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Maria Beatriz Machado ATENÇÃO BÁSICA II – AULA TEÓRICA 13 – DIABETES GESTACIONAL 1. DEFINIÇÃO Doença metabólica onde teremos uma hiperglicemia ocasionada por: Secreção diminuída de insulina Resistência à insulina aumentada Principalmente nas pacientes obesas Ou ambos Portanto: Alteração na produção de insulina + Aumento da resistência periférica Diabetes gestacional (hiperglicemia) 2. INCIDÊNCIA Antes de 1921, a incidência de diabetes era de 1%, e hoje batemos a casa dos 10 – 14%. Os casos de diabetes gestacional chegam hoje a 7%. 3. HISTÓRICO “Seleção natural” Até o ano de 1921, a diabetes era responsável por fazer uma seleção natural nos pacientes, porque muitos deles morriam na infância, ou durante a gestação. 1921: Toronto – Canadá Foi descoberta a insulina, e com isso a “seleção natural” diminuiu. 1922: EUA Início da utilização da insulina 1949: Classificação de Priscilla White sobre diabetes gestacional Problema atual: Obesidade Antigamente as pessoas costumavam ser mais ativas (não tínhamos escada rolante, controle remoto, etc), e o índice de obesidade era bem menor. 4. CLASSIFICAÇÃO OMS Diabetes tipo 1: 5 – 10% 1A: Deficiência de insulina por destruição autoimune das células beta-pancreáticas (2019) Só para conhecimento mesmo 1B: Deficiência de insulina por natureza idiopática (2019) Só para conhecimento mesmo Diabetes tipo 2: 75 – 80% Diabetes tipo 3: Causas específicas Diabetes mellitus gestacional OBS: Na obstetrícia nos interessa saber se a paciente possui diabetes tipo 1, tipo 2 ou gestacional. 5. DIABETES GESTACIONAL Acomete 7% das gestantes Intolerância de graus variáveis aos carboidratos, com início ou primeiro reconhecimento durante a gestação Portanto, se a paciente desenvolveu hiperglicemia na gestação, e não tinha histórico de diabetes, chamamos de diabetes gestacional. Insulino dependente ou não Na literatura temos a opção de ser insulino dependente, porém a grande maioria é não dependente. Pode ou não persistir após a gestação Maria Beatriz Machado 5.1. FISIOPATOLOGIA Normalmente: TODAS as gestantes terão um AUMENTO da resistência periférica à insulina (40 – 70%), e isso vai fazer com que haja um aumento da secreção de insulina pelas células beta-pancreáticas (em 130 – 200%), e, portanto, quando dosamos a glicemia da paciente, ela está euglicêmica. Caso a gestante tenha uma INCAPACIDADE pancreática em fazer esse aumento da secreção de insulina, ela terá diabetes. Por essa razão, é dito que a gestação testa a função pancreática da paciente Gravidez normal: É dividida em duas fases Até 20 semanas (1ª metade): FASE ANABÓLICA A glicose materna passa facilmente para o feto, e isso faz com que a gestante muitas vezes fique euglicêmica mesmo tendo diabetes (por essa razão, muitas vezes o diagnóstico de diabetes gestacional não é feito na 1ª metade da gestação). Aumento da sensibilidade à insulina Acúmulo de gordura materna Envio de glicose ao feto Após 20 semanas (2ª metade): FASE CATABÓLICA Devido ao aumento dos hormônios contra- insulínicos produzidos pela placenta (e quanto mais a placenta cresce, mais esses hormônios aumentam) , teremos um aumento da resistência periférica à insulina, e a gestante apresentará a hiperglicemia (por essa razão, a maior parte dos diagnósticos de diabetes gestacional é feita nessa 2ª metade da gestação) Aumento dos hormônios contra-insulínicos (lactogênio-placentário, estrogênio, progesterona) Aumento da resistência periférica à insulina OBS: O Dr deu um exemplo para que possamos entender a importância do funcionamento pancreático na gestação “O pâncreas da paciente é um Fusca ou uma Ferrari? E algum dia o fusca pode se tornar uma Ferrari?” Ou seja, se o pâncreas dessa paciente não tiver boa função, algum dia ele pode desenvolver boa função? NÃO! É importante entender isso, porque quer dizer que se durante a gestação essa paciente que não tem boa função pancreática desenvolver diabetes gestacional, depois da gestação ela terá uma chance MUITO maior de desenvolver diabetes mellitus tipo 2 (com 40 anos ou mais) Portanto, se essa mulher não fizer uma mudança radical de hábitos (perder peso, se exercitar, melhorar a alimentação), ela provavelmente terá diabetes no futuro. Maria Beatriz Machado No gráfico A podemos ver que na gestante normal quando temos o aumento da necessidade de insulina (curva de baixo), o pâncreas é capaz de aumentar a secreção de insulina e assim ela não desenvolve diabetes. No gráfico B podemos ver que na gestante com função pancreática insuficiente, quando temos o aumento da necessidade de insulina (curva de baixo) o pâncreas não é capaz de aumentar a secreção de insulina, e assim ela desenvolve diabetes (geralmente é diagnosticado no 3º trimestre). OBS: Precisamos saber tudo isso para entender porque pedimos uma glicemia de jejum no início do pré- natal e outra entre 24 – 28 semanas de gestação. 5.2. POTENCIAL DE DESENVOLVER DIABETES Obesas: Principalmente obesidade central > 35 anos Antecedentes familiares Antecedentes obstétricos: Macrossomia fetal Polidrâmnio Óbito fetal Malformações Hipertensão arterial OBS: Tomar muito cuidado quando a paciente não for obesa, não tiver > 35 anos, não tiver HAS e não tiver antecedentes familiares de diabetes. Nesses casos devemos pesquisar muito bem os antecedentes obstétricos da paciente. 5.3. COMPLICAÇÕES FETAIS Precisamos sempre lembrar que a hiperglicemia é teratogênica, e que caso a paciente já tenha diabetes pré- gestacional/início da gestação, a chance de teratogênese é grande, e pode ocorrer até mesmo aborto. Por essa razão, precisamos diminuir a glicemia dessa paciente o mais precoce possível (principalmente se já soubermos que ela é diabética pré-gestacional). Complicações fetais: Abortamento Se diabetes pré-gestacional/início da gestação Anomalias congênitas: DATN/Cardiopatias Se diabetes pré-gestacional/início da gestação Polidrâmnio Macrossomia O feto se torna macrossômico porque a insulina é um hormônio anabolizante, fazendo com que ele ganhe peso. Parto: Distócia de ombro, fratura de clavícula Prematuridade Hipoglicemia, hipocalcemia, hiperbilirrubinemia, policitemia Síndrome do desconforto respiratório neonatal Mortalidade perinatal elevada Efeitos tardios: Obesidade Maior incidência de diabetes tipo 2 Maria Beatriz Machado 5.3.1. SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO DO RN Por que o feto desenvolve a síndrome do desconforto respiratório neonatal? Primeiro precisamos entender que existe uma diferença de concentração entre a glicose materna e fetal, e temos um gradiente de glicose que passa da mãe para o feto (através de difusão facilitada) com cerca de 20 – 30mg/dL de diferença. Ou seja, caso tenhamos uma gestante com glicemia de 100 mg/dL, o feto está recebendo 70mg/dL (uma boa concentração). Porém, da mesma forma, caso tenhamos uma gestante com glicemia de 250mg/dL, o feto está recebendo 220mg/dL (uma concentração muito alta). porém se a mãe estiver com 250mg/dL, então o feto estará recebendo 220mg/dL. Quando o feto recebe muita glicose, suas células beta-pancreáticas se tornam hipertrofiadas, e elas produzirão uma quantidade excessiva de insulina. A hiperinsulinemia causa um bloqueio na liberação de cortisol pelas glândulas suprarrenais, levando a um atraso do amadurecimento dos pneumócitos tipo II. Quando temos o atraso no amadurecimento dos pneumócitos tipo II, consequentemente teremos um atraso e diminuição na produção de lecitina (um importante componente do surfactante), causando assim diminuição da estabilidade alveolar quando o RN expirar. Essa diminuição de estabilidade leva ao colabamento dos alvéolos, e assimo RN desenvolve a síndrome do desconforto respiratório. Portanto, teremos: Hiperinsulinemia Inibição do cortisol Atraso da formação dos pneumócitos tipo II Atraso/diminuição da produção de lecitina (presente no surfactante) Diminuição da estabilidade alveolar na expiração 5.4. RASTREAMENTO Fatores de risco (não confiáveis) Glicemia de jejum: Acima de 92mg/dL TOTG (GTT) 75g, com medida após uma hora: < 140 – sensibilidade de 80% < 130 – sensibilidade 90% Não é necessário jejum 5.4.1. QUANDO E QUAL TESTE DE RASTREAMENTO FAZER Pedir na 1ª consulta de pré-natal: Glicemia de jejum Se vier < 92, só vamos pedir outro teste com 24 – 28 semanas de gestação Entre 24 – 28 semanas de gestação: O melhor exame é o TOTG (GTT) 75g Diagnóstico: Jejum: 92 mg/dL 1 hora: 180 mg/dL 2 horas: ≥ 153h mg/Dl Basta ter 1 valor alterado Maria Beatriz Machado 5.4.2. HAPO 2012 – HYPERGLICEMIA AND ADVERSE PREGNANCY OUTCOME Esse estudo foi feito em 2012, e ele nos deu parâmetros que são seguidos até hoje: Normal: Glicemia de jejum < 92 mg/dL Diabetes mellitus gestacional: Glicemia de jejum entre 92 – 125 mg/dL Diabetes pré-gestacional: Glicemia de jejum > 126 mg/dL ou HbA1C ≥ 6,5% ou Glicemia de jejum ao acaso > 200 mg/dL OBS: Qual a importância da HbA1c no pré-natal? Devemos fazer a dosagem de HbA1c no 1º trimestre porque ela possui uma relação diretamente proporcional com o risco de malformação fetal. Ou seja, quanto maior for seu nível, maior a chance de malformação fetal. EX: Paciente com HbA1c de 5,5 - 8% não é tão preocupante, porém caso ela tenha 10, 11, 12%, é muito preocupante, e precisamos fazer o rastreamento de malformações fetais (US morfológico com 20 semanas e ecocardiograma fetal com 28 semanas). OBS: Se a paciente tiver alteração da HbA1C, ou se ela já for diabética pré-gestacional, ou se ela já tiver diabetes logo no início do pré-natal: US MORFOLÓGICO COM 20 SEMANAS + ECOCARDIOGRAMA FETAL COM 28 SEMANAS 5.4.3. FLUXOGRAMA DE RASTREIO Esse fluxograma é um resumo do que falamos acima sobre quando e qual exame devemos pedir! Viabilidade financeira e disponibilidade técnica total – 100% da taxa de detecção Início do pré-natal com < 20 semanas Início do pré-natal entre 20 – 28 semanas Início do pré-natal com > 28 semanas Glicemia de jejum imediatamente 24 – 28 semanas Imediatamente > 126 mg/dL Entre 92 – 125 mg/dL < 92 mg/dL TOTG 75g Dosagens: Jejum, 1ª e 2ª hora Diabetes mellitus Diabetes mellitus gestacional Ao menos um valor de: Jejum: 92 – 125 mg/dL 1ª hora: > 180mg/dL 2ª hora: 153 – 199mg/dL Ao menos um valor de: Jejum: > 126 mg/dL 2ª hora: 200 mg/dL Maria Beatriz Machado 5.5. CLASSIFICAÇÃO DE PRISCILLA WHITE Não utilizamos muito essa classificação, mas precisamos saber que ela existe. É mais interessante pensarmos na fisiopatologia, porque se a paciente tem diabetes há muito tempo, podemos acabar sendo surpreendidos no pré-natal, porque: Nas pacientes que possuem diabetes há muito tempo (principalmente tipo 1), a tendência não é ter polidrâmnio e nem que o feto seja macrossômico, ao contrário, é que tenha oligoâmnio, RCIU e sofrimento fetal, porque o sistema útero-placentário dessa gestante não se comporta como no diabetes, ele se comporta como na pré-eclâmpsia (ou seja, tem insuficiência placentária). CLASSIFICAÇÃO INÍCIO DURAÇÃO LESÃO VASCULAR INSULINA A Qualquer Gravidez Ausente Não B ≥ 20 anos < 10 anos Ausente Sim C 10 – 19 anos Ou 10 – 19 anos Ausente Sim D < 10 anos Ou ≥ 20 anos Ou retinopatia benigna Sim F Indiferente Indiferente Nefropatia Sim R Indiferente Indiferente Retinopatia proliferativa Sim H Indiferente Indiferente Cardiopatia Sim T Indiferente Indiferente Transplante renal Sim 5.5.1. CLASSIFICAÇÃO A.C.O.G (dentro da classificação de priscilla white) Assim que identificamos a paciente como sendo do grupo A, vamos interná-la para que ela faça dieta para diabetes, dextro em jejum e dextro 2h pós-prandial. CLASSE INÍCIO GLICEMIA EM JEJUM GLICEMIA 2H PÓS PRANDIAL TERAPIA A 1 Gestação < 105 (valores mais atuais sugerem 95) < 120 Dieta A 2 Gestação > 105 > 120 Insulina Com a dieta queremos verificar se a paciente consegue manter uma glicemia de jejum < 105, e glicemia pós prandial até cerca de 120, e caso ela consiga, damos ALTA sem a necessidade de prescrição de insulina, ela vai tratar comente com essa dieta. Caso ela não consiga manter, essa paciente provavelmente vai continuar internada porque vai precisar da introdução de insulina. 5.6. TRATAMENTO 5.6.1. TRATAMENTO DIABETES GESTACIONAL TIPO A1 Internação para melhor abordar Dieta: 1800 – 3000kcal/dia: 50% carboidratos 30% lipídeos 20% proteínas Dieta dos sétimos/ceia Cálculo: 30 kcal/kg/dia (peso de início do pré-natal) Obesas: 25 kcal/kg/dia ou 30 kcal/kg peso ideal/dia Metas: Jejum < 105 mg/dL 2 horas pós-prandial: < 130 mg/dL Maria Beatriz Machado Uso de adoçantes Exercícios físicos 5.6.2. TRATAMENTO DIABETES GESTACIONAL TIPO A2 Internação para melhor abordar Insulina: NPH ou NPH + regular 2/3 pela manhã e 1/3 pela tarde (esquema só com NPH) Iniciar NPH: 0,2 – 0,5 UI/kg/dia Cálculo da dose de insulina: glicemia de jejum – (90/4) Não utilizamos muito essa fórmula OBS: Por que não precisamos usar glargina/lispro nessas pacientes gestantes? Porque a ideia dessas insulinas é manter um nível glicêmico mais baixo para que a longo prazo a paciente não comece a ter retinopatia/nefropatia/etc. Como a paciente fica gestante somente 9 meses, ela não vai desenvolver essas complicações nesse período, porque são complicações a longo prazo. PORÉM, se for uma gestante diabética tipo 1, que já tem diabetes desde criança (ou seja, há muito tempo), devemos sim investir nessas insulinas melhores. 5.7. CONTROLE Perfil glicêmico: Jejum < 95mg/dL 1 hora após refeição: < 140mg/dL 2 horas após refeição: < 120mg/dL Ou média glicêmica: < 110mg/Dl Difícil fazermos Hemoglobina glicosilada (HbA1c): 8% Média dos últimos 3 meses Exames: USG morfológico com 20 semanas + Ecocardiograma fetal com 28 semanas 5.8. MOMENTO DO PARTO Pacientes sem uso de insulina: Aguardar até 40 semanas Pacientes com uso de insulina: Aguardar 38 semanas Pacientes sem complicações: Tentar aguardar > 38,5 sem SDR = Não diabética Corticoide? Pode usar, não descontrola glicemia Tocólise: Usar nifedipina NÃO pode usar terbutalina porque aumenta a glicemia! Cesárea: Se feto > 4000g Diminuição da necessidade de insulina no final da gestação? Raro acontecer. 5.9. PUERPÉRIO Diabéticas tipo 1: Aguardar 24h e retornar ao esquema pré-gestacional Pacientes não diabéticas tipo 1: Realizar perfil glicêmico para avaliar se a intolerância à glicose persiste (Se continuam diabéticas) Maria Beatriz Machado Após 6 semanas (40 dias do parto): Pedir TOTG/GTT 75g TOTG/GTT 75g: 6 semanas após parto (40 dias) e anualmente (risco de diabetes tipo 2) OBS: Sobre os hipoglicemiantes orais na gestação: Causam risco de hipoglicemia fetal
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