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DEFINIÇÃO Diabetes Mellitus Gestacional (DMG): mulher com hiperglicemia detectada pela primeira vez durante a gravidez, com níveis glicêmicos sanguíneos que não atingem os critérios diagnósticos para DM. Diabetes Mellitus diagnosticado na gestação (Overt Diabetes): mulher sem diagnóstico prévio de DM, com hiperglicemia detectada na gravidez e com níveis glicêmicos sanguíneos que atingem os critérios da OMS para a DM na ausência de gestação. FATORES DE RISCO Idade (aumento progressivo do risco com o aumentar da idade) Sobrepeso/obesidade (IMC ≥ 25Kg/m2 ) Antecedentes familiares de DM (primeiro grau) Antecedentes pessoais de alterações metabólicas: - HbA1c ≥ 5,7% (método HPLC) - Síndrome dos ovários policísticos - Hipertrigliceridemia - Hipertensão arterial sistêmica - Acantose nigricans - Doença cardiovascular aterosclerótica - Uso de medicamentos hiperglicemiantes Antecedentes obstétricos: - Duas ou mais perdas gestacionais prévias - Diabetes Mellitus gestacional - Polidrâmnio - Macrossomia (recém-nascido anterior com peso ≥ 4000g) - Óbito fetal/neonatal sem causa determinada - Malformação fetal ETIOLOGIA A causa exata do diabetes gestacional é desconhecida, contudo, várias hipóteses foram propostas: Hormonal: durante a gravidez, a placenta produz uma grande quantidade de hormônios, como o estrogênio, progesterona e a somatomamotrofina coriônica humana, que, embora importantes para o desenvolvimento fetal, podem interferir na ação da insulina no organismo materno, funcionando como antagonistas da ação da insulina, causando aumento na resistência à insulina nos dois últimos trimestres de gestação. O diabetes gestacional costuma aparecer por volta da 26ª semana de gravidez, quando a placenta começa a produzir maior quantidade desses hormônios. Genética: como o diabetes gestacional é caracterizado por uma resistência à insulina semelhante ao que ocorre no diabetes tipo 2 e como as mulheres que desenvolvem diabetes durante a gestação têm maior probabilidade de algum dia vir a desenvolver o diabetes tipo 2, os pesquisadores suspeitam que alguns genes responsáveis pelos diabetes tipo 2 e pelo diabetes gestacional sejam semelhantes. Obesidade: Diabetes gestacional é mais comum em grupos em que a obesidade está presente. A obesidade pode desencadear tanto o diabetes gestacional quanto o diabetes tipo 2. GESTAÇÃO X METABOLISMO GLICÍDICO Alterações Hormonais O hormônio lactogênio placentário é secretado pela placenta e aumenta a quantidade de acordo com a evolução da gestação, sua ação é antagonismo à insulina. quanto aos estrogênios, progesterona, cortisol e prolactina, que também são secretados durante a gestação, apresentam atividade hiperglicemiante. Esses hormônios aumentam progressivamente até a 24ª semana, quando geralmente a capacidade pancreática de secretar insulina é insuficiente para o momento → hiperglicemia Alterações Metabólicas - Resistência à ação periférica da insulina: pela ação dos hormônios citados - Catabolismo acentuado: fenômeno semelhante ao do jejum, uma vez que o concepto requer glicose e aa para o crescimento, então, a depender da quantidade desses nutrientes no sangue materno, pode haver uma hipoglicemia. para equilibrar esse processo, o metabolismo materno realiza a mobilização (maior e mais rápida) de lipídios para fornecer energia; aumento da gliconeogênese hepática. - Anabolismo facilitado: as perdas do organismo materno são compensadas com: elevação da glicemia materna para facilitar a transferência placentária dessa substância; maior conversão de glicose em TAG para serem utilizados no fornecimento de energia para o concepto quando houver baixa glicose. DIABETES EM CADA TRIMESTRE DA GESTAÇÃO 1º trimestre: há uma maior tendência a ocorrer a hipoglicemia (de 15 a 20 mg/dl mais baixo) e, portanto, menor necessidade de insulina. Geralmente, isso ocorre pela inapetência, náuseas, episódios eméticos característicos desse período. laboratorialmente, pode haver glicosúria, cetonúria e alterações glicêmicas. 2º trimestre: em contraposição ao 1°T, as necessidades de insulina aumentam, uma vez que a glicemia também aumenta, podendo haver cetose e cetoacidose. 3º trimestre: em consonância com o 2ºT, as necessidades de insulina aumentam ainda mais, juntamente à prevalência de cetose e cetoacidose. próximo ao período de parto, há uma tendência à normalização e, até mesmo, hipoglicemia, o que deve ser um sinal de alerta (o hormônio lactogênio placentário faz antagonismo da insulina, então se a insulina consegue atuar bem, isso pode significar uma insuficiência placentária). Puerpério: como há uma redução dos hormônios antagonistas da insulina, ocorre a redução da necessidade dela. IMPACTOS NA GESTAÇÃO Impactos Maternos - Glicosúria: fisiologicamente, o aumento do débito cardíaco (dc) materno aumenta, também, o fluxo sanguíneo renal e a filtração glomerular. esse fato compromete a capacidade de reabsorção tubular máxima para glicose e leva a uma glicosúria mesmo com glicemia normal. - Infecção do trato urinário (ITU): provavelmente em decorrência da glicosúria. - Candidíase vaginal: como há o acúmulo de glicogênio na mucosa vaginal, isso causa uma acidificação do meio, aumentando a incidência da candidíase. - Pré-eclâmpsia: aumenta a incidência, mas não se sabe a fisiopatologia. COMPLICAÇÕES GESTACIONAIS - Abortamento: incidência aumentada nas gestantes diabéticas, principalmente por conta das alterações metabólicas maternas, que pode causar, por exemplo, acidose metabólica fetal, diretamente relacionada à hemoglobina glicosilada >/= 12% e glicemia pré-prandial > 120 mg/dL. - Morte Fetal Tardia: são aqueles óbitos “inexplicados”, que, geralmente, relacionam-se à acidose metabólica fetal. O óbito fetal súbito ocorre por volta de 35 semanas ou mais, principalmente nos casos em que há hiperglicemia persistente nas últimas semanas de gestação. - Alterações do Volume de Líquido Amniótico: a polidramnia acomete 25% das gestantes diabéticas, provavelmente por conta do aumento da diurese fetal decorrente da hiperglicemia. a diurese fetal que também vai excretar glicose, aumentando a concentração dessa substância no líquido amniótico, aumentando a “osmolaridade” e a captura de água para o líquido. COMPLICAÇÕES FETAIS Anomalias Congênitas: ocorrem com maior frequência em mães diabéticas (3 a 6 vezes maior que na população em geral). A hiperglicemia causa um efeito negativo na organogênese, uma vez que mais radicais livres estão atuantes e os genes responsáveis pela produção do ácido araquidônico estão em menor atividade, o que ocasiona defeitos no tubo neural. Dentre as alterações estruturais do concepto, destacam-se os defeitos cardíacos, os de fechamento do tubo neural e a síndrome de regressão caudal (prevalência 252x maior que na gestante saudável), que resultam da ausência de controle periconcepcional do diabetes. Distúrbios do Crescimento: varia de acordo com a classe do diabetes. A hiperglicemia materna facilita a passagem transplacentária (difusão facilitada) de glicose, o que estimula o pâncreas fetal saudável a produzir insulina, que não consegue exercer adequadamente o controle glicêmico, mas consegue causar os efeitos anabólicos, o que aumenta as proteínas, lipídios, glicogênio... acúmulo de gordura e visceromegalia, dando ao feto aspecto característico → peso maior que 4.000 g. Isso dificulta o parto via vaginal, aumenta o risco de distocia (de ombro, pela deposição de gordura nos MMSS) e de partos operatórios. Distocia de Espáduas: definida como a dificuldade na liberação dos ombros fetais durante o parto vaginal de feto em apresentação cefálica. Pode ocorrer em qualquer gestação, mas nitidamente tem sua frequência aumentada com o aumento do peso fetal. Sofrimento Fetal: ainda não bem esclarecida as causas de hipóxia e morte. Prematuridade: decorre da hiperdistensão uterina da polidramnia, da insuficiência placentária, de alterações metabólicas motivadas pela instabilidade no controle da doença e por indução de nascimento pré-termo em benefício materno e oufetal. Cardíacas: - Transposição de grandes vasos - Comunicação interventricular - Coarctação da aorta Nervosas: - Anencefalia - Meningocele - Hidrocefalia - Espinha bífida Renais: agenesia renal Regressão caudal COMPLICAÇÕES NEONATAIS - Síndrome da Angústia Respiratória: altos níveis de insulina fetal retardam e alteram o mecanismo fisiológico de amadurecimento pulmonar, interferindo no metabolismo dos fosfolipídeos, com redução da produção de surfactante pulmonar – 6x mais frequente - Hipoglicemia Neonatal: hiperinsulinemia fetal também é responsável pela hipoglicemia neonatal. O nascimento do feto resulta na interrupção do aporte materno excessivo de glicose após o clampeamento do cordão umbilical. A glicemia torna-se, então, desproporcional aos níveis de insulina, e a hipoglicemia se instala. - Hipocalcemia: causa desconhecida - Hiperbilirrubinemia: parece ser da imaturidade do sistema hepático em conjugar a bilirrubina. - Policitemia: decorre da hipoxemia placentária e do aumento da necessidade de oxigênio induzida pela hiperglicemia. - Risco de diabetes na vida futura: ocorrência do diabetes tipo 2 em até 1/3 dos filhos de diabéticas até 17 anos de idade. Hipótese de BARKER: o feto se adapta ao ambiente intrauterino por meio de mudanças na expressão gênica que o prepara para as condições similares após o nascimento. DIAGNÓSTICO Assim como uma mulher com glicemia de 200 mg/dL e sintomas como polidipsia, emagrecimento, poliúria é relativamente fácil realizar o diagnóstico de DM; a gestante com hiperglicemia, glicosúria e cetoacidose não é difícil de ser diagnosticada, mas sim aquelas com mínimas alterações no metabolismo. Classicamente, o desenvolvimento do DMG é em fases avançadas da gestação, assim, o aparecimento de hiperglicemia no primeiro trimestre da gestão é um indicativo de doença prévia, embora, de acordo com alguns protocolos, possa ser classificado como diabetes gestacional. Não existe consenso sobre o critério diagnóstico mais adequado para o DMG, uma vez que há uma discordância entre valores e métodos para fechar o diagnóstico. Se os valores forem muito rigorosos, poderá haver uma “negligência” de casos mais leves e, portanto, submissão desses aos malefícios da doença; caso os valores fossem muito amplos, haverá uma grande quantidade de falsos positivos e, portanto, gasto de insumos e tempo realizando um tratamento dispensável. Em 1964, as primeiras tentativas de estabelecimento de valores de corte foram iniciadas, porém, até 2009, ainda havia várias oscilações quanto ao valor correto. Como havia uma carência em estudos que correlacionassem valores de referência para DMG e resultados perinatais , houve uma motivação para o início de um grande estudo observacional prospectivo de 25.000 gestantes em diversos países, que tinha como objetivo avaliar a relação entre os valores de glicemia materna e os desfechos na gestação. Chamado Hyperglycemia and Adverse Pregnancy Outcomes (HAPO), esse estudo realizou o teste oral de tolerância à glicose com 75g de glicose com duração de 2 horas, então a glicemia era avaliada no jejum, na 1ª hora e na 2ª hora. International Association of Diabetes and Pregnancy Study Groups (IADPSG); American Diabetes Association (ADA, 2016); OMS (2013): Depois do HAPO, ainda havia a necessidade de um consenso para os critérios diagnósticos, uma vez que a DM diagnosticada na gravidez ainda era considerada como DMG. Assim, foram reunidos especialistas que decidiram: - Diabetes diagnosticada na gestação: gestante na primeira consulta de pré natal apresenta critérios que fecham diagnóstico para a DM fora da gestação: Hb glicada >6,5%; glicemia em jejum >/= 126mg/dL; glicemia em qualquer momento > 200 mg/dL. - DMG: quando a glicemia de jejum for >/= 92mg/dL e </= 125 mg/dL e quando pelo menos um dos valores do TOTG de 75g realizado entre 24 e 28 semanas de IG fo r >/= 92mg/dL no jejum; >/= 180 mg/dL na primeira hora ou >/= 153 mg/dL na segunda hora Rastreamento do DMG - Realizar glicemia de jejum para todas as gestantes independente de fatores de risco na primeira consulta. - Segundo a OMS e a IADPSG, se essa glicemia de jejum for >/= 92mg/dL e </= 125 mg/dL (confirmados em um segundo exame), já tem o diagnóstico de dmg sem realizar o TOTG. A ADA não considera esse diagnóstico, mas sim aquele aquele a partir do TOTG 75g entre 24 e 28 semanas. Ministério da Saúde Dosagem glicemia em jejum na primeira consulta - Rastreamento é considerado positivo em gestantes com glicose maior ou igual a 85 mg/dl e/ou na presença de fatores de risco. - Se deu positivo, deve ser submetida a confirmação diagnóstica (está implícito se é com 24/28 semanas ou logo após a primeira consulta) com TOTG 75g 2h ainda em 250- 300ml de água; são medidos jejum, 1h e 2h, sendo os valores, maior ou igual a 95, 180, 155 – o achado de dois valores confirma; o achado de um valor pede para repetir o exame com 34 semanas. - Rastreamento é negativo na ausência de fatores de risco e de glicemia < 85 mg/dL → seguir com TOTG entre 24 e 28 semanas - Dois exames com valores maiores ou igual a 126 mg/dl na primeira consulta confirmam diabetes gestacional sem necessidade de TOTG. AVALIAÇÃO PÓS-PARTO São considerados fatores de risco para o desenvolvimento de DM do tipo 2 em mulheres com DMG prévio: - Glicemia em jejum na gestação acima de 100 mg/dL; - Etnia não branca; - História familiar de diabetes tipo 2, principalmente materna; - Ganho excessivo de peso durante ou após a gestação; - Obesidade; - Obesidade abdominal; - Dieta hiperlipídica; - Sedentarismo; - Uso de insulina na gestação. CONDUTA Controle Periconcepcional: mulheres diabéticas que desejam engravidar devem apresentar controle glicêmico adequado no período periconcepcional para reduzir o risco de abortamentos e malformações. Utiliza-se, principalmente, a HB GLICOSILADA, pois ele reflete o controle glicêmico nas últimas 4 a 6 semanas – valores acima de 7% no 1 Trimestre muito perigoso Controle Glicêmico na Gravidez e Avaliação clínica - Medições de glicemia capilar diárias pela manhã em jejum, antes do almoço, antes do jantar, uma ou duas horas após o almoço e uma ou duas horas após o jantar em diabéticas em uso de insulina. - Glicemia capilar de jejum e pós-prandiais nas consultas e a critério médico. - Glicemia de jejum e pós-prandial semanal para as gestantes com diagnóstico de diabetes gestacional. - Função renal com dosagem trimestral de ureia, creatinina e proteinúria nas diabéticas prévias. - Fundo de olho trimestral nas diabéticas prévias - Dieta: inicialmente, o controle glicêmico é feito com dieta adequada à realidade da paciente. Segundo o Ministério da Saúde, o cálculo do valor calórico total da dieta deve ser feito de acordo com o IMC. A dieta deve ser composta de 40-50% de carboidratos, 20% de proteínas e 30-40% de gordura, fracionada em cinco a seis refeições diárias. A distribuição calórica diária será de 10-20% no café da manhã, 20-30% no almoço, 20-30% no jantar e até 30% para lanches, incluindo um lanche ao deitar para evitar a hipoglicemia noturna se a mulher estiver em uso de insulina. - Atividade Física: estudos mostraram que um programa de exercício de condicionamento cardiovascular melhora o controle glicêmico quando comparado à dieta isolada. As gestantes sedentárias devem praticar caminhadas regulares ou equivalente e/ou exercícios físicos de flexão dos braços durante vinte minutos por dia, enquanto as gestantes que já praticavam exercícios podem mantê-los, evitando os de alto impacto. - Hipoglicemiantes Orais: não devem ser usados durante a gestação, mesmo nas mulheres que vinham em uso prévio destas drogas. O Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Diabetes contraindicam o uso de antidiabéticos orais durante a gravidez. - Insulinoterapia: a insulina deve ser mantida em todas as pacientes que já faziam uso antes da gravidez e iniciada em diabéticas tipo 2 que faziam uso prévio de hipoglicemiantes, e ainda em diabéticas gestacionais que não obtêm controle satisfatório com adieta e os exercícios físicos após duas semanas. O Ministério da Saúde também recomenda o uso de insulina em fetos com circunferência abdominal fetal maior ou igual ao percentil 75 em ultrassonografia obstétrica realizada entre 29 e 33 semanas de gestação. - Interrupção da Gestação: as gestantes com ótimo controle metabólico e que não apresentem antecedentes obstétricos de morte perinatal ou macrossomia, ou complicações associadas, como hipertensão, podem aguardar a evolução espontânea para o parto até o termo. Não é recomendável que a gestação ultrapasse 40 semanas nas pacientes controladas com dieta e 39 nas pacientes que utilizam insulina. A partir de 39-40 semanas, a indução do parto deve ser planejada. A diabetes gestacional não é indicada para cesariana e a via do parto deve seguir indicações obstétricas.
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