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Indaial – 2019 História da FilosoFia ii Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser Prof. Gesiel Anacleto 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser Prof. Gesiel Anacleto Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: L685h Leyser, Kevin Daniel dos Santos História da filosofia II. / Kevin Daniel dos Santos Leyser; Gesiel Anacleto. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 232 p.; il. ISBN 978-85-515-0342-3 1. Filosofia - História. – Brasil. I. Anacleto, Gesiel. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 109 III apresentação Caro acadêmico, antes de apresentarmos o conteúdo deste livro gostaríamos de nos apresentar a vocês. O autor Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser possui graduação em Psicologia com Licenciatura Plena, Bacharelado e formação pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (2005), em Filosofia com Licenciatura Plena pela Universidade Comunitária Regional de Chapecó (2004), em Teologia com Bacharelado pela Faculdade de Educação Teológica Logos (2002). É especialista em Psicopedagogia e Práticas Pedagógicas, e Gestão Escolar pela Faculdade de Administração, Ciências, Educação, Letras (2007) e especialista em Educação a Distância: Gestão e Tutoria pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (2018). Mestre em Educação pela Universidade Regional de Blumenau – FURB (2011). É doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação na FURB. Trabalha como docente no Ensino Superior desde 2006, é professor no Centro Universitário Leonardo da Vinci/UNIASSELVI em Indaial (SC). Faz parte do grupo de pesquisa em Filosofia da Educação (EDUCOGITANS). Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Epistemologia, Pragmatismo e Educação; na área de Psicologia, com ênfase em Psicoterapias Fenomenológico-existenciais, Processos Cognitivos, Aprendizagem Socioemocional e Educação; na área e Teologia, com ênfase em Filosofia, Psicologia e Epistemologia da Religião. Produziu materiais didáticos e instrucionais em EAD, para os cursos de Filosofia, Teologia, Pedagogia e Educação Especial. Atualmente vem desenvolvendo pesquisas em nível de doutorado no campo da Epistemologia da Educação, voltado para questões do pós-humanismo e educação ambiental. O autor Prof. Gesiel Anacleto possui graduação de Licenciatura em História pelo Centro Universitário Leonardo da Vinci (2009) e Bacharelado em Teologia pela Faculdade de Teologia de Boa Vista (2006). Especialização em Metodologia do Ensino de Filosofia e Sociologia – UNIASSELVI (2011). Especialização em Educação a Distância: Gestão e Tutoria – UNIASSELVI (2013). Mestrado em Teologia pelo Seminário Teológico Bíblico Evangélico (2015). Mestrado em Filosofia – UFSC (2019). Doutorando do Programa de Pós-graduação em Filosofia da UFSC. Lecionou no Ensino Fundamental e Médio por sete anos. Atua no Ensino Superior em curso de graduação e pós-graduação desde 2011. Produziu materiais didáticos e instrucionais em EAD, para os cursos de Filosofia, Sociologia e Teologia. Atualmente vem desenvolvendo pesquisas em nível de doutorado no campo da Ética e Bioética, voltada para as questões éticas de eugenia e melhoramento humano. O presente livro didático tem como objetivo sistematizar os elementos básicos da disciplina de História da Filosofia II, para introduzir de forma contextualizada, crítica e sistemática, as origens gregas do pensamento IV filosófico e o pensamento latino, sua constituição e principais posturas representativas, além de ocupar-se de seu desenvolvimento e afirmação como saber na cultura ocidental. Na Unidade 1, Introdução Geral à História da Filosofia, introduzimos a Filosofia Grega Antiga, focando especialmente nos pré-socráticos. Avançamos com a filosofia de Sócrates, de Platão e de Aristóteles, ressaltando aspectos centrais de suas obras, situando-as em seus contextos históricos e biográficos. Na Unidade 2, A Filosofia no Mundo Helenístico e Romano, introduzimos a filosofia helenística e romana, perpassando diversas escolas filosóficas como o Estoicismo, o Epicurismo, o Ceticismo, o Pitagorismo e o Neoplatonismo. Prosseguimos para a filosofia judaica e a filosofia cristã, primeiramente focando na vida, pensamento e obra de Fílon e Santo Ambrósio e, posteriormente, na vida, pensamento e obra de Santo Agostinho e Boécio. A terceira unidade deste livro didático concentra-se na Filosofia Escolástica. Aqui são introduzidas e contextualizadas as contribuições de pensadores como Anselmo, Abelardo, Avicena, Averróis, Maimônides, Tomás de Aquino, Boaventura, Guilherme de Ockham, Nicolau de Cusa e Eckhart. Desejamos uma boa jornada a todos, rumo à edificação da educação e sucesso frente aos desafios intelectuais, éticos e pessoais proporcionados pelo estudo da História da Filosofia II. Prof. Kevin Daniel dos Santos Leyser e Prof. Gesiel Anacleto V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA VI VII UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO GERAL À HISTÓRIA DA FILOSOFIA ...................................1 TÓPICO 1 – FILOSOFIA GREGA ANTIGA: OS PRÉ-SOCRÁTICOS .......................................3 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................3 2 PANORAMA GERAL DA FILOSOFIA ANTIGA ........................................................................3 3 COSMOLOGIA, METAFÍSICA E EPISTEMOLOGIA ................................................................9 4 SER E TORNAR-SE (VIR A SER) ....................................................................................................12 5 APARÊNCIA E REALIDADE ...........................................................................................................13 6 PITÁGORAS E PITAGORISMO .....................................................................................................14 7 CETICISMO E RELATIVISMO: OS SOFISTAS ..........................................................................15 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................18 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................20 TÓPICO 2 – A FILOSOFIA DE SÓCRATES.....................................................................................21 1INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................21 2 A VIDA E A PERSONALIDADE DE SÓCRATES ......................................................................21 3 POR QUE SÓCRATES ERA ODIADO? .........................................................................................25 3.1 A IMPRESSÃO CRIADA POR ARISTÓFANES ........................................................................25 3.2 A RESISTÊNCIA HUMANA À AUTORREFLEXÃO ...............................................................27 3.3 CRÍTICA DE SÓCRATES SOBRE A DEMOCRACIA ...............................................................31 4 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PENSAMENTO DE SÓCRATES .......................32 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................36 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................42 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................44 TÓPICO 3 – A FILOSOFIA DE PLATÃO ..........................................................................................45 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................45 2 A VIDA DE PLATÃO .........................................................................................................................45 3 A FORMA DE DIÁLOGO ................................................................................................................47 4 FELICIDADE E VIRTUDE ................................................................................................................48 5 A TEORIA DAS FORMAS ................................................................................................................51 5.1 CONTEXTO LINGUÍSTICO E FILOSÓFICO ............................................................................51 5.2 FORMAS COMO EXEMPLARES PERFEITOS ..........................................................................53 5.3 FORMAS COMO GÊNEROS E ESPÉCIES .................................................................................54 6 OS DIÁLOGOS DE PLATÃO ..........................................................................................................55 6.1 DIÁLOGOS SOCRÁTICOS ..........................................................................................................56 6.2 DIÁLOGOS INTERMEDIÁRIOS .................................................................................................58 6.3 DIÁLOGOS TARDIOS ..................................................................................................................60 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................63 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................65 TÓPICO 4 – A FILOSOFIA DE ARISTÓTELES ..............................................................................67 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................67 2 A VIDA DE ARISTÓTELES..............................................................................................................67 sumário VIII 3 AS VIAGENS DE ARISTÓTELES ...................................................................................................68 4 ARISTÓTELES E O LICEU ...............................................................................................................70 5 A FILOSOFIA DE ARISTÓTELES ..................................................................................................71 5.1 A LÓGICA E A SILOGÍSTICA .....................................................................................................71 5.2 AS PROPOSIÇÕES E AS CATEGORIAS ....................................................................................73 5.3 A FÍSICA E A METAFÍSICA .........................................................................................................75 5.4 O ESPAÇO.......................................................................................................................................76 5.5 O CONTINUUM.............................................................................................................................76 5.6 O MOVIMENTO ............................................................................................................................77 5.7 O TEMPO ........................................................................................................................................77 5.8 A MATÉRIA ....................................................................................................................................78 5.9 A FORMA........................................................................................................................................79 5.10 A CAUSALIDADE .......................................................................................................................80 5.11 O SER .............................................................................................................................................80 5.12 O MOTOR IMÓVEL ....................................................................................................................81 5.13 FILOSOFIA DA MENTE .............................................................................................................82 5.14 ÉTICA ............................................................................................................................................84 5.15 FELICIDADE ................................................................................................................................85 5.16 VIRTUDE ......................................................................................................................................86 5.17 AÇÃO E CONTEMPLAÇÃO .....................................................................................................87 5.18 TEORIA POLÍTICA .....................................................................................................................88 5.19 A RETÓRICA E A POÉTICA ......................................................................................................89 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................91 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................94 UNIDADE 2 – A FILOSOFIA NO MUNDO HELENÍSTICO E ROMANO ...............................95 TÓPICO 1 – A FILOSOFIA HELENÍSITICA E ROMANA ...........................................................97 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................97 2 ESTOICISMO ......................................................................................................................................97 2.1 A NATUREZA E O ALCANCE DO ESTOICISMO ..................................................................97 2.2 O ESTOICISMO GREGO ANTIGO .............................................................................................98 2.3 ESTOICISMO ROMANO POSTERIOR ......................................................................................101 3 EPICURISMO ......................................................................................................................................103 3.1A NATUREZA DO EPICURISMO ..............................................................................................104 3.2 AS OBRAS E A DOUTRINA DE EPICURO ...............................................................................104 4 CETICISMO .........................................................................................................................................108 5 PITAGORISMO E NEOPITAGORISMO ......................................................................................110 6 NEOPLATONISMO ..........................................................................................................................112 6.1 PLOTINO E SUA FILOSOFIA .....................................................................................................113 6.2 OS NEOPLATÔNICOS POSTERIORES .....................................................................................117 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................121 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................125 TÓPICO 2 – FILOSOFIA JUDAICA E FILOSOFIA CRISTÃ: FÍLON E SANTO AMBRÓSIO ....................................................................................127 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................127 2 FÍLON DE ALEXANDRIA ................................................................................................................129 2.1 VIDA E ANTECEDENTES ...........................................................................................................129 2.2 OBRAS .............................................................................................................................................131 2.3 A ORIGINALIDADE DE SEU PENSAMENTO ........................................................................132 3 SANTO AMBRÓSIO..........................................................................................................................134 IX 3.1 INÍCIO DE CARREIRA DE SANTO AMBRÓSIO ....................................................................135 3.2 REALIZAÇÕES ADMINISTRATIVAS ECLESIÁSTICAS ........................................................135 3.3 REALIZAÇÕES LITERÁRIAS E MUSICAIS .............................................................................136 3.4 AVALIAÇÕES E INTERPRETAÇÕES .........................................................................................137 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................138 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................140 TÓPICO 3 – A FILOSOFIA DE SANTO AGOSTINHO E BOÉCIO ............................................141 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................141 2 SANTO AGOSTINHO ......................................................................................................................141 2.1 A VIDA DE SANTO AGOSTINHO ............................................................................................142 2.2 PRINCIPAIS OBRAS DE AGOSTINHO .....................................................................................145 2.2.1 As Confissões .........................................................................................................................145 2.2.2 A Cidade de Deus .................................................................................................................147 2.2.3 As Retratações .......................................................................................................................148 2.3 ESPÍRITO E REALIZAÇÃO DE AGOSTINHO .........................................................................149 3 ANÍCIO MÂNLIO TORQUATO SEVERINO BOÉCIO .............................................................150 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................154 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................161 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................164 UNIDADE 3 – A FILOSOFIA ESCOLÁSTICA ................................................................................165 TÓPICO 1 – PENSAMENTO DE ANSELMO, ABELARDO, AVICENA, AVERRÓIS, MAIMÔNIDES, TOMÁS DE AQUINO E BOAVENTURA ...................................167 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................167 2 ANSELMO: O PAI DA ESCOLÁSTICA .........................................................................................167 2.1 O ARGUMENTO ONTOLÓGICO DE ANSELMO ...................................................................169 3 ABELARDO: O LÓGICO ..................................................................................................................171 4 AVICENA E O ARISTOTELISMO ..................................................................................................173 5 AVERRÓIS ...........................................................................................................................................175 6 MAIMÔNIDES ...................................................................................................................................176 7 SÃO TOMÁS DE AQUINO ..............................................................................................................178 7.1 TOMÁS DE AQUINO E A TEORIA DO CONHECIMENTO .................................................180 7.2 AS CINCO VIAS QUE LEVAM A DEUS ....................................................................................181 8 BOAVENTURA ...................................................................................................................................184 LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................187 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................191 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................193 TÓPICO 2 – DUNS ESCOTO, MESTRE ECKHART, GUILHERME DE OCKHAM E NICOLAU DE CUSA ..................................................................................................195 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................195 2 DUNS ESCOTO ..................................................................................................................................195 3 MESTRE ECKHART: O MÍSTICO ..................................................................................................198 4 GUILHERME DE OCKHAM ............................................................................................................202 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................207 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................208 X TÓPICO 3 – PENSAMENTO MEDIEVAL E O RENASCIMENTO E FILOSOFIA DE NICOLAU DE CUSA ...............................................................................................2111 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................211 2 O PENSAMENTO MEDIEVAL ........................................................................................................212 3 O HUMANISMO E O RENASCIMENTO .....................................................................................213 4 NICOLAU DE CUSA ........................................................................................................................215 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................220 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................221 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................223 1 UNIDADE 1 INTRODUÇÃO GERAL À HISTÓRIA DA FILOSOFIA OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir dos estudos desta unidade, você deverá ser capaz de: • apresentar um panorama geral da Filosofia Antiga, os pré-socráticos e os sofistas; • introduzir a vida e a filosofia de Sócrates; • compreender a filosofia de Patão, suas obras, conceitos e teorias; • compreender a filosofia de Aristóteles, suas obras, conceitos e teorias. Esta unidade está dividida em quatro tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – FILOSOFIA GREGA ANTIGA: OS PRÉ-SOCRÁTICOS TÓPICO 2 – A FILOSOFIA DE SÓCRATES TÓPICO 3 – A FILOSOFIA DE PLATÃO TÓPICO 4 – A FILOSOFIA DE ARISTÓTELES 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 FILOSOFIA GREGA ANTIGA: OS PRÉ-SOCRÁTICOS 1 INTRODUÇÃO A filosofia ocidental surgiu na Grécia Antiga (que incluía Mileto e outras partes da atual Turquia) aproximadamente no século VI a.E.C. (antes da Era Comum). Durante esse tempo, o temor religioso entre os gregos foi ofuscado pela maravilha sobre a origem e a natureza do mundo físico. À medida que as populações gregas deixavam cada vez mais a terra para se concentrarem nas cidades-estados, o interesse passou da natureza para a vida social. As questões de lei e convenção e valores cívicos tornaram-se primordiais e a especulação cosmológica deu lugar a teorizações morais e políticas, melhor exemplificadas nas filosofias éticas um tanto fragmentárias de Sócrates (470-399 a.E.C.) e os sofistas (professores itinerantes) e nos grandes sistemas filosóficos positivos de Platão (c. 428-348 a.E.C.) e Aristóteles (384-322 a.E.C.). Por não terem sido influenciados por Sócrates, os cosmólogos dos séculos VI e V junto aos sofistas são frequentemente chamados de filósofos "pré-socráticos", embora nem todos vivessem antes de Sócrates. Neste tópico, primeiro faremos um panorama geral da Filosofia Antiga. Depois, vamos explorar o pensamento e o contexto histórico da filosofia grega antiga a partir dos chamados pré-socráticos. 2 PANORAMA GERAL DA FILOSOFIA ANTIGA Há mais de 2.500 anos, no início do século VI a.E.C, alguns habitantes da cidade grega de Mileto (na costa oeste do que hoje é a Turquia) começaram a pensar sobre o mundo de uma nova maneira. Como muitas pessoas antes deles, eles se perguntaram como o mundo foi criado, de que ele é feito e por que ele muda (ou parece mudar) da forma como o faz. Ao contrário de seus antecessores, no entanto, os milésios tentaram responder a essas perguntas em termos naturais e não religiosos. Eles apelaram para o que achavam que eram causas e princípios no mundo em si, e não para os atos de deuses ou outros seres divinos. É importante enfatizar que eles acreditavam que a maneira correta de entender o mundo era através da razão e da observação. Por especularem sobre questões profundamente importantes de maneira racional e sistemática, os milésios são reconhecidos como os primeiros filósofos ocidentais. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO GERAL À HISTÓRIA DA FILOSOFIA 4 NOTA Milésios eram chamadas as pessoas em Mileto. “A filosofia teve por berço a cidade-Estado de Mileto, situada na região sul da Jônia. Embora integrasse a Grécia, Mileto não possuía vínculo político com Atenas” (SILVA, 2008, p. 33). Durante o século VI a.E.C, os gregos também se tornaram os primeiros a praticar ciência e matemática no sentido moderno desses termos. Em meados do século III a.E.C., os gregos haviam produzido um sistema acabado de raciocínio geométrico (o de Euclides) que não seria alterado significativamente por mais de 2.000 anos. No final do século IV, eles formularam quase todos os problemas básicos, conceitos, métodos e vocabulário da filosofia ocidental subsequente. Até o final do século III E.C., outros filósofos do mundo grego produziam teorias sofisticadas e originais em ética, epistemologia (o estudo do conhecimento), metafísica (o estudo da natureza última da realidade) e lógica. A partir do primeiro século E.C., pensadores judeus e, depois, cristãos, adotaram aspectos do sistema metafísico do filósofo grego Platão (428-348 a.E.C) para ajudá-los a defender e esclarecer as doutrinas de suas crenças. O que é chamado de período antigo na história da filosofia ocidental é tradicionalmente dividido em quatro períodos ou fases: o pré-socrático, que se estende desde o início do século VI até meados do século IV a.E.C.; o clássico, até o final do século II a.E.C.; o helenístico, até o final do primeiro século a.E.C.; e o romano ou imperial, que foi até o início do século VI E.C., terminando com a queda do Império Romano do Ocidente. O termo "pré-socrático" refere-se a filósofos que não foram influenciados por Sócrates (470-399 a.E.C.), na maioria dos casos porque eles viviam antes dele. Infelizmente, nenhum trabalho de qualquer filósofo pré-socrático sobreviveu; o que se conhece de seus ensinamentos consiste em várias referências (principalmente críticas) em obras de filósofos posteriores, especialmente Platão e Aristóteles. TÓPICO 1 | FILOSOFIA GREGA ANTIGA: OS PRÉ-SOCRÁTICOS 5 FIGURA 1 – LOCALIZAÇÃO DOS FILÓSOFOS PRÉ-SOCRÁTICOS NA GRÉCIA ANTIGA Parmênides (530-460 a.C.) Zenão (490-430 a.C.) Demócrito (460-370 a.C.) Empédocles (571-496 a.C.) Pitágoras (571-496 a.C.) Heráclito (625-556 a.C.) Tales (625-556 a.C.) Anaxímenes (588-524 a.C.) Anaximandro (610-547 a.C.) Mar Mediterrâneo Mar Negro FONTE: <https://www.coladaweb.com/filosofia/filosofos-pre-socraticos>. Acesso em: 17 maio 2019. Os milésios, como vimos, foram os primeiros a especular racionalmente sobre a origem e a natureza do mundo; por essa razão, eles e outros como eles são chamados de “cosmólogos”. O primeiro dos milésios, Tales, sustentava que tudo é água, com o que ele quis dizer que as diferentes substâncias das quais o mundo parece ser composto são derivadas da água. Os outros dois membros da “Escola de Mileto”, Anaximandro (610-547 a.E.C.) e Anaxímenes (nascimento, c. 588 a.E.C.), junto a cosmólogos posteriores de outras cidades gregas, propuseram vários números e variedades de substâncias primordiais e vários processos pelos quais elas eram transformadas umas nas outras. Anaximandro também foi notável por promover uma teoria da evolução dos seres vivos, os humanos e todos os outros animais, ele afirmava que evoluíram dos peixes. Heráclito de Éfeso afirmou que a substância básica é o fogo e o processo básico era o “conflito”. A aparente unidade e permanência das coisas no mundo são o resultado do constante conflito de opostos. Assim, tudo está em um estado de fluxo ou mudança constante, uma visão que ele expressou famosamente dizendo: “Nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos. Não é possível entrar duas vezes no mesmo rio” (HERÁCLITO, 2002, p. 205). Parmênides, que nasceu na cidade grega de Eléia, no sul da Itália, entre 515 e 530 a.E.C., argumentou ao contrário, que nada muda e a aparente multiplicidade decoisas no mundo é uma ilusão, pois o ser é uno, uma totalidade absoluta. Seu discípulo Zenão de Eléia (490-430 a.E.C.) é famoso por inventar uma série de paradoxos bastante sofisticados (aparentemente argumentos válidos que levam a conclusões absurdas) destinados a mostrar que toda multiplicidade e mudança são impossíveis; alguns desses argumentos não foram definitivamente refutados até o século XX. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO GERAL À HISTÓRIA DA FILOSOFIA 6 O filósofo e místico Pitágoras (571-496 a.E.C.), tradicionalmente considerado o primeiro grande matemático da história, propôs que todas as coisas são números ou que “todas as coisas que são conhecidas têm número” (KAHN, 2007, p. 46). Parece que ele queria significar que a estrutura de cada coisa e da natureza como um todo consiste em certas razões numéricas, assim como uma harmonia musical específica é uma razão entre os comprimentos dos instrumentos físicos (por exemplo, cordas ou tubos) usados para produzi-la. Pitágoras é conhecido por todos os estudantes de geometria como o descobridor do teorema de Pitágoras, que afirma que em qualquer triângulo retângulo, o quadrado do comprimento da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos comprimentos dos catetos (a2 + b2 = c2). Ele também fez uma série de afirmações filosóficas e religiosas (ou místicas) que seriam influentes entre os filósofos dos períodos Clássico e Helenístico. Por exemplo, ele sustentou que a alma humana é imortal e reencarna em diferentes seres vivos, às vezes humanos e às vezes animais (foi por essa razão que Pitágoras e seus seguidores praticaram o vegetarianismo). O termo pitagorismo refere-se tanto às doutrinas do próprio Pitágoras quanto à escola de pensamento que ele fundou. A escola pitagórica, na forma do neopitagorismo, foi influente no período Helenístico da filosofia antiga. Os filósofos pré-socráticos também incluíam um grupo de pensadores cujas principais preocupações não eram cosmológicas, mas éticas e políticas. Os sofistas, que estavam ativos no século V a.E.C., eram eruditos itinerantes que ensinavam retórica (a arte do argumento/falar bem), especialmente a retórica forense, por dinheiro. Como o ponto comum de sua instrução não era o conhecimento ou a verdade, mas a vitória no tribunal, eles tendiam a desconsiderar as noções de certeza, verdade objetiva e certo ou errado absolutos. Eles foram totalmente desprezados por Platão, que fez grandes esforços em alguns de seus diálogos para refutar seu ceticismo e relativismo. O período Clássico da filosofia antiga é dominado por três figuras dos séculos V e IV a.E.C., todas cidadãs de Atenas: Sócrates, Platão e Aristóteles. Sócrates se preocupou inteiramente com a ética, o que ele chamou de “cuidado da alma”. Em parte, porque ele estava associado a alguns homens que conspiraram para derrubar a democracia em Atenas em 404 a.E.C., ele foi levado a julgamento sob acusações de impiedade e de corromper os jovens, sendo executado em 399 a.E.C. Sua recusa em salvar-se ao concordar em cessar seu filosofar fez dele um modelo de integridade intelectual e moral para eras posteriores. Sócrates é uma figura enigmática porque o que se conhece de seus ensinamentos vem quase inteiramente dos diálogos de seu aluno Platão (o próprio Sócrates nada escreveu). Em alguns desses trabalhos, um personagem chamado Sócrates refuta aqueles que fingem ter conhecimento das virtudes éticas (por exemplo, coragem), e em outros ele faz isso enquanto apresenta certas doutrinas éticas, políticas e metafísicas próprias – doutrinas que o verdadeiro e histórico Sócrates pode ou não ter sustentado. É agora geralmente aceito, no entanto, que Platão, e não Sócrates, é o responsável pela teoria das propriedades ideais ou teoria das ideias ou "formas" (como o Belo), em que essas ideias existem separadamente TÓPICO 1 | FILOSOFIA GREGA ANTIGA: OS PRÉ-SOCRÁTICOS 7 das coisas, do mundo material, que é derivado ou explicado pelas ideias. Platão também é responsável pela teoria da justiça como uma harmonia entre as diferentes partes da alma e pelo projeto apresentado no diálogo A República, para uma cidade-estado utópica governada por “filósofos-reis” (PLATÃO, 2001). O melhor aluno de Platão, Aristóteles, fez contribuições fundamentais para todos os ramos da filosofia, bem como para o que agora seria chamado de anatomia, biologia, fisiologia, psicologia, ciência política e poética. A disciplina da lógica foi sua criação. Ele fez modificações importantes na teoria das formas de Platão, sustentando que as formas não existem separadas das coisas que as possuem. Sua noção da “causa final” de uma coisa como o propósito a que ela serve ou a meta para a qual ela busca, se tornou a base do chamado argumento “teleológico” (do grego telos: “fim”) para a existência de Deus, que apareceu em várias formas, desde a antiguidade tardia até os dias atuais (a teoria contemporânea do Design Inteligente é um argumento teleológico). Na ética, Aristóteles é conhecido por suas análises sutis e perspicazes das virtudes e vícios e por sua teoria do florescimento humano "felicidade" como a prática da virtude intelectual e moral. Após a morte de Alexandre, o Grande, que como rei da Macedônia (336-323 a.E.C.) conquistou todo o Mediterrâneo Oriental e o Oriente Médio, seus territórios foram divididos por seus ex-generais em reinos hereditários. A cidade-estado grega estava morta há muito tempo e, com ela, a possibilidade de participação significativa nos assuntos públicos pelos cidadãos comuns. A filosofia se voltou para dentro, enfatizando a conquista da tranquilidade individual, do contentamento ou da salvação em um mundo caótico. A Escola Filosófica do Estoicismo, fundada por Zenão de Cítio (335-263 a.E.C.), levou a sério a convicção de Sócrates de que a única coisa que vale a pena ter é a virtude; todos os outros supostos bens (por exemplo, saúde e riqueza) não têm sentido. Os estoicos também seguiram Sócrates ao sustentar que a virtude é uma forma de conhecimento, no sentido de que uma pessoa que entende as virtudes automaticamente agirá de maneira virtuosa (ação moralmente errada, em outras palavras, é o resultado de um mal-entendido sobre o que é realmente bom ou certo). O bem maior para o indivíduo é cultivar a sabedoria ética e agir de acordo com a razão divina, ou Logos (grego: “palavra”), que governa o universo. A filosofia estoica, assim, permitiu que seus praticantes conseguissem repouso e tranquilidade diante dos inevitáveis infortúnios e tragédias da vida. Formas posteriores de estoicismo, que enfatizavam o dever ético do serviço público, exerciam uma profunda influência sobre muitos eminentes eruditos e estadistas romanos, incluindo Cícero (106-43 a.E.C.), Sêneca (4 a.E.C.-65 E.C.) e o imperador Marco Aurélio (121-180 E.C.). Em contraste com o estoicismo, a Escola de Filosofia Epicurista, fundada por Epicuro de Samos (341-270 E.C.), ensinava que o único bem para os seres humanos é o prazer e o único mal a dor. No entanto, não foi um simples hedonismo (a busca do prazer por si mesmo), porque defendia a ação virtuosa e a evitação UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO GERAL À HISTÓRIA DA FILOSOFIA 8 de desejos inatingíveis, que só trazem frustração. O epicurismo promoveu uma vida de retiro tranquilo e prazer simples, mas sublime, cuja forma mais elevada é a amizade. Durante o período Helenístico, o ceticismo filosófico dos sofistas e outros pré-socráticos foi desenvolvido de maneira sofisticada por Pirro de Élis (360-272 E.C.) e seus seguidores. Embora houvesse muitas variações, a doutrina básica do ceticismo pirrônico era que nada pode ser conhecido com certeza, porque há sempre, igualmente, boas razões para acreditar ou negar qualquer afirmação positiva. O ceticismo pirrônico foi uma corrente importante na filosofia durante o Iluminismo do século XVIII, e de uma forma ou de outra ainda é uma posição viável na epistemologia contemporânea. Durante o períodoRomano, que começou com a queda da República Romana em 31 a.E.C., a filosofia continuou sendo em grande parte um empreendimento grego – os romanos não fizeram contribuições originais para a filosofia. O estoicismo, por causa de sua adoção por membros da elite romana, foi a escola mais influente do período, embora outras escolas helenísticas continuassem a atrair seguidores. No segundo e especialmente no terceiro séculos E.C., a filosofia de Platão foi revivida e transformada através da introdução de vários elementos religiosos e místicos, principalmente no Neoplatonismo de Plotino (205-270). O desenvolvimento mais significativo do período Romano, no entanto, foi a integração da teologia cristã com a filosofia neoplatônica, realizada por vários bispos cristãos e outros professores a partir do final do século II. O mais original e sofisticado desses esforços foi o do bispo Santo Agostinho, do século V. Sua distinção entre o sensível e o inteligível (entre o que pode ser conhecido através dos sentidos e o que pode ser conhecido apenas pela mente), sua concepção de Deus e o reino inteligível como existindo fora do espaço e do tempo, sua compreensão da natureza da alma, sua análise do conhecimento e seu tratamento do problema do livre-arbítrio guiaram a discussão filosófica desses tópicos durante a Idade Média até o século XIII, quando a filosofia de Aristóteles eclipsou a de Platão nas universidades medievais. Por ter sido inventada pelos antigos gregos e por ainda refletir antigas influências gregas, é impossível entender a filosofia ocidental sem uma apreciação de sua história antiga. Os personagens que você encontrará neste livro, alguns dos maiores gênios que já viveram, merecem atenção especial, não apenas de estudantes de filosofia, mas também de qualquer um que deseja entender a cosmovisão intelectual do Ocidente – como todas as pessoas no Ocidente veem o universo, o divino e eles mesmos. TÓPICO 1 | FILOSOFIA GREGA ANTIGA: OS PRÉ-SOCRÁTICOS 9 3 COSMOLOGIA, METAFÍSICA E EPISTEMOLOGIA Os primeiros cosmólogos gregos eram monistas, sustentando que o universo é derivado de, ou composto de apenas uma única substância. Pensadores posteriores adotaram teorias pluralistas, segundo as quais várias substâncias últimas estão envolvidas. Há um consenso que remonta, pelo menos a Aristóteles, e continua até o presente, de que o primeiro filósofo grego foi Tales de Mileto, que nasceu no século VI a.E.C. No tempo de Tales, a palavra “filósofo” (amante da sabedoria) ainda não havia sido inventada. Tales foi contado, no entanto, entre os lendários Sete Homens Sábios (Sophoi), cujo nome deriva de um termo que designava inventividade e sabedoria prática, em vez de insight especulativo. Tales demonstrou essas qualidades tentando dar ao conhecimento matemático que ele derivou dos babilônios uma base mais exata e usando-o para a solução de problemas práticos – como a determinação da distância de um navio como visto da costa ou da altura das pirâmides egípcias. Embora ele também fosse creditado com a previsão de um eclipse do Sol, é provável que ele simplesmente forneceu uma explicação natural de um com base no conhecimento astronômico babilônico. Tales é considerado o primeiro filósofo grego, porque foi o primeiro a dar uma explicação puramente natural da origem do mundo, livre de ingredientes mitológicos. Ele sustentava que tudo veio da água – uma explicação baseada na descoberta de fósseis de animais marinhos no interior do país. Sua tendência (e de seus sucessores imediatos) de dar explicações não mitológicas foi, sem dúvida, motivada pelo fato de que todos viviam na costa da Anatólia (na atual Turquia), cercados por um número de nações cujas civilizações estavam muito mais avançadas que a dos gregos e cujas próprias explicações mitológicas variavam grandemente. Parecia necessário, portanto, fazer um novo começo com base no que uma pessoa poderia observar e inferir, olhando para o mundo tal como se apresentava. Esse procedimento naturalmente resultou em uma tendência a fazer generalizações abrangentes com base em observações bastante restritas, embora cuidadosamente verificadas. O discípulo e sucessor de Tales, Anaximandro (610-546 a.E.C.), tentou dar uma explicação mais elaborada da origem e do desenvolvimento do mundo ordenado (o cosmos). Segundo ele, desenvolveu-se a partir do apeiron (“ilimitado”), algo infinito e indefinido (sem qualidades distinguíveis). Dentro desse apeiron, algo surgiu para produzir os opostos de quente e frio. Estes imediatamente começaram a lutar uns com os outros e produziram o cosmos. O frio (e molhado) secou parcialmente para se tornar terra sólida, em parte permaneceu como água e – por meio do quente – parcialmente evaporado, tornando-se ar e névoa, sua parte evaporadora (por expansão) dividindo o calor em anéis de fogo que cercam todo o cosmos. Entretanto, como esses anéis estão envoltos em neblina, restam apenas certos orifícios respiratórios que são visíveis aos seres humanos, aparecendo para eles como o Sol, a Lua e as Estrelas. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO GERAL À HISTÓRIA DA FILOSOFIA 10 Anaximandro foi o primeiro a perceber que para cima e para baixo não são absolutos, mas que para baixo significa em direção ao meio da Terra e para cima significa o distanciamento do meio dela, assim a Terra não tem necessidade de ser apoiada (como Tales acreditava) por nada. A partir das observações de Tales, Anaximandro tentou reconstruir o desenvolvimento da vida com mais detalhes. A vida, intimamente ligada à umidade, originou-se no mar. Todos os animais terrestres, ele afirmou, são descendentes de animais marinhos. Porque os primeiros seres humanos, como recém-nascidos, não poderiam ter sobrevivido sem os pais, Anaximandro acreditava que eles nasceram dentro de um animal de outro tipo – especificamente, um animal marinho – e que foram alimentados até que pudessem se virar sozinhos. Gradualmente, porém, a umidade será parcialmente evaporada, até que no final todas as coisas retornarão ao indiferenciado apeiron, para pagar a penalidade por sua injustiça – o fato de terem lutado uma contra a outra. O sucessor de Anaximandro, Anaxímenes (nasceu em meados do século VI a.E.C.), ensinou que o ar era a origem de todas as coisas. Sua posição foi por muito tempo considerada um retrocesso, porque, como Tales, ele colocou um tipo especial de matéria no começo do desenvolvimento do mundo. Mas essa crítica errou o alvo. Nem Tales nem Anaximandro parecem ter especificado o modo pelo qual as outras coisas surgiram da água ou do apeiron. Anaxímenes, no entanto, declarou que os outros tipos de matéria surgiram do ar por condensação e rarefação. Dessa forma, o que para Tales havia sido apenas um começo tornou- se um princípio fundamental que permaneceu essencialmente o mesmo em todas as suas transmutações. Assim, o termo arche, que originalmente significava simplesmente "começo", adquiriu o novo significado de "princípio", um termo que desde então desempenhou um enorme papel na filosofia até o presente. Este conceito de um princípio que permanece o mesmo através de muitas transmutações é, além disso, a pressuposição da ideia de que nada pode surgir do nada e que todas as idas e vindas que os seres humanos observam não são nada além de transmutações de algo que essencialmente permanece o mesmo eternamente. Desta forma, também está no fundo de todas as leis de conservação – as leis da conservação da matéria, força e energia – que têm sido fundamentais no desenvolvimento da física. Embora Anaxímenes não tenha percebido todas as implicações de sua ideia, sua importância dificilmente pode ser exagerada. Os três primeiros filósofos gregos foram chamados de “hilozoístas”, porque pareciam acreditar em uma espécie de matéria viva. Mas isso está longe de ser uma caracterização adequada. É, ao contrário, característico deles não distinguir claramente entre tipos de matéria, forças equalidades, nem entre qualidades físicas e emocionais. A mesma entidade é às vezes chamada de "fogo" e às vezes "quente". O calor aparece às vezes como uma força e às vezes como uma qualidade e, novamente, não há distinção clara entre quente e frio como qualidades físicas e o calor do amor e do frio de ódio. Essas ambiguidades são importantes para a compreensão de certos desenvolvimentos posteriores da filosofia grega. TÓPICO 1 | FILOSOFIA GREGA ANTIGA: OS PRÉ-SOCRÁTICOS 11 NOTA Hilozoísmo: vem do grego hyle, matéria, e zoe, vida. Esse rótulo é uma das formas mais simples e ao mesmo tempo mais antigas de materialismo e monismo. Foi a doutrina da escola jônica na Grécia (séculos VII-VI a.E.C.), razão pela qual os filósofos jônicos são chamados de hilozoístas. Mais tarde, os estoicos consideraram o universo como uma realidade viva. Consiste no hilozoísmo, em afirmar que a matéria inerte é capaz de sensibilidade tal como os seres vivos, sendo dotados, como estes, de um princípio ativo. Xenófanes de Cólofon (560-478 a.E.C.), um pensador filosófico e rapsodo (recitador da poesia) que emigrou da Anatólia para a cidade grega de Eléia, no sul da Itália, foi o primeiro a articular mais claramente o que estava implícito na filosofia de Anaxímenes. Ele criticava as noções populares dos deuses, dizendo que as pessoas faziam os deuses a sua própria imagem. Mas, mais importante que isso, ele argumentava que poderia haver apenas um Deus, o governante do universo, que deve ser eterno. Pois sendo o mais forte de todos os seres, ele não poderia ter saído de algo menos forte, nem poderia ser superado ou substituído por alguma outra coisa, porque nada poderia surgir que fosse mais forte que o mais forte. O argumento repousava claramente nos axiomas de que nada pode surgir do nada e que nada que exista pode desaparecer. Esses axiomas foram tornados mais explícitos e levados as suas conclusões lógicas (e extremas) por Parmênides de Eléia (nascido c. 515 a.E.C.), o fundador da chamada Escola Eleática, de quem Xenófanes tem sido considerado o mestre e precursor. Em um poema filosófico, Parmênides insistiu que “o que é” não pode ter surgido e não pode morrer porque teria que sair do nada ou se tornar nada, enquanto nada por sua própria natureza não existe. Também não pode haver movimento, pois teria que ser uma moção para algo que é – o que não é possível, uma vez que seria bloqueado – ou uma moção para algo que não é – o que é igualmente impossível, pois o que não é não existe. Portanto, tudo é um ser sólido e imóvel. O mundo familiar, no qual as coisas se movem, passam a existir e passam, é um mundo de mera crença (doxa). Em uma segunda parte do poema, no entanto, Parmênides tentou dar uma explicação analítica sobre esse mundo da crença, mostrando que ele se baseava em constantes distinções entre o que se acredita ser positivo – isto é, ter seres reais, como luz e calor – e o que se acredita ser negativo – isto é, a ausência de um ser positivo, como a escuridão e o frio. É significativo que Heráclito de Éfeso (c. 540-480 a.E.C.), cuja filosofia foi mais tarde considerada o oposto da filosofia do ser imóvel de Parmênides, veio, em alguns fragmentos de sua obra, perto do que Parmênides tentou mostrar. Afirmando que o positivo e o negativo são apenas visões diferentes da mesma coisa; morte e vida, dia e noite, e luz e escuridão são realmente um só. UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO GERAL À HISTÓRIA DA FILOSOFIA 12 Vendo o fogo como o material essencial que une todas as coisas, Heráclito escreveu que o princípio da ordem do mundo, o cosmos, “sempre foi, é e sempre será fogo sempre vivo, acendendo-se segundo medidas e segundo medidas apagando-se” (HERÁCLITO, 2002, p. 201). Ele estendeu as manifestações do fogo para incluir não apenas combustível, chama e fumaça, mas também o éter na alta atmosfera. Parte desse ar, ou fogo puro, “torna-se” o oceano, presumivelmente como chuva, e parte do oceano se transforma em terra. Simultaneamente, massas iguais de terra e mar em todos os lugares estão retornando aos aspectos respectivos do mar e do fogo. O equilíbrio dinâmico resultante mantém um equilíbrio ordenado no mundo. Essa persistência de unidade apesar da mudança é ilustrada pela famosa analogia da vida de Heráclito a um rio, em que “nos mesmos rios entramos e não entramos, somos e não somos. Não é possível entrar duas vezes no mesmo rio” (HERÁCLITO, 2002, p. 205). Platão mais tarde adotou essa doutrina para significar que todas as coisas estão em constante fluxo, independentemente de como elas aparecem para os sentidos. 4 SER E TORNAR-SE (VIR A SER) Parmênides teve uma enorme influência no desenvolvimento da filosofia. A maioria dos filósofos das duas gerações seguintes tentou encontrar uma maneira de reconciliar sua tese de que nada vem à existência nem desaparece com a evidência apresentada aos sentidos. Empédocles de Agrigento (c. 490-430 a.E.C.) declarou que há quatro elementos materiais (ele os chamou de raízes de tudo) e duas forças, amor e ódio, que não surgiram e nunca passariam, aumentariam ou diminuiriam. Mas os elementos são constantemente misturados entre si pelo amor e novamente separados pelo ódio. Assim, através da mistura e decomposição, as coisas compostas passam a existir e desaparecem. Como Empédocles concebeu o amor e o ódio como forças cegas, ele teve que explicar como, através de movimentos aleatórios, os seres vivos poderiam emergir. Isso ele fez por meio de uma antecipação bruta da teoria da sobrevivência do mais forte. No processo de mistura e decomposição, os membros e partes de vários animais seriam formados por acaso. Mas eles não poderiam sobreviver sozinhos; só sobreviveriam quando, por acaso, eles se unissem de tal maneira que pudessem se apoiar e se reproduzir. Foi assim que as várias espécies foram produzidas e continuaram a existir. Anaxágoras de Clazómenas (c. 500-428 a.E.C.), um pluralista, acreditava que como nada poderia realmente vir a ser, tudo deveria estar contido em tudo, mas na forma de partes infinitamente pequenas. No começo, todas essas partículas haviam existido em uma mistura homogênea, na qual nada podia ser distinguido, muito parecido com o apeiron indefinido de Anaximandro. Mas então o nous, ou inteligência, começou em um ponto a colocar essas partículas em um movimento giratório, prevendo que, desse modo, elas se separariam umas das outras e então se recombinariam das mais variadas maneiras, de modo a produzir, gradualmente, o mundo no qual os seres humanos vivem. Em contraste com as forças assumidas por Empédocles, o nous de Anaxágoras não é cego, mas TÓPICO 1 | FILOSOFIA GREGA ANTIGA: OS PRÉ-SOCRÁTICOS 13 prevê e pretende a produção do cosmos, incluindo seres vivos e inteligentes; no entanto, isso não interfere no processo depois de ter iniciado o movimento giratório. Esta é uma estranha combinação de uma explicação mecânica e não mecânica do mundo. De longe, a maior importância para o desenvolvimento posterior da filosofia e da ciência física foi uma tentativa de Leucipo de Abdera (nascido no século V a.E.C.) e Demócrito de Abdera (c. 460-370 a.E.C.) para resolver o problema parmenidiano. Leucipo encontrou a solução na suposição de que, ao contrário do argumento de Parmênides, o nada de fato existe – como espaço vazio. Há, então, dois princípios fundamentais do mundo físico, espaço vazio e espaço preenchido – o último consistindo de átomos que, em contraste com os da física moderna, são átomos reais – isto é, são absolutamente indivisíveis porque nada pode penetrar para dividi-los. Sobre esses fundamentos, estabelecidos por Leucipo, Demócrito parece ter construído todo um sistema, visando a uma explicação completa dos diversos fenômenos do mundo visível por meio de uma análise de sua estrutura atômica. Esse sistema começa com problemas físicos elementares, como: Por que um corpo rígido pode ser mais leve que um corpo mais macio? A explicação éque o corpo mais pesado contém mais átomos, que são igualmente distribuídos e de forma redonda; o corpo mais leve, no entanto, tem menos átomos, a maioria dos quais tem ganchos que formam grades rígidas. O sistema termina com questões educacionais e éticas. Uma pessoa sensata e alegre, útil para seus companheiros, é literalmente bem composta. Embora as paixões destrutivas envolvam movimentos atômicos violentos e de longa distância, a educação pode ajudar a contê-las, criando uma compostura melhor. Demócrito também desenvolveu uma teoria da evolução da cultura, que influenciou os pensadores posteriores. A civilização, pensou ele, é produzida pelas necessidades da vida, que compelem os seres humanos a trabalhar e fazer invenções. Quando a vida se torna muito fácil porque todas as necessidades são satisfeitas, existe o perigo de que a civilização decaia à medida que as pessoas se tornem indisciplinadas e negligentes. 5 APARÊNCIA E REALIDADE Todos os filósofos pós-parmenidianos, como o próprio Parmênides, pressupunham que o mundo real é diferente daquele que os seres humanos percebem. Assim surgiram os problemas da epistemologia ou teoria do conhecimento. Segundo Anaxágoras, tudo está contido em tudo. Mas isso não é o que as pessoas percebem. Ele resolveu esse problema postulando que, se há uma quantidade muito maior de um tipo de partícula em uma coisa do que todos os outros tipos, as últimas não são percebidas de forma alguma. A observação foi então feita que, por vezes, diferentes pessoas ou tipos de animais têm diferentes percepções das mesmas coisas. Ele explicou esse fenômeno assumindo que o semelhante é percebido pelo mesmo. Se, portanto, no órgão sensorial de uma UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO GERAL À HISTÓRIA DA FILOSOFIA 14 pessoa há menos de um tipo de material do que de outro, essa pessoa perceberá o primeiro menos intensamente que o segundo. Esse raciocínio também foi usado para explicar por que alguns animais veem melhor à noite e outros durante o dia. De acordo com Demócrito, os átomos não têm qualidades sensíveis, como gosto, cheiro ou cor. Assim, ele tentou reduzir todos eles a qualidades táteis (explicando uma cor branca brilhante, por exemplo, como átomos afiados atingindo o olho como agulhas). Ele fez uma tentativa muito elaborada de reconstruir a estrutura atômica das coisas, com base em suas qualidades sensíveis aparentes. Também de grande importância na história da epistemologia estava Zenão de Eléia (c. 495-c. 430 a.E.C.), um jovem amigo de Parmênides. Parmênides, é claro, tinha sido severamente criticado por causa das estranhas consequências de sua doutrina: que na realidade não há movimento nem pluralidade, porque há apenas um ser sólido. Para apoiá-lo, no entanto, Zenão tentou mostrar que a suposição de que há movimento e pluralidade leva a consequências que não são menos estranhas. Isso ele fez por meio de seus famosos paradoxos, dizendo que a flecha voadora repousa, uma vez que não pode se mover no lugar em que está nem em um lugar onde não está, e que Aquiles não pode ultrapassar uma tartaruga em uma corrida porque, quando chegou ao seu ponto de partida, a tartaruga terá se movido para um outro ponto, e assim por diante, ad infinitum – que, de fato, ele não pode nem começar a correr, pois antes de atravessar o trecho até o ponto inicial da tartaruga, ele terá que atravessar metade disso, e novamente metade disso, e assim por diante, ad infinitum. Todos esses paradoxos são derivados do que é conhecido como o problema do continuum. Embora muitas vezes tenham sido descartados como absurdos lógicos, muitas tentativas também foram feitas para descartá-los por meio de teoremas matemáticos, como a teoria das séries convergentes ou a teoria dos conjuntos. No final, porém, as dificuldades lógicas levantadas nos argumentos de Zenão sempre voltaram com uma vingança, pois a mente humana é construída de tal forma que pode olhar para um continuum de duas maneiras que não são completamente reconciliáveis. 6 PITÁGORAS E PITAGORISMO Todas as filosofias mencionadas até agora são de várias maneiras historicamente semelhantes umas às outras. Por volta do final do século VI a.E.C., no entanto, surgiu outro tipo de filosofia, que só mais tarde entrou em inter-relação com os desenvolvimentos mencionados: a filosofia de Pitágoras de Samos (c. 580-500 a.E.C.). Pitágoras viajou extensivamente no Oriente Médio e no Egito e, após seu retorno a Samos (uma ilha na costa da Anatólia), emigrou para o sul da Itália por não gostar da tirania de Polícrates (574-522 a.E.C.). Em Croton e Metaponto, ele fundou uma sociedade filosófica com regras rígidas e logo ganhou considerável influência política. TÓPICO 1 | FILOSOFIA GREGA ANTIGA: OS PRÉ-SOCRÁTICOS 15 Ele parece ter trazido sua doutrina da transmigração (reencarnação) de almas do Oriente Médio. Muito mais importante para a história da filosofia e da ciência, no entanto, foi sua doutrina de que "todas as coisas são números", o que significa que a essência e a estrutura de todas as coisas podem ser determinadas encontrando as relações numéricas que expressam. Originalmente foi uma generalização muito ampla feita com base em poucas observações: por exemplo, que as mesmas harmonias podem ser produzidas com diferentes instrumentos – cordas, canos, discos etc. – por meio das mesmas proporções numéricas – 1/2, 2/3, 3/4 – em extensões unidimensionais; a observação de que certas regularidades existem nos movimentos dos corpos celestes; e a descoberta de que a forma de um triângulo é determinada pela proporção dos comprimentos de seus lados. Mas como os seguidores de Pitágoras tentaram aplicar seu princípio em toda parte com a maior precisão, um deles – Hipaso de Metaponto (nascido no século V a.E.C.) – fez uma das descobertas mais fundamentais em toda a história da ciência: que o lado e a diagonal de figuras simples, como o quadrado e o pentágono regular, são incomensuráveis – isto é, sua relação quantitativa não pode ser expressa como uma razão de inteiros. À primeira vista, essa descoberta pareceu destruir a própria base da filosofia pitagórica, e a escola se dividiu em duas seitas, uma das quais se envolveu em especulações numéricas um tanto abstrusas, enquanto a outra conseguiu superar a dificuldade por engenhosas invenções matemáticas. A filosofia pitagórica também exerceu uma grande influência no desenvolvimento posterior do pensamento de Platão. As especulações descritas até agora constituem, em muitos aspectos, a parte mais importante da história da filosofia grega, porque todos os problemas mais fundamentais da filosofia ocidental surgiram aqui pela primeira vez. Também encontra-se aqui a formação de muitos conceitos que continuaram a dominar a filosofia e a ciência ocidentais até os dias atuais. 7 CETICISMO E RELATIVISMO: OS SOFISTAS Em meados do século V a.E.C., o pensamento grego tomou um rumo um pouco diferente com o advento dos sofistas. O nome é derivado do verbo sophizesthai, que denota fazer uma profissão do ser inventivo e inteligente ou agir com astúcia, o que descreve apropriadamente os sofistas, que, em contraste com os filósofos mencionados até agora, cobravam honorários por sua instrução (HEGENBERG, 2008, p. 325). Filosoficamente, os sofistas foram, de certa forma, os líderes de uma rebelião contra o desenvolvimento precedente da filosofia, que cada vez mais resultou na crença de que o mundo real é bem diferente do mundo fenomenal. "Qual é o sentido de tais especulações?", perguntaram, já que ninguém mora nesses supostos mundos reais. Este é o significado do pronunciamento de Protágoras de Abdera (c. 485-410 a.E.C.), que "o homem é a medida de todas as coisas, daquelas que são, que são, daquelas que não são, que não são" (CHAUI, 2002, p. 8-9). Para os seres humanos, o mundo é o que parece para eles ser, não UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO GERAL À HISTÓRIA DA FILOSOFIA 16 outra coisa. Protágoras ilustrou em seuargumento dizendo que não faz sentido dizer a uma pessoa que está realmente quente quando ela está tremendo de frio porque para ela está frio – para ela, o frio existe, está lá. Seu contemporâneo mais jovem, Górgias de Leontini (que nasceu no século V a.E.C.), famoso por seu tratado sobre a arte da oratória, zombou dos filósofos em seu livro Sobre o Não-Ser ou Sobre a Natureza (Peri tou mē ontos ē peri physeōs). Nesta obra, referiu-se ao mundo verdadeiramente existente, também chamado de a natureza das coisas – ele tentou provar (1) que nada existe, (2) que se algo existisse, não se poderia ter conhecimento disso, e (3) que, se, no entanto, alguém soubesse que algo existia, ele não poderia comunicar seu conhecimento a outros (GÓRGIAS, 1999). Os sofistas não eram apenas céticos quanto àquilo que, até então, se tornara uma tradição filosófica, mas também de outras tradições. Com base na observação de que diferentes nações têm regras de conduta diferentes, mesmo em relação a coisas consideradas mais sagradas – como as relações entre os sexos, casamento e sepultamento –, concluíram que a maioria das regras de conduta são convenções. O que é realmente importante é ter sucesso na vida e ganhar influência sobre os outros. Isso eles prometeram ensinar. Górgias se orgulhava do fato de que, sem ter conhecimento de medicina, tinha mais sucesso em persuadir um paciente a realizar uma operação necessária do que seu irmão, um médico, que sabia quando uma operação era necessária. Os sofistas mais antigos, no entanto, estavam longe de pregar abertamente o imoralismo. Eles, no entanto, gradualmente abandonaram a suspeita por causa de suas maneiras astutas de argumentar. Um dos sofistas posteriores, Trasímaco de Calcedônia (que nasceu no século V a.E.C.), era ousado o suficiente para declarar abertamente que certo é o que é benéfico para o mais forte ou melhor – isto é, para aquele capaz de vencer o poder de curvar outros a sua vontade (PLATÃO, 2001). DICAS Uma excelente obra que aprofunda os estudos sobre os Pré-Socráticos é Os Filósofos Pré-Socráticos, de Gerd Bornheim (2005). Consulte: BORNHEIM, G. Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 2005. Para finalizar, neste tópico pudemos introduzir um panorama geral da Filosofia Antiga, percorrendo as principais contribuições do primeiros cosmólogos gregos como Tales de Mileto, Anaximandro, Anaxímenes, Xenófanes, Parmênides, Heráclito, Anaxágoras, Leucipo, Demócrito, Zenão e Pitágoras. Também exploramos a contribuição do Ceticismo e do Relativismo proposta pelos Sofistas. TÓPICO 1 | FILOSOFIA GREGA ANTIGA: OS PRÉ-SOCRÁTICOS 17 No próximo tópico, exploraremos a filosofia de Sócrates e suas profundas contribuições para a Filosofia Antiga. É importante que você, caro acadêmico, tenha compreendido os temas discutidos neste tópico para que possa prosseguir e entender o diálogo proposto por Sócrates. 18 Neste tópico, você aprendeu que: • A filosofia ocidental surgiu na Grécia Antiga (que incluía Mileto e outras partes da atual Turquia) aproximadamente no século VI a.E.C. • Os milésios tentaram responder a essas perguntas em termos naturais e não religiosos. • Por especularem sobre questões profundamente importantes, de maneira racional e sistemática, os milésios são reconhecidos como os primeiros filósofos ocidentais. • Até o final do século III E.C., outros filósofos do mundo grego produziam teorias sofisticadas e originais em ética, epistemologia (o estudo do conhecimento), metafísica (o estudo da natureza última da realidade) e lógica. • O termo "pré-socrático" refere-se a filósofos que não foram influenciados por Sócrates (470-399 a.E.C.), na maioria dos casos porque eles viviam antes dele. • O primeiro dos milésios, Tales, sustentava que tudo é água, com o que ele quis dizer que as diferentes substâncias das quais o mundo parece ser composto são derivadas da água. • Anaximandro também foi notável por promover uma teoria da evolução dos seres vivos, os humanos e todos os outros animais, ele afirmava que evoluíram dos peixes. • Os filósofos pré-socráticos também incluíam um grupo de pensadores cujas principais preocupações não eram cosmológicas, mas éticas e políticas. • O período Clássico da Filosofia Antiga é dominado por três figuras dos séculos V e IV a.E.C., todas cidadãs de Atenas: Sócrates, Platão e Aristóteles. • Os primeiros cosmólogos gregos eram monistas, sustentando que o Universo é derivado de, ou composto de apenas uma única substância. • Tales é considerado o primeiro filósofo grego, porque foi o primeiro a dar uma explicação puramente natural da origem do mundo, livre de ingredientes mitológicos. • O discípulo e sucessor de Tales, Anaximandro (610-546 a.E.C.), tentou dar uma explicação mais elaborada da origem e do desenvolvimento do mundo ordenado (o cosmos). RESUMO DO TÓPICO 1 19 • O sucessor de Anaximandro, Anaxímenes (nasceu em meados do século VI a.E.C.), ensinou que o ar era a origem de todas as coisas. • Os três primeiros filósofos gregos foram chamados de “hilozoístas” porque pareciam acreditar em uma espécie de matéria viva. • Xenófanes de Cólofon (560-478 a.E.C.) foi o primeiro a articular mais claramente o que estava implícito na filosofia de Anaxímenes. • Heráclito de Éfeso (c. 540-480 a.E.C.) afirmava que o positivo e o negativo são apenas visões diferentes da mesma coisa; morte e vida, dia e noite, e luz e escuridão são realmente um só. • Empédocles de Agrigento (c. 490-430 a.E.C.) declarou que há quatro elementos materiais (ele os chamou de raízes de tudo) e duas forças, amor e ódio, que não surgiram e nunca passariam, aumentariam ou diminuiriam. • Anaxágoras de Clazómenas (c. 500-428 a.E.C.), um pluralista, acreditava que como nada poderia realmente vir a ser, tudo deveria estar contido em tudo, mas na forma de partes infinitamente pequenas. • Todos os filósofos pós-parmenidianos, como o próprio Parmênides, pressupunham que o mundo real é diferente daquele que os seres humanos percebem. • Por volta do final do século VI a.E.C. surgiu outro tipo de filosofia, que só mais tarde entrou em inter-relação com os desenvolvimentos mencionados: a filosofia de Pitágoras de Samos. • Filosoficamente, os sofistas foram, de certa forma, os líderes de uma rebelião contra o desenvolvimento precedente da filosofia, que cada vez mais resultou na crença de que o mundo real é bem diferente do mundo fenomenal. • Os sofistas não eram apenas céticos quanto àquilo que até então se tornara uma tradição filosófica, mas também de outras tradições. 20 1 Qual é a razão pela qual os milésios foram reconhecidos como os primeiros filósofos ocidentais? 2 Quais são os quatro períodos ou fases em que a história da filosofia ocidental antiga é tradicionalmente dividida? 3 O discípulo e sucessor de Tales, Anaximandro (610-546 a.E.C.), tentou dar uma explicação mais elaborada da origem e do desenvolvimento do mundo ordenado (o cosmos). Qual foi a sua explicação? 4 O termo arche, que originalmente significava apenas "começo", adquiriu o novo significado. Qual é este novo significado e qual a sua importância para a filosofia? AUTOATIVIDADE 21 TÓPICO 2 A FILOSOFIA DE SÓCRATES UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A vida, o caráter e o pensamento de Sócrates (c. 470-399 a.E.C.) exerceram profunda influência sobre a filosofia ocidental desde os tempos antigos até os dias atuais. Sócrates era uma figura amplamente reconhecida e controversa em sua terra natal, Atenas, tanto que era frequentemente ridicularizado nas peças de dramaturgos cômicos. As Nuvens, de Aristófanes (1987), escrita em 423 a.E.C., é o exemplo mais conhecido. Embora o próprio Sócrates não tenha escrito nada, ele é descrito em conversas e em composições por um pequeno círculo de admiradores – Platão (2007, 2008, 2009, 2015, 2016a, 2016b) e Xenofonte (1987, 2008), primeiro entre eles. Ele é retratado nesses trabalhos como um homem de grande discernimento, integridade,autocontrole e habilidade argumentativa. O impacto de sua vida foi ainda maior por causa da maneira como terminou. Aos 70 anos, ele foi levado a julgamento sob acusação de impiedade e condenado à morte por envenenamento (o veneno provavelmente sendo cicuta) por um júri de seus cidadãos. A Apologia de Sócrates, de Platão (2008), pretende ser o discurso que Sócrates fez em seu julgamento em resposta às acusações feitas contra ele (o termo grego apologia significa "defesa"). Na Apologia vemos a sua poderosa defesa da vida examinada e a sua condenação da democracia ateniense, o que faz este ser um dos documentos centrais do pensamento e da cultura ocidental. A seguir, vamos explorar aspectos da vida e da personalidade de Sócrates. Veremos também as razões pelas quais ele passou a ser odiado por muitos, detalhando os seus principais pontos argumentativos e provocadores. Finalizaremos este tópico enfatizando o legado deixado por Sócrates no pensamento filosófico ocidental. 2 A VIDA E A PERSONALIDADE DE SÓCRATES Embora fontes literárias e filosóficas forneçam apenas uma pequena quantidade de informações sobre a vida e personalidade de Sócrates, uma imagem singular e vívida está disponível para nós nos trabalhos de Platão. Sabemos os nomes de seu pai, Sophroniscus (provavelmente um pedreiro), UNIDADE 1 | INTRODUÇÃO GERAL À HISTÓRIA DA FILOSOFIA 22 sua mãe, Phaenarete, e sua esposa, Xântipe, e sabemos que ele teve três filhos. Com o nariz arrebitado e os olhos esbugalhados, o que o fazia parecer sempre estar observando, ele não era atraente para os padrões convencionais. Ele serviu como um hoplita (um soldado fortemente armado) no exército ateniense e lutou bravamente em várias batalhas importantes. Ao contrário de muitos pensadores de seu tempo, ele não viajou para outras cidades para buscar seus interesses intelectuais. Embora não tenha procurado um alto cargo e não tenha participado regularmente das reuniões da Assembleia Ateniense (Ecclesia) – o principal órgão governamental da cidade (como era seu privilégio como cidadão adulto do sexo masculino) – assim como não atuava em nenhuma facção política, ele cumpriu seus deveres como cidadão, que incluía não apenas o serviço militar, mas a participação ocasional no Conselho dos Quinhentos, que preparava a agenda da Assembleia. Sócrates não era de linhagem nobre ou rica, mas muitos de seus admiradores eram, e incluíam vários cidadãos atenienses mais proeminentes politicamente. Quando a constituição democrática de Atenas foi derrubada por um breve período em 403, quatro anos antes de seu julgamento, ele não deixou a cidade, assim como muitos apoiadores dedicados do governo democrático, incluindo seu amigo Chaerephon, que havia ido a Delfos muitos anos antes perguntar ao oráculo se alguém era mais sábio que Sócrates (a resposta foi não). Os longos períodos de êxtase intelectual de Sócrates, sua coragem na batalha, sua resistência à fome e ao frio, sua capacidade de consumir vinho sem embriaguez aparente e seu extraordinário autocontrole na presença de atrações sensuais são todos descritos com arte consumada nas páginas de abertura e fechamento de O Banquete (ou Simpósio) (PLATÃO, 2009). A personalidade de Sócrates estava de alguma forma intimamente ligada a sua visão filosófica. Ele era notável pelo comando absoluto que mantinha sobre suas emoções e sua aparente indiferença às dificuldades físicas. Correspondendo a essas qualidades pessoais estava seu compromisso com a doutrina de que a razão, devidamente cultivada, pode e deve ser o fator que tudo controla na vida humana. Assim, ele não tinha medo da morte, como ele diz na Apologia, de Platão (2008), porque ele não tinha conhecimento do que viria depois dela, e ele sustenta que se alguém tem medo da morte, seu medo pode estar baseado apenas em uma pretensão de conhecimento. A pressuposição subjacente a essa alegação é que, uma vez que se tenha pensado o suficiente sobre algum assunto, as emoções seguirão o mesmo caminho. O medo será dissipado pela clareza intelectual. Da mesma forma, de acordo com Sócrates, se alguém acredita, após a reflexão, que deve agir de uma maneira particular, então necessariamente os sentimentos sobre o ato em questão se acomodarão à crença deste alguém – ele desejará agir dessa maneira. Assim, Sócrates nega a possibilidade do que tem sido chamado de "fraqueza da vontade" – agir conscientemente (tendo conhecimento) de uma maneira que se acredita estar errado. Segue que, uma vez que se sabe o que é a virtude, é impossível não agir virtuosamente. Qualquer um que não atua virtuosamente faz isso porque ele identifica incorretamente a virtude com algo que não é. É isso que significa a tese, atribuída a Sócrates por Aristóteles, de que a virtude é uma forma de conhecimento. TÓPICO 2 | A FILOSOFIA DE SÓCRATES 23 A concepção de virtude de Sócrates como uma forma de conhecimento explica por que ele considera ser da maior importância buscar respostas para perguntas como: “O que é coragem?” e “O que é piedade?”. Se pudéssemos descobrir as respostas para essas perguntas, teríamos tudo o que precisamos para viver bem nossas vidas. O fato de que Sócrates alcançou um controle racional completo de suas emoções, sem dúvida, encorajou-o a supor que seu próprio caso era indicativo do que os seres humanos, no seu melhor, podem alcançar. Mas se a virtude é uma forma de conhecimento, será que isso significa que cada uma das virtudes – coragem, piedade, justiça – constitui um ramo separado do conhecimento? Deveríamos inferir que é possível adquirir conhecimento de um desses ramos, mas não de outros? Essa é uma questão que surge em vários diálogos de Platão; é mais amplamente discutido em Protágoras (PLATÃO, 2007). Era uma suposição da sabedoria grega convencional, e ainda é amplamente assumido, que se pode ter algumas qualidades admiráveis, mas carecer de outras. Alguém poderia, por exemplo, ser corajoso, mas injusto. Sócrates desafia essa suposição. Ele acredita que as muitas virtudes formam uma espécie de unidade – todavia, não sendo capaz de definir nenhuma das virtudes, ele não estava em posição de dizer se todas eram a mesma coisa ou, ao contrário, constituíam algum tipo de unificação mais frouxa. Mas ele rejeitava, inequivocamente, a ideia convencional de que alguém poderia possuir uma virtude sem possuir todas. Outra característica proeminente da personalidade de Sócrates, que frequentemente levanta problemas sobre como melhor interpretá-lo, é (para usar o antigo termo grego) sua eirôneia. Embora este seja o termo a partir do qual a palavra portuguesa “ironia” é derivada, há uma diferença entre os dois. Falar ironicamente é usar palavras para significar o oposto do que elas normalmente transmitem, mas isso não é necessariamente o objetivo de dissimular, pois o falante pode esperar e até querer que o público reconheça essa reversão. Em contraste, para os antigos gregos, eirôneia significava “dissimulação” – um usuário da eirôneia está tentando esconder alguma coisa. Esta é a acusação feita contra Sócrates várias vezes nas obras de Platão, embora nunca feita nas obras de Xenofonte (1987, 2008). Na obra de Platão (2008), Apologia, Sócrates é descrito afirmar que os jurados, ao ouvirem seu caso, não aceitariam a razão por ele oferecida ao fato de ser incapaz de parar de filosofar nos lugares públicos – que fazer isso seria desobedecer ao Deus que preside em Delfos. A audiência de Sócrates entendeu que ele estava se referindo a Apolo, embora ele próprio não use esse nome. Em seu discurso, o filósofo afirma sua obediência ao Deus ou aos deuses, mas não especificamente a um ou a mais entre os deuses ou deusas do panteão grego. A causa da incredulidade dos jurados, Sócrates acrescenta, será a suposição de que ele está comprometido com a eirôneia. De fato, Sócrates admite que adquiriu uma reputação de insinceridade – por dar às pessoas a entender que suas palavras significavam aquilo
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