro com tais objetos – ou a redescoberta destes – se dá através de investidas diretas em determinados locais que passam a chamar a atenção à medida que é percebida uma extensa gama de sinais e rejeitos disponíveis: uma edificação abandonada, a calçada de uma rua, uma rodovia, um ferro velho, um quintal, etc. A partir de andanças mais ou menos ordenadas neste sentido e da prática constante de um olhar atento que celebre as estruturas particulares do local escolhido, determinados objetos – escolhidos ao acaso, pela sua possibilidade de apropriação – passam a ganhar outro sentido. Os objetos apropriados nos trabalhos artísticos da pesquisa são encontrados especialmente nas ruas das cidades e registrados de diversas formas (com gravura sobre tecido, através da fotografia de vestígios da ação humana, e por meio de um embate corporal que produz marcas sobre tecido e sobre a pele). Tais resíduos, quando extraídos de sua rede de significados originais e reenquadrados no horizonte do fazer artístico, geraram três séries que formam o conjunto de diversas experimentações artísticas desenvolvidas ao longo de cinco anos (de 2005 a 2010). A primeira acontece principalmente na cidade de Recife, e se relaciona com as técnicas de gravura; nela é extraído e fixado o vestígio formal de objetos de metal da construção civil sobre tecido. A segunda realiza a produção do registro fotográfico de diversos resquícios materiais encontrados no pavimento da cidade de São Paulo. E a terceira constrói marcas em baixo relevo a partir do contato de objetos de metal sobre a pele (e estas marcas efêmeras são fotografadas). Embora cada série, separadas em três momentos distintos, possua recursos midiáticos próprios, todas fazem parte do mesmo processo de trabalho e reflexão; assim, nenhuma das séries possui título, sendo cada uma delas parte integrante do corpo maior chamado Arqueologia do presente. As primeiras experiências dessa pesquisa artística focam o campo da gravura e da performance e aconteceram quase sempre na cidade de Recife6. O resultado material dessa investigação é uma série de gravuras sobre tecido e impressões com objetos de metal a) usados como matriz sobre roupas (as roupas são utilizadas como suporte para impressão, no caso da performance), totalizando dez gravuras sobre tecido de algodão cru, e quatro peças de roupas; 6 Exceto na ocasião da realização de uma residência artística no XVII Festival de Inverno de Garanhuns (Garanhuns – PE, 2007). 17 uma série de fotografias do registro de performance, totalizando cinco b) imagens; um registro em vídeo de uma segunda performance realizada tanto c) em espaço público quanto em ambientes internos de edificações privadas. 18 1.1 Impressões como gesto: primeiros processos A primeira série de trabalhos realizados nessa acepção se deu no ano de 2005 em Recife. Objetos que integram construções arquitetônicas, e outros encontrados em fragmentos descartados em ferros velhos serviram de base para esta primeira série de investigações. Nesse período, o trabalho consistia no desenvolvimento de monotipias7 cujas matrizes eram portões, janelas, basculhantes, entre outros objetos de metal encontrados através de pesquisas in loco, mas também nos trajetos cotidianos, em caminhadas pelas ruas e pelos bairros mais centrais da cidade. O trabalho começou a se desenvolver primeiramente a partir de expedições realizadas em um dos maiores ferros- velhos da cidade com o desejo de apropriação dos objetos desse espaço. A monotipia como técnica de gravura foi usada nessa série como modo de capturar índices8 dos objetos escolhidos para experimentação, de forma a apresentar (ou reapresentar) sua origem estrutural e um desenho. Como exemplo, por meio do pequeno espaço no tecido marcado pela imagem impressa da maçaneta, tem-se a imagem mental de toda a fechadura, além de uma série de signos que tomam corpo de um desenho autônomo. Importantetambém é a presença da matéria-prima da matriz, que passa a impregnar o tecido, no caso das primeiras experiências com extração da ferrugem. Nesse processo, determinado objeto de metal oxidado é sobreposto em contato com um tecido de algodão embebido em uma solução de água com cola branca. Após alguns minutos desse contato, parte da ferrugem desse objeto se adere ao tecido, mantendo as formas estruturais da matriz/ objeto de metal. Aparentemente simples e objetivo, esse processo revela a marca de uma singularidade, a (re) apresentação de uma materialidade específica repassada nas monotipias. Essas gravuras vêm afirmar determinada presença material e formal através de sua existência inseparável das matrizes de metal, nas suas marcas referenciais comprovadas pelo desenho da matriz e pelos vestígios de fragmentos de metal oxidados colados sobre o tecido. A impressão nessa primeira série, bem como em processos posteriores, se concentra na possibilidade de estender (espaço-temporalmente) o instante de uma vivência (o de captura de matéria) e enfatiza a condição material dos artefatos apropriados como matriz. 7 Processo híbrido de gravação que realiza uma impressão única feita a partir de uma matriz previamente trabalhada (entintada, desenhada). 8 O conceito de índice será estudado mais detalhadamente ao longo do terceiro capítulo desta dissertação. 19 Figura 1. Processo de impregnação de ferrugem em tecido. Recife, 2005. Foto: Bruna Rafaella Ferrer Depois de diversos experimentos realizados com este procedimento de extração de ferrugem, foram feitas impressões a partir do mesmo tipo de matriz de metal, agora extraindo a forma estrutural desses objetos (não apenas encontrados em ferro-velho, mas também em edificações nas ruas da cidade) realizando um carimbo com tecido sobre a matriz entintada. Ao pressionar esse s objetos entintados sobre tecido de algodão cru, se extrai impressões por contato, simplificando consideravelmente o processo em relação àquele que impregnava o tecido com ferrugem. Em resumo, esse primeiro conjunto de trabalhos é de cerca de dez monotipias feitas com técnicas de extração de ferrugem ou no contato da matriz entintada com tecido. Foram expostos, separadamente, em pequenas mostras independentes9. Apenas no ano de 2010 esta série de gravuras, o registro da performance em vídeo, uma peça de roupa impressa, além de desenhos e onze fotografias, foram reunidos e exibidos em uma exposição individual na galeria do Sesc Casa Amarela em Recife. 9 Essas exposições aconteceram entre os anos de 2006 e 2008, em alguns ateliês coletivos de Recife, como o Branco do Olho, do qual participava como mem- bro. Além destas pequenas mostras, o projeto foi realizado como residência artísti- ca no XVII Festival de Inverno de Garanhuns, na cidade de Garanhuns, no interior de Pernambuco, em 2007. 20 Figura 2. Gravura sem título da série Arqueologia do presente. Monotipia. 200,0 x 75,0 cm. Recife, 2007. Foto: Bruna Rafaella Ferrer. Esta série se desdobra em um segundo momento, quando as matrizes de metal passam a ser pressionadas sobre as roupas durante a sua utilização, na ação de comprimir o corpo contra grades de metal. Performance de embate de corpo e objeto, numa quase dança onde a coreografia dialoga com as limitações que o metal – rijo – impõe ao tecido, mole, gerando situações de movimento e repouso. No processo de confecção dessas gravuras, que é possível de se verificar no registro em vídeo anexo, existe uma lógica interna. Diante de uma base de metal, como se conversasse com este objeto, o corpo se movimenta de diversas formas de modo a gerar registros de fragmentos dessas grades por contato. No primeiro momento o corpo encosta no metal produzindo registros gráficos mais precisos, mais preenchidos, onde há um controle maior do corpo em pressão com o objeto. Posteriormente a anatomia do corpo não permite um contato mais direto com o metal, gerando impressões mais suaves, mais transparentes que quase se esvaem, como um momento de silêncio na música interna que acompanha essa dança. 21 Figura 3. Frame de vídeo. Registro de performance sem título da série Arqueologias do presente. Recife, 2008. Fotografia: Daniel Aragão. O resultado da performance é registrado em fotografias, vídeo (registro em vídeo em anexo), e monotipias com marcas das grades de metal espalhadas sobre as roupas. Cada uma dessas peças (os diferentes registros da performance de imprimir grades sobre as roupas em uso) tem dupla conotação, são ao mesmo tempo registro e artefatos artísticos independentes. Quando expostos simultaneamente (como foi o caso na primeira exposição onde o conjunto completo de trabalhos da pesquisa foi exibido) se complementam para relatar um processo, ressaltam o aspecto performático que gera essas gravuras, reforçam o gesto da impressão mais do que as monotipias como simples cópias. Como a monotipia reproduz um traço de sua matriz, ela pode ser encarada como um tipo de cópia, mas, neste caso, da forma que é apresentada revelando seu processo, ela é particularizada. E no caso da performance da Arqueologia do presente, esse caráter é acentuado quando a monotipia é vista a partir do ato que a constituiu (e de seu referente único). Ela se liga mais à ideia de uma unicidade do que a de reprodução. 22 Figura 4/5. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do presente. Fotografia 35mm P&B. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2007. Foto: Lilian Soares 23 Figura 6/7. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do presente. Fotografia 35mm P&B. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2007. Foto: Lilian Soares 24 Esse processo inicial é marcado por ampliar as possibilidades materiais tradicionalmente ligadas às técnicas de monotipia, empregando materiais não convencionais às técnicas de gravura (o uso de ferrugem num primeiro momento, por exemplo). Em seguida, essa metodologia atravessa uma transformação processual na qual o movimento corporal passa a atuar como elemento constituinte das reproduções obtidas na primeira série de gravuras da pesquisa. Ainda que exista nessa prática certo grau de fetichismo10 com os objetos que constituem a matéria-prima dessa série inicial, um ponto que torna o processo de produção desse trabalho artístico relevante é o modo como se insere em um campo cultural específico: o do ambiente arquitetônico da cidade de Recife. Pensar através desse prisma ressalta o modo de produção artística próprio em relação com a indústria da construção civil na região onde a série foi produzida. Curioso notar como muitos artistas pernambucanos, ainda nas primeiras décadas do século XX (1910-1930), fazem uso do mesmo tipo objeto de metal utilizado nesta pesquisa na composição de pinturas e desenhos. Dois destes são: Lula Cardoso Aires (1910-1987) e Cícero Dias (1907- 2003), artistas de classes abastadas, que puderam desde cedo manter contato com o movimento moderno nacional e internacional, combinando em seus trabalhos elementos regionais com uma linguagem vanguardista. Utilizaram estes elementos em suas composições como forma de representar o “estilo” moderno vigente do estado, estilo este advindo do impacto do movimento internacional modernista que coincide com a expansão do capitalismo ocidental dos então países “periféricos”, que passaram a importar e produzir objetos ornamentais de ferro e utilizá-los na construção civil da época de forma massiva. Nessa primeira série de trabalhos artísticos, determinados objetos da construção civil de Recife (objetos de metal ornamentais encontrados em portões, janelas e grades em geral) são apropriados na gravura enquanto linguagem particularizada. Opera-se um tipo de rematerialização11 (estética) no emprego de materiais encontrados em centros urbanos, conhecendo a cidade de forma diversa de seu caráter usual. Dessa forma, afirma-se a possibilidade de observar o mundo como uma nova experiência a servivida. 10 Aqui o termo é usado para firmar a ideia de que a escolha dos materiais usa- dos na pesquisa pode partir do simples interesse de satisfazer desejos pessoais em usar esses objetos que seduzem o olhar por suas formas, especialmente as mais “orgânicas”, onde uma ilusão de movimento advindo dos desenhos desses materiais parece “animar”, dar vida a esses objetos. 11 Usamos o termo para tratar de como se produz um novo objeto (artístico) a partir da trans- ferência e apropriação do seu índice material. 25 Sendo um processo gráfico híbrido, a monotipia pode se aproximar da pintura, como fruto de uma ação gestual com tinta sobre a matriz, ou do desenho, com o uso do traço, da linha. Ao mesmo tempo, a monotipia possui características próprias da gravura, como a inversão da imagem – que ainda pode aproximar a técnica ao processo fotográfico (a inversão da imagem obtida pelo negativo da fotografia). A monotipia pode ainda manter uma relação de proximidade conceitual com a fotografia quando analisada em sua lógica indicial, onde temos o vestígio de um instante único gravado em luz sobre papel fotossensível (no caso da fotografia analógica), ou armazenado em um sensor eletrônico que transforma luz em códigos numéricos (no caso da fotografia digital). Outra característica própria da monotipia é a maneira que esta técnica se liga à ideia de uma “ancestralidade” de gesto expressivo. Quando pensamos nas prováveis maneiras em que o homem pode ter identificado e dado início ao desenvolvimento de um meio de impressão, logo recobramos a imagem da observação das próprias pegadas humanas (bem como dos animais) sobre o solo, ou ainda as marcas pré-históricas de mãos impressas em paredes de cavernas. Na gravura contemporânea, percebemos um novo impulso da monotipia, técnica simples, direta, poderia dizer até rudimentar, comparada aos avanços tecnológicos de outros recursos. Esta impressão ou registro remete a gestos primordiais do homem, marcas que atravessam os tempos, tornando- se tão atualizados, tão contemporâneos quanto a mão do homem pré- histórico gravada na caverna. Talvez seja este aspecto que atraia alguns artistas em relação à monotipia: gravar, “congelar” um gesto, uma ideia, uma emoção.12 Não é de hoje que são realizados estudos no campo das artes visuais que nos indicam o caráter anacrônico em obras contemporâneas que utilizam o recurso da monotipia (como o historiador Georges Didi-Huberman) 13. Esta observação nos leva a pensar que a monotipia pode ser concebida como umas das primeiras técnicas empregadas como forma de expressão (artística) humana. Isso se reflete especialmente em relação às marcas de mãos de sociedades primitivas encontradas em cavernas do período Paleolítico 12 WEISS, Luise. Monotipias: algumas considerações. In: Cadernos de [gravura] – nº 2, novem- bro de 2003. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/31332734/Artes-e-Tecnicas-Artisticas- Monotipia-algumas-consideracoes-Gravura. Acessado em: 26 ago. 2011. 13 Consultar o catálogo de exposição: DIDI-HUBERMAN, Georges. L’Empreinte. Paris: Centre Georges Pompidou, 1997. 26 Superior (GRAZIOSI, 1960, p. 262) 14. Vários exemplos desse tipo de processo são relatados historicamente nos estudos sobre grafismos pré-históricos em cavernas da Europa, como é o caso da caverna de Pech Merle, situada na região sudeste da França (GRAZIOSI, 1960, p. 116). A caverna foi descoberta em 1922 por André David e Henri Dutertre (quando tinham 16 e 15 anos de idade, respectivamente), e o estudo das pinturas e sinais começou logo após a descoberta, por Amédée Lemozi15. Neste local existem diversos tipos de marcas, não só as conhecidas marcas coloridas de mãos em negativo ou positivo, desenhos de animais e protótipos de humanóides, mas também marcas abstratas em baixo relevo provavelmente produzidas por arranhuras, criando um desenho padronizado (GELDER, 2010)16. Quando partimos para o estudo da produção artística realizada no último século, e no século corrente, que trabalha com vestígios materiais enquanto traços de uma existência, esta pode acontecer numa operação de aproximação a experiências remotas, estendendo temporalidades do presente (ou do passado), fazendo refletir sobre o processo de gravura contemporânea – aqui em seu sentido lato – em seu caráter anacrônico. Nas gravuras dessa primeira série de trabalhos da Arqueologia do presente, além de estabelecer um diálogo entre tempos diversos no mesmo trabalho (entre um passado desaparecido e um presente evanescente), se observa pontos limítrofes da modificação de materialidades, como na passagem da imagem de uma grade entintada pressionada num tecido. A percepção toma assim a posição de ver as coisas em sua complexidade formal e material, como abertas a múltiplas maneiras de se tornarem tangíveis, atentando para procedimentos e não apenas objetos acabados (neste caso como simples cópias/índices de algo que deixou de existir). Além de um estudo sobre “formas de arte”, a intenção de investigar 14 O Paleolítico Superior é uma denominação que abrange o período do fim do Paleolítico Médio e início do Mesolítico. Nele foram encontrados anzóis primitivos, machados de mão, agulha de osso, entre outros. É também caracterizado pela magia, praticada pelo Homem daquele período, e pela arte rupestre (pinturas em rochas). Sobre o tema consultar: GRAZIOSI, P. Palaeolithic Art. Faber: London, 1960. 15 Sobre pesquisas do centro pré-histórico de Peche Merle consultar o site disponível do tema: http://www.quercy.net/pechmerle/english/introduction.html. Acessado em: 26 ago 2011. 16 Sobre o tema existe, além do texto de Paolo Graziosi em seu Palaeolithic Art, um estudo minucioso desse tipo de marca apresentado no Congresso IFRAO (International Federation of Rock Art Organizations) 2010 − sur l’art pléistocène dans le monde − 6 -11 Septembre 2010, Ariège - Pyrénées, França. Artigo intitulado New Methods and Approaches in the Study of Finger Flutings, do autor Leslie Van Gelder está dis- ponível em: http://www.ifraoariege2010.fr/docs/Articles/Van_Gelder-Forensics.pdf. Acessado em: 26 ago. 2011. 27 diversos processos artísticos nessa pesquisa é sugerir um modo de produção, “formas de trabalho”, trazendo considerações sobre trajetórias (processos) mais do que sobre destinos (objetos autônomos). Nessa lógica, a semelhança entre “cópia” e seu referente é da ordem do substrato, revelando o processo dialético da modificação desses resíduos pela gestualidade (artística/ performática). Figura 8. Vista da exposição Arqueologias do presente, no Sesc Casa Amarela em Recife, Junho de 2010. Foto: Bruna Rafaella Ferrer. O interesse por elementos que constituem a estrutura e adornos metálicos na construção arquitetônica, bastante presente na paisagem urbana da cidade de Recife, parte da observação desses elementos gráfico-escultóricos (bidimensionais que tendem ao tridimensional). Elementos que, por sua vez, seriam oriundos do modelo de produção industrial de herança do passado neoclássico francês17, presente, principalmente, nos produtos do Art Nouveau. Art Nouveau foi um “estilo” ornamental de expressão artística típica do 17 No artigo “Desenho e emancipação”, Flávio Motta fala que a concepção ger- al para palavra “desenho” teria ligações diretas com o processo de colonização do Brasil no século XIX. Motta fala sobre a herança cultural europeia especialmente ligada à vinda ao Brasil da Missão Francesa, em 1816, consequentemente a formatação arquitetônica influenciada por esta conexão. 28 espírito modernista. Essencialmente urbano, é relacionado especialmente ao desenvolvimento industrial em curso na Europa do século XIX com a exploração de novos materiais (como o ferro e o vidro, principais elementos dos edifícios que passaram a ser construídos segundo essa nova estética). Dentro de uma gama de variações em lugares e épocas distintas, algumas características se tornam constantesem seus produtos, como o uso de motivos naturalistas (flores e animais), o uso de formas curvas de proporções variadas que pretendia comunicar um sentido visual de leveza e elasticidade e otimismo capaz de ser aplicado a objetos utilitários. Fundidos com outros elementos gráficos na construção civil contemporânea, esses elementos foram atualizados de maneira a simplificar as formas daquelas do início de sua produção na Europa, mantendo a mesma função daqueles objetos ornamentais de metal, forjados como janelas, balaústres de escadas e cobogós18. Esse tipo de produção aplicado na construção civil enfatizou um projeto social em seus interesses comuns de proteção, ventilação, iluminação e ornamentação. Dentro de um projeto urbano representa uma forma de atualização do “estilo (internacional) moderno” no nordeste do Brasil através dos seus desenhos. O reflexo de uma ocupação desordenada presente no processo de urbanização de países da America Latina acontece na cidade de Recife de forma intensa. A cidade de Recife possui um desenho urbano onde elementos díspares, influenciados por várias épocas (dos mais tradicionais aos mais contemporâneos), formam uma grande colagem que reflete a disparidade histórica de classes sociais dessa localidade. Em um mesmo espaço, Recife mantém uma estrutura “racionalmente” planejada – que conta com uma desenfreada construção de arranha-céus segundo a lógica “moderna” do empreendedorismo e consumo habitacional, ao lado de emaranhados desordenados, onde as maiores comunidades da cidade aproveitam os terrenos aparentemente impróprios para habitação, e vivem em cotidiano conflito com as condições naturais: intempéries e o avanço dos rios e marés. O elemento escolhido nos trabalhos artísticos da primeira série da Arqueologia do presente revisita a produção industrial desse “momento moderno” em Recife na atualidade. Elemento construído a partir de um modelo internacional, adaptado às condições da metrópole tropical, presente nas diferentes estruturas arquitetônicas que compõem este cenário urbano. 18 Cobogó é um elemento vazado da construção arquitetônica, inicialmente feito em ci- mento, que foi desenvolvido no estado de Pernambuco por três engenheiros, cujas iniciais batizaram a peça (Amadeu Oliveira Coimbra, Ernest August Boeckmann e Antônio de Góis), solução para evitar o superaquecimento do ambiente iluminado, permitindo a passagem da luz e da ventilação. 29 Nossa arqueologia vai evidenciar esse material pela sua forma estrutural, seu desenho. A necessidade de organização racional da sociedade e a busca de sistematização da produção em larga escala, processo este detonado a partir da Revolução Industrial, promoveu um sentido social à utilização do desenho. Em todas as atividades humanas o desenho acaba se manifestando: na ilustração do livro de Biologia, na representação dos conceitos de Matemática, nos mapas estelares, no último modelo de carro, no batente da janela.19 A apropriação de objetos como maçanetas, janelas, portões, etc., que são compostos por uma série de grafismos em sua estrutura é uma forma de entender que diversos elementos da paisagem urbana são repertório para re-utilização e investigação estética, além de fonte de reflexão da identidade visual de determinado espaço. O uso de elementos ornamentais da construção civil nesse primeiro momento da pesquisa acontece mais sob o desejo de destituir a função original desses objetos. Fazer apropriação desses materiais, portanto, ocorre como uma reordenação desses elementos. Partindo do princípio de reordenação como “programação” (ou reprogramação), termo usado por Nicolas Bourriaud no texto: Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. O autor via como: Os artistas atuais não compõem, mas programam formas: em vez de transfigurar um elemento bruto (a tela, a argila), eles utilizam o dado. [...] eles não consideram mais o campo artístico como um museu com obras que devem ser citadas ou ‘superadas’, como pretendia a ideologia modernista do novo, mas sim como uma loja cheia de ferramentas para usar, estoques de dados para manipular, reordenar e lançar. (BOURRIAUD, 2004, p.13) 20. Eles são eleitos pela sua marcante presença no desenho e no imaginário urbano da cidade onde a pesquisa tem início. Dessa forma, é realizada uma aproximação no processo de ressignificação de objetos urbanos, a exemplo do bricoleur21. O termo bricoleur é aqui utilizado de forma diversa ao sentido aplicado pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss quando usa o termo para designar o modo de “pensamento selvagem” (dos 19 DERDYK, Edith. Conceitos e pré-conceitos: As definições de desenho. In: Formas de pensar o desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. São Paulo: Editora Scipione, 2004, p. 38. 20 In: Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo – São Paulo: Martins Fontes, 2009. 21 O termo é derivado do verbo francês bricoler, que pode ser traduzido por ziguezaguear, fazer de forma provisória, falsificar, traficar, ou, ainda, indicar o uso de meios indiretos e tortuo- sos, suspeitos, portanto. 30 povos ditos “primitivos”). Utilizamos este vocábulo, em termos de procedimento artístico, como artifício para designar um modo de apropriação de objetos em centros urbanos, um modo que reconstitui o uso original de tais objetos. Esta nova operação emerge a partir de uma noção (simbólica) de paisagem urbana transmutável. É na vivência do espaço urbano de São Paulo (e anteriormente de Recife) que se tem desenvolvido as atividades artísticas do projeto Arqueologia do presente. É da ação corporal em interação com o espaço de trajetória, da observação atenta da paisagem do entorno, e do embate do corpo com elementos encontrados nestes espaços de passagens que resultam as duas séries mais recentes da pesquisa. Na segunda série de trabalho, como veremos, outros tipos de elementos são escolhidos para apropriação. Nas fotografias que se iniciam após uma pausa no trabalho com as grades de metal, os vestígios selecionados são frutos de ações ocasionais executadas por outras pessoas, e não fazem parte, em princípio, de um repertório funcional, como é o caso dos objetos de metal que integram a arquitetura de cidades modernas, investigados num primeiro momento desta pesquisa na cidade de Recife. As novas bases materiais para produção de imagem, nesta série, são encontradas no chão, em caminhos de passagem. Posteriormente, e encerrando o ciclo de trabalhos que compõem o projeto Arqueologia do presente, é feita uma série de fotografias que volta ao metal que já havia sido explorado pela pesquisa, e soma a ele uma ação corporal a uma intervenção em espaço público (quando as imagens são expostas na rua). 31 1.2 Da gruta à galeria: a caminhada e seu registro como processo Após uma breve pausa na produção da série de monotipias e performances em 2009, inicia-se a segunda etapa da pesquisa com uma nova produção na cidade de São Paulo, congregando conceitos da linguagem da fotografia que estavam latentes desde as primeiras experimentações com gravuras. Nas duas séries de trabalhos que completam o projeto, os vestígios selecionados para experimentação são trabalhados através da linguagem da fotografia. Aqui um desdobramento da ação anterior toma foco, que tem seu princípio nas caminhadas nas ruas da cidade, onde a ideia de uma nova atribuição (artística) é feita pela interrupção do olhar no habitual trânsito empreendido em centros urbanos. Assim, se procede à quebra da lei invisível que rege nosso caminhar sem consciência nos espaços construídos da cidade. Por um instante, o olhar atento “corta” a paisagem urbana em fragmentos, permitindo redesenhar sua micro paisagem, perceber a cidade com um sentido diverso. Quando se partiu para o estudo do processo constituinte da fotografia, percebeu-se que existe uma relação intrínseca entre esta linguagem e as gravuras produzidas na primeira série de trabalhos. Estarelação é estabelecida no que se refere ao valor documental da imagem fotográfica e a experiência inseparável entre referência e imagem resultante, experimentada na série de gravuras e performance, realizadas no começo da pesquisa. Para discorrer sobre esta afirmação, apresento a perspectiva teórica do autor Philippe Dubois (1952 - ) em seu livro O Ato Fotográfico. De acordo com o autor, a fotografia – entre outras proposições artísticas produzidas a partir do século XX que concebem a arte baseada essencialmente na lógica do ato e da experiência – vem sendo abordada em sua condição de índice. Assim a fotografia é analisada por Dubois como registro inseparável de um dado real. Portanto, abordar a questão do realismo na fotografia tem marcado essa presença do referente, tornando a imagem da foto inseparável do ato que a funda22. Este ato, a princípio, nada diz além de uma afirmação de existência de determinado objeto fotografado. Ou, dialeticamente, da ausência do objeto fotografado, quando pensamos que a fotografia sempre remete (impressa, reproduzida) a um momento único, um objeto singular capturado imediatamente, momento que deixa de existir após o instante da “tomada” fotográfica. É verificada uma analogia entre o trabalho artístico próprio e a 22 Ver “O ato fotográfico: pragmática do índice e efeitos de ausência” In: DUBOIS, Phillipe. O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993.pp. 57-107. 32 formulação de Dubois, já que na série de gravuras da Arqueologia do presente se procura esta “ausência” além da manifestação de singularidade da fotografia. A monotipia abaixo, como reprodução por contato23, assim como a série subsequente de fotografias deste momento da investigação, designa um objeto particular, evidência do objeto de metal usado como sua matriz. Figura 9. Detalhe de gravura sem título da série Arqueologia do presente. Garanhuns, 2007. Foto: Bruna Rafaella Ferrer 23 Aqui lembramos a técnica do fotograma, que se trata de fotografias obtidas sem aparelho fotográfico. Nessa técnica, é montado num quarto escuro dado objeto sobreposto em contato direto com papel sensível, expõe-se esse conjunto a luz, e depois é revelado o resultado. 33 Apesar de a estrutura das duas séries, gravuras e fotografias, serem diversas na qualidade de aproximação ao referente, elas fazem parte de um procedimento comum que amplia a discussão sobre o índice, trazendo a lógica do ato, ou ainda da imagem-ato. Imagem-ato é um termo usado por Philippe Dubois para intensificar a ideia de que produto (imagem) e processo (ato de tomada ou difusão da imagem) não são dissociáveis na fotografia: não seria possível pensar a fotografia fora do lugar em que foi constituída, fora de sua realidade. Percebemos que no processo de gravura esse dado referencial acontece de forma mais “radical”, no sentido de trazer mesmo vestígios físicos do objeto que denota, como no caso da gravura feita a partir da extração da ferrugem dos objetos de metal. 34 Figura 10. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. Figura 11. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. 35 Figura 12. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. Figura 13. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. 36 Figura 14. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. Figura 15. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. 37 Observando os trabalhos da segunda etapa da pesquisa nos debruçamos mais sobre a linguagem da fotografia. Nesta série, manchas de tintas mais ou menos desgastadas de cores intensas são o primeiro dado percebido em caminhadas pelas ruas da cidade de São Paulo, e escolhido para a nova fase de investigação. Gotas e sedimentos de massas pictóricas depositadas aleatoriamente pelos transeuntes no pavimento das ruas (calçadas e asfaltos) da cidade. Algumas tendem para baixo por inelutável lei da gravidade, outras se esparramam pela superfície como se fossem resquícios de uma explosão de matéria líquida e colorida. Neste novo instante da pesquisa o registro é fotográfico, portanto operação de apropriação do referente em seu aspecto indicial. Assim, reafirma-se a intervenção praticada nos vestígios urbanos iniciada pelo processo de gravura. A série de fotografias apresentadas nesse momento da pesquisa cumpre a função silenciosa de re-apresentar as ruas da cidade de São Paulo a partir de um fragmento, um tipo de micro paisagem visível ao caminhante atento. 38 Figura 16. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2009. Foto: Bruna Rafaella Ferrer 39 Figura 17. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2009. Foto: Bruna Rafaella Ferrer 40 Figura 18. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. Foto: Bruna Rafaella Ferrer 41 A série de fotografias24 deste conjunto de trabalhos são recortes (enquadramentos) de resquícios materiais (manchas de tinta, de óleo em contato com a água, marcas em baixo relevo em cimento, depósito de poeira nas frestas de pneus de carros estacionados por um longo período) encontrados no pavimento da cidade durante caminhadas. Estes vestígios são revelados e escolhidos ao acaso, geralmente no meio do trajeto de atividades corriqueiras, não havendo, necessariamente, um planejamento preciso para tomadas dessas imagens (escolha de um lugar exato, horário, ângulo de enquadramento, etc.). Dessa forma, a experiência imediata que é estabelecida com o cotidiano é estendida, possibilitando a suspensão do tempo corriqueiro, ainda que momentaneamente. Esta suspensão de tempo acontece quase instantaneamente, no momento de tomada da fotografia, e paralelamente se dá com um distanciamento espacial (numa pequena escala) no olhar dos vestígios escolhidos para registro fotográfico nessa série. Em sequência, temos uma extensão desse tempo posto momentaneamente em suspensão, na fixação dessa imagem em fotografia. A experiência que avança para o espaço (em relação às ações anteriores) nessa série de fotografias é ponto crucial para o entendimento das questões levantadas por esta pesquisa. Esta experiência acontece como reconhecimento de um novo ambiente. Nesse processo os sentidos se dispõem numa zona fluida de relações dialéticas que congregam energias entre grandes e pequenas escalas, entre o fixo e o transitório, entre realidade (“ver” a rua em uma caminhada) e invenção (“ver” a rua através da janela da fotografia). A imagem da fotografia é uma prova incontestável e fragmentada deste momento único, registro do vestígio, uma reapresentação, o recorte de um trajeto, de uma caminhada. Dessa forma, são extraídas marcas mais residuais, índices de ações corriqueiras que passam muitas vezes despercebidas nas ruas de São Paulo, abarrotadas de imagens concebidas dentro da gama lógica da produção e do consumo (além do trânsito rápido de pessoas e transportes). Longe dos outdoors, são evidenciados desenhos próprios do pavimento da cidade. As ruas da cidade são recortadas pela fotografia, apresentada através de sinais da ação humana, demonstrando como a cidade pode apresentar um campo aberto para ser examinada em seus elementos visuais ou reconstruída (simbolicamente) desde seus vestígios materiais fragmentados. 24 Série composta por seis fotografias coloridas e sem títulos, apresentadas no formato de im- pressão digital a laser sobre papel fotográfico nas medidas de 1,20 x 0,80m, em média. 42 Figura19. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2009. Foto: Zeca Viana 43 Nessa trajetória que compõe os processos específicos de Arqueologia do presente, da gravura à fotografia, fica latente uma relação indicial entre essas duas formas de produção. O índice, ora adquirido diretamente com tinta e ferrugem através da gravura, ora fixado através da disposição luminosa dos feixes que rebatem do objeto e formam a imagem na fotografia, se relacionam conceitualmente nos processos desse trabalho. Nesse sentido pode-se ampliar a discussão trazendo como referência processos artísticos que lidam ontologicamente com a questão do vestígio, como é o caso do artista inglês Richard Long (1945 - ). Embora o artista não trabalhe diretamente com o campo urbano, o seu processo dialoga com esta pesquisa a partir do embate corporal com o espaço na produção de marcas residuais presentes em seu trabalho. 44 Figura 20. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. Foto: Bruna Rafaella Ferrer 45 Em suas ações, a interação com o espaço chega mesmo a transfigurar elementos “brutos” (como, por exemplo, lama, grama, pedras). Seja nas suas esculturas, pinturas, gravuras ou textos, a proposta do artista é criar marcas nos seus lugares de passagem (geralmente expedições realizadas em locais ermos, distanciados dos centros urbanos) e utilizar a matéria-prima do entorno, como “Simple creative acts of walking and marking” (LONG, Richard Long official website, s.d.)25. Em River Avon Mud Hand Circles, realizado a primeira vez em 1989 e exposto na Sperone Westwater Gallery, em Nova York, cria um grande círculo (cerca de 2 metros de diâmetro) composto por marcas de suas mãos cobertas de lama do rio Avon, Inglaterra (onde o artista empreendeu uma longa jornada naquele ano e que gerou diversas obras). Nesse trabalho, o artista cria um desenho contínuo e circular no qual a repetição cria um efeito de ilusão de movimento, que ainda é sugerido pela repetição rítmica, indicando um intenso trabalho corporal. Figura 21. River Avon Mud Hand Circles, de Richard Long. Jesus College, Cambridge, 1996. Foto: Gwil Owen 25 Trecho do texto do artista sobre seu trabalho na página de abertura do seu site oficial. Di- sponível em: http://www.richardlong.org/index.html. Acessado em 26 ago. 2011. 46 Há que se observar que apesar das semelhanças formais do trabalho de Richard Long e imagens de marcas de mãos carimbadas do período paleolítico encontradas nas paredes de cavernas europeias (de várias regiões), as interpretações têm diferenças incisivas em cada caso. No segundo caso, os estudos apontados anteriormente sobre o período relacionam, em grande parte, esse tipo de produção imagética com práticas de xamanismo. No trabalho de Long não observamos um sentido místico, pelo contrário, a simplicidade do gesto de depositar uma marca de seu corpo em determinado espaço, como metáforas dos caminhos demarcados durante sua longa e solitária caminhada, registros dos movimentos em dimensões reais do próprio artista, pode ser entendido como uma espécie de declaração existencial, de afirmação de (sua) condição humana. Em 1964 Long realiza seus primeiros experimentos com Earthworks, trabalhando a ideia da impermanência das coisas, tema recorrente no trabalho do artista ao longo de sua carreira. O uso de “longas caminhadas” como uma forma de arte foi introduzido na produção do artista em 1965, com a produção de A Line Made by Walking, na qual o artista demarcou uma “linha” em baixo relevo no trecho caminhado por alguns minutos sobre um terreno gramado, e fotografou o resultado. Seja utilizando monotipia, fotografia ou performance como recursos expressivos da série Arqueologia do presente, estes meios foram empregados como formas de promover a “captura” de texturas e resíduos da cidade e estabelecer com estes elementos relações diversas do seu caráter original. Dessa forma, realizando-se uma atividade aproximada da arqueologia (ainda que a operação desta disciplina aconteça no sentido de, junto com o fragmento, buscar o contexto original de quem produziu esses vestígios), quando esta disciplina promove, por assim dizer, uma “apropriação” de estratos residuais humanos, dando-lhes (múltiplos) sentidos. Pensar nas possibilidades que os fragmentos abandonados, ou pequenos vestígios podem proporcionar para uma prática artística é estabelecer uma relação sensível e expressiva com o espaço cotidiano e uma forma de problematizar nossa presença e ação nos ambientes da vida contemporânea. Um dos pontos que pode ser levantado pelas experiências artísticas da série Arqueologia do presente (e de outros artistas estudados), entre outras relações, fazendo uso de fragmentos das grandes cidades, alerta para o uso indiscriminado de seus recursos, ainda que de forma microscópica. 47 Figura 22. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2009. Fotografia digital. Foto: Bruna Rafaella Ferrer. 48 1.3 Corpo e espaço arquivados: uma experiência háptica de registro A série mais recente do trabalho Arqueologia do presente traz um tipo de atividade em que o corpo (e a relação temporal da experiência da produção artística) age de forma mais intrínseca, impregnando outros sentidos além da centralidade do olhar da série anterior de fotografias que capturam texturas do pavimento de ruas da cidade de São Paulo. O trabalho é o registro em fotografia do resultado da pressão por alguns minutos de pequenos objetos de metal que, por sua vez, geram grafismos na pele. Índice de uma ação corporal, marcas que nos remetem àquelas provocadas pela pressão das dobras dos lençóis em contato com a pele, percebidas após horas de sono. Monotipias sobre a pele. Fragmentos de metal são impressos sobre a pele, e a pele fragmentada na fotografia. Em pele e pressão, na marca, em seu registro fotográfico, na forma de apresentação efêmera dessas fotografias, tudo se esvai. Tudo é efêmero. O processo firma o poliformismo e a vulnerabilidade do corpo-suporte deste trabalho, que tenta incansavelmente se inscrever, ressignificar. Contudo este corpo se apresenta anonimamente (não fixado em sua identidade). Matéria viva congelada, ação fotografada, que incita questionamentos sobre representação (apropriação) e memória (documentação). Este corpo se anima de forma exploratória e instintiva à medida que se afasta de um ego, revelando os índices de uma ação ligada ao universo orgânico. O corpo explora os objetos do mundo por contato, através do sistema háptico, de onde derivam sentidos através das reproduções fotográficas da Arqueologia do presente. No livro Corpo e comunicação: sintoma da cultura, de Lucia Santaella, uma das teses principais gira em torno da tentativa de ampliar a discussão sobre as novas dimensões que o corpo apresenta na contemporaneidade, rompendo com os antigos paradigmas que impunham limites claros e opostos na experiência perceptiva (como relações de separação entre o dentro e fora, o natural e o artificial), percebendo as interfaces possíveis entre o corpo e a tecnologia. Nesse texto a autora dedica uma parte especial para tratar o sistema háptico. Segundo a autora, o sistema háptico é um sistema exploratório de percepção complexo que inclui o corpo inteiro (seus receptores são mecânicos e seu órgão anatômico é a pele em toda a extensão do corpo, incluindo músculos, juntas, ligamentos e aberturas), capaz de fazer o indivíduo obter informações sensórias tanto sobre seu corpo quanto sobre o ambiente. “É através desse sistema que o ser humano literalmente entra em contato com 49 Figura 23. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. Fotografia digital. Foto: Zeca Viana. 50 o ambiente” (SANTAELLA, 2004. P.43). Podemos explorar coisas com os olhos, mas não podemos alterar o ambiente com os olhos. Entretanto, podemos tanto explorarquanto alterar o ambiente com as mãos. Do mesmo modo, a boca também faz parte do sistema háptico, é perceptiva e executiva. É usada para sentir, perceber e comer” (SANTAELLA, 2004. p.44). É por conta desse sistema perceptivo que temos a sensação conjunta ao perceber as superfícies ambientais e as formas de disposição do corpo em contato com tais superfícies. Assim, quando deitamos a cabeça no travesseiro sentimos tanto a forma do travesseiro quanto a forma da nossa cabeça repousada no travesseiro. Pensar o funcionamento do sistema háptico nos faz rever o conceito do sentido do tato, normalmente relacionado de forma estrita à percepção por proximidade em duas dimensões. Se num primeiro momento da produção artística da Arqueologia do presente o corpo é evidenciado, aparecendo nos registros de performance em vídeo em sua completude, em movimento, nessa série mais recente ele é fragmentado. Se num primeiro momento as questões que impulsionavam e faziam parte do processo de produção se relacionavam com o poder da presença de determinado corpo e da fisicalidade dos gestos da performance, nessa produção mais recente de fotografias diversos recursos “recortam” o corpo requerendo um outro tipo de reflexão. Esse recorte significa uma espécie de “abstração” do corpo, que é obtida nas fotografias dessa série mais recente, através principalmente de dois recursos: a ampliação e aproximação da marca feita sobre a pele, dificultando a identificação de qual parte do corpo é fotografada; e o uso das cores preta e branca no lugar das cores reais de tons da pele. Esta está menos ligada ao discurso do corpo individualizado do artista, e mais relacionada às formas de significação do corpo tendo em vista diferentes modos de ser e de sentir no ambiente urbano, o corpo sendo explorado diretamente pelo seu sistema háptico. Quando a monotipia passa a utilizar como suporte a pele ao invés do tecido, acontece um registro “rudimentar” que configura o novo procedimento que é erigido através de um segundo suporte, a gravação fotográfica que registra o corpo como força motriz e suporte para estas impressões efêmeras. Esta ação se aproxima das atividades gráficas pré-históricas de maneira inversa – ao invés de um índice corporal ser gravado no espaço, elementos do espaço são usados para deixar marcas pelo corpo. Esta série compreende um conjunto de quatro fotografias realizadas no ano de 2010. A série utiliza novamente os objetos de metal descartados da arquitetura e encontrados em feiras de usados de forma diferente àquela utilizada nas outras séries. Situo a apropriação de tais materiais novamente em relação ao 51 surrealismo, tanto por sua incorporação fetichista quanto pelo resultado das imagens fotografadas. Estes [os surrealistas] foram os primeiros artistas a explorar as feiras de antiguidades para resgatar a estranha beleza dos objetos deixados à margem de uma sociedade pré-industrial. Dejetos e anacrônicos, estes objetos revelam outra face do progresso, resgatando lugares esquecidos e redimindo-os do esquecimento26. Em uma leitura paralela sobre esse tipo de prática, aquela que iria explorar a feira de usados como fonte de matéria-prima, Nicolas Bourriaud (1965 - ) enfatiza a ideia de uma bricolagem como uma prática comum e cada vez mais presente a partir das produções dos anos de 1990, onde um objeto antes utilizado de forma determinada no momento em que fora produzido passa a encontrar e gerar novos sentidos nas feiras de usados. Por que o mercado se tornou a referência ubíqua das práticas artísticas contemporâneas? Em primeiro lugar, porque representa uma forma coletiva, uma aglomeração caótica, borbulhante e sempre renovada, que não depende de uma autoria individual: um mercado é formado por múltiplas contribuições pessoais. Depois, porque, no caso das feiras de coisas usadas, é um local onde se organiza, bem ou mal, a produção do passado. Por fim, porque o mercado encarna e materializa fluxos e relações humanas que tendem a se desencarnar com a industrialização do comércio e o surgimento do comércio eletrônico. A feira de usados, portanto, é o lugar para onde convergem produtos de várias procedências, aguardando novos usos.27 O material que deu início à série volta a chamar a atenção. Desta vez, a matéria-prima usada para marcar a pele é escolhida em meio a pequenos objetos de metal (maçanetas de porta, detalhes de cabides de roupa, objetos de decoração) que serviriam à nova série de fotografias em preto e branco (cada objeto de metal gera uma fotografia), juntando as técnicas de gravura e performance experimentadas no começo da pesquisa. Limitar o cromatismo ao uso de preto e branco nessa série de fotografias é uma maneira de obter a fotografia como desenho da sobra (ocasionada pelas marcas em baixo relevo que criam um jogo de claro e escuro, luz e sombra). Uma maneira de aproximação do dispositivo fotográfico, em sua forma elementar, que “dá-se literalmente como escrita pela luz (foto-grafia)” (DUBOIS, 1993, p. 118). 26 Cf. FREIRE, Cristina. “a cidade imaginária - a cidade dos artistas” In: Além dos mapas. Os monumentos no imaginário urbano contemporâneo. São Paulo: SESC/ Annablume/ FAPESP, 1997, p.62. BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. São Paulo: Martins, 2009, p. 27. 27 BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como arte reprograma o mundo contemporâneo. 52 Figura 24. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. Fotografia digital. Foto: Zeca Viana. 53 Figura 25. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. Fotografia digital. Foto: Zeca Viana. 54 Sendo esses objetos em formatos menores do que os objetos utilizados nas séries anteriores, foi possível manuseá-los com maior propriedade. O toque frio de uma maçaneta que não saía das mãos, ávidas em encontrar uma forma de apropriação fez com que ela imprimisse uma marca em baixo relevo na palma da mão – o contato de corpo e objetos de metal num movimento parecido com o tipo de dança realizada nas performances com gravuras em tecido. Dessa vez, o contado se faz direto em carne; nessa quase fusão com o objeto de metal deixa marcas que desaparecem em segundos; a fotografia captura esse momento. Quando falo dos meios técnicos empregados ao longo da produção dos trabalhos da Arqueologia do presente, não há uma pretensão de firmar um suporte material como essência única dessa prática artística. Antes, a ênfase aos materiais e a questão indicial dos objetos trabalhados na pesquisa são retomados assumindo uma prática artística temporal e processual, colocando o foco de reflexão na temporalidade da experiência de cada artefato artístico. Essas fotografias passaram por diversas formas de apresentação e reprodução através de diversos dispositivos de registro, exibidos em diferentes locais, acumulando novas experiências ao processo de trabalho, desdobrando outros sentidos de acordo com determinados contextos de circulação dessas imagens. As quatro fotografias desta série já foram expostas em pequeno formato (tamanho 29,7 x 42 cm) na ocasião da exposição individual do ano de 2010, na galeria do Sesc Casa Amarela em Recife; como cartazes lambe-lambe, na exposição coletiva DESIGNO, realizada em 2010, na galeria Dumaresq em Recife; ainda em formato lambe-lambe, nas ruas da cidade de Recife, Buenos Aires e São Paulo entre os anos de 2010 e 2011; e, por fim, como vídeo em slides de fotografias dos cartazes lambe-lambe fixados em ruas da cidade de Buenos Aires e São Paulo, na ocasião da exposição Coletivo 2011 (ao lado de uma fotografia em lambe-lambe)28. 28 Exposição coletiva dos trabalhos artísticos finais dos alunos do mestrado em artes visuais pela Faculdade Santa Marcelina. 55 Figura 26. Vista do trabalho da série Arqueologia do presente na abertura da exposição Coletivo 2011. São Paulo, 2011. Foto: Zeca Viana Este trabalho parte mais da intençãode uma ação com o campo urbano do que com a construção de objetos. Nesta última série temos uma reunião dos processos que anteriormente experimentamos (operação de olhar atento, embate performático com determinados objetos, produção de marcas – gravuras – e registro fotográfico), além de sintetizar todas os desígnios e conceitos trabalhados nas séries anteriores, que estabelecem o recorte do embate corporal com a arquitetura da cidade, e a captura de um vestígio desse “achado” (encontro) efêmero. Esta série de trabalhos apresentados pelo recurso de lambe-lambe (impressão de baixo custo, fixado de forma descartável) remonta vestígios/registros de ações efêmeras em novos objetos também efêmeros. O objeto artístico torna-se assim volátil, sugerindo certo teor de imaterialidade presente no tipo de produção que lida com elementos formais e conceitos da transitoriedade, reforçando a ideia de uma ação/performance, mais do que um “monumento”, trabalhando o limite da memória (ou da percepção do tempo presente), que vive na tensão do lembrar/esquecer, construir/destruir. “Nesse sentido, o presente reinventa a história na ânsia de inventar a si próprio, adensando-se de passado e futuro. Arqueologia do presente é uma das invenções” (DINIZ, 2010) 29. 29 Texto crítico de Clarissa Diniz para exposição individual Arqueologias do presente, no Sesc Casa Amarela, em Recife, no ano de 2010. O texto “Arqueologia de um presente contínuo” está disponível em: http://bruna-rafaella.blogspot.com/2010/05/arqueo- logias-do-presente-projeto-vias.html. Acessado em 26 ago. 2011. 56 As fotografias das marcas sobre a pele são vestígios que sugerem uma relação temporal com o fotografado que vai além da duração real própria da ação que capturou o instante da tomada. Paradoxalmente estendem o tempo interno da experiência da feitura das marcas, imobilizando um fragmento do corpo – subtraído de um espaço do entorno onde foram realizadas as marcas na pele nestes trabalhos. Na contínua elaboração de múltiplos dessas imagens fotográficas, existe uma articulação entre a impermanência temporal da ação que gera o registro fotográfico (no caso do uso de cartazes lambe-lambe essa relação se faz ainda mais evidente, visto que esse meio tem um período curto de duração, especialmente numa mostra temporária em uma galeria) e a extensão dessa ação específica, através de seus diferentes registros, diversas maneiras de afirmação da condição de existência dessas marcas. Decorrente desse processo em gerúndio (onde uma marca efêmera é prolongada pelo registro), como em outros processos a partir das últimas duas décadas que incorporam o movimento, a processualidade e a temporalidade, por vezes é difícil de identificar ou classificar o que é objeto de arte em meio a uma extensa gama de resíduos participantes da experiência artística. Por isso, por vezes uso o termo “artefato artístico” para designar esses objetos. Entendo que os principais atos de sentido desta pesquisa, e principalmente nesta última série de trabalhos, se concentram na reflexão da experiência do corpo se relacionando com objetos da arquitetura da cidade e das imagens- registro resultantes dessa ação, fruto da impermanência do tempo presente e vetor de diversos tipos de agenciamento e circulação de artes visuais. Dessa forma, empreende-se uma crítica ao sistema de produção artística que trabalha com a ideia de produtos únicos, uma espécie de sacralização regida pela lógica de consumo de arte que, por via de regra, tende a valorizar expressões mais tradicionais das artes visuais em detrimento de obras de caráter de reprodução (provável resquício, ou restituição, da aura30 da obra). Ainda assim, especialmente a partir da década de 1960, o mercado, e os equipamentos institucionais culturais assimilaram o recurso da fotografia em termos de igualdade com aquelas obras de caráter único. A partir de então são criados novos princípios 30 O autor Douglas Crimp diria que a produção fotográfica contemporânea (sua “atividade fotográfica pós-moderna”) teria adquirido um novo de tipo de aura, “só que esta agora é uma função não de presença e sim de ausência, e é desprovida de origem, de alguém em sua origem, de autenticidade. Em nossa época, a aura tornou-se apenas uma presença, em outras palavras, um fantasma.” Cf. CRIMP, Douglas. “A atividade fotográfica no pós-modern- ismo”. In: Sobre as ruínas do museu. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.113. 57 de conhecimento e regras de mercado31 fotográfico que põem a fotografia no patamar de “fotografia artística” (diferente da fotografia jornalística, de moda, científica, etc.), com grandes fotógrafos e seus exorbitantes preços de mercado. Esta série de trabalhos tanto explora a possibilidade, enquanto tecnologia reprodutora, de circulação das imagens da Arqueologia do presente em diversos lugares da cultura (nas ruas, em museu, em galeria de arte), como a possibilidade de autoapropriação – o uso dos resíduos de uma mesma ação em diversos meios de registro. Nesta série de trabalhos mais recentes em fotografia, os diversos procedimentos anteriormente experimentados são reconfigurados, sintetizando criticamente a crise da representação, e, consequentemente, do tempo e do espaço, reforçando um discurso sobre a efemeridade (ou a velocidade) das coisas – como dos artefatos produzidos na pesquisa. Vale lembrar que essa série específica é exibida no formato lambe- lambe, formato de impressão digital sobre papel de média qualidade que é feito com o propósito de ser descartável. Na ocasião em que essas fotografias foram expostas, eram fixadas diretamente na parede do espaço expositivo e ao fim da exposição descartadas. Diante do problema da representação, ou do tempo-espaço, a experiência corporal, a materialidade do entorno e o processo de construção de “materialidades” surgem como significação possível, como ponto de partida para discussão sobre os diversos usos de recursos semelhantes ao longo da história da arte contemporânea. Sejam expostas como lambe-lambe dentro da galeria, nos muros das ruas da cidade ou em vídeo com slides que mostram as fotografias dentro do contexto da cidade, essas imagens não podem ser entendidas apenas em sua dimensão documental, pois implicam um discurso e sentidos de acordo com o contexto em que são expostas (não poderíamos deixar de pensar, por exemplo, no teor crítico das fotografias apresentadas como cartazes descartáveis dentro de uma galeria comercial). Elas são mais um desdobramento processual do trabalho, um modo de atualização do artefato artístico, documentações reprocessadas com valores próprios, num contínuo movimento de distanciamento e aproximação com o contexto referencial que reafirma a problemática do tempo presente evocada nesta arqueologia através de (re) apropriações de resíduos do espaço urbano. 31 Muitas galerias comerciais exigem o comprometimento jurídico do artista de limitar o núme- ro de cópias de uma mesma imagem. Grande parte das galerias comerciais de arte no Brasil trabalha com o limite de cinco cópias por imagem fotográfica. 58 Figura 27. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. Fotografia digital. Foto: Zeca Viana. No livro Dispositivos de registro na arte contemporânea: uma questão de registro, organizado por Luiz Cláudio da Costa, são reunidas uma série de artigos que abordam experiências artísticas pós II Guerra Mundial, pensando como o registro em obras de caráter documental pode extrapolar a ordem de uma simples prova da existência de determinado objeto, adquirindo caráter simbólico, status de relativa autonomia e singularidade. Na introdução de Costa, ele trata da importância da “imagem-documento”32 ocasionada pelos diversos desdobramentos nos registros de um trabalho artístico, analisando como ela vem levantar uma reflexão sobre a temporalidade presente e sua potencialidade ao gerar novos sentidos a partir da atualizações recorrentes
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