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Autor: Prof. Renato Bulcão Colaboradores: Prof. Renato Bulcão Profa. Tânia Sandroni Filosofia Antiga FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 Professor conteudista: Renato Bulcão Renato Bulcão é formado em filosofia pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), com mestrado em Comunicação pela Escola de Comunicações e Arte (ECA) da USP e doutorado em Educação e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Lecionou na ECA/USP na graduação e foi pesquisador da Escola do Futuro, buscando técnicas audiovisuais de Educação a Distância. Hoje atua como coordenador do curso de Licenciatura em Filosofia da Universidade Paulista (UNIP). © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) B933f Bulcão, Renato. Filosofia Antiga / Renato Bulcão. – São Paulo: Editora Sol, 2018. 176 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIV, n. 2-016/18, ISSN 1517-9230. 1. Platão. 2. Sócrates. 3. A República.l. I. Título. CDU 1 XIX FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Kleber Nascimento de Souza Ricardo Duarte FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 Sumário Filosofia Antiga APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................... 11 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 12 Unidade I 1 O PERCURSO DE PLATÃO ............................................................................................................................. 15 1.1 Os pensadores que influenciaram Platão ................................................................................... 18 1.2 Os escritos de Platão ........................................................................................................................... 20 1.3 A redescoberta de Platão .................................................................................................................. 22 1.4 Os diálogos iniciais e intermediários ............................................................................................ 23 1.5 As posturas éticas nos primeiros diálogos ................................................................................. 24 1.6 As propostas psicológicas nos primeiros diálogos .................................................................. 24 1.7 As posições religiosas nos primeiros diálogos .......................................................................... 25 1.8 As posições metodológicas e epistemológicas nos primeiros diálogos ......................... 25 1.9 Os diálogos intermediários ............................................................................................................... 26 1.10 A teoria das formas ou das ideias ............................................................................................... 27 1.11 A psicologia moral ............................................................................................................................. 27 1.12 Uma crítica da arte ........................................................................................................................... 28 1.13 O amor platônico ............................................................................................................................... 28 1.14 Os segundos diálogos de transição e o período final ......................................................... 29 1.15 A crítica da primeira teoria das ideias ou formas ................................................................ 29 1.16 A personagem de Sócrates ............................................................................................................ 30 1.17 O mito de Atlântida .......................................................................................................................... 30 1.18 A descrição da criação do universo ............................................................................................ 30 1.19 As formas ou ideias ........................................................................................................................... 31 1.20 A teoria das formas na República ............................................................................................... 31 1.21 Os diálogos finais ............................................................................................................................... 33 2 APOLOGIA DE SÓCRATES ............................................................................................................................. 35 2.1 Os conceitos legados pela Apologia ............................................................................................. 36 2.1.1 Conhecimento .......................................................................................................................................... 36 2.1.2 Conhecimento de si – Sócrates via Platão ................................................................................... 37 2.1.3 Agnosia (Apol., 21a) ............................................................................................................................... 38 2.1.4 Refutação (Apol., 21a) ........................................................................................................................... 38 3 A REPÚBLICA – INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 38 3.1 A alegoria da caverna ......................................................................................................................... 48 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 4 A REPÚBLICA – CONCEITOS DESENVOLVIDOS POR PLATÃO .......................................................... 55 4.1 Função (Rep., I, 352) ............................................................................................................................ 55 4.2 Ética (Rep., I, 353) ................................................................................................................................. 55 4.3 Virtude (Rep., I, 353) ............................................................................................................................ 56 4.4 Cardeais (Virtudes, Rep., I) ................................................................................................................ 56 4.5 Tarefa (Rep., I, 353a) ............................................................................................................................56 4.6 Arquétipo (Rep., II) ............................................................................................................................... 56 4.7 Justiça (Rep., II) ..................................................................................................................................... 57 4.8 Direito natural (Rep., II, 367c) ......................................................................................................... 58 4.9 Estado (Rep., II, 368) ............................................................................................................................ 59 4.10 Necessidade (Rep., II, 369) .............................................................................................................. 60 4.11 Tipo (Rep., II, 379a, 380c; Rep., III, 396e) .................................................................................. 60 4.12 Arte (Rep., II, 381) .............................................................................................................................. 61 4.13 Classe (Rep., III, 412) ......................................................................................................................... 61 4.14 Sabedoria (Rep., IV, 428b) .............................................................................................................. 62 4.15 Coragem (Rep., IV, 430) ................................................................................................................... 62 4.16 Faculdade (Rep., IV, 439-440) ....................................................................................................... 62 4.17 Temperança (Rep., IV, 442b) .......................................................................................................... 63 4.18 Sexo (Rep., V, 455) ............................................................................................................................. 63 4.19 Opinião (Rep., V, 478c)..................................................................................................................... 63 4.20 Filosofia (Rep., V, 480) ...................................................................................................................... 64 4.21 Filodoxia (Rep., V, 480) ..................................................................................................................... 64 4.22 Autoridade (Rep., VI, 484) .............................................................................................................. 64 4.23 Matema (Rep., VI, 505a) .................................................................................................................. 65 4.24 Bem (Rep., VI, 508e, 509) ................................................................................................................ 65 4.25 Transcendência (Rep., VI, 509b) ................................................................................................... 66 4.26 Aparência (Rep., VI, 510) ................................................................................................................. 66 4.27 Conjectura (Rep., VI, 510a, 511) .................................................................................................... 67 4.28 Dialética (Rep., VI, 511b-c) ............................................................................................................. 67 4.29 Divisão (Rep., VI) ................................................................................................................................. 68 4.30 Número (Rep., VII, 525d) ................................................................................................................. 70 4.31 Matemática (Rep., VII, 525-527) .................................................................................................. 70 4.32 Geometria (Rep., VII, 527b) ............................................................................................................ 70 4.33 Música (Rep., VII, 531b) ................................................................................................................... 71 4.34 Metafísica (Rep., VII, 531c-d) ........................................................................................................ 71 4.35 Hipótese (Rep., VII, 533c) ................................................................................................................ 73 4.36 Pensamento (Rep., VII, 534) ........................................................................................................... 74 4.37 Analogia (Rep., VII, 534a)................................................................................................................ 75 4.38 Inteligível (Rep., VII, 534) ................................................................................................................ 75 4.39 Intelecto (Rep., VII, 534a) ............................................................................................................... 76 4.40 Propedêutica (Rep., VII, 536d) ...................................................................................................... 76 4.41 Sinopse (Rep., VII, 537e) .................................................................................................................. 76 4.42 Dogma (Rep., VII, 538c) ................................................................................................................... 76 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 4.43 Timocracia (Rep., VIII, 545b) .......................................................................................................... 77 4.44 Liberdade (Rep., VIII, 563d) ............................................................................................................ 77 4.45 Formas de governo (Rep., VIII-IX)................................................................................................ 77 4.46 Tirania (Rep., VIII, 569b-c) .............................................................................................................. 78 4.47 Prazer (Rep., IX, 583 ss.; Fil., 53c) ................................................................................................. 79 4.48 Ideia (Rep., X, 597b) .......................................................................................................................... 79 4.49 Metéxis (Rep., X, 597a) .................................................................................................................... 81 4.50 Estética (Rep., X, 598c) .................................................................................................................... 81 4.51 Poesia (Rep., X, 606a) ....................................................................................................................... 82 4.52 Santidade (Rep., X, 615b) ................................................................................................................ 83 4.53 Deus (Rep., X, 617) ............................................................................................................................. 83 4.54 Responsabilidade (Rep., X, 617) ................................................................................................... 85 4.55 Escolha (Rep., X, 618b) ..................................................................................................................... 85 Unidade II 5 GÓRGIAS, MÊNON, PROTÁGORAS E CRÁTILO...................................................................................... 90 5.1 Górgias ...................................................................................................................................................... 90 5.1.1 Convencionalismo (Górg., 484) ......................................................................................................... 93 5.1.2 Retórica (Górg., 452) .............................................................................................................................93 5.1.3 Vontade (Górg., 466) .............................................................................................................................. 93 5.1.4 Expiação (Górg., 478) ............................................................................................................................ 94 5.1.5 Pena (Górg., 480) ..................................................................................................................................... 94 5.1.6 Dicotomia (Górg., 500) ......................................................................................................................... 94 5.1.7 Arracional (Górg., 501a; Banq., 202a; Teet., 205e; Sof., 238c) .............................................. 94 5.1.8 Mundo (Górg., 508) ................................................................................................................................ 94 5.1.9 Cosmo (Górg., 508a) .............................................................................................................................. 94 5.1.10 Mito (Górg., 523a) ................................................................................................................................ 95 5.2 Mênon ....................................................................................................................................................... 95 5.2.1 Essência (Mên., 79b) .............................................................................................................................. 96 5.2.2 Anamnese (Mên., 80e-81) ................................................................................................................... 97 5.2.3 Aprendizado (Mên., 81d) ...................................................................................................................... 97 5.2.4 Ciência (Mên., 98a) ................................................................................................................................. 98 5.2.5 Conceito (Mên., 86a-b; Féd., 76) ....................................................................................................... 98 5.2.6 Ciência (Mên., 98a) ................................................................................................................................. 99 5.3 Protágoras ............................................................................................................................................... 99 5.3.1 Técnica (Prot., 321c) .............................................................................................................................102 5.3.2 Respeito (Prot., 322e) ..........................................................................................................................102 5.4 Crátilo ......................................................................................................................................................103 5.4.1 Nome (Crát., 388) ..................................................................................................................................104 5.4.2 Verdade (Crát., 385b; Sof., 262e; Fil., 37c) ..................................................................................104 5.4.3 Herói (Crát., 398c) .................................................................................................................................105 5.4.4 Alma (Crát., 399d; Fedro, 245d) ......................................................................................................105 5.4.5 Retidão (Crát., 428e) ............................................................................................................................105 5.4.6 Gramática (Crát., 431b) ......................................................................................................................105 5.4.7 Linguagem (Crát., 433) .......................................................................................................................106 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 6 PARMÊNIDES, FÉDON, FEDRO E O BANQUETE...................................................................................107 6.1 Parmênides ............................................................................................................................................107 6.1.1 Instante (Parm., 156d)......................................................................................................................... 110 6.1.2 Universal (Parm., 132a) ........................................................................................................................111 6.1.3 Terceiro homem (Parm., 132a) ..........................................................................................................111 6.1.4 Eleatismo ...................................................................................................................................................111 6.1.5 Platonismo ...............................................................................................................................................112 6.2 Fédon .......................................................................................................................................................112 6.2.1 Morte (Féd., 64c) ...................................................................................................................................113 6.2.2 Em si (Féd., 65d, 75c) ...........................................................................................................................113 6.2.3 Corpo (Féd., 66b) ...................................................................................................................................113 6.2.4 Catarse (Féd., 67a, 69) .........................................................................................................................114 6.2.5 Associação de ideias (Féd., 76a) ......................................................................................................114 6.2.6 Misologia (Féd., 89d-90b) ..................................................................................................................114 6.2.7 Finalismo (Féd., 97c).............................................................................................................................114 6.2.8 Causalidade (Féd., 97c, 101c) ...........................................................................................................115 6.2.9 Dever-ser (Féd., 99c) ............................................................................................................................115 6.2.10 Participação (Féd., 100) ....................................................................................................................115 6.2.11 Vida (Féd., 105c)...................................................................................................................................116 6.3 Fedro ........................................................................................................................................................116 6.3.1 Hybris (Fedro, 238) .............................................................................................................................. 120 6.3.2 Princípio (Fedro, 245c; Teet., 155d) ...............................................................................................121 6.3.3 Imortalidade (Fedro, 245d) ...............................................................................................................121 6.3.4 Queda (Fedro, 248a) .............................................................................................................................121 6.3.5 Belo (Fedro, 250) ...................................................................................................................................121 6.3.6 Método (Fedro, 270c) .........................................................................................................................122 6.3.7 Diálogo (Fedro, 275) ........................................................................................................................... 122 6.4 O Banquete ...........................................................................................................................................122 6.4.1 Temperamento (Banq., 188a; Tim., 86b) ..................................................................................... 126 6.4.2 Sexo (Banq., 189c) ............................................................................................................................... 126 6.4.3 Gênero (Banq., 190c) .......................................................................................................................... 127 6.4.4 Amor (Banq., 200a) ............................................................................................................................. 127 6.4.5 Alma bela (Banq., 210b) ..................................................................................................................... 127 Unidade III 7 TEETETO, LEIS, SOFISTA E POLÍTICO .........................................................................................................131 7.1 Teeteto ....................................................................................................................................................131 7.1.1 Maiêutica (Teet., 15c) ......................................................................................................................... 134 7.1.2 Filologia (Teet., 161a) .......................................................................................................................... 135 7.1.3 Movimento (Teet., 181d) ................................................................................................................... 135 7.1.4 Silogismo (Teet., 186d) ....................................................................................................................... 135 7.1.5 Consciência (Teet., 189e; Sof., 263e) ............................................................................................ 135 7.1.6 Tábua rasa (Teet., 191) ........................................................................................................................ 136 7.1.7 Pôr (Teet.. 191c) .................................................................................................................................... 136 7.1.8 Elemento (Teet., 210e) ........................................................................................................................ 136 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 7.2 Leis ............................................................................................................................................................136 7.2.1 Estado de natureza (Leis, III, 677e) ................................................................................................141 7.2.2 Empirismo (Leis, IV, 720c-d) .............................................................................................................141 7.2.3 Casamento (Leis, IV, 721) .................................................................................................................. 142 7.2.4 Egoísmo (Leis, V, 731e) ...................................................................................................................... 142 7.2.5 Ateísmo (Leis, X, 891c, 892b) ........................................................................................................... 142 7.3 Sofista .....................................................................................................................................................142 7.3.1 Espécie (Sof., 235d; Teet., 178) ....................................................................................................... 145 7.3.2 Nada (Sof., 242d) ................................................................................................................................. 145 7.3.3 Possibilidade (Sof., 247) ..................................................................................................................... 145 7.3.4 Erro (Sof., 247e) .................................................................................................................................... 146 7.3.5 Outro (Sof., 254) ................................................................................................................................... 146 7.3.6 Categoria (Sof., 254) ........................................................................................................................... 147 7.3.7 Ser (Sof., 455) ........................................................................................................................................ 147 7.4 Político ....................................................................................................................................................150 7.4.1 Prático (Pol., 258d-e) .......................................................................................................................... 155 7.4.2 Política (Pol., 259a-b) ......................................................................................................................... 155 7.4.3 Irreversível (Pol., 269) ......................................................................................................................... 156 7.4.4 Medida (Pol., 284e) .............................................................................................................................. 156 8 TIMEU .................................................................................................................................................................156 8.1 Atlântida (Tim., 24) ............................................................................................................................159 8.2 Céu (Tim., 28c) .....................................................................................................................................159 8.3 Paradigma (Tim., 29b) .......................................................................................................................159 8.4 Criação (Tim., 29e) ..............................................................................................................................159 8.5 A alma do mundo (Tim., 34b) ........................................................................................................160 8.6 Tempo (Tim., 37d) ...............................................................................................................................160 8.7 Mediação (Tim., 41a-c) .....................................................................................................................160 8.8 Sonho (Tim., 45e) ................................................................................................................................160 8.9 Necessário (Tim., 47d) .......................................................................................................................161 8.10 Metempsicose (Tim., 49) ................................................................................................................161 8.11 Matéria (Tim., 50) .............................................................................................................................161 8.12 Mãe (Tim., 51a-b) .............................................................................................................................162 8.13 Demiurgo (Tim., 51a) ......................................................................................................................162 8.14 Persuasão (Tim., 51) .........................................................................................................................163 8.15 Razão (Tim., 70a) ..............................................................................................................................1638.16 Lei (Tim., 83) .......................................................................................................................................163 8.17 Demônio (Tim., 41a) ........................................................................................................................164 11 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 APRESENTAÇÃO A obra de Platão é fundadora da filosofia ocidental. De fato, desde Aristóteles, que foi seu aluno, todos os grandes filósofos discutiram diretamente suas ideias, muitas vezes para discordar delas. Hoje em dia temos acesso a praticamente todas as suas obras. Todavia nem sempre foi assim. Durante a Idade Média, a maioria de seus trabalhos foi esquecida e até mesmo destruída nas bibliotecas dos mosteiros medievais. Entretanto felizmente, após os árabes conquistarem o Egito, resgataram sua obra, promovendo a tradução do grego para o árabe, e também para o hebraico. Acredita-se que foi na Espanha, também dominada pelos árabes, que surgiram as primeiras traduções dos livros de Platão para o latim. Tudo isso antes de o Brasil ser descoberto. Todos os livros de Platão, a maioria escrita na forma de diálogo, já foram considerados como de autoria duvidosa. Entretanto ninguém duvida que sua primeira obra foi a Apologia de Sócrates. Com textos tão antigos e dispersos ao longo dos séculos, foi somente em 1578, mais ou menos na mesma época que José de Anchieta chegava ao Brasil, que o editor suíço Henri Estienne, da cidade de Genebra, publicou a obra completa de Platão traduzida para o latim. O nome em latim de Estienne era Stephanus, e naquela época todos os intelectuais publicavam e editavam suas obras em latim, com seu nome traduzido. Stephanus lançou a obra completa de Platão em três volumes e, além de numerar as páginas, dividiu o texto em seções. Desde então a obra de Platão e todos os seus estudos são referenciados pelo número das páginas e dos parágrafos da edição de Henri Estienne. Quando se mencionam as linhas do texto em grego, utiliza-se a marcação da Platonis Opera, organizada pelo estudioso John Burnet (1863-1928). Esta edição foi publicada pela editora da Universidade de Oxford na Inglaterra, entre os anos de 1900 e 1907. Nas referências dos textos de Platão, o algarismo romano logo após o nome da obra indica um dos livros em que ela foi organizada. O primeiro número e as letras a, b, c, d ou e informam as páginas e as seções da edição de Henricus Stephanus. Quando há números depois das letras minúsculas, significam as linhas do texto. Por exemplo, Rep., I, 302d5-6 deve ser entendido como: A República, livro I, página número 302 da edição de Stephanus, seção d, linhas 5 a 6. Da mesma maneira, a obra de Aristóteles é organizada pelas páginas e seções da Aristotelis Opera, editada por Immanuel Bekker (1785-1871), para a Academia de Ciências de Berlim. Ela foi impressa entre 1831 e 1870. As edições mais recentes, e as traduções para qualquer língua, seguem a paginação e as colunas do texto de Bekker (COÊLHO, 2014). Trabalhar com Platão e Aristóteles sem remeter a essas codificações é a mesma coisa que trabalhar com a Bíblia sem fazer referência a livros e versículos. Não apenas tomamos o cuidado de manter as referências acadêmicas de Platão e Aristóteles, mas também preservamos as formas originais de citação dos antigos historiadores, por exemplo Diógenes Laércio (180-240), para demonstrar como se estudam os textos antigos. Este livro-texto pretende contextualizar e analisar alguns tópicos da filosofia grega antiga, mais exatamente da obra de Platão. Sabemos que os gregos inventaram a filosofia, que se organizou como 12 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 um saber que se contrapôs ao dos poetas (e músicos) e sofistas. Os grandes sistemas clássicos de Platão e de Aristóteles criaram as propostas de busca e organização do conhecimento e da verdade. Platão, ao criar sua filosofia, pretendeu dar uma resposta filosófica à condenação à morte de seu mestre, Sócrates. Desse exame crítico, nasceu a tradição de reflexão sobre os regimes políticos e sobre a virtude. O resultado mais perene dessa reflexão foi a invenção do conceito de República. INTRODUÇÃO Platão (427-347 a.C.) foi um filósofo grego, talvez o mais importante da cultura ocidental. De maneira geral, sua maior contribuição à filosofia é a concepção do mundo observável como imagem imperfeita de uma realidade que não conseguimos enxergar. Nessa realidade não observável existiriam formas imutáveis que dariam origem às coisas. Acredita-se hoje que Platão nasceu por volta de 427 a.C., e faleceu com 80 anos, ou talvez 81, em 347 a.C. As datas são imprecisas e seguem em disputa, pois, de acordo com os escritos de Diógenes Laércio (D.L.), pela cronologia de Apolodoro, Platão nasceu no ano em que Péricles morreu, era seis anos mais novo do que Isócrates e morreu aos 84 anos de idade (D.L., III, 2-3). Todavia, se a data de morte de Platão estiver correta na versão de Apolodoro, Platão nasceu em 430 ou 431. Pelas informações de Diógenes Laércio, Platão nasceu no mesmo ano que Péricles morreu, portanto 429. Em outro momento (3.6), Diógenes escreve que, quando Sócrates morreu, Platão tinha 28 anos (em 399), o que novamente dataria seu nascimento em 427 (D.L., III, 6). Apesar dessas discussões, o período baseado nos cálculos de Eratóstenes é tradicionalmente aceito como correto. Pouco se sabe sobre a juventude de Platão. Segundo Diógenes, que não é muito preciso, os pais de Platão foram Ariston e Perictione (ou Potone) (D.L., III, 1). Os dois lados da família alegavam rastrear sua ascendência a Poseidon (D.L., III, 1), o deus mitológico dos mares. O relato divulgado por Diógenes, de que Platão foi o resultado do estupro de Perictione por Ariston (D.L., III, 1), é um exemplo das fofocas não confirmadas. Figura 1 13 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 Sabemos com certeza que Platão teve dois irmãos mais velhos, Glauco e Adeimantus (GUTHRIE, 1975). Teve também uma irmã, Potone, todos filhos dos mesmos pais (D.L., III, 4). Quando Ariston morreu, a mãe de Platão se casou com um tio dele, Pirilampo. No diálogo Cármides, de Platão, podemos ler que Pirilampo era tio de Cármides, e Cármides era o irmão da mãe de Platão (Cár., 158a). Desse segundo casamento ela teve outro filho, Antiphon, meio-irmão de Platão, citado no diálogo Parmênides (Par., 126a-b). Platão nasceu numa família rica e politicamente poderosa de Atenas. Um dos seus tios, Cármides, foi membro do grupo político conhecido como Trinta Tiranos, que derrubou a democracia ateniense em 404 a.C. O próprio tio de Cármides, Crítias, era o líder deles. Mas, como em toda família poderosa, os parentes de Platão eram ligados tanto com o grupo oligárquico de Atenas como com o grupo democrático. Seu padrasto, Pirilampo, teria sido próximo de Péricles no período em que ele foi o líder do grupo democrático. Mas as atividades políticas da família, segundo historiadores, não são vistas como muito louváveis. O nome original de Platão foi presumivelmente Aristocles, o mesmo do avô. Platão é um apelido (platos significa “amplo”), e reza a lenda que teria sido dado por seu professor de luta livre, por causa de seu físico, ou por seu comportamento folgado, ou mesmo, talvez, por causa da largura de sua testa (D.L., III, 4). Embora, ainda segundo Diógenes, o nome Aristocles tivesse sido escrito em seu túmulo (D.L., III, 43), a história o conhece como Platão. Conjectura-se que Platão tinha ambições políticas. Mas abriu mão delas quando Sócrates foi executado por impiedade, ou seja, por desprezar as tradições e os costumes de Atenas. Neste livro-texto vamos fazer uma leitura de trechos importantes das principais obras de Platão. É importante que você acompanhe o desenvolvimento do pensamento do filósofo,que é tido como o fundador da filosofia ocidental. Uma anedota acadêmica sugere que, desde Aristóteles, estamos apenas comentando a obra de Platão. Isso quer dizer que a maioria dos pensadores ocidentais, até o início da filosofia do século XX, sempre recorreu a ele para tentar reinterpretar o mundo. A proposta de Platão de filosofar a partir da interpretação do mundo pelo ser humano está tão presente que, até no século XX, filósofos como Heidegger e Sartre refazem esse percurso. É necessário ler Platão sempre tentando entender que muito do que ele descreveu diz respeito ao mundo em que viveu. Então mitos gregos e cidades que não existem mais, ou perderam sua importância, não devem ser considerados importantes para a compreensão das suas ideias, mas apenas referências de atitudes, hábitos e lugares. Acima de tudo, é preciso reconhecer que, na obra de Platão, ideias e formas são consideradas a mesma coisa. Isso em português contemporâneo é mais difícil de ser aceito, pois atribuímos às formas uma materialidade que não damos às ideias. Porém, em vez de mantermos a posição da interpretação católica de Platão, que sempre tendeu a pensar as ideias platônicas como imateriais, hoje podemos 14 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 repensar esse hábito a partir de novas traduções do grego original, nas quais a forma e a ideia do triângulo não existem separadamente. Toda vez que você tiver alguma dúvida, lembre-se do exemplo do triângulo, e ficará mais fácil o entendimento daquilo que foi escrito originalmente há mais de 2 mil anos. Naquele tempo a Grécia tinha como seu maior inimigo a Pérsia. As duas grandes guerras aconteceram em 490 a.C., quando na planície de Maratona os persas foram repelidos pelo general Milcíades ou Milquíades, e em 480 a.C., quando o rei persa, Xerxes, tentou novamente tomar a Grécia e foi vencido nas batalhas de Salamina e Plateia, desta vez por Temístocles. Com a vitória, Atenas se tornou líder das cidades gregas. Criou-se uma federação de cidades sob seu comando, com o nome de Liga de Delos, que durou 74 anos. Nesse período, Atenas viveu seu esplendor. Péricles era general e político do partido democrático. Com o poder das famílias aristocráticas gregas diminuído, permitiu que a assembleia tivesse uma representação popular, de atenienses que eram artesãos. Péricles inventou a função de funcionário público, impedindo assim que os gregos de Atenas fossem pobres. É por isso considerado o primeiro populista da história. Com o dinheiro da Liga de Delos, estimulou uma série de construções públicas que transformaram Atenas numa grande cidade, com obras de infraestrutura. Péricles governou por trinta anos, mas ao final a cidade de Esparta resolveu pôr um fim à gastança e atacou Atenas. Assim começou a Guerra do Peloponeso, que acabou sendo o marco final do esplendor grego. Atenas perdeu a Guerra do Peloponeso para Esparta, e desse modo a oligarquia tentou retomar o poder com o governo dos Trinta Tiranos, em 404-403 a.C. Eram trinta magistrados (juízes), que tentaram governar a cidade restabelecendo o poder dos ricos. Mas o povo se revoltou, e em menos de um ano Atenas voltava a ser democrática. Figura 2 15 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 FILOSOFIA ANTIGA Unidade I 1 O PERCURSO DE PLATÃO Figura 3 Quando Sócrates morreu, Platão resolveu viajar. Há uma discussão sobre sua rota quando saiu de Atenas. Será que ele teria primeiro permanecido em Megara e depois visitado o sul da Itália, especialmente a Sicília? Há quem pense que Platão foi até o Egito. Platão menciona o Egito em suas obras – por exemplo, no Filebo (19b). Chegando ao sul da Itália e à Sicília, teria tido contato com os seguidores de Pitágoras. Com eles aprendeu como ver o mundo através da matemática, que era a proposta de Pitágoras (570-495 a.C.). Também conheceu Crátilo, um seguidor de Heráclito, e foi influenciado por sua doutrina de que o mundo está em constante fluxo. Seus diálogos se opõem ao relativismo de Protágoras e às explicações materialistas propostas por Demócrito. Como tudo mais que temos certeza ou podemos deduzir da vida de Platão, as melhores informações das suas visitas à Itália e à Sicília podem ser encontradas em sua Sétima Carta. Ele teria viajado com “cerca de 40 anos” (Ep., VII, 324a). Na Sicília permaneceu em Siracusa, onde se tornou tutor de Dion, que era cunhado do tirano Dionísio I. Siracusa era na época a cidade mais rica do mundo grego. Mas há quem afirme que Dionísio I teria se zangado com Platão e vendido o filósofo como escravo (D.L., III, 19-21). Sabemos disso pelo que está escrito nas cartas de Platão (Epístolas). A mais longa e importante é a Sétima Carta; embora sua autenticidade seja controversa, não há dúvida de que seu autor estava muito familiarizado com a vida de Platão. 16 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 Unidade I Em todo caso, Platão retornou a Atenas e então fundou uma escola denominada de Academia. Este nome veio da sua localização, que ficava num bosque de árvores consagrado em memória do atleta Academus – ou Hecademus (D.L., III, 7). Distante, na época das muralhas da cidade, o local podia ser visitado na Atenas moderna. Platão viajou mais duas vezes à Sicília, mas a Academia se tornou sua residência durante o resto da vida. A segunda viagem de Platão aconteceu depois que Dionísio morreu. Seu filho, Dionísio II, se tornou rei, e Dion, o discípulo de Platão, era tio e ao mesmo tempo cunhado do jovem tirano. Dion convenceu Dionísio II a convidar Platão para ajudar o rei a se tornar um rei-filósofo do tipo descrito na República. Platão relata na Sétima Carta (Ep., VII, 328b-c) que, mesmo que não estivesse convencido de que isso daria certo, concordou em ir. Mas essa viagem, assim como a primeira, não transcorreu bem. Depois de poucos meses, Dionísio II exilou Dion (Ep., VII, 329c). Platão ficou em prisão domiciliar, tratado como convidado pessoal do tirano (Ep., VII, 329c-330b). Quando Platão finalmente conseguiu permissão do tirano para retornar a Atenas (Ep., VII, 338a), ele e Dion se reencontraram na Academia. Dionísio II concordou então em convidar Platão e Dion de volta a Siracusa (Ep., VII, 338a-b). Dion e Platão ficaram em Atenas durante quatro anos. Dionísio convidou Platão, mas preferiu que Dion esperasse um pouco mais para voltar. Dion aceitou a condição e encorajou Platão a retornar (Ep., VII, 338b-c). Platão, porém, recusou o convite (Ep., VII, 338c). Um ano depois, Dionísio enviou um navio com Archedemus, um amigo de Platão (Ep., VII, 339a-b), pedindo para ele regressar a Siracusa. Convencido por Dion, Platão retornou a Siracusa. Entretanto, mais uma vez as coisas não funcionaram, e Dionísio aprisionou Platão de novo em Siracusa, o qual novamente escapou, ajudado por amigos de Tarentina (Ep., VII, 350a-b). Posteriormente Dion organizou um exército formado por mercenários e invadiu Siracusa. Mas seu sucesso durou pouco tempo. Dion foi assassinado e a Sicília viveu o caos. Platão, provavelmente cansado da política, voltou para a Academia. Lá viveu os treze últimos anos de vida. Segundo Diógenes, enterraram Platão na Academia (D.L., III, 41). Contudo até hoje seu túmulo não foi descoberto pelas pesquisas arqueológicas. Observação Referenciaremos a obra de Platão de acordo com a paginação de Stephanus. É uma referência histórica à edição da tradução de sua obra completa do grego para o latim em 1578 por Joannes Serranus (Jean de Serres) e publicadas por Henricus Stephanus (Henri Estienne) em Genebra. As obras de Platão são divididas em números. Cada número é subdividido em seções a, b, c, d e e. Por exemplo, O Banquete 172a se refere a um trecho específico do texto O Banquete de Platão. Os números de Stephanus referem-se a números de páginas dos três volumes da edição de Estienne, de 1578.Mas os números precisam ser escritos junto com o título original da obra. 17 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 FILOSOFIA ANTIGA Seguem as obras de Platão: 1º GRUPO (-399/-387) Apologia de Sócrates, Cármides, Críton, Eutidemo, Eutífron, Górgias, Hípias Maior, Íon, Laques, Hípias Menor, Lísis, Menexeno, Mênon e Protágoras; 2º GRUPO (-387/-367) Crátilo, Parmênides, Fédon, Fedro, O Banquete, A República e Teeteto; 3º GRUPO (-360/-347) Crítias, Leis, Filebo, Sofista, Político e Timeu. Quadro 1 – Relação temática das obras de Platão Eutífron Crátio Parmênides Alcebíades I Teages Eutidemo Hípias Menor Clitofon Minos Apologia Teeteto Filebo Alcebíades II Cármides Protágoras Hípias Maior A República Leis Críton Sofista O Banquete Hiparco Laques Górgias Íon Timeu Epínomis Fédon Político Fedro Amantes Rivais Lísis Mênon Menexêno Crítias Epístolas A seguir, as abreviações que serão utilizadas para referenciar os livros: • Apol. = Apologia de Sócrates • Banq. = O Banquete • Cárm. = Cármides • Crát. = Crátilo • Crít. = Críton • Ep. = Epístolas • Eutid. = Eutidemo • Eut. = Eutífron • Féd. = Fédon • Fil. = Filebo 18 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 Unidade I • Górg. = Górgias • Mên. = Mênon • Parm. = Parmênides • Pol. = Político • Prot. = Protágoras • Rep. = República • Sof. = Sofista • Teet. = Teeteto • Tim. = Timeu Todos os textos citados são traduzidos da edição de John Burnet, 1899-1906. Saiba mais Para acesso integral aos textos de Platão, visite: PORTAL DOMÍNIO PÚBLICO. Biblioteca digital desenvolvida em software livre. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm. do?select_action&co_autor=173> Acesso em: 3 abr. 2018. 1.1 Os pensadores que influenciaram Platão Aristóteles e Diógenes Laércio concordam que Platão em sua juventude estudou a filosofia de Heráclito de Éfeso, com seus seguidores (Met., 987a32; D.L., III, 4-5). Essa influência pode ser percebida na concepção de Platão de que o mundo sensível está em eterna mudança. Diógenes, que foi biógrafo dos antigos filósofos gregos, escreveu Vidas e Doutrinas dos Filósofos Ilustres [s.d.], obra que sobreviveu aos séculos. É composta de dez livros, e conta como foi a evolução da filosofia grega. Diógenes relatou que Platão teria construído sua filosofia dos argumentos de Heráclito, dos pitagóricos e de Sócrates. O mundo sensível seria uma ideia de Heráclito, as coisas inteligíveis vêm de Pitágoras e sua percepção política é a de Sócrates (D.L., III, 8). 19 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 FILOSOFIA ANTIGA Sabemos também que Platão teve forte influência de Parmênides e Zenão (ambos de Eleia). Na teoria das ideias (formas), percebemos que suas conclusões concordam com o pensamento de Parmênides de unidade metafísica e estabilidade da realidade cognitiva. Parmênides e Zenão também surgem no diálogo Parmênides como personagens. Diógenes (D.L., III, 6) afirma ainda que Platão conheceu os pitagóricos do sul da Itália, como Teodoro, que é mencionado como amigo de Sócrates no diálogo Teeteto, de Platão. Na Sétima Carta (Ep., VII), Platão escreve que era amigo de Archytas de Tarentum, um seguidor de Pitágoras (Teet., 339d-e), e no Fédon Platão fala de Equécrates, outro pitagórico, que pertencia ao grupo que ficou em torno de Sócrates no seu último dia na prisão. As influências pitagóricas de Platão parecem ficar evidentes através de seu fascínio pela matemática, que aparecem muitas vezes em diversos diálogos. Mas ninguém influenciou mais Platão do que Sócrates. Isso fica claro pela escolha de Sócrates como personagem principal na maioria de suas obras. De acordo com a Sétima Carta, Platão considerava Sócrates “o homem mais justo que jamais viveu” (Ep., VII, 324e). As obras de Aristóteles, discípulo de Platão, são citadas tradicionalmente de acordo com a edição de August Immanuel Bekker (1785-1871), para a Academia de Ciências de Berlim, publicada entre 1831 e 1870. No Brasil, suas obras vêm sendo publicadas por diversas editoras. Seguem as abreviações: • An. Post. = Analíticos Posteriores • An. Pr. = Analíticos Anteriores • Cat. = Categorias • De An. = Da Alma • De Cael. = Do Céu • De Int. = Da Interpretação • Ét. Eud. = Ética a Eudemo • Ét. Nic. = Ética a Nicômaco • Fís. = Física • Met. = Metafísica • Poét. = Poética • Pol. = Política 20 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 Unidade I • Ret. = Retórica • Tóp. = Tópicos Saiba mais Para acesso aos textos de Aristóteles, visite: PORTAL DOMÍNIO PÚBLICO. Biblioteca digital desenvolvida em software livre. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm. do?select_action=&co_autor=144> Acesso em: 3 abr. 2018. 1.2 Os escritos de Platão Para Diógenes Laércio, Platão teria grande habilidade intelectual e artística. Em sua juventude, tentou ser escritor de tragédias (D.L., III, 5). Contudo, ao conhecer Sócrates, teria mudado o rumo de sua trajetória. Talvez isso explique o motivo pelo qual suas obras foram majoritariamente escritas como diálogos, primando pela caracterização de seus personagens e pelo contexto dramático. Sócrates aparece como personagem principal em vários outros escritos, além dos diálogos de Platão. Sabemos de outras menções – por exemplo, por Alexamenos de Teos (Poét., 1447b), Ésquines (Apol., 33e), Antístenes (D.L., III, 35-36), Aristipo (D.L., II, 65-104), Eucleides (D.L., II, 106-112), Simon (D.L., II, 122-124), Fédon (D.L., II, 105) e, especialmente, por Xenofonte (D.L., II, 48-59); estes também eram conhecidos autores socráticos. Há quem se pergunte se o uso de Sócrates como personagem principal de Platão realmente remete à pessoa histórica de Sócrates. Essa antiga discussão da filosofia proporcionou disputas acadêmicas, que não chegaram a nenhuma conclusão. Aristóteles defende que algumas das doutrinas que Platão narra através de Sócrates foram as mesmas defendidas pelo próprio Sócrates. Não há motivo para que Aristóteles não tenha sido sincero sobre isso. Uma maneira de abordar essa questão foi tentar organizar os diálogos em datas relativas. Assume-se que, se pudermos estabelecer uma cronologia para a ordem de escrita dos diálogos, poderemos também verificar que Platão representou Sócrates como um ser biografado nos primeiros diálogos, e apenas como figurante nos diálogos posteriores. Quando se voltou a estudar Platão na Idade Média, a ordem dos diálogos de Platão contemplou suas linhas temáticas. Acredita-se inclusive que autores como Diógenes Laércio (D.L., III, 56-62) incluíram entre as obras de Platão alguns livros cuja procedência é hoje contestada ou mesmo rejeitada por unanimidade. 21 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 FILOSOFIA ANTIGA Apesar de não haver evidência histórica incontestável para uma ordem cronológica, pesquisando a obra de outros autores gregos da Antiguidade, encontramos muitas informações. Aristóteles (Pol., 2.6.1264b24-27), Diógenes Laércio (D.L. III, 37) e Olympiodoro (Prol., 6.24) atestaram que Platão redigiu as Leis depois da República. As referências encontradas no Sofista (217a) e no Político (257a, 258b) mostram que o Sofista foi escrito antes. O Timeu (17b-19b) se refere à República como uma obra anterior, e menciona o Crítias como posterior (Tim., 27a). Também encontramos nas referências do Sofista (216a, 217c) e do Teeteto (183e) a ordem proposta de três diálogos; o Parmênides, o Teeteto e o Sofista. Mesmo assim, não se pode afirmar que eles foram realmente escritos nessa disposição. Em Teeteto (143c), Platão avisa nas falas de seus personagens que ele estava abandonando a forma de diálogo que foi usada em seus outros escritos. Como essa forma de escrever não aparece maisem outros textos, é razoável inferir que aqueles em que não há diálogos foram escritos depois. Vários pesquisadores tentaram empregar métodos diferentes para ordenar os diálogos. Um deles é o da estilometria, que verificou vários aspectos das falas de Platão em cada diálogo. Suas métricas são comparadas em relação aos seus usos e frequências em outros diálogos. Essa técnica é feita hoje em dia com o auxílio de computadores, o que pode trazer grande precisão. Outra maneira de classificar os diálogos é através da análise de conteúdo. Ao encontrarmos alguns aspectos comuns do conteúdo em diversas obras, enumeramos as coincidências e as diferenças no estilo filosófico dos vários diálogos. Entretanto nenhuma dessas abordagens gerais alcançou unanimidade entre os estudiosos, e as discussões sobre a ordem correta continua sendo objeto de discórdia. Hoje há consenso sobre a datação de sua obra. Podemos considerar a seguinte forma como um consenso contemporâneo. Os primeiros escritos começaram depois da morte de Sócrates e foram feitos antes que Platão iniciasse sua ida à Sicília, em 387 a.C. São eles: • Apologia, Cármides, Críton, Eutidemo, Eutífron, Górgias, Hípias Maior, Hípias Menor, Íon, Laques, Lísis, Protágoras, A República (livro I). Há um período de transição (387-380 a.C.): • Crátilo, Menexeno, Mênon. Depois um período intermediário (380-360 a.C.): • Fédon, A República (livros II-X), O Banquete. Há um segundo período de transição (360-355 a.C.): 22 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 Unidade I • Parmênides, Teeteto, Fedro. E suas últimas obras (355-347 a.C.) são: • Sofista, Político, Filebo, Timeu, Crítias, Leis. 1.3 A redescoberta de Platão O único livro de Platão que sempre constou na literatura culta da civilização ocidental foi o Timeu. Todas as demais obras tinham sumido no Ocidente e só foram redescobertas ao final da Idade Média. Quem preservou esse conhecimento foram os estudiosos muçulmanos, do Oriente Médio até a Espanha. Foi em 1578 que Henri Estienne publicou a edição completa dos diálogos. Cada página do texto é separada em cinco seções, as quais receberam as letras a, b, c, d e e. Henri criou o padrão de citação dos textos platônicos: primeiro se inclui o nome do texto, depois a página da sua edição (conhecida pelo nome em latim de Estienne, que era Stephanus) e os números da seção; por exemplo, A República 511d, ou Rep., 511d. Algumas vezes os acadêmicos incluem também o número das linhas após as letras da classificação de Stephanus. Quase todos os diálogos que hoje aceitamos como genuínos foram considerados duvidosos por alguém algum dia. Dos que listamos como autênticos, no grupo inicial, apenas o Hípias Maior é eventualmente classificado como não autêntico. Sua autenticidade é contestada porque esse diálogo nunca foi mencionado por nenhuma das fontes antigas. Contudo, por causa de seu estilo e conteúdo, a maioria dos acadêmicos contemporâneos concorda que foi escrito de forma parecida com os outros diálogos platônicos. Todos consideram que o primeiro diálogo foi a Apologia de Sócrates. Embora ninguém pense que Platão simplesmente registrou as palavras ou discursos que Sócrates proferiu de fato, não há nada nos discursos de Sócrates na Apologia que ele não poderia ter dito em seu julgamento histórico. De qualquer maneira, os acadêmicos consideram a Apologia de Platão como a fonte mais confiável do Sócrates histórico. Quanto aos demais diálogos, é possível que eles tenham sido uma criação original de Platão e não retratem de fato quem foi Sócrates. Os testes estilométricos também tendem a dividir os trabalhos de Platão em três períodos: inicial, médio e final. Por exemplo, Apologia, Cármides, Críton, Eutífron, Hípias Menor, Íon, Laques e Protágoras, listados aqui em ordem alfabética, são considerados do período inicial. Fédon, O Banquete, A República e Fedro talvez tenham sido escritos nessa ordem e pertencem ao período intermediário. 23 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 FILOSOFIA ANTIGA Todavia em alguns casos é muito difícil dizer que obra é anterior à outra. A questão cronológica mais controversa é o Timeu. Os testes estilométricos geralmente o colocam entre os diálogos finais, embora alguns estudiosos acreditem que suas doutrinas filosóficas são descartadas nesses diálogos, e assim atribuam-no ao período intermediário. A questão é se Platão teria abandonado algumas de suas principais doutrinas. Lembrete O único livro de Platão que sempre constou na literatura culta da civilização ocidental foi o Timeu. Todas as demais obras tinham sumido no Ocidente e só foram redescobertas ao final da Idade Média. 1.4 Os diálogos iniciais e intermediários Os primeiros diálogos sempre retratam um encontro entre Sócrates e um interlocutor. Sócrates assume uma postura complacente, que Platão entende como exemplo de coragem, piedade ou beleza. Por exemplo, Eutífron, no diálogo que leva seu nome, nega que haja alguma impiedade na perseguição de seu pai, mas através do questionamento repetitivo Sócrates demonstra que Eutífron não consegue nem explicar de forma convincente o que é impiedade. Segundo Sócrates, os atos piedosos têm em comum a virtude, e por isso são justamente chamados de piedosos. Sócrates avisa que não tem resposta para questões como: “O que é essa coisa?”. Isso é o que ele afirma na Apologia, pois sua forma peculiar de sabedoria consiste em perceber o pouco que ele conhece (“Sei que nada sei”). Nesses diálogos iniciais, Sócrates procura, mas não consegue encontrar, uma teoria filosoficamente defensável que fundamente o uso de termos normativos. Isso tem somente esse significado, como no caso de “Pedra significa apenas um fragmento mineral”. Sabemos que todas as palavras assumem diversos significados, reais ou metafóricos, de acordo com a época. Pedra pode significar hoje em dia uma figura do xadrez ou um cálculo renal. Nos primeiros diálogos, Sócrates é sempre questionador. Esta forma de fazer perguntas e esperar respostas é conhecida como o método socrático de ensino. O papel de questionador é decorrente da sua afirmação de nada saber, de não ter nenhuma sabedoria que possa ser compartilhada com os outros. O Sócrates de Platão, deste primeiro período, tenta induzir seus interlocutores mais inteligentes à confusão e autocontradição. Na Apologia, Sócrates conta que esse constrangimento que ele causou aos seus contemporâneos foi por conta de uma visita ao oráculo de Delfos (Apol., 21a-23b), que previu que ninguém seria mais sábio do que Sócrates. Ele se sentiu imbuído de uma missão divina de expor a falsa sabedoria. Suas refutações causaram constrangimento a muitos de seus pares, e isso fez Sócrates afirmar que foram elas que geraram as acusações (Apol., 23c-24b). Para ele, as acusações surgiram porque seus interlocutores escolheram viver a vida sem examiná-la (Apol., 38a), e uma vida sem exame não vale a pena ser vivida. 24 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 Unidade I A maneira como Platão descreve a missão da qual Sócrates se imbuiu em Atenas explica o porquê de os atenienses o levarem a julgamento para condená-lo, nos conturbados anos depois da Guerra do Peloponeso. Todavia deixa claro que Sócrates não era culpado das acusações que enfrentou. Importante, no entanto, é que os primeiros diálogos de Platão fornecem argumentos e refutações de posições filosóficas que interessam e intrigam os leitores até hoje. Os diálogos platônicos continuam a ser leitura necessária nas aulas introdutórias e avançadas de filosofia, porque levantam muitos dos problemas mais básicos da área. Ao contrário da maioria de outras obras filosóficas, Platão retrata as discussões em ambientes dramáticos, que tornam o conteúdo delas especialmente convincente. Assim, por exemplo, em Críton, Sócrates discute o dever do cidadãode obedecer às leis do Estado, enquanto aguarda sua execução legalmente promulgada na prisão. Sócrates e Críton concordam que o veredito está errado, e é resultado da mais flagrante aplicação incorreta das leis que estão discutindo. 1.5 As posturas éticas nos primeiros diálogos A maioria dos acadêmicos corrobora as posições filosóficas que podem ser encontradas ou pelo menos sugeridas nos primeiros diálogos, também chamados de socráticos. São elas: Não se deve retaliar, ou rebater os danos com mais danos, ou a maldade com o mal (Rep., I, 335a-e). Cometer uma injustiça prejudica a própria alma, que é o bem mais precioso de uma pessoa. Portanto, é melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la (Górg., 478c-e, 511c-512b; Rep., I, 353d-354). A bondade deve conduzir à felicidade, ao bem-estar ou ao florescimento humano. Isso pode ser entendido como “viver bem” ou “fazer o bem” (Rep., I, 354a). A virtude é boa apenas por si mesma. Qualquer coisa que seja boa é boa somente na medida em que serve ou é usada pela virtude (Apol., 30b). Existe determinada unidade entre as virtudes. De certa forma, todas as virtudes são a mesma (Prot., 329b-333b, 361a-b). O cidadão que concorda em viver num Estado precisa obedecer às leis desse Estado. Pode eventualmente persuadir esse Estado a mudar suas leis, ou então deve ir embora (Crít., 51b-c, 52a-d). 1.6 As propostas psicológicas nos primeiros diálogos Sócrates também parece sugerir diversos conceitos psicológicos: Todo mal é feito no estado de ignorância, pois todos desejam apenas o bem (Prot., 352a-c; Górg., 468b; Mên., 77e-78b). 25 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 FILOSOFIA ANTIGA Todos acreditam em certos princípios morais de alguma maneira, embora alguns possam pensar que não concordam com esses princípios e possam desautorizá-los numa discussão (Górg., 472b, 475e-476a). 1.7 As posições religiosas nos primeiros diálogos Nesses diálogos, também encontramos Sócrates defendendo algumas crenças religiosas. Por exemplo: Os deuses são completamente sábios e bons (Apol., 28a; Mên., 99b-100b). Desde a sua infância Sócrates teria experimentado certo “sentimento divino” (Apol., 31c-d, 40a; Fedro, 242b), que consistiria em uma “voz” (Apol., 31d; Fedro, 242c) ou “signo” (Apol., 40c, 41d; Rep., VI, 496c) que se opunha a ele quando estava prestes a fazer algo errado (Apol., 40a, 40c). Há muitas formas de adivinhação que podem permitir aos seres humanos reconhecer a vontade dos deuses (Apol., 21a-23b, 33c). Inspirados pelo divino, os poetas são capazes de escrever coisas maravilhosas. Podemos dizer a mesma coisa dos adivinhadores e dos videntes, embora estes pareçam ter algum tipo de dom, que talvez seja apenas uma técnica para colocá-los num estado receptivo apropriado ao divino (Apol., 22b-c; Mên., 99c). Ninguém sabe realmente o que acontece após a morte, mas é razoável pensar que a morte não é um mal. Pode haver uma vida após a morte, em que as almas do bem são recompensadas e as almas dos ímpios são punidas (Apol., 40c-41c; Crít., 54b-c; Górg., 523a-527a). 1.8 As posições metodológicas e epistemológicas nos primeiros diálogos Além disso, o Sócrates dos primeiros diálogos de Platão demonstra certas convicções metodológicas ou epistemológicas, como: O conhecimento da ética é uma condição necessária para o julgamento confiável de instâncias específicas dos seus valores (Mên., 71a-b, 100b; Rep., I, 354b-c). Uma mera lista de exemplos com valores éticos – mesmo que todos sejam casos autênticos desse valor – nunca fornece uma análise adequada do que é cada um deles, nem proporciona a definição apropriada do termo de valor a que se refere. Apenas as definições apropriadas indicam aquilo que é comum a todos os exemplos dos valores éticos (Mên., 72c-d). As pessoas que detêm conhecimento específico sobre um determinado assunto não costumam errar em seus julgamentos sobre aquele assunto (Eut., 4e-5a; Eutid., 279d-280b), pois atuam de forma racional e regular na sua área de especialização (Górg., 503e-504b) e podem ensinar e explicar esse assunto (Górg., 465a, 500e-501b, 514a-b; Prot., 319b-c). 26 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 Unidade I O Mênon é semelhante a esses primeiros diálogos. Lá também se pergunta o que é a virtude, e ele não consegue encontrar uma resposta, mas há uma transição no pensamento de Platão. Ele levanta pela primeira vez uma pergunta sobre metodologia: se alguém faz alguma coisa sem utilizar o conhecimento, como é possível adquirir conhecimento apenas respondendo às questões que Sócrates propõe nos primeiros diálogos? Para demonstrar isso, Platão indica como um escravo ignorante em geometria consegue começar a aprender o assunto através do questionamento. Esse diálogo então propõe uma explicação sobre a nossa capacidade de aprender dialogicamente: o conhecimento seria adquirido pela alma antes de entrar no corpo, e, quando aprendemos, estamos realmente lembrando o que uma vez soubemos, mas esquecemos. Essa especulação ousada sobre a alma e a nossa capacidade de aprender contrasta com a posição original de Sócrates. Na Apologia, Sócrates se mostra indeciso se os mortos perdem toda consciência ou continuam suas atividades no Hades, a morada dos mortos. A confiança na imortalidade, que fica evidente no Mênon, é reforçada por argumentos encontrados no Teeteto, na República e no Fedro. 1.9 Os diálogos intermediários As tentativas acadêmicas de fornecer uma ordem cronológica entre os primeiros diálogos, os de transição e os intermediários apresentam problemas. Todos concordam que o principal diálogo do período intermediário é A República. Ele tem características que tornam sua datação precisa muito difícil. Muitos consideram que o primeiro livro da República pertence aos primeiros diálogos. Mas, quando você ler toda A República, também vai perceber que o primeiro livro é uma introdução aos demais. Contudo, não é preciso um estudo cuidadoso dos diálogos do período de transição e do período intermediário para notar as diferenças de estilo e de conteúdo filosófico da República e dos primeiros diálogos. A evidente mudança é a forma como Platão troca a maneira de caracterizar Sócrates. Nos primeiros diálogos, Sócrates simplesmente faz perguntas, expondo as confusões de seus interlocutores. Ao fazer isso, confessa sua incapacidade de esclarecer o assunto. Já nos diálogos intermediários, Sócrates aparece como um especialista disposto a defender suas teorias sobre os assuntos que lhe interessam. Além disso, nos primeiros diálogos, Sócrates discute principalmente assuntos éticos com seus interlocutores – com algumas opiniões religiosas, metodológicas e epistemológicas dispersas nas discussões sobre a ética. No período intermediário, os interesses do Sócrates de Platão expandem-se para quase todas as questões da humanidade. As posições filosóficas que Sócrates propõe aqui são muito mais sistemáticas, incluindo as investigações teóricas sobre as conexões entre linguagem e realidade, como no Crátilo, e sobre o conhecimento, como no Fédon e nos livros V a VII da República. Ao contrário do Sócrates do período inicial, que era o “homem mais sábio” porque reconhecia sua própria ignorância, o Sócrates do período intermediário verifica a possibilidade de um conhecimento humano infalível, especialmente na alegoria da caverna, no livro VII da República. Isso se torna possível em virtude de um tipo especial de contato cognitivo com as formas ou ideias, que existiriam em um domínio suprassensível, disponível apenas ao pensamento. A teoria das formas ou das ideias, introduzida e explicada várias vezes em cada um desses diálogos do período intermediário, é o aspecto mais evidente e mais significativo do que passou a ser conhecido como platonismo. 27 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 FILOSOFIA ANTIGA 1.10 Ateoria das formas ou das ideias Em muitos dos seus diálogos, Platão menciona entidades que não podem ser alcançadas pelos sentidos, às quais ele chama de formas ou ideias. Uma entidade suprassensível é algo que só existe no pensamento, para além dos sentidos. No diálogo Fédon, aprendemos que as coisas iguais e sensíveis particulares, como pedras iguais, só são iguais porque participam ou compartilham o caráter da forma da igualdade, que é absolutamente, imutavelmente, perfeitamente e essencialmente igual (Féd., 74a-75d). Platão às vezes caracteriza essa participação das formas como um tipo de imagem ou aproximação da ideia. Podemos dizer o mesmo sobre as muitas coisas maiores ou menores, para as formas do que é grande ou pequeno (Féd., 75c-d), ou sobre as coisas muito altas e a forma (ou ideia) de altura (Féd., 100e), ou sobre as coisas bonitas com a forma da beleza (Féd., 75c-d; Banq., 211e; Rep., V, 476c). Quando Platão escreve sobre as instâncias das formas se aproximando das ideias, é fácil entender que para ele as formas são exemplares. Platão acreditava que a forma da beleza (ou ideia da beleza) é a beleza perfeita, a forma da justiça (ou ideia da justiça) representa a justiça perfeita, e assim por diante. Conceber as formas dessa maneira foi importante porque permitiu que o filósofo compreendesse até que ponto as instâncias sensíveis das formas, como ser redondo, ser pesado etc., são bons exemplos das ideias das quais elas se aproximam. Muitos acadêmicos discordam sobre a abrangência dessa teoria das formas, e se questionam se Platão inicialmente não estava considerando que só existem formas para um pequeno conjunto de propriedades, como o tamanho, a justiça, a igualdade, a beleza etc. Ele teria então ampliado seu escopo para incluir ideias correspondentes a cada termo, que pode ser aplicado a muitas instâncias. Essa multiplicidade de formas aparece sugerida na República. No livro X da República, por exemplo, ele parece escrever sobre a “ideia da cama” (Rep., X, 596b). Aparentemente ele pode ter acreditado que existe uma forma ou ideia que dá unidade ao conjunto de coisas que compartilham alguma propriedade. Daí o motivo de não nos enganarmos quando nos referimos às unidades desse conjunto de coisas. Então, quando falamos de estrada, de alguma maneira entenderíamos todo tipo de estrada, e nunca uma em particular. Para Platão, o reconhecimento das formas ou ideias só é possível através do conhecimento (Rep., V, 475e-480a), e qualquer aplicação confiável dele precisa da capacidade que temos de comparar as instâncias sensíveis particulares, que são aquelas que percebemos através dos cinco sentidos, com a propriedade proposta por uma forma ou presente numa ideia. 1.11 A psicologia moral Nos diálogos do período intermediário também encontramos uma psicologia moral que parece ser bastante diferente daquela do período inicial. Nos primeiros diálogos, o Sócrates de Platão afirma que as pessoas sempre atuam, no momento de uma ação, da maneira que acreditam que é melhor para elas. Assim, todas as ações irregulares refletem algum tipo de erro cognitivo: fiz dessa maneira porque me pareceu que estava acontecendo isto e não aquilo. 28 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 Unidade I No período dos primeiros diálogos, Sócrates nega que a fraqueza moral seja possível. Podemos mudar a disposição da mente no último momento, sobre o que não se deve fazer. Sempre podemos trocar de disposição, para não nos arrepender do que fizemos. Mas nunca fazemos o que realmente acreditamos estar errado, no momento da ação. No período intermediário, Platão entende que a alma é composta de pelo menos três partes: uma parte racional, que ama a verdade e que através do uso da razão deve governar as outras partes da alma; uma parte espiritual, que ama a honra e a vitória; e uma parte apetitiva, que estimula os sentidos, e portanto deseja a comida, a bebida e o sexo. Para alcançar a justiça, por exemplo, cada uma dessas três partes da alma deveria cuidar de si e não interferir no funcionamento das outras (Rep., IV, 435b-445b). Para Platão, a parte apetitiva da alma pode levar ao comportamento errado, porque pode anular os julgamentos da razão. Sofremos de uma fraqueza moral quando nos vemos fazendo algo que realmente acreditamos que não é o certo (Rep., IV, 439e-440b). 1.12 Uma crítica da arte Também está na República a famosa crítica de Platão sobre as artes visuais e imitativas. Sócrates afirma, nas primeiras obras de Platão, que os poetas não têm sabedoria, mas dizem coisas boas. Mas na República dá a impressão de que há pouca coisa boa na poesia ou em qualquer outra arte. A maior parte da poesia e das outras artes plásticas deve ser censurada por imitar meramente as aparências e não a realidade, suscitando emoções e apetites excessivos e não naturais (Rep., X, 595b-608b). 1.13 O amor platônico No Banquete, que geralmente é considerado como do início do período intermediário, e no Fedro, datado no final do período médio ou mesmo posterior a ele, Platão apresenta sua teoria do Eros, geralmente traduzido como “amor”. Até hoje na cultura ocidental encontramos passagens e imagens desses diálogos. Por exemplo, a imagem de que dois amantes são cada um a outra metade da pessoa amada, que Platão no Banquete atribui a Aristófanes. Também nesse diálogo encontramos a “escada do amor”, pela qual o amante pode ascender ao contato cognitivo direto com a própria beleza. O amor é revelado no Fedro como a grande loucura divina, através da qual as asas da alma dos amantes podem brotar, permitindo que alcancem as mais altas aspirações e conquistas para a humanidade. Nos dois diálogos, Platão deixa claro que considera o contato físico ou sexual real dos amantes formas degradadas de amor e um desperdício da expressão erótica. O verdadeiro objetivo de Eros seria a beleza real, e a beleza real é a forma ou ideia da beleza. Isto é o que Platão chama de beleza própria, quando Eros se realiza apenas na filosofia. Eros está condenado à frustração, a menos que canalize seu poder de amor para perseguir o conhecimento da forma da beleza. Por isso, Platão afirma que a maioria das pessoas desperdiça o verdadeiro poder do amor, limitando-se aos prazeres da beleza física. 29 FI LO - R ev isã o: K le be r- D ia gr am aç ão : F ab io - 0 4/ 04 /2 01 8 FILOSOFIA ANTIGA 1.14 Os segundos diálogos de transição e o período final Após o período intermediário, uma das novidades dos diálogos é a introdução de um novo método filosófico. Esse método surge na transição para o período final. Nos diálogos do período inicial, o modo de filosofar era um diálogo com questões e respostas refutativas, chamado de método socrático ou maiêutica. Embora os diálogos do período intermediário continuem a mostrar um Sócrates fazendo perguntas, o questionamento assume uma posição abertamente de ensino didático, semelhante à dialogia moderna. Segundo Platão, a dialética é o melhor método de filosofar. Nunca fica muito bem explicado como ela funciona, mas ele a exemplificou com a imagem de uma linha dividida, no fim do livro VI da República. Platão identifica como coleta e divisão o método correto para fazer filosofia. Sua primeira menção está no Fedro (265e). Com esse método, o filósofo recolhe todas as instâncias de alguma categoria genérica que demonstra ter características em comum e então as divide em tipos específicos, até não poderem ser mais subdivididas. Esta metodologia está explícita e extensivamente descrita nos diálogos Sofista, Político e Filebo. É importante notar que esse último método é aquele que Aristóteles utiliza quando propõe suas categorias, o que o tornou o primeiro filósofo a pensar numa forma daquilo que chamamos de ciência hoje em dia. O que Platão chamou de classificação da “coleção e divisão de tipos” no Fedro tornou-se o principal método a ser usado pelos filósofos, e deve ter despertado
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