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Arqueolodia do presente

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FACULDADE SANTA MARCELINA
PROGRAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADUADOS EM ARTES
(MESTRADO ACADÊMICO)
ARQUEOLOGIA DO PRESENTE: PROCESSOS ARTISTICOS
Bruna Rafaella do Carmo Ferrer de Morais
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em 
Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina, como 
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre. 
 ORIENTADORA: Dra. MIRTES MARINS DE OLIVEIRA
SÃO PAULO
2011
Dissertação apresentada perante a seguinte banca examinadora:
 
 ______________________________________________________
 Dr. Mirtes Marins de Oliveira (Presidente da Banca)
 
 ___________________________________________
 (Docente Interno)
 ___________________________________________
 (Docente Externo)
 
São Paulo, de de 2011.
Para meus avos maternos, D. Lulu e Seu Antônio 
in memoriam
Agradecimentos
Agradeço a colaboração e o apoio de Zeca Viana, Cyane Pacheco, Lylian 
Rodrigues, Mirtes Oliveira, Lisette Lagnado, Luise Weiss, Marcos Moraes, Chris 
Mello, Marina Noguti, Fabiola Notari, Lyara Oliveira, Lilian Soares, Carlos Lima, 
Camila Valones, Caio Bachmann, Aluisio Ferrer, Professor Claudio Silva, Maria 
José do Carmo, Rosimary do Carmo e Angela Feôla. 
Resumo.....06
Abstract.....07
Introdução.....09
Capítulo I.....16
Processos de trabalho de Arqueologia do presente.....16
1.1 Impressões como gesto: primeiros processos.....18
1.2 Da gruta a galeria: a caminhada e seu registro como processo.....31
1.3 Corpo e espaço arquivados: uma experiência háptica de registro.....48
Capítulo II.........
Cidade dos artistas......... 
2.1 Arqueologia como experiência estética.....62
2.2 Precursores da experiência estética na cidade:......... 
breve levantamento histórico.....64
2.3 Paulo Bruscky: poesia urbana.....71
2.4 Gordon Matta-Clark: cidade documentada.....75
Capítulo III.........
Fotografia como vestígio.....84
Considerações finais.....98
Índice de ilustrações...104
Referências Bibliográficas...108
Sumário
6
Resumo
A presente dissertação, desenvolvida no âmbito da pesquisa de natureza 
artística e intitulada Arqueologia do presente: processos artísticos, tem como 
foco principal de análise um grupo de trabalhos próprios – entre gravuras, 
performances e fotografias – realizados entre os anos de 2005 e 2011. O 
presente estudo visa analisar uma série de procedimentos de apropriação 
de vestígios, como artifício para produção de trabalhos artísticos, a partir de 
trabalhos próprios e de um diálogo com estratos de atividades artísticas que 
remontam manifestações cujo enfoque é dado a partir da segunda metade 
do século XX, em obras de artistas nacionais e internacionais. O intuito é o de 
estudar uma pequena parte da produção artística contemporânea. No lugar 
de escavar, observar. No lugar de classificar, aproximar. De forma a entender 
que o processo (artístico) escolhido para o atual estudo mantém uma relação 
de livre apropriação e inspiração com a metodologia arqueológica, que se 
apropria simbolicamente de um artefato, fruto de criação do ser humano, 
dando-lhe “novos” sentidos, atualizando determinado objeto de modo a 
ampliar a compreensão do seu momento específico de vida útil. 
7
Abstract
The current dissertation was developed under an artistic research intitled 
Archeology of the present: artistic processes, it has the main focus of analysing 
a group of own works - including prints, performances and photographs - 
conducted between 2005 and 2011. This study analyzes a series of procedures 
for the appropriation of traces, as a device for production of artwork from own 
works and a dialogue with strata of artistic expressions that go back focus from 
the second half of the century XX, in works of national and international artists. 
The aim is to study a small part of contemporary artistic production. Instead of 
digging, observe. Instead of sorting, approach. In order to understand the (art) 
process chosen for the current study maintains a list of free appropriation and 
inspiration with archaeological methodology, which symbolically appropriates 
an artifact, the result of man’s creation, giving it a “new” way, updating certain 
object in order to broaden the understanding it’s particular time of life.
Introdução
9
Assim como os fluxos migratórios, o contínuo trânsito acelerado de 
pessoas, de informações e tecnologia nas grandes metrópoles é, sem dúvida, 
uma importante marca da atualidade. Este movimento é catalisador de 
dinâmicas específicas que enfatizam o transitório nos mais diversos campos 
do saber, como no território das artes visuais contemporâneas. 
Tal movimentação vem gerando mudanças incisivas nos procedimentos 
artísticos e no cenário institucional cultural brasileiro, especialmente depois da 
década de 1960. Logo uma questão fica latente na amplitude desta temática: 
seria a condição temporária, efêmera primordial nas concepções das práticas 
artísticas atuais?
Acomodados num regime inevitavelmente capitalista no qual o valor 
monetário é quantificado pelo tempo empregado em determinada atividade, 
o momento destinado ao consumo da arte nos centros urbanos passa a ser 
cada vez mais raro, ou mais veloz. O olhar acelerado também impede uma 
contemplação mais plena da cidade e das relações que nela se instauram.
Diante da grande quantidade e velocidade com que as informações 
são criadas, armazenadas, transmitidas e descartadas entre as pessoas, por 
diversos meios, o fator efemeridade vem sendo uma característica cada 
vez mais marcante na sociedade contemporânea. Nesse contexto, o modo 
de perceber e se relacionar esteticamente com o mundo indicam uma 
instauração da fugacidade no universo simbólico e material da produção 
artística atual. Com as transformações causadas principalmente a partir do 
período da Revolução Industrial, o impacto das inovações tecnológicas, nas 
mais diversas áreas, vem modificando a vida das pessoas ao longo do tempo. 
Estas mudanças geram incisivas reformulações na maneira de perceber 
e dialogar com o mundo, sendo desde então estudadas por teóricos em 
momentos distintos.
Podemos perceber esses primeiros estudos ainda no começo do século 
XX. Diante da velocidade vertiginosa das sequências de imagens e da euforia 
causada pela tecnologia revolucionária do cinema nesse período, o teórico 
Walter Benjamin (1892-1940) desenvolve o termo denominado percepção de 
choque para um comportamento que remete ao estado de choque, paralisia 
ante o excesso de informações. 1 Nas circunstâncias atuais, analogamente, 
temos outro tipo de experiência sensória, aquela que naturaliza a operação 
1 Quando Walter Benjamin analisa o cinema, principalmente no texto “A era da 
reprodutibilidade técnica”, o autor discute os efeitos provocados pela então nova 
mídia. Segundo o autor, a velocidade na sequência de imagens causaria uma 
espécie de paralisia, anestesia do olhar exposto a um excesso de informações 
(não processadas planamente). BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era da 
Reprodutibilidade Técnica. In: Magia e Técnica, Arte e Política. Obras Escolhidas, v. I – São 
Paulo: Brasiliense, 1985, p. 193. 
10
perceptiva própria da velocidade e da efemeridade, assimilando o choque. 
Nos dias atuais, mais especificamente no campo da arte, o excesso não 
implica necessariamente anestesiamento, diante da grande oferta de objetos 
e ideias, e da fugacidade que os mesmos são descartados, mas motiva 
reutilização e ressignificação. Como exemplo, através de diversas formas 
de uso da cidade, artistas propõem recortes deuma realidade no intuito de 
retirar camadas significativas de vestígios abandonados, e dessa operação 
emergem imagens que se revelam ao olhar atento, como um lapso de tempo 
– hiato de uma narrativa urbana ordinária –, crônica do silêncio no meio do 
caos. 
Dessas e de outras percepções se desenvolve o trabalho Arqueologia 
do presente, pesquisa composta de ações artísticas e teóricas que teve como 
ponto de partida, em 2005, experimentações utilizando como meio a gravura 
e, posteriormente, as linguagens da performance e da fotografia.
O termo arqueologia utilizado nesta pesquisa é apropriado 
e ressignificado. Ao invés de estudar e reconstruir um discurso 
especificamente histórico através de indícios materiais, pretende-se 
entender o funcionamento do mecanismo que rege as produções 
artísticas próprias que se dão a partir de vestígios. O meio pelo qual 
esta arqueologia (artística) pode criar, compreender e resgatar ações 
artísticas contemporâneas na cidade acontece através de um embate 
direto com o espaço urbano, e de um diálogo com obras e artistas nacionais e 
internacionais. Sendo assim, a dissertação Arqueologia do presente: processos 
artísticos vem levantar uma série de procedimentos artísticos próprios e de 
alguns estratos2 de atividades artísticas que remontam manifestações na 
cidade, como campo de investigação estética. O intuito é o de estudar 
uma pequena parte da produção artística contemporânea. No lugar de 
escavar, observar. No lugar de classificar, aproximar. De forma a entender 
que o processo (artístico) escolhido para o atual estudo mantém uma relação 
íntima com a metodologia arqueológica, que se apropria simbolicamente 
de um artefato, fruto de criação do ser humano, dando-lhe “novos” sentidos, 
atualizando determinado objeto de modo a ampliar a compreensão do seu 
momento específico de vida útil.
A dissertação é de natureza artística e tem como objetivo a análise de 
trabalhos artísticos próprios realizados entre os anos de 2005 e 2010, no âmbito 
das reflexões sobre procedimentos arqueológicos3 em relação, com os indícios 
2 Estrato arqueológico é a unidade básica do trabalho do arqueólogo em cam-
po. Cf. FUNARI, Pedro Paulo. “Como pensa o arqueólogo: do artefato à sociedade”. 
In: Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2010, p.29.
3 Segundo a concepção de arqueologia-artística desenvolvida nesta dissertação.
11
(vestígios) apropriados pelos seguintes artistas a saber: Paulo Bruscky, Gordon 
Matta-Clark, Richard Long, Man Ray, Yves Klein, Dennis Oppenheim e Vito 
Acconci. Para tal, procura-se elencar as diferentes referências e similaridades 
conceituais no campo da arte contemporânea entre o trabalho próprio e seus 
pares, expondo uma pequena coleção de textos, imagens e análise de alguns 
procedimentos artísticos em seu contexto, como uma maneira de contribuir 
com uma micro-história da arte através da leitura e exposição crítica desse 
conjunto.
Parte da atitude de referenciar distintos processos do campo artístico 
com igual atenção, bem como analisar processos artísticos próprios, vem do 
fato de perceber que trabalhar com artes visuais, e com a construção de 
conhecimento através de trabalhos artísticos, é elaborar pensamento a partir 
da própria atividade artística em relação com a história dessa atividade. É 
descobrir, através de procedimentos particulares na apropriação e re-
contextualização dos fragmentos, uma forma de dar sentido ao mundo e a 
uma existência individual. 
O artista, às voltas com o processo de instauração da obra, acaba por 
processar-se a si mesmo, coloca-se em processo de descoberta. Descobre 
coisas que não sabia antes e que só pode ter acesso através da obra4.
O cintilar5 de determinado objeto a ser apropriado enquanto obra num 
espaço cotidiano urbano, acontece como uma tomada de consciência por 
parte do artista do entorno como um espaço narrativo aberto, onde desejos, 
ficções, representações e formas alimentam o imaginário coletivo, que gera 
re-configurações e ressignificações particulares.
O nome Arqueologia do presente (aqui utilizado para designar a série 
de trabalhos artísticos próprios analisados ao longo desta dissertação) surgiu 
ao encontrar um elefante de brinquedo de cor azul semienterrado num 
pequeno espaço de areia numa calçada de concreto. Este fato aconteceu 
no ano de 2005 na cidade do Recife. A partir de então, o termo Arqueologia 
do presente passou a ser utilizado para uma série de pequenos objetos que 
eram encontrados pela cidade: cacos de vidro, penas de pássaros, pregos 
entortados, sem que isso tivesse alguma intenção artística até então, significava 
 
4 REY, Sandra. Por uma abordagem metodológica da pesquisa em artes visuais. 
In BRITES, Blanca; TESSLER, Elida. (Org.) O meio como ponto zero: metodologia da 
pesquisa em artes plásticas. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002, p.123.
5 O termo cintilar aqui é usado para designar poeticamente o processo de ativação de 
percepção do artista no momento de apropriação de determinado objeto como artefato 
artístico.
12
apenas uma pequena coleção. No mesmo período foi dado início às primeiras 
gravuras da pesquisa. Estas gravuras eram feitas a partir da extração e fixação 
sobre tecido da ferrugem de objetos de metal, fragmentos da construção civil, 
como portões, janelas, balaústres, entre outros. Muitas dessas gravuras foram 
exibidas em pequenas mostras independentes. Este processo foi modificado, 
e as gravuras passaram a ser realizadas com uso de tinta sobre as matrizes 
(objetos de metal), e carimbadas (colocando-as em contato) sobre tecido, 
o que facilitou o processo expandindo o campo de atuação, com o uso de 
objetos de metal em edificações da cidade. 
Depois desses experimentos, foram iniciadas outras pesquisas artísticas 
no âmbito do desenho, que tratavam de conceitos distintos das gravuras 
experimentadas anteriormente, e só após cerca de dois anos foram retomadas 
concepções ligadas ao termo Arqueologia do presente, numa série de 
fotografias que começou a ser realizada em 2009 na cidade de São Paulo e 
continuou durante o ano de 2010.
Os trabalhos artísticos próprios da pesquisa Arqueologia do presente 
em processo de análise nesta dissertação são (vídeo documental em anexo): 
cerca de dez gravuras sem título, feitas na cidade de Recife e Garanhuns (PE), 
entre os anos de 2005 e 2008; duas performances-gravuras feitas em Recife, 
uma realizada em 2006 e outra em 2008; uma série de sete fotografias sem 
título, feitas em São Paulo, nos anos de 2009 e 2010; e, por fim, uma série de 
quatro fotografias sem título, feitas na cidade de São Paulo no ano de 2010.
Gravuras sem título da série Arqueologia do presente (Recife, 2005-2007)
Série de gravuras feitas com técnicas de carimbo na extração de cópias de 
objetos ornamentais de metal de janelas, portões e grades em geral sobre 
tecido. Estas cópias são feitas ora transferindo a ferrugem destes objetos 
para tecido, ora revelando uma imagem a partir do depósito de tinta sobre 
os objetos em contato direto com tecido. Estes objetos são encontrados em 
ferro velho ou em edificações abandonadas da cidade e são escolhidos 
de forma a evidenciar as heranças da arquitetura da cidade, que chama 
atenção pelo contraste de sua forma heterogênea, onde elementos modernos 
convivem com elementos tradicionais de construção (por exemplo, inspirados 
no neoclassicismo francês – o caso da primeira gravura realizada em espaço 
público que aconteceu no edifício do Liceu de Artes e Ofício do Recife, 
edificação que possui esse tipo de construção arquitetônica). 
Performances-gravuras sem título da série Arqueologia do presente (Recife, 2006-
2008)
13
Usando a mesma técnica de extração de cópias de objeto de metal com 
tinta e tecido, descrita acima, a performance acontece quando é realizado 
o processo de feitura dessas gravuras sobre o tecido da roupa usada durante 
a ação. Ou seja, dessa vez o corpo inteiro precisa se mobilizar e pressionar as 
matrizes para obtenção de cópias defragmentos dos objetos de metais. Estes 
objetos são encontrados em ferro velho ou em edificações abandonadas da 
cidade. Resulta da performance de gravar as roupas usadas durante a ação, 
o registro em fotografias e vídeo. 
Fotografias sem título da série Arqueologia do presente (São Paulo, 2009-2010)
Fotografias coloridas de vestígios materiais encontrados no chão (calçadas 
ou ruas) depositados por outrem ao acaso. Essa série é composta de imagens 
de restos de tinta, marca de folha depositada em cimento fresco, manchas 
coloridas resultantes do contato de óleo (de carros provavelmente) com o 
chão molhado. A ampliação e impressão digital (jato de tinta sobre papel 
fotográfico) dessas fotografias são mensuradas de modo a aproximar as 
medidas reais dos vestígios encontrados na rua. 
Fotos-gravuras sem título da série Arqueologia do presente (São Paulo, 2010)
Fotografias que registram as marcas efêmeras em baixo relevo deixadas sobre 
a pele depois da ação de pressionar pequenos objetos de metal contra a 
mesma. A série de fotografias já foi exibida de três formas, em ampliações de 
pequeno a médio formato, com a técnica de lambe-lambe (onde 8 cartazes 
formam a imagem) e como vídeo de slides de registros das fotografias em 
lambe-lambe fixadas em muros nas ruas das cidades de Buenos Aires e São 
Paulo.
O texto da dissertação se desenvolve a partir dos seguintes capítulos: 
No capítulo 1, Processos de trabalho de Arqueologia do presente, são 
descritos e analisados os processos investigativos das séries de trabalhos 
artísticos da Arqueologia do Presente. O capítulo é subdividido em três pontos 
de abordagens distintos que se relacionam com as três séries de trabalhos 
artísticos desenvolvidos ao longo da pesquisa. O primeiro, denominado 
“Impressões como gesto: primeiros processos” traz uma abordagem 
processual e histórica sobre a gravura contemporânea. De um modo geral, a 
gravura contemporânea passa por múltiplas transformações em seu processo 
(tradicional) e nos seus conceitos. Nessas incursões atuais, percebemos que 
em alguns momentos as questões que permeiam a produção da gravura de 
14
alguns artistas contemporâneos promovem uma espécie de inversão, onde o 
processo pode tornar-se conceito, onde as reproduções gráficas tratam de 
questões ligadas às ações (e gestualidades) do artista. O segundo subcapítulo, 
“Da gruta à galeria: a caminhada e seu registro como processo”, reflete sobre 
a primeira série de fotografias da pesquisa e seu modo de operação, ligado 
ao ato de circular/transitar pela cidade como ação artística desde Dadá. O 
terceiro subcapítulo, “Corpo e espaço arquivados: uma experiência háptica 
de registro”, trata da relação de embate corporal com a cidade enquanto 
vivência e fonte de “memória”. Neste ponto é analisado o último trabalho da 
série, o qual é exposto como trabalho artístico final da dissertação.
No segundo capítulo, Cidade dos artistas, são analisados conceitos e 
processos artísticos que se dão como apropriação de vestígios no campo 
específico do urbano. São referências as propostas artísticas do movimento 
Dadá, Surrealismo e Situacionismo, e mais as ações dos artistas Paulo Bruscky, 
no subcapítulo “Paulo Bruscky: poesia urbana”, e do artista Gordon Matta-
Clark, o qual recebe tópico próprio no subcapítulo intitulado “Gordon Matta-
Clark: cidde documentada”, onde se concentra a reflexão sobre o caráter 
documental da obra do artista.
No capítulo 3, Fotografia como vestígio, são analisados conceitos teóricos que 
formulam a ideia de uma teoria da fotografia entendida como índice dentro 
da perspectiva da atividade fotográfica pós-moderna, em suas relações com 
as séries de trabalhos fotográficos próprios. 
Capitulo I
Processos de traba
lho da Arqueologia do presente
Capitulo I
Processos de trabalho da Arqueologia do presente
16
O trabalho artístico sob o título Arqueologia do presente surgiu do 
interesse em experimentar possibilidades artísticas tendo como base materiais 
encontrados principalmente pelas ruas da cidade. O encontro com tais 
objetos – ou a redescoberta destes – se dá através de investidas diretas em 
determinados locais que passam a chamar a atenção à medida que é 
percebida uma extensa gama de sinais e rejeitos disponíveis: uma edificação 
abandonada, a calçada de uma rua, uma rodovia, um ferro velho, um quintal, 
etc. A partir de andanças mais ou menos ordenadas neste sentido e da prática 
constante de um olhar atento que celebre as estruturas particulares do local 
escolhido, determinados objetos – escolhidos ao acaso, pela sua possibilidade 
de apropriação – passam a ganhar outro sentido. 
Os objetos apropriados nos trabalhos artísticos da pesquisa são 
encontrados especialmente nas ruas das cidades e registrados de diversas 
formas (com gravura sobre tecido, através da fotografia de vestígios da ação 
humana, e por meio de um embate corporal que produz marcas sobre tecido 
e sobre a pele). Tais resíduos, quando extraídos de sua rede de significados 
originais e reenquadrados no horizonte do fazer artístico, geraram três séries 
que formam o conjunto de diversas experimentações artísticas desenvolvidas 
ao longo de cinco anos (de 2005 a 2010). A primeira acontece principalmente 
na cidade de Recife, e se relaciona com as técnicas de gravura; nela é 
extraído e fixado o vestígio formal de objetos de metal da construção civil 
sobre tecido. A segunda realiza a produção do registro fotográfico de diversos 
resquícios materiais encontrados no pavimento da cidade de São Paulo. E a 
terceira constrói marcas em baixo relevo a partir do contato de objetos de 
metal sobre a pele (e estas marcas efêmeras são fotografadas).
Embora cada série, separadas em três momentos distintos, possua 
recursos midiáticos próprios, todas fazem parte do mesmo processo de 
trabalho e reflexão; assim, nenhuma das séries possui título, sendo cada uma 
delas parte integrante do corpo maior chamado Arqueologia do presente. 
As primeiras experiências dessa pesquisa artística focam o campo da 
gravura e da performance e aconteceram quase sempre na cidade de 
Recife6. O resultado material dessa investigação é
uma série de gravuras sobre tecido e impressões com objetos de metal a) 
usados como matriz sobre roupas (as roupas são utilizadas como suporte 
para impressão, no caso da performance), totalizando dez gravuras 
sobre tecido de algodão cru, e quatro peças de roupas; 
6 Exceto na ocasião da realização de uma residência artística no XVII Festival de Inverno de 
Garanhuns (Garanhuns – PE, 2007).
17
uma série de fotografias do registro de performance, totalizando cinco b) 
imagens; 
 um registro em vídeo de uma segunda performance realizada tanto c) 
em espaço público quanto em ambientes internos de edificações 
privadas. 
18
1.1 Impressões como gesto: primeiros processos
A primeira série de trabalhos realizados nessa acepção se deu no ano 
de 2005 em Recife. Objetos que integram construções arquitetônicas, e outros 
encontrados em fragmentos descartados em ferros velhos serviram de base 
para esta primeira série de investigações. Nesse período, o trabalho consistia 
no desenvolvimento de monotipias7 cujas matrizes eram portões, janelas, 
basculhantes, entre outros objetos de metal encontrados através de pesquisas 
in loco, mas também nos trajetos cotidianos, em caminhadas pelas ruas e 
pelos bairros mais centrais da cidade. O trabalho começou a se desenvolver 
primeiramente a partir de expedições realizadas em um dos maiores ferros- 
velhos da cidade com o desejo de apropriação dos objetos desse espaço.
A monotipia como técnica de gravura foi usada nessa série como modo 
de capturar índices8 dos objetos escolhidos para experimentação, de forma 
a apresentar (ou reapresentar) sua origem estrutural e um desenho. Como 
exemplo, por meio do pequeno espaço no tecido marcado pela imagem 
impressa da maçaneta, tem-se a imagem mental de toda a fechadura, 
além de uma série de signos que tomam corpo de um desenho autônomo. 
Importantetambém é a presença da matéria-prima da matriz, que passa 
a impregnar o tecido, no caso das primeiras experiências com extração da 
ferrugem. Nesse processo, determinado objeto de metal oxidado é sobreposto 
em contato com um tecido de algodão embebido em uma solução de água 
com cola branca. Após alguns minutos desse contato, parte da ferrugem 
desse objeto se adere ao tecido, mantendo as formas estruturais da matriz/
objeto de metal. 
Aparentemente simples e objetivo, esse processo revela a marca 
de uma singularidade, a (re) apresentação de uma materialidade 
específica repassada nas monotipias. Essas gravuras vêm afirmar 
determinada presença material e formal através de sua existência 
inseparável das matrizes de metal, nas suas marcas referenciais 
comprovadas pelo desenho da matriz e pelos vestígios de fragmentos 
de metal oxidados colados sobre o tecido.
A impressão nessa primeira série, bem como em processos posteriores, se 
concentra na possibilidade de estender (espaço-temporalmente) o instante 
de uma vivência (o de captura de matéria) e enfatiza a condição material 
dos artefatos apropriados como matriz.
7 Processo híbrido de gravação que realiza uma impressão única feita a partir de uma matriz 
previamente trabalhada (entintada, desenhada).
8 O conceito de índice será estudado mais detalhadamente ao longo do terceiro capítulo 
desta dissertação. 
19
 
Figura 1. Processo de impregnação de ferrugem em tecido. Recife, 2005. Foto: 
Bruna Rafaella Ferrer
Depois de diversos experimentos realizados com este procedimento 
de extração de ferrugem, foram feitas impressões a partir do mesmo tipo de 
matriz de metal, agora extraindo a forma estrutural desses objetos (não apenas 
encontrados em ferro-velho, mas também em edificações nas ruas da cidade) 
realizando um carimbo com tecido sobre a matriz entintada. Ao pressionar 
esse s objetos entintados sobre tecido de algodão cru, se extrai impressões 
por contato, simplificando consideravelmente o processo em relação àquele 
que impregnava o tecido com ferrugem.
Em resumo, esse primeiro conjunto de trabalhos é de cerca de dez 
monotipias feitas com técnicas de extração de ferrugem ou no contato da 
matriz entintada com tecido. Foram expostos, separadamente, em pequenas 
mostras independentes9. Apenas no ano de 2010 esta série de gravuras, o 
registro da performance em vídeo, uma peça de roupa impressa, além de 
desenhos e onze fotografias, foram reunidos e exibidos em uma exposição 
individual na galeria do Sesc Casa Amarela em Recife. 
9 Essas exposições aconteceram entre os anos de 2006 e 2008, em alguns ateliês 
coletivos de Recife, como o Branco do Olho, do qual participava como mem-
bro. Além destas pequenas mostras, o projeto foi realizado como residência artísti-
ca no XVII Festival de Inverno de Garanhuns, na cidade de Garanhuns, no interior de 
Pernambuco, em 2007.
20
Figura 2. Gravura sem título da série Arqueologia do presente. Monotipia. 200,0 x 
75,0 cm. Recife, 2007. Foto: Bruna Rafaella Ferrer.
Esta série se desdobra em um segundo momento, quando as matrizes de 
metal passam a ser pressionadas sobre as roupas durante a sua utilização, na 
ação de comprimir o corpo contra grades de metal. Performance de embate 
de corpo e objeto, numa quase dança onde a coreografia dialoga com as 
limitações que o metal – rijo – impõe ao tecido, mole, gerando situações de 
movimento e repouso. No processo de confecção dessas gravuras, que é 
possível de se verificar no registro em vídeo anexo, existe uma lógica interna. 
Diante de uma base de metal, como se conversasse com este objeto, o corpo 
se movimenta de diversas formas de modo a gerar registros de fragmentos 
dessas grades por contato. No primeiro momento o corpo encosta no metal 
produzindo registros gráficos mais precisos, mais preenchidos, onde há um 
controle maior do corpo em pressão com o objeto. Posteriormente a anatomia 
do corpo não permite um contato mais direto com o metal, gerando impressões 
mais suaves, mais transparentes que quase se esvaem, como um momento de 
silêncio na música interna que acompanha essa dança. 
21
Figura 3. Frame de vídeo. Registro de performance sem título da série 
Arqueologias do presente. Recife, 2008. Fotografia: Daniel Aragão. 
O resultado da performance é registrado em fotografias, vídeo (registro 
em vídeo em anexo), e monotipias com marcas das grades de metal 
espalhadas sobre as roupas. Cada uma dessas peças (os diferentes registros da 
performance de imprimir grades sobre as roupas em uso) tem dupla conotação, 
são ao mesmo tempo registro e artefatos artísticos independentes. Quando 
expostos simultaneamente (como foi o caso na primeira exposição onde o 
conjunto completo de trabalhos da pesquisa foi exibido) se complementam 
para relatar um processo, ressaltam o aspecto performático que gera essas 
gravuras, reforçam o gesto da impressão mais do que as monotipias como 
simples cópias. Como a monotipia reproduz um traço de sua matriz, ela 
pode ser encarada como um tipo de cópia, mas, neste caso, da forma que 
é apresentada revelando seu processo, ela é particularizada. E no caso da 
performance da Arqueologia do presente, esse caráter é acentuado quando 
a monotipia é vista a partir do ato que a constituiu (e de seu referente único). 
Ela se liga mais à ideia de uma unicidade do que a de reprodução. 
22
Figura 4/5. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do 
presente. Fotografia 35mm P&B. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2007. Foto: Lilian Soares
23
Figura 6/7. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do 
presente. Fotografia 35mm P&B. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2007. Foto: Lilian Soares
24
Esse processo inicial é marcado por ampliar as possibilidades materiais 
tradicionalmente ligadas às técnicas de monotipia, empregando materiais 
não convencionais às técnicas de gravura (o uso de ferrugem num primeiro 
momento, por exemplo). Em seguida, essa metodologia atravessa uma 
transformação processual na qual o movimento corporal passa a atuar como 
elemento constituinte das reproduções obtidas na primeira série de gravuras 
da pesquisa. Ainda que exista nessa prática certo grau de fetichismo10 com os 
objetos que constituem a matéria-prima dessa série inicial, um ponto que torna 
o processo de produção desse trabalho artístico relevante é o modo como 
se insere em um campo cultural específico: o do ambiente arquitetônico da 
cidade de Recife. Pensar através desse prisma ressalta o modo de produção 
artística próprio em relação com a indústria da construção civil na região 
onde a série foi produzida. Curioso notar como muitos artistas pernambucanos, 
ainda nas primeiras décadas do século XX (1910-1930), fazem uso do mesmo 
tipo objeto de metal utilizado nesta pesquisa na composição de pinturas e 
desenhos. Dois destes são: Lula Cardoso Aires (1910-1987) e Cícero Dias (1907-
2003), artistas de classes abastadas, que puderam desde cedo manter contato 
com o movimento moderno nacional e internacional, combinando em seus 
trabalhos elementos regionais com uma linguagem vanguardista. Utilizaram 
estes elementos em suas composições como forma de representar o “estilo” 
moderno vigente do estado, estilo este advindo do impacto do movimento 
internacional modernista que coincide com a expansão do capitalismo 
ocidental dos então países “periféricos”, que passaram a importar e produzir 
objetos ornamentais de ferro e utilizá-los na construção civil da época de 
forma massiva.
Nessa primeira série de trabalhos artísticos, determinados 
objetos da construção civil de Recife (objetos de metal ornamentais 
encontrados em portões, janelas e grades em geral) são apropriados 
na gravura enquanto linguagem particularizada. Opera-se um tipo de 
rematerialização11 (estética) no emprego de materiais encontrados em 
centros urbanos, conhecendo a cidade de forma diversa de seu caráter usual. 
Dessa forma, afirma-se a possibilidade de observar o mundo como uma nova 
experiência a servivida.
 
10 Aqui o termo é usado para firmar a ideia de que a escolha dos materiais usa-
dos na pesquisa pode partir do simples interesse de satisfazer desejos pessoais em usar 
esses objetos que seduzem o olhar por suas formas, especialmente as mais 
“orgânicas”, onde uma ilusão de movimento advindo dos desenhos desses materiais parece 
“animar”, dar vida a esses objetos.
11 Usamos o termo para tratar de como se produz um novo objeto (artístico) a partir da trans-
ferência e apropriação do seu índice material.
25
Sendo um processo gráfico híbrido, a monotipia pode se aproximar da 
pintura, como fruto de uma ação gestual com tinta sobre a matriz, ou do 
desenho, com o uso do traço, da linha. Ao mesmo tempo, a monotipia possui 
características próprias da gravura, como a inversão da imagem – que ainda 
pode aproximar a técnica ao processo fotográfico (a inversão da imagem 
obtida pelo negativo da fotografia). 
A monotipia pode ainda manter uma relação de proximidade conceitual 
com a fotografia quando analisada em sua lógica indicial, onde temos o 
vestígio de um instante único gravado em luz sobre papel fotossensível (no 
caso da fotografia analógica), ou armazenado em um sensor eletrônico que 
transforma luz em códigos numéricos (no caso da fotografia digital). 
Outra característica própria da monotipia é a maneira que esta 
técnica se liga à ideia de uma “ancestralidade” de gesto expressivo. Quando 
pensamos nas prováveis maneiras em que o homem pode ter identificado e 
dado início ao desenvolvimento de um meio de impressão, logo recobramos 
a imagem da observação das próprias pegadas humanas (bem como dos 
animais) sobre o solo, ou ainda as marcas pré-históricas de mãos impressas em 
paredes de cavernas. 
Na gravura contemporânea, percebemos um novo impulso da monotipia, 
técnica simples, direta, poderia dizer até rudimentar, comparada aos 
avanços tecnológicos de outros recursos. Esta impressão ou registro remete a 
gestos primordiais do homem, marcas que atravessam os tempos, tornando-
se tão atualizados, tão contemporâneos quanto a mão do homem pré-
histórico gravada na caverna. Talvez seja este aspecto que atraia alguns 
artistas em relação à monotipia: gravar, “congelar” um gesto, uma ideia, 
uma emoção.12
Não é de hoje que são realizados estudos no campo das artes visuais 
que nos indicam o caráter anacrônico em obras contemporâneas que utilizam 
o recurso da monotipia (como o historiador Georges Didi-Huberman) 13. Esta 
observação nos leva a pensar que a monotipia pode ser concebida como 
umas das primeiras técnicas empregadas como forma de expressão (artística) 
humana. Isso se reflete especialmente em relação às marcas de mãos de 
sociedades primitivas encontradas em cavernas do período Paleolítico 
 
 
 
12 WEISS, Luise. Monotipias: algumas considerações. In: Cadernos de [gravura] – nº 2, novem-
bro de 2003. Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/31332734/Artes-e-Tecnicas-Artisticas-
Monotipia-algumas-consideracoes-Gravura. Acessado em: 26 ago. 2011. 
13 Consultar o catálogo de exposição: DIDI-HUBERMAN, Georges. L’Empreinte. Paris: Centre 
Georges Pompidou, 1997.
26
Superior (GRAZIOSI, 1960, p. 262) 14. Vários exemplos desse tipo de processo 
são relatados historicamente nos estudos sobre grafismos pré-históricos em 
cavernas da Europa, como é o caso da caverna de Pech Merle, situada na 
região sudeste da França (GRAZIOSI, 1960, p. 116). A caverna foi descoberta 
em 1922 por André David e Henri Dutertre (quando tinham 16 e 15 anos de 
idade, respectivamente), e o estudo das pinturas e sinais começou logo 
após a descoberta, por Amédée Lemozi15. Neste local existem diversos tipos 
de marcas, não só as conhecidas marcas coloridas de mãos em negativo 
ou positivo, desenhos de animais e protótipos de humanóides, mas também 
marcas abstratas em baixo relevo provavelmente produzidas por arranhuras, 
criando um desenho padronizado (GELDER, 2010)16. 
Quando partimos para o estudo da produção artística realizada 
no último século, e no século corrente, que trabalha com vestígios 
materiais enquanto traços de uma existência, esta pode acontecer 
numa operação de aproximação a experiências remotas, estendendo 
temporalidades do presente (ou do passado), fazendo refletir sobre o processo 
de gravura contemporânea – aqui em seu sentido lato – em seu caráter 
anacrônico. 
Nas gravuras dessa primeira série de trabalhos da Arqueologia do 
presente, além de estabelecer um diálogo entre tempos diversos no mesmo 
trabalho (entre um passado desaparecido e um presente evanescente), 
se observa pontos limítrofes da modificação de materialidades, como na 
passagem da imagem de uma grade entintada pressionada num tecido. 
A percepção toma assim a posição de ver as coisas em sua complexidade 
formal e material, como abertas a múltiplas maneiras de se tornarem tangíveis, 
atentando para procedimentos e não apenas objetos acabados (neste caso 
como simples cópias/índices de algo que deixou de existir). 
Além de um estudo sobre “formas de arte”, a intenção de investigar 
 
 
14 O Paleolítico Superior é uma denominação que abrange o período do fim 
do Paleolítico Médio e início do Mesolítico. Nele foram encontrados anzóis 
primitivos, machados de mão, agulha de osso, entre outros. É também caracterizado pela 
magia, praticada pelo Homem daquele período, e pela arte rupestre (pinturas em rochas). 
Sobre o tema consultar: GRAZIOSI, P. Palaeolithic Art. Faber: London, 1960.
15 Sobre pesquisas do centro pré-histórico de Peche Merle consultar o site disponível do tema: 
http://www.quercy.net/pechmerle/english/introduction.html. Acessado em: 26 ago 2011. 
16 Sobre o tema existe, além do texto de Paolo Graziosi em seu Palaeolithic Art, um 
estudo minucioso desse tipo de marca apresentado no Congresso IFRAO 
(International Federation of Rock Art Organizations) 2010 − sur l’art pléistocène dans 
le monde − 6 -11 Septembre 2010, Ariège - Pyrénées, França. Artigo intitulado New 
Methods and Approaches in the Study of Finger Flutings, do autor Leslie Van Gelder está dis-
ponível em: http://www.ifraoariege2010.fr/docs/Articles/Van_Gelder-Forensics.pdf. Acessado 
em: 26 ago. 2011.
27
diversos processos artísticos nessa pesquisa é sugerir um modo de produção, 
“formas de trabalho”, trazendo considerações sobre trajetórias (processos) 
mais do que sobre destinos (objetos autônomos). Nessa lógica, a semelhança 
entre “cópia” e seu referente é da ordem do substrato, revelando o processo 
dialético da modificação desses resíduos pela gestualidade (artística/
performática). 
Figura 8. Vista da exposição Arqueologias do presente, no Sesc Casa Amarela em 
Recife, Junho de 2010. Foto: Bruna Rafaella Ferrer. 
O interesse por elementos que constituem a estrutura e adornos metálicos 
na construção arquitetônica, bastante presente na paisagem urbana da 
cidade de Recife, parte da observação desses elementos gráfico-escultóricos 
(bidimensionais que tendem ao tridimensional). Elementos que, por sua vez, 
seriam oriundos do modelo de produção industrial de herança do passado 
neoclássico francês17, presente, principalmente, nos produtos do Art Nouveau. 
Art Nouveau foi um “estilo” ornamental de expressão artística típica do 
17 No artigo “Desenho e emancipação”, Flávio Motta fala que a concepção ger-
al para palavra “desenho” teria ligações diretas com o processo de colonização do 
Brasil no século XIX. Motta fala sobre a herança cultural europeia especialmente 
ligada à vinda ao Brasil da Missão Francesa, em 1816, consequentemente a 
formatação arquitetônica influenciada por esta conexão.
28
espírito modernista. Essencialmente urbano, é relacionado especialmente ao 
desenvolvimento industrial em curso na Europa do século XIX com a exploração 
de novos materiais (como o ferro e o vidro, principais elementos dos edifícios 
que passaram a ser construídos segundo essa nova estética). Dentro de uma 
gama de variações em lugares e épocas distintas, algumas características se 
tornam constantesem seus produtos, como o uso de motivos naturalistas (flores 
e animais), o uso de formas curvas de proporções variadas que pretendia 
comunicar um sentido visual de leveza e elasticidade e otimismo capaz de 
ser aplicado a objetos utilitários. Fundidos com outros elementos gráficos 
na construção civil contemporânea, esses elementos foram atualizados de 
maneira a simplificar as formas daquelas do início de sua produção na Europa, 
mantendo a mesma função daqueles objetos ornamentais de metal, forjados 
como janelas, balaústres de escadas e cobogós18. 
 Esse tipo de produção aplicado na construção civil enfatizou 
um projeto social em seus interesses comuns de proteção, ventilação, 
iluminação e ornamentação. Dentro de um projeto urbano representa 
uma forma de atualização do “estilo (internacional) moderno” no 
nordeste do Brasil através dos seus desenhos. O reflexo de uma ocupação 
desordenada presente no processo de urbanização de países da America 
Latina acontece na cidade de Recife de forma intensa. 
A cidade de Recife possui um desenho urbano onde elementos 
díspares, influenciados por várias épocas (dos mais tradicionais aos mais 
contemporâneos), formam uma grande colagem que reflete a disparidade 
histórica de classes sociais dessa localidade. Em um mesmo espaço, Recife 
mantém uma estrutura “racionalmente” planejada – que conta com uma 
desenfreada construção de arranha-céus segundo a lógica “moderna” 
do empreendedorismo e consumo habitacional, ao lado de emaranhados 
desordenados, onde as maiores comunidades da cidade aproveitam os 
terrenos aparentemente impróprios para habitação, e vivem em cotidiano 
conflito com as condições naturais: intempéries e o avanço dos rios e marés.
O elemento escolhido nos trabalhos artísticos da primeira série da 
Arqueologia do presente revisita a produção industrial desse “momento 
moderno” em Recife na atualidade. Elemento construído a partir de um modelo 
internacional, adaptado às condições da metrópole tropical, presente nas 
diferentes estruturas arquitetônicas que compõem este cenário urbano. 
 
18 Cobogó é um elemento vazado da construção arquitetônica, inicialmente feito em ci-
mento, que foi desenvolvido no estado de Pernambuco por três engenheiros, cujas iniciais 
batizaram a peça (Amadeu Oliveira Coimbra, Ernest August Boeckmann e Antônio de Góis), 
solução para evitar o superaquecimento do ambiente iluminado, permitindo a passagem da 
luz e da ventilação. 
29
Nossa arqueologia vai evidenciar esse material pela sua forma estrutural, seu 
desenho.
A necessidade de organização racional da sociedade e a busca de 
sistematização da produção em larga escala, processo este detonado 
a partir da Revolução Industrial, promoveu um sentido social à utilização 
do desenho. Em todas as atividades humanas o desenho acaba se 
manifestando: na ilustração do livro de Biologia, na representação dos 
conceitos de Matemática, nos mapas estelares, no último modelo de carro, 
no batente da janela.19
A apropriação de objetos como maçanetas, janelas, portões, 
etc., que são compostos por uma série de grafismos em sua estrutura é 
uma forma de entender que diversos elementos da paisagem urbana 
são repertório para re-utilização e investigação estética, além de fonte 
de reflexão da identidade visual de determinado espaço. O uso de 
elementos ornamentais da construção civil nesse primeiro momento da 
pesquisa acontece mais sob o desejo de destituir a função original desses 
objetos.
Fazer apropriação desses materiais, portanto, ocorre como uma 
reordenação desses elementos. Partindo do princípio de reordenação como 
“programação” (ou reprogramação), termo usado por Nicolas Bourriaud no 
texto: Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo. O 
autor via como:
Os artistas atuais não compõem, mas programam formas: em vez 
de transfigurar um elemento bruto (a tela, a argila), eles utilizam o dado. [...] 
eles não consideram mais o campo artístico como um museu com obras que 
devem ser citadas ou ‘superadas’, como pretendia a ideologia modernista 
do novo, mas sim como uma loja cheia de ferramentas para usar, estoques 
de dados para manipular, reordenar e lançar. (BOURRIAUD, 2004, p.13) 20. 
Eles são eleitos pela sua marcante presença no desenho e no imaginário 
urbano da cidade onde a pesquisa tem início. 
Dessa forma, é realizada uma aproximação no processo de ressignificação 
de objetos urbanos, a exemplo do bricoleur21. O termo bricoleur é aqui utilizado 
de forma diversa ao sentido aplicado pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss 
quando usa o termo para designar o modo de “pensamento selvagem” (dos 
 
19 DERDYK, Edith. Conceitos e pré-conceitos: As definições de desenho. In: Formas de pensar o 
desenho: desenvolvimento do grafismo infantil. São Paulo: Editora Scipione, 2004, p. 38. 
20 In: Pós-produção: como a arte reprograma o mundo contemporâneo – São Paulo: Martins 
Fontes, 2009.
21 O termo é derivado do verbo francês bricoler, que pode ser traduzido por ziguezaguear, 
fazer de forma provisória, falsificar, traficar, ou, ainda, indicar o uso de meios indiretos e tortuo-
sos, suspeitos, portanto.
30
povos ditos “primitivos”). Utilizamos este vocábulo, em termos de procedimento 
artístico, como artifício para designar um modo de apropriação de objetos 
em centros urbanos, um modo que reconstitui o uso original de tais objetos. 
Esta nova operação emerge a partir de uma noção (simbólica) de paisagem 
urbana transmutável.
É na vivência do espaço urbano de São Paulo (e anteriormente 
de Recife) que se tem desenvolvido as atividades artísticas do projeto 
Arqueologia do presente. É da ação corporal em interação com o 
espaço de trajetória, da observação atenta da paisagem do entorno, e do 
embate do corpo com elementos encontrados nestes espaços de passagens 
que resultam as duas séries mais recentes da pesquisa. 
Na segunda série de trabalho, como veremos, outros tipos de elementos 
são escolhidos para apropriação. Nas fotografias que se iniciam após uma 
pausa no trabalho com as grades de metal, os vestígios selecionados são 
frutos de ações ocasionais executadas por outras pessoas, e não fazem parte, 
em princípio, de um repertório funcional, como é o caso dos objetos de metal 
que integram a arquitetura de cidades modernas, investigados num primeiro 
momento desta pesquisa na cidade de Recife. As novas bases materiais para 
produção de imagem, nesta série, são encontradas no chão, em caminhos de 
passagem. Posteriormente, e encerrando o ciclo de trabalhos que compõem 
o projeto Arqueologia do presente, é feita uma série de fotografias que volta 
ao metal que já havia sido explorado pela pesquisa, e soma a ele uma ação 
corporal a uma intervenção em espaço público (quando as imagens são 
expostas na rua). 
31
1.2 Da gruta à galeria: a caminhada e seu registro como processo 
Após uma breve pausa na produção da série de monotipias e 
performances em 2009, inicia-se a segunda etapa da pesquisa com uma nova 
produção na cidade de São Paulo, congregando conceitos da linguagem 
da fotografia que estavam latentes desde as primeiras experimentações com 
gravuras. Nas duas séries de trabalhos que completam o projeto, os vestígios 
selecionados para experimentação são trabalhados através da linguagem 
da fotografia. Aqui um desdobramento da ação anterior toma foco, que 
tem seu princípio nas caminhadas nas ruas da cidade, onde a ideia de 
uma nova atribuição (artística) é feita pela interrupção do olhar no habitual 
trânsito empreendido em centros urbanos. Assim, se procede à quebra da lei 
invisível que rege nosso caminhar sem consciência nos espaços construídos 
da cidade. Por um instante, o olhar atento “corta” a paisagem urbana em 
fragmentos, permitindo redesenhar sua micro paisagem, perceber a cidade 
com um sentido diverso. 
Quando se partiu para o estudo do processo constituinte da fotografia, 
percebeu-se que existe uma relação intrínseca entre esta linguagem e as 
gravuras produzidas na primeira série de trabalhos. Estarelação é estabelecida 
no que se refere ao valor documental da imagem fotográfica e a experiência 
inseparável entre referência e imagem resultante, experimentada na série de 
gravuras e performance, realizadas no começo da pesquisa. 
Para discorrer sobre esta afirmação, apresento a perspectiva teórica do 
autor Philippe Dubois (1952 - ) em seu livro O Ato Fotográfico. De acordo com 
o autor, a fotografia – entre outras proposições artísticas produzidas a partir do 
século XX que concebem a arte baseada essencialmente na lógica do ato e 
da experiência – vem sendo abordada em sua condição de índice. 
Assim a fotografia é analisada por Dubois como registro inseparável 
de um dado real. Portanto, abordar a questão do realismo na fotografia tem 
marcado essa presença do referente, tornando a imagem da foto inseparável 
do ato que a funda22. Este ato, a princípio, nada diz além de uma afirmação 
de existência de determinado objeto fotografado. Ou, dialeticamente, da 
ausência do objeto fotografado, quando pensamos que a fotografia sempre 
remete (impressa, reproduzida) a um momento único, um objeto singular 
capturado imediatamente, momento que deixa de existir após o instante da 
“tomada” fotográfica. 
É verificada uma analogia entre o trabalho artístico próprio e a 
22 Ver “O ato fotográfico: pragmática do índice e efeitos de ausência” In: DUBOIS, Phillipe. O 
ato fotográfico e outros ensaios. Campinas: Papirus, 1993.pp. 57-107.
32
formulação de Dubois, já que na série de gravuras da Arqueologia do presente 
se procura esta “ausência” além da manifestação de singularidade da 
fotografia. A monotipia abaixo, como reprodução por contato23, assim como 
a série subsequente de fotografias deste momento da investigação, designa 
um objeto particular, evidência do objeto de metal usado como sua matriz. 
Figura 9. Detalhe de gravura sem título da série Arqueologia do presente. 
Garanhuns, 2007. Foto: Bruna Rafaella Ferrer
23 Aqui lembramos a técnica do fotograma, que se trata de fotografias obtidas sem 
aparelho fotográfico. Nessa técnica, é montado num quarto escuro dado objeto 
sobreposto em contato direto com papel sensível, expõe-se esse conjunto a luz, e 
depois é revelado o resultado. 
33
Apesar de a estrutura das duas séries, gravuras e fotografias, serem 
diversas na qualidade de aproximação ao referente, elas fazem parte de 
um procedimento comum que amplia a discussão sobre o índice, trazendo a 
lógica do ato, ou ainda da imagem-ato. Imagem-ato é um termo usado por 
Philippe Dubois para intensificar a ideia de que produto (imagem) e processo 
(ato de tomada ou difusão da imagem) não são dissociáveis na fotografia: 
não seria possível pensar a fotografia fora do lugar em que foi constituída, 
fora de sua realidade. Percebemos que no processo de gravura esse dado 
referencial acontece de forma mais “radical”, no sentido de trazer mesmo 
vestígios físicos do objeto que denota, como no caso da gravura feita a partir 
da extração da ferrugem dos objetos de metal. 
34
 
Figura 10. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do 
presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. 
Figura 11. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do 
presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. 
35
Figura 12. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do 
presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. 
Figura 13. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do 
presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. 
36
Figura 14. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do 
presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. 
Figura 15. Registro fotográfico de performance sem título da série Arqueologia do 
presente. 29,7 x 42,0 cm. Recife, 2008. Foto: Lilian Soares. 
37
Observando os trabalhos da segunda etapa da pesquisa nos debruçamos 
mais sobre a linguagem da fotografia. Nesta série, manchas de tintas mais 
ou menos desgastadas de cores intensas são o primeiro dado percebido em 
caminhadas pelas ruas da cidade de São Paulo, e escolhido para a nova 
fase de investigação. Gotas e sedimentos de massas pictóricas depositadas 
aleatoriamente pelos transeuntes no pavimento das ruas (calçadas e asfaltos) 
da cidade. Algumas tendem para baixo por inelutável lei da gravidade, outras 
se esparramam pela superfície como se fossem resquícios de uma explosão 
de matéria líquida e colorida. Neste novo instante da pesquisa o registro é 
fotográfico, portanto operação de apropriação do referente em seu aspecto 
indicial. Assim, reafirma-se a intervenção praticada nos vestígios urbanos 
iniciada pelo processo de gravura. A série de fotografias apresentadas nesse 
momento da pesquisa cumpre a função silenciosa de re-apresentar as ruas da 
cidade de São Paulo a partir de um fragmento, um tipo de micro paisagem 
visível ao caminhante atento.
38
Figura 16. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2009. 
Foto: Bruna Rafaella Ferrer
39
Figura 17. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2009. 
Foto: Bruna Rafaella Ferrer
40
Figura 18. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. 
Foto: Bruna Rafaella Ferrer
41
A série de fotografias24 deste conjunto de trabalhos são recortes 
(enquadramentos) de resquícios materiais (manchas de tinta, de óleo em 
contato com a água, marcas em baixo relevo em cimento, depósito de 
poeira nas frestas de pneus de carros estacionados por um longo período) 
encontrados no pavimento da cidade durante caminhadas. Estes vestígios 
são revelados e escolhidos ao acaso, geralmente no meio do trajeto de 
atividades corriqueiras, não havendo, necessariamente, um planejamento 
preciso para tomadas dessas imagens (escolha de um lugar exato, horário, 
ângulo de enquadramento, etc.). Dessa forma, a experiência imediata que 
é estabelecida com o cotidiano é estendida, possibilitando a suspensão do 
tempo corriqueiro, ainda que momentaneamente. Esta suspensão de tempo 
acontece quase instantaneamente, no momento de tomada da fotografia, 
e paralelamente se dá com um distanciamento espacial (numa pequena 
escala) no olhar dos vestígios escolhidos para registro fotográfico nessa série. 
Em sequência, temos uma extensão desse tempo posto momentaneamente 
em suspensão, na fixação dessa imagem em fotografia.
A experiência que avança para o espaço (em relação às ações 
anteriores) nessa série de fotografias é ponto crucial para o entendimento 
das questões levantadas por esta pesquisa. Esta experiência acontece 
como reconhecimento de um novo ambiente. Nesse processo os sentidos se 
dispõem numa zona fluida de relações dialéticas que congregam energias 
entre grandes e pequenas escalas, entre o fixo e o transitório, entre realidade 
(“ver” a rua em uma caminhada) e invenção (“ver” a rua através da janela 
da fotografia). 
A imagem da fotografia é uma prova incontestável e fragmentada 
deste momento único, registro do vestígio, uma reapresentação, o 
recorte de um trajeto, de uma caminhada. Dessa forma, são extraídas 
marcas mais residuais, índices de ações corriqueiras que passam muitas 
vezes despercebidas nas ruas de São Paulo, abarrotadas de imagens 
concebidas dentro da gama lógica da produção e do consumo (além 
do trânsito rápido de pessoas e transportes). Longe dos outdoors, são 
evidenciados desenhos próprios do pavimento da cidade. As ruas da cidade 
são recortadas pela fotografia, apresentada através de sinais da ação humana, 
demonstrando como a cidade pode apresentar um campo aberto para ser 
examinada em seus elementos visuais ou reconstruída (simbolicamente) desde 
seus vestígios materiais fragmentados. 
24 Série composta por seis fotografias coloridas e sem títulos, apresentadas no formato de im-
pressão digital a laser sobre papel fotográfico nas medidas de 1,20 x 0,80m, em média.
42
 
Figura19. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2009. 
Foto: Zeca Viana
43
 Nessa trajetória que compõe os processos específicos de Arqueologia 
do presente, da gravura à fotografia, fica latente uma relação indicial 
entre essas duas formas de produção. O índice, ora adquirido diretamente 
com tinta e ferrugem através da gravura, ora fixado através da disposição 
luminosa dos feixes que rebatem do objeto e formam a imagem na fotografia, 
se relacionam conceitualmente nos processos desse trabalho. Nesse sentido 
pode-se ampliar a discussão trazendo como referência processos artísticos 
que lidam ontologicamente com a questão do vestígio, como é o caso do 
artista inglês Richard Long (1945 - ). Embora o artista não trabalhe diretamente 
com o campo urbano, o seu processo dialoga com esta pesquisa a partir do 
embate corporal com o espaço na produção de marcas residuais presentes 
em seu trabalho.
44
Figura 20. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. 
Foto: Bruna Rafaella Ferrer
45
Em suas ações, a interação com o espaço chega mesmo a transfigurar 
elementos “brutos” (como, por exemplo, lama, grama, pedras). Seja nas suas 
esculturas, pinturas, gravuras ou textos, a proposta do artista é criar marcas 
nos seus lugares de passagem (geralmente expedições realizadas em locais 
ermos, distanciados dos centros urbanos) e utilizar a matéria-prima do entorno, 
como “Simple creative acts of walking and marking” (LONG, Richard Long 
official website, s.d.)25. Em River Avon Mud Hand Circles, realizado a primeira 
vez em 1989 e exposto na Sperone Westwater Gallery, em Nova York, cria um 
grande círculo (cerca de 2 metros de diâmetro) composto por marcas de suas 
mãos cobertas de lama do rio Avon, Inglaterra (onde o artista empreendeu 
uma longa jornada naquele ano e que gerou diversas obras). Nesse trabalho, 
o artista cria um desenho contínuo e circular no qual a repetição cria um 
efeito de ilusão de movimento, que ainda é sugerido pela repetição rítmica, 
indicando um intenso trabalho corporal. 
Figura 21. River Avon Mud Hand Circles, de Richard Long. Jesus College, Cambridge, 
1996. Foto: Gwil Owen
25 Trecho do texto do artista sobre seu trabalho na página de abertura do seu site oficial. Di-
sponível em: http://www.richardlong.org/index.html. Acessado em 26 ago. 2011.
46
Há que se observar que apesar das semelhanças formais do trabalho 
de Richard Long e imagens de marcas de mãos carimbadas do período 
paleolítico encontradas nas paredes de cavernas europeias (de várias 
regiões), as interpretações têm diferenças incisivas em cada caso. No segundo 
caso, os estudos apontados anteriormente sobre o período relacionam, em 
grande parte, esse tipo de produção imagética com práticas de xamanismo. 
No trabalho de Long não observamos um sentido místico, pelo contrário, a 
simplicidade do gesto de depositar uma marca de seu corpo em determinado 
espaço, como metáforas dos caminhos demarcados durante sua longa e 
solitária caminhada, registros dos movimentos em dimensões reais do próprio 
artista, pode ser entendido como uma espécie de declaração existencial, de 
afirmação de (sua) condição humana. Em 1964 Long realiza seus primeiros 
experimentos com Earthworks, trabalhando a ideia da impermanência das 
coisas, tema recorrente no trabalho do artista ao longo de sua carreira. O uso 
de “longas caminhadas” como uma forma de arte foi introduzido na produção 
do artista em 1965, com a produção de A Line Made by Walking, na qual 
o artista demarcou uma “linha” em baixo relevo no trecho caminhado por 
alguns minutos sobre um terreno gramado, e fotografou o resultado.
Seja utilizando monotipia, fotografia ou performance como recursos 
expressivos da série Arqueologia do presente, estes meios foram empregados 
como formas de promover a “captura” de texturas e resíduos da cidade e 
estabelecer com estes elementos relações diversas do seu caráter original. 
Dessa forma, realizando-se uma atividade aproximada da arqueologia 
(ainda que a operação desta disciplina aconteça no sentido de, junto com 
o fragmento, buscar o contexto original de quem produziu esses vestígios), 
quando esta disciplina promove, por assim dizer, uma “apropriação” de 
estratos residuais humanos, dando-lhes (múltiplos) sentidos. 
Pensar nas possibilidades que os fragmentos abandonados, ou pequenos 
vestígios podem proporcionar para uma prática artística é estabelecer uma 
relação sensível e expressiva com o espaço cotidiano e uma forma de 
problematizar nossa presença e ação nos ambientes da vida contemporânea. 
Um dos pontos que pode ser levantado pelas experiências artísticas da 
série Arqueologia do presente (e de outros artistas estudados), entre outras 
relações, fazendo uso de fragmentos das grandes cidades, alerta para o uso 
indiscriminado de seus recursos, ainda que de forma microscópica.
47
Figura 22. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2009. 
Fotografia digital. Foto: Bruna Rafaella Ferrer.
48
1.3 Corpo e espaço arquivados: uma experiência háptica de registro 
A série mais recente do trabalho Arqueologia do presente traz um tipo de 
atividade em que o corpo (e a relação temporal da experiência da produção 
artística) age de forma mais intrínseca, impregnando outros sentidos além da 
centralidade do olhar da série anterior de fotografias que capturam texturas 
do pavimento de ruas da cidade de São Paulo. O trabalho é o registro em 
fotografia do resultado da pressão por alguns minutos de pequenos objetos 
de metal que, por sua vez, geram grafismos na pele. Índice de uma ação 
corporal, marcas que nos remetem àquelas provocadas pela pressão das 
dobras dos lençóis em contato com a pele, percebidas após horas de sono. 
Monotipias sobre a pele.
Fragmentos de metal são impressos sobre a pele, e a pele fragmentada 
na fotografia. Em pele e pressão, na marca, em seu registro fotográfico, na 
forma de apresentação efêmera dessas fotografias, tudo se esvai. Tudo é 
efêmero. O processo firma o poliformismo e a vulnerabilidade do corpo-suporte 
deste trabalho, que tenta incansavelmente se inscrever, ressignificar. Contudo 
este corpo se apresenta anonimamente (não fixado em sua identidade). 
Matéria viva congelada, ação fotografada, que incita questionamentos sobre 
representação (apropriação) e memória (documentação).
Este corpo se anima de forma exploratória e instintiva à medida que 
se afasta de um ego, revelando os índices de uma ação ligada ao universo 
orgânico. O corpo explora os objetos do mundo por contato, através do sistema 
háptico, de onde derivam sentidos através das reproduções fotográficas da 
Arqueologia do presente. 
No livro Corpo e comunicação: sintoma da cultura, de Lucia Santaella, 
uma das teses principais gira em torno da tentativa de ampliar a discussão 
sobre as novas dimensões que o corpo apresenta na contemporaneidade, 
rompendo com os antigos paradigmas que impunham limites claros e opostos 
na experiência perceptiva (como relações de separação entre o dentro e 
fora, o natural e o artificial), percebendo as interfaces possíveis entre o corpo 
e a tecnologia. Nesse texto a autora dedica uma parte especial para tratar o 
sistema háptico.
Segundo a autora, o sistema háptico é um sistema exploratório de 
percepção complexo que inclui o corpo inteiro (seus receptores são mecânicos 
e seu órgão anatômico é a pele em toda a extensão do corpo, incluindo 
músculos, juntas, ligamentos e aberturas), capaz de fazer o indivíduo obter 
informações sensórias tanto sobre seu corpo quanto sobre o ambiente. “É 
através desse sistema que o ser humano literalmente entra em contato com 
49
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 23. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. 
Fotografia digital. Foto: Zeca Viana. 
50
o ambiente” (SANTAELLA, 2004. P.43). Podemos explorar coisas com os olhos, 
mas não podemos alterar o ambiente com os olhos. Entretanto, podemos 
tanto explorarquanto alterar o ambiente com as mãos. Do mesmo modo, 
a boca também faz parte do sistema háptico, é perceptiva e executiva. É 
usada para sentir, perceber e comer” (SANTAELLA, 2004. p.44). 
É por conta desse sistema perceptivo que temos a sensação conjunta 
ao perceber as superfícies ambientais e as formas de disposição do corpo em 
contato com tais superfícies. Assim, quando deitamos a cabeça no travesseiro 
sentimos tanto a forma do travesseiro quanto a forma da nossa cabeça 
repousada no travesseiro. Pensar o funcionamento do sistema háptico nos 
faz rever o conceito do sentido do tato, normalmente relacionado de forma 
estrita à percepção por proximidade em duas dimensões. 
Se num primeiro momento da produção artística da Arqueologia do 
presente o corpo é evidenciado, aparecendo nos registros de performance 
em vídeo em sua completude, em movimento, nessa série mais recente ele 
é fragmentado. Se num primeiro momento as questões que impulsionavam 
e faziam parte do processo de produção se relacionavam com o poder da 
presença de determinado corpo e da fisicalidade dos gestos da performance, 
nessa produção mais recente de fotografias diversos recursos “recortam” o 
corpo requerendo um outro tipo de reflexão. Esse recorte significa uma espécie 
de “abstração” do corpo, que é obtida nas fotografias dessa série mais 
recente, através principalmente de dois recursos: a ampliação e aproximação 
da marca feita sobre a pele, dificultando a identificação de qual parte do 
corpo é fotografada; e o uso das cores preta e branca no lugar das cores reais 
de tons da pele. Esta está menos ligada ao discurso do corpo individualizado 
do artista, e mais relacionada às formas de significação do corpo tendo em 
vista diferentes modos de ser e de sentir no ambiente urbano, o corpo sendo 
explorado diretamente pelo seu sistema háptico.
Quando a monotipia passa a utilizar como suporte a pele ao invés do 
tecido, acontece um registro “rudimentar” que configura o novo procedimento 
que é erigido através de um segundo suporte, a gravação fotográfica que 
registra o corpo como força motriz e suporte para estas impressões efêmeras. 
Esta ação se aproxima das atividades gráficas pré-históricas de maneira 
inversa – ao invés de um índice corporal ser gravado no espaço, elementos 
do espaço são usados para deixar marcas pelo corpo. Esta série compreende 
um conjunto de quatro fotografias realizadas no ano de 2010.
A série utiliza novamente os objetos de metal descartados da arquitetura 
e encontrados em feiras de usados de forma diferente àquela utilizada nas 
outras séries. Situo a apropriação de tais materiais novamente em relação ao 
51
surrealismo, tanto por sua incorporação fetichista quanto pelo resultado das 
imagens fotografadas.
Estes [os surrealistas] foram os primeiros artistas a explorar as feiras de 
antiguidades para resgatar a estranha beleza dos objetos deixados à 
margem de uma sociedade pré-industrial. Dejetos e anacrônicos, estes 
objetos revelam outra face do progresso, resgatando lugares esquecidos e 
redimindo-os do esquecimento26. 
Em uma leitura paralela sobre esse tipo de prática, aquela que iria 
explorar a feira de usados como fonte de matéria-prima, Nicolas Bourriaud 
(1965 - ) enfatiza a ideia de uma bricolagem como uma prática comum 
e cada vez mais presente a partir das produções dos anos de 1990, onde 
um objeto antes utilizado de forma determinada no momento em que fora 
produzido passa a encontrar e gerar novos sentidos nas feiras de usados.
Por que o mercado se tornou a referência ubíqua das práticas artísticas 
contemporâneas? Em primeiro lugar, porque representa uma forma coletiva, 
uma aglomeração caótica, borbulhante e sempre renovada, que não 
depende de uma autoria individual: um mercado é formado por múltiplas 
contribuições pessoais. Depois, porque, no caso das feiras de coisas usadas, 
é um local onde se organiza, bem ou mal, a produção do passado. Por fim, 
porque o mercado encarna e materializa fluxos e relações humanas que 
tendem a se desencarnar com a industrialização do comércio e o surgimento 
do comércio eletrônico. A feira de usados, portanto, é o lugar para onde 
convergem produtos de várias procedências, aguardando novos usos.27
O material que deu início à série volta a chamar a atenção. 
Desta vez, a matéria-prima usada para marcar a pele é escolhida em 
meio a pequenos objetos de metal (maçanetas de porta, detalhes 
de cabides de roupa, objetos de decoração) que serviriam à nova 
série de fotografias em preto e branco (cada objeto de metal gera 
uma fotografia), juntando as técnicas de gravura e performance 
experimentadas no começo da pesquisa. Limitar o cromatismo ao uso 
de preto e branco nessa série de fotografias é uma maneira de obter a 
fotografia como desenho da sobra (ocasionada pelas marcas em baixo 
relevo que criam um jogo de claro e escuro, luz e sombra). Uma maneira de 
aproximação do dispositivo fotográfico, em sua forma elementar, que “dá-se 
literalmente como escrita pela luz (foto-grafia)” (DUBOIS, 1993, p. 118).
26 Cf. FREIRE, Cristina. “a cidade imaginária - a cidade dos artistas” In: Além dos 
mapas. Os monumentos no imaginário urbano contemporâneo. São Paulo: SESC/ 
Annablume/ FAPESP, 1997, p.62.
BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como a arte reprograma o mundo 
contemporâneo. São Paulo: Martins, 2009, p. 27.
27 BOURRIAUD, Nicolas. Pós-produção: como arte reprograma o mundo 
contemporâneo. 
52
Figura 24. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. 
Fotografia digital. Foto: Zeca Viana.
53
Figura 25. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. 
Fotografia digital. Foto: Zeca Viana.
54
Sendo esses objetos em formatos menores do que os objetos utilizados 
nas séries anteriores, foi possível manuseá-los com maior propriedade. O toque 
frio de uma maçaneta que não saía das mãos, ávidas em encontrar uma 
forma de apropriação fez com que ela imprimisse uma marca em baixo relevo 
na palma da mão – o contato de corpo e objetos de metal num movimento 
parecido com o tipo de dança realizada nas performances com gravuras em 
tecido. Dessa vez, o contado se faz direto em carne; nessa quase fusão com o 
objeto de metal deixa marcas que desaparecem em segundos; a fotografia 
captura esse momento.
Quando falo dos meios técnicos empregados ao longo da produção 
dos trabalhos da Arqueologia do presente, não há uma pretensão de firmar 
um suporte material como essência única dessa prática artística. Antes, a 
ênfase aos materiais e a questão indicial dos objetos trabalhados na pesquisa 
são retomados assumindo uma prática artística temporal e processual, 
colocando o foco de reflexão na temporalidade da experiência de cada 
artefato artístico.
Essas fotografias passaram por diversas formas de apresentação e 
reprodução através de diversos dispositivos de registro, exibidos em diferentes 
locais, acumulando novas experiências ao processo de trabalho, desdobrando 
outros sentidos de acordo com determinados contextos de circulação dessas 
imagens. As quatro fotografias desta série já foram expostas em pequeno 
formato (tamanho 29,7 x 42 cm) na ocasião da exposição individual do 
ano de 2010, na galeria do Sesc Casa Amarela em Recife; como cartazes 
lambe-lambe, na exposição coletiva DESIGNO, realizada em 2010, na galeria 
Dumaresq em Recife; ainda em formato lambe-lambe, nas ruas da cidade de 
Recife, Buenos Aires e São Paulo entre os anos de 2010 e 2011; e, por fim, como 
vídeo em slides de fotografias dos cartazes lambe-lambe fixados em ruas da 
cidade de Buenos Aires e São Paulo, na ocasião da exposição Coletivo 2011 
(ao lado de uma fotografia em lambe-lambe)28. 
28 Exposição coletiva dos trabalhos artísticos finais dos alunos do mestrado em artes visuais 
pela Faculdade Santa Marcelina.
55
 
Figura 26. Vista do trabalho da série Arqueologia do presente na abertura da 
exposição Coletivo 2011. São Paulo, 2011. Foto: Zeca Viana
Este trabalho parte mais da intençãode uma ação com o campo 
urbano do que com a construção de objetos. Nesta última série temos uma 
reunião dos processos que anteriormente experimentamos (operação de 
olhar atento, embate performático com determinados objetos, produção 
de marcas – gravuras – e registro fotográfico), além de sintetizar todas os 
desígnios e conceitos trabalhados nas séries anteriores, que estabelecem o 
recorte do embate corporal com a arquitetura da cidade, e a captura de 
um vestígio desse “achado” (encontro) efêmero. Esta série de trabalhos 
apresentados pelo recurso de lambe-lambe (impressão de baixo custo, 
fixado de forma descartável) remonta vestígios/registros de ações efêmeras 
em novos objetos também efêmeros. O objeto artístico torna-se assim volátil, 
sugerindo certo teor de imaterialidade presente no tipo de produção que lida 
com elementos formais e conceitos da transitoriedade, reforçando a ideia 
de uma ação/performance, mais do que um “monumento”, trabalhando o 
limite da memória (ou da percepção do tempo presente), que vive na tensão 
do lembrar/esquecer, construir/destruir. “Nesse sentido, o presente reinventa 
a história na ânsia de inventar a si próprio, adensando-se de passado e futuro. 
Arqueologia do presente é uma das invenções” (DINIZ, 2010) 29.
29 Texto crítico de Clarissa Diniz para exposição individual Arqueologias do presente, 
no Sesc Casa Amarela, em Recife, no ano de 2010. O texto “Arqueologia de um 
presente contínuo” está disponível em: http://bruna-rafaella.blogspot.com/2010/05/arqueo-
logias-do-presente-projeto-vias.html. Acessado em 26 ago. 2011. 
56
As fotografias das marcas sobre a pele são vestígios que sugerem uma 
relação temporal com o fotografado que vai além da duração real própria da 
ação que capturou o instante da tomada. Paradoxalmente estendem o tempo 
interno da experiência da feitura das marcas, imobilizando um fragmento do 
corpo – subtraído de um espaço do entorno onde foram realizadas as marcas 
na pele nestes trabalhos. Na contínua elaboração de múltiplos dessas imagens 
fotográficas, existe uma articulação entre a impermanência temporal da ação 
que gera o registro fotográfico (no caso do uso de cartazes lambe-lambe essa 
relação se faz ainda mais evidente, visto que esse meio tem um período 
curto de duração, especialmente numa mostra temporária em uma 
galeria) e a extensão dessa ação específica, através de seus diferentes 
registros, diversas maneiras de afirmação da condição de existência dessas 
marcas. 
Decorrente desse processo em gerúndio (onde uma marca efêmera é 
prolongada pelo registro), como em outros processos a partir das últimas duas 
décadas que incorporam o movimento, a processualidade e a temporalidade, 
por vezes é difícil de identificar ou classificar o que é objeto de arte em meio 
a uma extensa gama de resíduos participantes da experiência artística. Por 
isso, por vezes uso o termo “artefato artístico” para designar esses objetos. 
Entendo que os principais atos de sentido desta pesquisa, e principalmente 
nesta última série de trabalhos, se concentram na reflexão da experiência do 
corpo se relacionando com objetos da arquitetura da cidade e das imagens-
registro resultantes dessa ação, fruto da impermanência do tempo presente e 
vetor de diversos tipos de agenciamento e circulação de artes visuais.
Dessa forma, empreende-se uma crítica ao sistema de produção 
artística que trabalha com a ideia de produtos únicos, uma espécie de 
sacralização regida pela lógica de consumo de arte que, por via de 
regra, tende a valorizar expressões mais tradicionais das artes visuais em 
detrimento de obras de caráter de reprodução (provável resquício, ou 
restituição, da aura30 da obra). Ainda assim, especialmente a partir da 
década de 1960, o mercado, e os equipamentos institucionais culturais 
assimilaram o recurso da fotografia em termos de igualdade com aquelas 
obras de caráter único. A partir de então são criados novos princípios 
 
 
30 O autor Douglas Crimp diria que a produção fotográfica contemporânea (sua “atividade 
fotográfica pós-moderna”) teria adquirido um novo de tipo de aura, “só que esta agora é 
uma função não de presença e sim de ausência, e é desprovida de origem, de alguém em 
sua origem, de autenticidade. Em nossa época, a aura tornou-se apenas uma presença, em 
outras palavras, um fantasma.” Cf. CRIMP, Douglas. “A atividade fotográfica no pós-modern-
ismo”. In: Sobre as ruínas do museu. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.113.
57
de conhecimento e regras de mercado31 fotográfico que põem a 
fotografia no patamar de “fotografia artística” (diferente da fotografia 
jornalística, de moda, científica, etc.), com grandes fotógrafos e seus 
exorbitantes preços de mercado. Esta série de trabalhos tanto explora a 
possibilidade, enquanto tecnologia reprodutora, de circulação das imagens 
da Arqueologia do presente em diversos lugares da cultura (nas ruas, em 
museu, em galeria de arte), como a possibilidade de autoapropriação – o uso 
dos resíduos de uma mesma ação em diversos meios de registro.
Nesta série de trabalhos mais recentes em fotografia, os diversos 
procedimentos anteriormente experimentados são reconfigurados, 
sintetizando criticamente a crise da representação, e, consequentemente, 
do tempo e do espaço, reforçando um discurso sobre a efemeridade (ou 
a velocidade) das coisas – como dos artefatos produzidos na pesquisa. 
Vale lembrar que essa série específica é exibida no formato lambe-
lambe, formato de impressão digital sobre papel de média qualidade 
que é feito com o propósito de ser descartável. Na ocasião em que essas 
fotografias foram expostas, eram fixadas diretamente na parede do espaço 
expositivo e ao fim da exposição descartadas. Diante do problema da 
representação, ou do tempo-espaço, a experiência corporal, a materialidade 
do entorno e o processo de construção de “materialidades” surgem como 
significação possível, como ponto de partida para discussão sobre os diversos 
usos de recursos semelhantes ao longo da história da arte contemporânea. 
Sejam expostas como lambe-lambe dentro da galeria, nos muros das 
ruas da cidade ou em vídeo com slides que mostram as fotografias dentro 
do contexto da cidade, essas imagens não podem ser entendidas apenas 
em sua dimensão documental, pois implicam um discurso e sentidos de 
acordo com o contexto em que são expostas (não poderíamos deixar de 
pensar, por exemplo, no teor crítico das fotografias apresentadas como 
cartazes descartáveis dentro de uma galeria comercial). Elas são mais um 
desdobramento processual do trabalho, um modo de atualização do artefato 
artístico, documentações reprocessadas com valores próprios, num contínuo 
movimento de distanciamento e aproximação com o contexto referencial 
que reafirma a problemática do tempo presente evocada nesta arqueologia 
através de (re) apropriações de resíduos do espaço urbano. 
31 Muitas galerias comerciais exigem o comprometimento jurídico do artista de limitar o núme-
ro de cópias de uma mesma imagem. Grande parte das galerias comerciais de arte no Brasil 
trabalha com o limite de cinco cópias por imagem fotográfica. 
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Figura 27. Fotografia sem título da série Arqueologia do presente. São Paulo, 2010. 
Fotografia digital. Foto: Zeca Viana. 
No livro Dispositivos de registro na arte contemporânea: uma questão 
de registro, organizado por Luiz Cláudio da Costa, são reunidas uma série de 
artigos que abordam experiências artísticas pós II Guerra Mundial, pensando 
como o registro em obras de caráter documental pode extrapolar a ordem de 
uma simples prova da existência de determinado objeto, adquirindo caráter 
simbólico, status de relativa autonomia e singularidade. Na introdução de 
Costa, ele trata da importância da “imagem-documento”32 ocasionada pelos 
diversos desdobramentos nos registros de um trabalho artístico, analisando 
como ela vem levantar uma reflexão sobre a temporalidade presente e sua 
potencialidade ao gerar novos sentidos a partir da atualizações recorrentes

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