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APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA EMENTA: Condições de produção, circulação e recepção das obras no período literário denominado Parnasianismo ao Modernismo, com destaque para as singularidades dos principais autores deste período. OBJETIVOS: A comparação entre as escolas literárias do período estudado deve ser frequente. Afinal, as escolas se mantêm em parte pela oposição ferrenha que se estabelece entre elas. Todavia não recomendamos uma fixação paranoica das diferenças temáticas, mas sim das diferenças de linguagem. Afinal, é o ESTILO, e não os temas, o que realmente assinala as diferenças entre as épocas artísticas. A leitura do vocabulário romântico em contraste com o vocabulário naturalista, por exemplo – isso sim é o que pretendemos que você apreenda de essencial dentro dos conteúdos teórico-estéticos em Literatura. A leitura de trechos dos livros mais significativos se faz essencial. Sugerimos que você realize previamente uma busca por resumos dos livros sugeridos, a fim de se acercar dos assuntos tratados em cada um deles – mas nunca dispense a leitura de trechos dessas obras. METODOLOGIA: Direcionamos as estratégias de leitura e produção de discurso para a consciência da pluralidade dos gêneros discursivos e para a necessidade de se apropriar dos recursos de produção de sentidos e ideológicos inerentes a cada gênero. Dentro do contexto específico de Literatura, é preciso reconhecer que a “artisticidade” de um texto está intimamente relacionada à FORMA como se mobilizam os recursos de linguagem e o diálogo, no mínimo surpreendente, no máximo plurissignificante ou ambíguo, que ela estabelece com o co-texto (que compreende o contexto de produção e de recepção de uma obra, os meios de sua divulgação, os dados ideológicos que a embasam ou que ela cria, o público-alvo dessa obra, entre outros elementos). É pelo veio literário, e pelo modo artístico em geral, que se possibilita a variação da expressividade de uma lingua(gem) e a abertura para a diversidade de pontos de vista, que acabam se incorporando à comunicação humana. AVALIAÇÃO: No sistema EAD, a legislação determina que haja avaliação presencial, sem, entretanto, se caracterizar como a única forma possível e recomendada. Na avaliação presencial, todos os alunos estão na mesma condição, em horário e espaço pré-determinados; diferentemente, a avaliação a distância permite que o aluno realize as atividades avaliativas no seu tempo, respeitando-se, obviamente, a necessidade de estabelecimento de prazos. A avaliação terá caráter processual e, portanto, contínuo, sendo os seguintes instrumentos utilizados para a verificação da aprendizagem: 1) Atividades individuais on-line; 2) Provas realizadas presencialmente; BIBLIOGRAFIA BÁSICA BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. 44.ed. SP: Cultrix, 2007. CANDIDO, A. Na sala de aula: caderno de análise literária. 3.ed. SP: Ática, 1989. MOISÉS, M. A literatura brasileira através dos textos. SP: Cultrix, 1986. BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR CANDIDO, A. Vários escritos. 4.ed., reorganizada pelo Autor. RJ: Ouro sobre Azul; SP: Duas Cidades, 2004. CALDWELL. H. Otelo brasileiro de Machado de Assis. SP: Atelie, 2005. MERQUIOR, J. G. De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira. RJ: J. Olympio, 1977. CANDIDO, A.; CASTELLO, J. A. Presença da literatura brasileira: romantismo, realismo, parnasianismo e simbolismo. SP: DIFEL, 1972. SCHWARZ, R. Machado de Assis: um mestre na periferia do capitalismo. 4.ed. SP: Duas Cidades; Editora 34, 2006. AMORA, Antônio Soares. Teoria da Literatura. 6ª ed. Revista, SP. Editora Clássico Cientifica - 1964. MASSAUD, Moises. A literatura Brasileira Através dos Textos. 21ª ed. SP, Editora. Cultrix, SP – 1971. MEDINA, Rodrigues A., Antologia da Literatura Brasileira – Textos comentados: Modernismo. – Vol. II; Editora Marco Editorial - 1979 MEDINA, Rodrigues A., Antologia da Literatura Brasileira – Textos comentados: do Classicismo ao Pré-Modernismo. – Vol. I; Editora Marco Editorial - 1979 TUFANO, Douglas. Estudos de Literatura Brasileira – 4ª ed. SP – Editora Moderna. – 1990. AMARAL, Emília. Novas Palavras. Língua portuguesa. 2ª ed. SP – Editora FTD, - 2005. COTRIM, Gilberto. História Global: Brasil e Geral. 6ª ed. SP – Editora Saraiva, 2002 – 608p MOISÉS, Massaud. História da Literatura Brasileira. 4ª ed. São Paulo, Cultrix, 2001. COUTINHO, Afrânio; SOUSA, J. Galante de. Enciclopédia de literatura brasileira. SãoPaulo: Global. http://www.netsaber.com.br/biografias/ver_biografia_c_3414.html http://pt.shvoong.com/books/biography/1659762-domingos-ol%C3%ADmpio-vida- obra/#ixzz1pEAfB75L http://www.machadodeassis.org.br - Machado de Assis – ABL http://machado.mec.gov.br - Machado de Assis – Obra completa http://www.machadodeassis.org.br/ http://machado.mec.gov.br/ Sumário UNIDADE 01 – A POESIA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: PARNASIANISMO .............. 5 UNIDADE 02 – A POESIA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: SIMBOLISMO ................... 19 UNIDADE 03 – PRÉ MODERNISMO – 1902 a 1922 ....................................................................... 30 UNIDADE 04 – EUCLIDES DA CUNHA: OS SERTÕES .................................................................... 35 UNIDADE 05 – LIMA BARRETO; “TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA”. .............................. 40 UNIDADE 06 – GRAÇA ARANHA; “CANAÔ E A CONCLUSÃO DO PRÉ MODERNISMO. .......... 45 UNIDADE 07 - A SEMANA DE ARTE MODERNA........................................................................... 50 UNIDADE 08 – O DESDOBRAMENTO DA SEMANA DE 22 .......................................................... 55 UNIDADE 09 – O PRIMEIRO TEMPO MODERNISTA – 1922 - 1930 ............................................. 60 UNIDADE 10 – O SEGUNDO TEMPO MODERNISTA – 1930 A 1945 ........................................... 66 UNIDADE 11 – O TERCEIRO TEMPO MODERNISTA OU PÓS MODERNISMO – 1945 ATÉ OS DIAS ATUAIS. ......................................................................................................... 71 UNIDADE 12 – TEATRO BRASILEIRO MODERNO E PANORAMA DA LITERATURA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA ............................................................................................... 76 UNIDADE 13 – DISCUSSÕES PONTUAIS: A SAÍDA ANTROPOFÁGICA. ....................................... 81 UNIDADE 14 – AMÉRICA LATINA E DEPENDÊNCIA CULTURAL .................................................. 86 UNIDADE 15 – DISCUSSÕES PONTUAIS: MÁRIO DE ANDRADE E O PROBLEMA DA IDENTIDADE BRASILEIRA ...................................................................................... 90 UNIDADE 16 – DISCUSSÕES PONTUAIS: ESVAZIAMENTO DO EU E FRAGMENTOS DE IDENTIDADE CULTURAL NA NARRATIVA DE CLARICE LISPECTOR. .................. 97 UNIDADE 14 - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE E O ESTAR NO MUNDO. ...................... 107 5 UNIDADE 01 – A POESIA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: PARNASIANISMO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: Examinar uma das tendências poéticas que se opuseram ao Romantismo, na segunda metade do século XIX, no Brasil, paralelamente ao Realismo e ao Naturalismo: o Parnasianismo. ESTUDANDO E REFLETINDO Surgido da França, esse movimento encontrou solo fértil no Brasil. A primeira obra brasileira com traços parnasianos de que se tem notícia é de 1882: Fanfarras, de Teófilo Dias. O Parnasianismo é conhecido como a escola da "arte pela arte". Entendendo "arte" como a entendiam os antigos greco-latinos ("ars, artis", em latim, é "técnica", "forma"), os parnasianos concebiam seus poemas como joias a serem lapidadas, como fruto de um árduo trabalho de carpintaria, de ourivesaria, de perfeição formal ao extremo. O poema deixa de ter importância pelos temas que apresente e passa a ser veículo de embelezamento sintático, vocabulare de imagens. Ou seja, a importância do poema é eminentemente formal: ele vale pela forma bela e perfeita - harmônica, equilibrada - como foi construído. Podemos elencar suas características assim: • formalismo e sofisticação; • poesia antilírica (antissentimental, antirromântica): impessoalidade e descritivismo; • rigor formal: rima rica (entre palavras de classes gramaticais diferentes) e retomada das formas clássicas (sonetos, oitavas, decassílabos, alexandrinos); • culto dos clássicos nos temas e nos valores (culto da beleza artística, da beleza física humana e do conhecimento); • poesia sentenciosa (com a famosa "chave-de-ouro": última estrofe que resume, numa frase pomposa e solene, o assunto do poema) e de filosofismo superficial; No Brasil, os poetas mais representativos do Parnasianismo eram os que formavam o grupo que ficou conhecido como Tríade Parnasiana: Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e 6 Raimundo Correia. Desses, o mais importante é Olavo Bilac. Alberto de Oliveira (1859-1937) Nascido no Estado do Rio de Janeiro, cursou Medicina e formou-se em Farmácia. Foi professor de língua e literatura e exerceu cargos públicos na área de educação. Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Teve enorme popularidade em vida e chegou a ser eleito, em 1924, “Príncipe dos poetas brasileiros”. Deixou grande número de obras poéticas. É o parnasiano mais preso às regras da escola, sobretudo quanto à impessoalidade descritivista preconizada pelo Parnasianismo. A perfeição formal, ao ponto de esbanjar erudição, e a frieza distanciam Alberto de Oliveira do leitor atual. Sua poesia mais interessante localiza-se naqueles textos em que a temática é a natureza brasileira, em que ele se permite uma maior expressão lírica. Raimundo Correia (1860-1911) Nasceu a bordo de um navio, no litoral maranhense. Cursou Direito, em São Paulo. Foi magistrado, trabalhou pelo Brasil em Lisboa, e por fim exerceu os cargos de vice-diretor e professor do Colégio Fluminense, em Petrópolis. Faleceu em Paris, durante tratamento de saúde. Sua poesia sentenciosa, pretensamente filosófica, mas óbvia e simplória, deu ao autor muita popularidade. A crítica costuma apontar falta de profundidade e um pessimismo mais literário (mais “fingido”) que autêntico. Sua melhor produção localiza-se, assim Olavo Bilac (à direita) com mais dois poetas de seu tempo: Alberto de Oliveira (à esquerda) e Raimundo Correia (ao centro). 7 como acontece com Alberto de Oliveira, nos textos cuja temática é a natureza noturna e enluarada. Olavo Bilac (1865-1918) Era um poeta habilidoso na versificação, especialista nas rimas ricas, na composição de frases invertidas mirabolantes, na pomposidade da "chave-de-ouro" e no uso de vocabulário erudito, hiperculto. Sua linguagem pura e preciosa compunha poemas de um descritivismo sensualista: apelo às sensações físicas na percepção dos objetos descritos, seja um palácio romano, seja um objeto de arte, seja um corpo de mulher. Seus poemas eróticos são bastante ousados para a época. Mais popular dos parnasianos (“o príncipe dos poetas brasileiros”), Bilac foi, ao lado de Machado de Assis, um dos primeiros membros da Academia Brasileira de Letras. BUSCANDO CONHECIMENTO Algumas Leituras Olavo Bilac A SESTA DE NERO Fulge de luz banhado, esplêndido e suntuoso, O palácio imperial de pórfiro luzente E mármor da Lacônia. O teto caprichoso Mostra, em prata incrustado, o nácar do Oriente. Nero no toro ebúrneo estende-se indolente... Gemas em profusão do estrágulo custoso De ouro bordado veem-se: O olhar deslumbra, ardente, Da púrpura da Trácia o brilho esplendoroso. Formosa ancila canta. A aurilavrada lira Em suas mãos soluça. Os ares perfumando, Arde a mirra da Arábia em recendente pira. Formas quebram, dançando, escravas em coreia... E Nero dorme e sonha, a fronte reclinando Nos alvos seios nus da lúbrica Popeia. 8 NEL MEZZO DEL CAMIN... Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada E triste, e triste e fatigado eu vinha. Tinhas a alma de sonhos povoada, E a alma de sonhos povoada eu tinha... E paramos de súbito na estrada Da vida: longos anos, presa à minha A tua mão, a vista deslumbrada Tive da luz que teu olhar continha. Hoje, segues de novo... Na partida Nem o pranto os teus olhos umedece, Nem te comove a dor da despedida. E eu, solitário, volto a face, e tremo, Vendo o teu vulto que desaparece Na extrema curva do caminho extremo. A UM POETA Longe do estéril turbilhão da rua, Beneditino escreve! No aconchego Do claustro, na paciência e no sossego, Trabalha e teima, e lima, e sofre, e sua! Mas que na forma se disfarce o emprego Do esforço: e trama viva se construa De tal modo, que a imagem fique nua Rica mas sóbria, como um templo grego Não se mostre na fábrica o suplício Do mestre. E natural, o efeito agrade Sem lembrar os andaimes do edifício: Porque a Beleza, gêmea da Verdade Arte pura, inimiga do artifício, É a força e a graça na simplicidade. ORA (DIREIS) OUVIR ESTRELAS! Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto... 9 E conversamos toda a noite, enquanto A Via Láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?” E eu vos direi: “Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.” Raimundo Correia AS POMBAS Vai-se a primeira pomba despertada... Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas De pombas vão-se dos pombais, apenas Raia sanguínea e fresca a madrugada... E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais de novo elas, serenas, Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada... Também dos corações onde abotoam, Os sonhos, um por um, céleres voam, Como voam as pombas dos pombais; No azul da adolescência as asas soltam, Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam, E eles aos corações não voltam mais... MAL SECRETO Se a cólera que espuma, a dor que mora N’alma, e destrói cada ilusão que nasce, Tudo o que punge, tudo o que devora O coração, no rosto se estampasse; Se se pudesse o espírito que chora Ver através da máscara da face, Quanta gente, talvez, que inveja agora Nos causa, então piedade nos causasse! 10 Quanta gente que ri, talvez, consigo Guarda um atroz, recôndito inimigo, Como invisível chaga cancerosa! Quanta gente que ri, talvez existe, Cuja ventura única consiste Em parecer aos outros venturosa! Alberto de Oliveira VASO GREGO Esta de áureos relevos, trabalhada De divas mãos, brilhante copa, um dia, Já de aos deuses servir como cansada, Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. Era o poeta de Teos que o suspendia Então, e, ora repleta ora esvasada, A taça amiga aos dedos seus tinia, Toda de roxas pétalas colmada. Depois... Mas, o lavor da taça admira, Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas Finas hás de lhe ouvir, canora e doce, Ignota voz, qual se da antiga lira Fosse a encantada música das cordas, Qual se essa voz de Anacreonte fosse. PERMANÊNCIAS (A) Paródias Na época do nosso Modernismo, sobretudo na década de 1920, quando as vanguardas do Cubismo e do Futurismo estavam sendo divulgadas por aqui, surgiram dois jornalistas dispostos a “encarnar” o repúdio à literatura acadêmica do Parnasianismo, de forma bem-humorada e divertida: Alexandre Marcondes Machado e Horácio Campos. Conheça um pouco mais sobre ambos, bemcomo trechos de suas produções. 11 Juó Bananere O paulista Alexandre Marcondes Machado tornou-se bastante popular no Brasil de sua época pela irreverência com que satirizava tanto sonetos de Luís de Camões e de Olavo Bilac e poesias de Casimiro de Abreu e de Guerra Junqueiro, como as decisões políticas do marechal Hermes da Fonseca e outros figurões da velha República. Escrevia em dialeto “macarrônico”, numa imitação dos habitantes de origem italiana de São Paulo. Usava para isso o pseudônimo Juó Bananére (versão italiana do “joão bananeiro”, como eram chamados os vendedores de banana). Deixou apenas um livro, La divina Increnca, de muito êxito na época, e que é nos dias de hoje uma raridade bibliográfica, nuca mais foi editado. Colaborador da Revista O pirralho, de Oswald de Andrade, nos primeiros tempos do nosso Modernismo. Bananére satirizava poetas consagrados, dos clássicos aos parnasianos. Uma das sátiras mais conhecidas de Bananére é o “Uvi strella”, calcada no poema de Olavo Bilac que lemos. Leia paródia de Bananére: de início parece difícil, mas tente ler em voz alta, imitando um sotaque italiano meio misturado com o português. Para ficar mais divertido, leia as seguintes letras com o som típico do italiano: ch leia como k g leia como dj gl leia como lh Uvi strella Che scuitá strella, nê meia strella! Vucê stá maluco e io ti diró intanto, Chi p'ra iscuitalas moltas veiz livanto, I vô dá una spiada na gianella. I passo as notte acunversando c'o ela. Inguante che as outra lá d'un canto Stó mi spiano. I o sol come un briglianto Nasce. Oglio p'ru ceu: — Cadê strella!? Direis intó: Ó migno inlustre amigo! O chi é chi as strellas ti dizia Quando illas viero acunversá cuntigo? E io ti diró: — Studi p'ra intendela, Pois só chi giá studô Astrolomia, É capaiz di intendê istas strella. 12 Furnandes Albaralhão Horácio Campos foi, em relação aos portugueses, o que era Juó Bananére em relação aos italianos. Falecido precocemente, seu único livro, Caldo Berde, não foi reeditado, sendo hoje uma grande raridade (nem a Biblioteca Nacional possui exemplar dele). Usando o pseudônimo Furnandes Albaralhão, com uma linguagem e um temperamento estereotipados lusitanos, Albaralhão realizava uma sátira tão mordaz da tradição quanto Bananére. O mesmo poema de Olavo Bilac serviu de motivo de sátira também para Furnandes Albaralhão. Tente ler a paródia seguinte, imitando o sotaque lusitano. Ubire as istrelas — Ora, dirâis, ubire estrelas... Passo! Num póde sêre! E eu bus dirâi: — Aflito para ubí-las, acordo, olho p’ru ispaço, tiro a cera d’úbido com um palito, i cumbirsamos, digo-lhe e rupito, até que rompe a uróra. Aí, que eu faço? Bou miter-me na cama, quensadito, com uma dôre infadonha nu queichaço. Dirais agora: — Isso é tapiação! Cumo é que podes tal cumbersa têre Cu’as istrilitas que tão longe estão? E eu bus dirâi: — Amai uma quechópa vaim nutrida, sucada e habeis de bêre e ubire istrelas de pagóde! É sópa! Paródia: uma pequena lição! Paródia é a apropriação que um determinado autor faz do texto de outro autor, com objetivos de criticar algum aspecto do original. Muitas vezes a paródia destrói o texto original e o reconstrói pelo seu inverso. Tudo na paródia é irreverente em relação ao original: • critica-se a linguagem, o estilo; isso fica claro na escolha de Juó Bananére e Furnandes Albaralhão: deram ao famoso poema escrito por Olavo Bilac, um intelectual respeitadíssimo, caracteres linguísticos populares e banais. • criticam-se o tema, o ponto de vista e as intenções; isso fica claro também em Banarére e Albaralhão: o primeiro contesta o idealismo e valoriza as ciências, o segundo contesta o idealismo e valoriza o amor mais real, concreto. 13 (B) Neo-parnasianismo Um grupo de poetas do século XX, conhecido como Geração de 45, viria a revitalizar alguns cânones parnasianos, como a busca por uma forma equilibrada, descritiva, refletida e impessoal. Faziam parte desse grupo Lêdo Ivo, Péricles Eugênio da Silva Ramos e João Cabral de Melo Neto (na fase inicial de sua obra). Soneto puro (Lêdo Ivo) Fique o amor onde está; seu movimento nas equações marítimas se inspire para que, feito o mar, não se retire das verdes áreas de seu vão lamento. Seja o amor como a vaga ao vago intento de ser colhida em mãos; nela se mire e, fiel ao seu fulcro, não admire as enganosas rotações do vento. Como o centro de tudo, não se afaste da razão de si mesmo, e se contente em luzir para o lume que o ensolara. Seja o amor como o tempo – não se gaste e, se gasto, renasça, noite clara que acolhe a treva, e é clara novamente. EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO Pegue seu caderno de estudos e vamos fazer alguns exercícios de fixação!!! ☺ 01. Fulge de luz banhado, esplêndido e suntuoso, O palácio imperial de pórfiro luzente E mármor da Lacônia. O teto caprichoso Mostra, em prata incrustado, o nácar do Oriente. O texto dado é a primeira estrofe do soneto “A Sesta de Nero”, de Olavo Bilac. Cite uma característica desse estilo que se comprove pelo texto. 14 02. Observe este comentário sobre um poeta do Parnasianismo: “Neste literato de veia fácil, um dos poetas da tríade parnasiana brasileira, denominado “Príncipe dos Poetas”, um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, eleito patrono do Serviço Militar obrigatório, percebemos a tendência parnasiana de cifrar no brilho da frase isolada e na chave de ouro de um soneto a mensagem toda da poesia.” a) Quais eram os poetas da tríade parnasiana? b) De qual deles trata o comentário acima? 03. Olavo Bilac realizou basicamente três tipos de poesia: • poesia parnasiana propriamente dita, preocupada em descrever objetos de arte, palácios requintados, paisagens ou elementos patrióticos. • poesia metafísica, preocupada em refletir sobre a existência humana, chegando a conclusões pessimistas. • poesia lírico-amorosa, de cunho ou sensual ou espiritual platônico. Faça um pequeno comentário de cada um dos trechos de poemas abaixo, valendo-se da classificação acima: a) “Não és bom, nem és mau; és triste e humano... Vives ansiando, em maldições e preces, Como se, a arder, no coração tivesses O tumulto e o clamor de um largo oceano. E, no perpétuo ideal que te devora, Residem juntamente no teu peito Um demônio que ruge e um deus que chora.” b) “E, ó meu amor! eu te buscava, quando Vi que no alto surgias, calma e bela, O olhar celeste para o meu baixando...” c) “Diz tua boca: ‘Vem!’ ‘Inda mais!’, diz a minha, a soluçar... Exclama Todo o meu corpo que o teu corpo chama: ‘Morde também!’ Beija mais! morde mais! que eu morra de ventura Morto por teu amor!” d) “Salve, lindo pendão da esperança! Salve, símbolo augusto da paz! Tua nobre presença a lembrança Da grandeza da Pátria nos traz!” 15 e) “Fulge de luz banhado, esplêndido e suntuoso, O palácio imperial de pórfiro luzente (...) Gemas em profusão do estrágulo custoso De ouro bordado veem-se. O olhar deslumbra, ardente, Da púrpura da Trácia o brilho esplendoroso.” 04. O poema abaixo, de Alberto de Oliveira, refere-se a esta questão. FANTÁSTICA Erguido em negro mármor luzidio, Portas fechadas, num mistério enorme, Numa terra de reis, mudo e sombrio, Sono de lendas um palácio dorme. Torvo, imoto, em seu leito, um rio o cinge, E, à luz dos plenilúnios argentados, Vê-se em bronze uma antiga e bronca esfinge, E lamentam-se arbustos encantados. Dentro, assombro e mudez! quedas figuras De reis e de rainhas; penduradas Pelo muro panóplias, armaduras, Dardos, elmos, punhais, piques, espadas. E inda ornada de gemas e vestida De tiros de matiz de ardentes cores, Uma bela princesa está sem vida Sobre um torofantástico de flores. (Alberto de Oliveira) Observe este comentário: Apesar de mostrar uma atmosfera sombria, fantástica, fúnebre, sobrenatural, o poeta não constrói um poema de emoções, mas sim descritivo e impessoal, antissentimental, com uma linguagem rebuscada e um vocabulário sofisticado. Justifique essa afirmação, com elementos do texto. 05. Releia o soneto “Vaso grego”, de Alberto de Oliveira, e localize no soneto os sinônimos de "vaso", depois responda sobre ele às próximas seis questões 06. O poeta de Teos é Anacreonte, poeta grego clássico. Ele protagoniza, no soneto, uma cena estática: está segurando um objeto (o "vaso grego"), cheio de vinho. Esse objeto é descrito como dotado de uma beleza divina. 16 a) Por que imagem ficamos sabendo que o vaso contém vinho? b) Transcreva alguns trechos em que percebemos a beleza do vaso. 07. O soneto é dominantemente descritivo. Mostre um trecho em que o poeta inicia uma narrativa, mas volta imediatamente à descrição. 08. O que o poeta pede que o leitor faça no primeiro terceto? 09. No segundo terceto, o poeta compara o tinir da taça ao som da lira e à voz de Anacreonte. Reescreva em ordem direta o último terceto para comprovar isso. 10. Se entendermos “ARTE” como “técnica”, “perfeição formal”, “trabalho minucioso com os recursos artísticos”, como devemos entender o lema parnasiano da “ARTE PELA ARTE”? Justifique sua resposta com base no poema abaixo: Torce, aprimora, alteia, lima A frase; e, enfim, No verso de ouro engasta a rima, Como um rubim. Quero que a estrofe cristalina, Dobrada ao jeito Do ourives, saia da oficina Sem um defeito. (Olavo Bilac) Leia este soneto de Olavo Bilac e responda. VILA RICA O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre; Sangram, em laivos de ouro, as minas, que a ambição Na torturada entranha abriu da terra nobre; E cada cicatriz brilha como um brasão. O ângelus plange ao longe em doloroso dobre. O último ouro do sol morre na cerração. E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre, O crepúsculo cai como uma extrema-unção. Agora, para além do cerro, o céu parece Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu. A neblina, roçando o chão, cicia, em prece. Como uma procissão espectral que se move... 17 Dobra o sino... Soluça um verso de Dirceu... Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove. (Olavo Bilac) 11. O poema acima é tipicamente parnasiano. Descreve o momento em que anoitece sobre a Ouro Preto decadente. O poeta, autor desse poema, é o principal parnasiano brasileiro, Olavo Bilac. Em quatro versos, o poeta mostra o pôr do Sol, anunciando o fim do dia. Trancreva-os. 18 Gabarito dos exercícios de fixação da unidade 01 01. A linguagem (seleção vocabular e sintaxe), a retomada da cultura clássica, a preocupação formal. 02. a) Olavo Bilac, Alberto de Oliveira e Raimundo Correia. b) Olavo Bilac. 03. a) Poesia metafísica, preocupada em refletir sobre a existência humana, chegando a conclusões pessimistas. b) poesia lírico-amorosa, de cunho espiritual platônico. c) poesia lírico-amorosa, de cunho sensual. d) Poesia parnasiana propriamente dita, preocupada em descrever elementos patrióticos. e) poesia parnasiana propriamente dita, preocupada em descrever objetos de arte, palácios requintados. 04. Apesar de mostrar uma atmosfera sombria, fantástica, fúnebre, sobrenatural, o poeta não constrói um poema de emoções, mas sim descritivo e impessoal (“Pelo muro panóplias, armaduras, dardos, elmos, punhais, piques, espadas”), antissentimental, com uma linguagem rebuscada e um vocabulário sofisticado (vejam-se as palavras “mármor”, forma arcaica da palavra “mármore”, “luzidio”, sinônimo para “brilhante”, “quedas”, sinônimo para “caídas” e “panóplia”, termo de uso restrito que designa o escudo no qual se põem as armas citadas no poema). 05. "copa" e "taça". 06. a) "Toda de roxas pétalas colmada" b) "de áureos relevos ", "brilhante copa", " bordas finas". 07. "Depois... Mas" 08. Ele pede que o leitor admire a beleza do trabalho artístico com que foi construída a taça. 09. Ignota voz, qual se fosse a música encantada das cordas da antiga lira, qual se essa fosse a voz de Anacreonte. 10. O texto revela o ideal de perfeição típico do Parnasianismo, seja na elaboração das rimas ricas (“lima”, verbo, rima com “rima”, substantivo; “rubim”, substantivo, rima com “enfim”, advérbio), seja na temática, que revela o desejo do poeta de trabalhar seus versos como se fossem uma joia preciosa. 11. “O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre”, “O último ouro do sol morre na cerração”, “O crepúsculo cai como uma extrema-unção” e “o céu parece / Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu”. 19 UNIDADE 02 – A POESIA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX: SIMBOLISMO CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivos: Examinar o Simbolismo. O Simbolismo é uma tendência poética que não só fez oposição ao Racionalismo e ao Cientificismo, que vigoravam na segunda metade do século XIX, no Brasil, preconizados pelo Realismo e pelo Naturalismo, bem como também fez oposição ao formalismo do Parnasianismo – e que, portanto, isolou-se como estética underground e bastante criticada na época. ESTUDANDO E REFLETINDO Surgido na França, o Simbolismo constituiu uma reação ao cientificismo do Realismo- Naturalismo e ao superficialismo dos parnasianos. Poesia da realidade subjetiva, nega o objetivismo e o materialismo comuns a essas três estéticas. Guarda alguma proximidade com o Romantismo, quanto aos temas do saudosismo, do apelo à morte e do pessimismo subjetivo. Todavia, não mantém a passionalidade dos românticos, nem o seu descontrole emocional, nem o seu sentimentalismo autopiedoso. No Simbolismo, os temas provêm do universo espiritual, por meio de sugestões de emoção – e não de emoções explícitas –, por meio da suavidade das palavras – e não por meio da grandiloquência verbal. Os poetas simbolistas percebem a realidade subjetiva de forma metafísica, por meio de empregar substantivos abstratos; de forma esotérica, por meio de um vocabulário ritualístico e cabalístico; e de forma mística, por meio de um vocabulário litúrgico e sobrenatural. Os poemas transpiram uma atmosfera onírica (de sonho): sensações indefinidas e falta 20 de lógica predominam. Para isso: o recurso formal é a sugestão, por meio de musicalidade (ritmo e aliterações), sinestesias (fusão de sensações de naturezas distintas) e símbolos de difícil percepção. O poeta simbolista francês Stephane Mallarmé considerava o seguinte, sobre a função da poesia: “Nomear um objeto é suprimir três quartos do prazer da fruição do poema, que deriva da satisfação de adivinhar, pouco a pouco, portanto, sugerir, evocar — isto é que encanta a imaginação.” Embora seus temas sejam renovadores para a literatura, a forma de seus poemas continua atada à métrica e à rima – obviamente sem o senso de perfeição extrema dos parnasianos. Os simbolistas, desde sua origem na França, eram vistos como poetas malditos: antiacadêmicos e marginais (deslocados da literatura oficial), excêntricos (escreviam coisas difíceis de interpretar) e alienados. No Brasil, iniciou-se com Missal e Broquéis, dois livros de Cruz e Sousa, em 1893. Cruz e Sousa (1861-1898) Nosso simbolista Cruz e Sousa padeceu todos os males de viver como negro culto em um país recentemente saído da escravidão: por ser negro, por exemplo, foi impedido de assumir um cargo público. Trabalhou como jornalista, como ponto de teatro e como funcionário da Central do Brasil. Integrante dos grupos marginais de poesia simbolista, teve dificuldade para publicar seus textos, pois a poesia oficial (românticaou parnasiana) minava a atividade editorial da época. Morreu tuberculoso, em 1898, depois de perder toda a família por conta da tuberculose, e de ver sua esposa enlouquecer. 21 O preconceito racial parece ter penetrado em sua poesia: Cruz e Sousa evidencia, em seus textos, uma fixação pelo branco, pela luminosidade. O gosto simbolista se aprofunda em sublimação do real, em religiosidade, em sentimentos platônicos de amor, em profusão de abstrações (personificação de seres abstratos pelo uso de maiúsculas). Sua obra é das mais complexas em literatura brasileira: emprega uma profusão de sinestesias, uma forte sonoridade (aliterações, assonâncias e ritmo dançante) e beleza formal a serviço de aguçar as sensações. Para ele, o poema deve sempre guardar um mistério, que não é revelado pelo texto e permanece indecifrável para o leitor. Alphonsus de Guimaraens (1870-1921) Afonso Henrique da Costa Guimarães nasceu em Outro Preto e faleceu em Mariana. Estudou Direito em São Paulo, a cujo grupo simbolista sempre se manteve ligado. Depois de realizar seu desejo de conhecer Cruz e Sousa, no Rio de Janeiro, estabeleceu-se definitivamente em Minas Gerais, exercendo cargos judiciais. Sua vasta obra comporta três temas fundamentais. A saudade da amada morta (ele perdeu sua esposa muito cedo) é o primeiro tema. Convertida em alvo de platonismo, a imagem da amada aproxima-se da imagem da Virgem Maria, construindo o segundo tema: a religiosidade católica de cunho devocional e místico. A solidão e o pessimismo agregados a esses temas trouxeram ao poeta, inevitavelmente, o tema da morte, vista como forma de ascensão espiritual. Sua linguagem simples, de melodia delicada e ritmos medievais, constitui um dos exemplos mais interessantes de poesia que consegue ser profunda e plurissignificativa sem apelas para a erudição. A poesia de Alphonsus é o inverso estilístico da de Cruz e Sousa. 22 BUSCANDO CONHECIMENTO Algumas Leituras Cruz e Sousa SIDERAÇÕES Para as Estrelas de cristais gelados As ânsias e os desejos vão subindo, Galgando azuis e siderais noivados De nuvens brancas a amplidão vestindo... Num cortejo de cânticos alados Os arcanjos, as cítaras ferindo, Passam, das vestes nos troféus prateados, As asas de ouro finamente abrindo... Dos etéreos turíbulos de neve Claro incenso aromal, límpido e leve, Ondas nevoentas de Visões levanta... E as ânsias e os desejos infinitos Vão com os arcanjos formulando ritos Da Eternidade que nos Astros canta... SONHO BRANCO De linho e rosas brancas vais vestido, Sonho virgem que cantas no meu peito!... És do Luar o claro deus eleito, Das estrelas puríssimas nascido. Por caminho aromal, enflorescido, Alvo, sereno, límpido, direito, Segues radiante, no esplendor perfeito, No perfeito esplendor indefinido... As aves sonorizam-te o caminho... E as vestes frescas, do mais puro linho E as rosas brancas dão-te um ar nevado... No entanto, Ó Sonho branco de quermesse! Nessa alegria em que tu vais, parece Que vais infantilmente amortalhado! 23 CRISTAIS Mais claro e fino do que as finas pratas O som da tua voz deliciava... Na dolência velada das sonatas Como um perfume a tudo perfumava. Era um som feito luz, eram volatas Em lânguida espiral que iluminava, Brancas sonoridades de cascatas... Tanta harmonia melancolizava. Filtros sutis de melodias, de ondas De cantos volutuosos como rondas De silfos leves, sensuais, lascivos... Como que anseios invisíveis, mudos, Da brancura das sedas e veludos, Das virgindades, dos pudores vivos. SERPENTE DE CABELOS A tua trança negra e desmanchada Por sobre o corpo nu, torso inteiriço, Claro, radiante de esplendor e viço, Ah! lembra a noite de astros apagada. Luxúria deslumbrante e aveludada Através desse mármore maciço Da carne, o meu olhar nela espreguiço Felinamente, nessa trance ondeada. E fico absorto, num torpor de coma, Na sensação narcótica do aroma, Dentre a vertigem túrbida dos zeros. És a origem do Mal, és a nervosa Serpente tentadora e tenebrosa, Tenebrosa serpente de cabelos!... INCENSOS Dentre o chorar dos trêmulos violinos, Por entre os sons dos órgãos soluçantes Sobem nas catedrais os neblinantes Incensos vagos, que recordam hinos... Rolos d’incensos alvadios, finos E transparentes, fulgidos, radiantes, 24 Que elevam-se aos espaços, ondulantes, Em Quimeras e Sonhos diamantinos. Relembrando turíbulos de prata Incensos aromáticos desata Teu corpo ebúrneo, de sedosos flancos. Claros incensos imortais que exalam, Que lânguidas e límpidas trescalam As luas virgens dos teus seios brancos. CÁRCERE DAS ALMAS Ah! Toda a Alma num cárcere anda presa, soluçando nas trevas, entre as grades do calabouço olhando imensidades, mares, estrelas, tardes, natureza. Tudo se veste de uma igual grandeza quando a alma entre grilhões as liberdades sonha e sonhando, as imortalidades rasga no etéreo Espaço da Pureza. Ó almas presas, mudas e fechadas nas prisões colossais e abandonadas, da Dor no calabouço, atroz, funéreo! Nesses silêncios solitários, graves, que chaveiro do Céu possui as chaves para abrir-vos as portas do Mistério?! VIOLÕES QUE CHORAM... Ah! plangentes violões dormentes, mornos, Soluços ao luar, choros ao vento... Tristes perfis, os mais vagos contornos, Bocas murmurejantes de lamento. Noites de além, remotas, que eu recordo, Noites da solidão, noites remotas Que nos azuis da Fantasia bordo, Vou constelando de visões ignotas. Sutis palpitações à luz da lua, Anseio dos momentos mais saudosos, Quando lá choram na deserta rua As cordas vivas dos violões chorosos. Quando os sons dos violões vão soluçando, Quando os sons dos violões nas cordas gemem, E vão dilacerando e deliciando, Rasgando as almas que nas sombras tremem. 25 Harmonias que pungem, que laceram, Dedos nervosos e ágeis que percorrem Cordas e um mundo de dolências geram Gemidos, prantos, que no espaço morrem... E sons soturnos, suspiradas mágoas, Mágoas amargas e melancolias, No sussurro monótono das águas, Noturnamente, entre ramagens frias. Vozes veladas, veludosas vozes, Volúpias dos violões, vozes veladas, Vagam nos velhos vórtices velozes Dos ventos, vivas, vãs, vulcanizadas. Tudo nas cordas dos violões ecoa E vibra e se contorce no ar, convulso... Tudo na noite, tudo clama e voa Sob a febril agitação de um pulso. Que esses violões nevoentos e tristonhos São ilhas de degredo atroz, funéreo, Para onde vão, fatigadas do sonho, Almas que se abismaram no mistério. Sons perdidos, nostálgicos, secretos, Finas, diluídas, vaporosas brumas, Longo desolamento dos inquietos Navios a vagar à flor de espumas. Oh! languidez, languidez infinita, Nebulosas de sons e de queixumes, Vibrado coração de ânsia esquisita E de gritos felinos de ciúmes! [...] Alphonsus de Guimaraens HÃO DE CHORAR POR ELA OS CINAMOMOS... Hão de chorar por ela os cinamomos, Murchando as flores ao tombar do dia. Dos laranjais hão de cair os pomos, Lembrando-se daquela que os colhia. As estrelas dirão — “Ai! nada somos, Pois ela se morreu silente e fria.. . “ E pondo os olhos nela como pomos, Hão de chorar a irmã que lhes sorria. A lua, que lhe foi mãe carinhosa, Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la Entre lírios e pétalas de rosa. Os meus sonhos de amor serão defuntos... 26 E os arcanjos dirão no azul ao vê-la, Pensando em mim: — “Por que não vieram juntos?” EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO Leia este trecho do famoso poema de Cruz e Sousa, “Antífona”, e responda sobre ele às quatro próximas questões. ANTÍFONA Indefiníveis músicas supremas, harmonias da Cor e do Perfume...Horas do Ocaso, trêmulas, extremas, Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume... Visões, salmos e cânticos serenos, surdinas de órgãos flébeis, soluçantes... Dormências de volúpicos venenos sutis e suaves, mórbidos, radiantes... Infinitos espíritos dispersos, inefáveis, edênicos, aéreos, fecundai o mistério destes versos com a chama ideal de todos os mistérios. Vocabulário: Antífona: versículo cantado depois do salmo, numa missa. Ocaso: anoitecer. Réquiem: canto fúnebre, de encomendação da alma de um morto recente. Flébil: lacrimoso, choroso. Volúpicos: sensuais. Inefável: indizível. Edênicos: relativo ao Éden, o paraíso. 01. Sobre o texto, responda: a) O poeta convoca as forças espirituais para inspirarem seus versos. Em qual estrofe isso está claro? b) A inspiração que o poeta quer é de que natureza, segundo sugere na estrofe que você apontou? 27 02. É nítido o apelo à musicalidade no poema. Cite dois versos em que a escolha do vocabulário musical é perceptível. 03. Explique a imagem sinestésica (de fusão de sensações) presente nos versos 2 e 4 da primeira estrofe. 04. Diferentemente dos poemas parnasianos, o poema de Cruz e Sousa traz um tema mais abstrato, mais misterioso, mas espiritualizante. Transcreva palavras que sugerem a atmosfera que funde mistério, sensualidade e melancolia. Leia este poema simbolista do poeta português Camilo Pessanha e responda sobre ele às próximas três questões. CREPUSCULAR Há no ambiente um murmúrio de queixume, De desejos de amor, d'ais comprimidos... Uma ternura esparsa de balidos, Sente-se esmorecer como um perfume. As madressilvas murcham nos silvados E o aroma que exalam pelo espaço, Tem delíquios de gozo e de cansaço, Nervosos, femininos, delicados. Sentem-se espasmos, agonias d'ave, Inapreensíveis, mínimas, serenas... – Tenho entre as mãos as tuas mãos pequenas, O meu olhar no teu olhar suave. As tuas mãos tão brancas d'anemia... Os teus olhos tão meigos de tristeza... – É este enlanguescer da natureza, Este vago sofrer do fim do dia. Vocabulário: balido: voz de ovelha ou cordeiro. esmorecer: desfalecer, desmaiar. delíquio: desfalecimento, desmaio, síncope. enlanguescer: enfraquecimento, esmorecimento. 28 05. Nas duas primeiras estrofes e nos dois primeiros versos da terceira estrofe, percebemos a descrição do entardecer, que não é feita de forma explícita, mas sugerida por meio de imagens de morte, de tristeza e de torpor físico. Transcreva algumas dessas imagens. 06. Misteriosamente, como convém ao poema simbolista, o entardecer aparece não só vinculado a imagens de morte, desfalecimento e tristeza, mas também surgem imagens de afeto e erotismo inseridas na descrição do fim do dia. Transcreva-as. 07. No final da segunda estrofe, o entardecer é associado à figura feminina. Essa imagem é importante para compreendermos o surgimento do interlocutor da terceira e quarta estrofes. a) Quem é esse interlocutor? b) Formule duas hipóteses, com base em trechos do poema, para explicar em que estado físico encontra esse interlocutor. c) Qual a relação entre esse estado físico e o entardecer sugerido nas duas primeiras estrofes? 29 Gabarito dos exercícios de fixação da unidade 02 01. a) Na terceira estrofe. b) Ele deseja que seu poema seja inspirado pelo mistério, para que seja misterioso. 02. “Indefiníveis músicas supremas”, “harmonias da Cor e do Perfume”, “Visões, salmos e cânticos serenos” e “surdinas de órgãos flébeis, soluçantes”. 03. “harmonias da Cor e do Perfume” = fundem-se aqui as percepções auditivas (harmonias), olfativas (perfume) e visuais (cor); “Réquiem do Sol que a Dor da Luz resume” = fundem-se aqui as percepções visuais (luz), auditivas (réquiem) e táteis (dor). 04. mistério: Indefiníveis, Visões, surdinas, sutis, inefáveis, espíritos dispersos; sensualidade: edênicos, volúpicos, soluçantes, trêmulas; melancolia e morte: trêmulas, Réquiem, flébeis, soluçantes. 05. “murmúrio de queixume”, “d'ais comprimidos”, “esmorecer”, “murcham”, “delíquios de cansaço”, “Nervosos”, “espasmos” e “agonias”. 06. “desejos de amor”, “Uma ternura” e “delíquios de gozo”. 07. a) Provavelmente uma mulher, a mulher amada. b) (1) A mulher é doente (“anemia” e “tristeza”) e está morrendo. (2) O poeta e a mulher acabaram de consumar um ato sexual (daí os “espasmos”, o “gozo”, os “desejos”, o “esmorecer” e o “enlanguescer”). c) Tanto o gozo sexual quanto o momento da morte constituem esmorecimentos, desfalecimentos, com que se descreve o entardecer. 30 UNIDADE 03 – PRÉ MODERNISMO – 1902 a 1922 CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: Conhecer o conceito de Pré Modernismo, que não é uma escola literária e sim uma fase de transição para o Modernismo, tendo como principal característica a retratação da problemática social brasileira, resgatando, portanto, o Realismo- Naturalismo e opondo-se à alienação romântica, parnasiana e simbolista. ESTUDANDO E REFLETINDO O início do século XX no Brasil traz profundas mudanças na estrutura do país desencadeadas por importantes acontecimentos históricos do final do século XIX. Em 13 de maio de 1888, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, pondo fim à escravidão no Brasil. Todavia isso gerou graves problemas sociais, visto que as nossas elites, assimilando as teorias deterministas e positivistas, não indenizaram negros e mestiços por séculos de cativeiro, optando por jogá-los na marginalidade e por substituí-los como mão de obra pelos imigrantes europeus, inclusive com a finalidade de apurar a raça brasileira. Disso decorre, no século XX, o início das favelas nas grandes cidades, além de problemas raciais entre imigrantes europeus e a miscigenada população brasileira. Em 15 de novembro de 1889, a República foi proclamada pelo Marechal Deodoro da Fonseca, sucedido pelo ditador Marechal Floriano Peixoto, o marechal de ferro. Portanto a República, que pressupõe um regime democrático, no Brasil, foi implantada como uma ditadura. Em 1894, foi eleito o primeiro presidente civil da história republicana brasileira, o paulista Prudente de Moraes, que enfrentou a sangrenta revolta em Canudos, na Bahia, que foi sufocada pelas tropas republicanas. Seu sucessor, o também paulista Campos Salles deu 31 início em 1898 a República Oligárquica do Café com Leite, alternando o poder entre as elites de São Paulo e Minas Gerais. Embora os civis estivessem no poder e o povo pudesse votar, a democracia não era plena, pois, como o voto era aberto, ocorria o voto de cabresto, por meio do qual o coronel, um grande fazendeiro, utilizava seu poder econômico para garantir, através da violência, a eleição dos candidatos que ele apoiava Contra essas oligarquias, surgiu entre 1925 e 1927 a Coluna Prestes, organizada pelo comunista Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança, que percorreu o Brasil de sul a norte, tentando levantar o povo contra as elites. Entretanto, a coluna só conseguiu enfraquecer a oligarquia do Café com Leite e levar o gaúcho Getúlio Vargas ao poder em 1930, que levou o país a uma nova ditadura em 1937, dando início ao Estado Novo e colocando o Partido Comunista na clandestinidade. É este contexto conturbado que levou um grupo de escritores a se debruçar sobre nossa problemática e abordá-la em suas obras, dando início à literatura pré-modernista em 1902 com a publicação das obras Os Sertões de Euclides da Cunha e Canaã de Graça Aranha. BUSCANDO CONHECIMENTO Os Sertões de Euclides da Cunha e Triste Fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto, pela relevância, serão estudadas mais à frente. Já Canaã de Graça Aranha é um romance de tese que retrata problemas raciais entre imigrantes alemãese mestiços brasileiros. Em seu enredo, Lentz defende a lei da força e Milkau, a lei do amor, vindo a se envolver com a mestiça Maria. Canaã, para Milkau, é uma terra utópica, regida pelo amor, onde todas as raças se confraternizariam. 32 Outro grande representante é Monteiro Lobato, que na literatura para adultos, destacou-se com dois livros de contos Cidades Mortas e Urupês, marcados pela linguagem coloquial e pela oralidade. Em Cidades Mortas retratou a decadência da cafeicultura no Vale do Paraíba (SP). Já no livro Urupês o grande destaque é o artigo Jeca Tatu: uma visão negativa do mestiço sertanejo do interior paulista, visto como um acomodado. “Morreu Peri, incomparável idealização dum homem natural como o sonhava Rousseau, protótipo de tantas perfeições humanas que no romance, ombro a ombro com altos tipos civilizados, a todos sobrelevava em beleza d'alma e corpo. Contrapôs-lhe a cruel etnologia dos sertanistas modernos um selvagem real, feio e brutesco, anguloso e desinteressante, tão incapaz, muscularmente, de arrancar uma palmeira, como incapaz, moralmente, de amar Ceci.(...) Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade! Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca filósofo... Quando comparece às feiras, todo mundo logo advinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher - cocos de tucum ou jissara, guabirobas, bacuparis, maracujás, jataís, pinhões, orquídeas ou artefatos de taquara-poca - peneiras, cestinhas, samburás, tipitis, pios de caçador ou utensílios de madeira mole - gamelas, pilõesinhos, colheres de pau. Nada Mais. Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço - e nisto vai longe.” No entanto, em 1947, Lobato revê seus conceitos e cria o Zé Brasil, uma visão mais positiva do caboclo, retratado como um trabalhador explorado pelos coronéis: “ Zé Brasil era um pobre coitado. Nasceu e sempre viveu em casebres de sapé e barro, desses de chão batido e sem mobília nenhuma – só a mesa encardida, o banco duro, o mocho de três pernas, uns caixões, as cuias... Nem cama tinha. Zé Brasil sempre dormiu em esteiras de tábua. Que mais na casa? A espingardinha, o pote d’água, o caco de sela, o rabo de tatu, a arca, o facão, um santinho na parede. Livros, só folhinhas – para ver as luas e se vai chover ou não, e aquele livrinho do Fontoura com a história do Jeca Tatu. Coitado deste Jeca! dizia Zé Brasil, olhando para aquelas figuras. Tal qual eu. Tudo que ele tinha, eu também tenho. A mesma opilação, a mesma maleita, a mesma miséria e até o mesmo cachorrinho. Pois não é que meu cachorro também se chama Jolí?...(...) 33 Eu era “agregado” na fazenda do Taquaral. O coronel me deu lá uma grota, fiz minha casinha, derrubei mato, plantei milho e feijão. De meias? Sim. Metade para o coronel, metade para mim. Mas isso dá, Zé? Dá para a gente ir morrendo de fome pelo caminho da vida – a gente que trabalha e planta. Para o dono da terra é o melhor negócio do mundo. Ele não faz nada, de nada, de nada. Não fornece nem uma foice, nem um vidrinho de quina para a sezão – mas leva metade da colheita, e metade bem medida – uma metade gorda; a metade que fica com a gente é magra, minguada... E a gente tem de viver com aquilo um ano inteiro, até que chegue tempo de outra colheita. Mas como foi o negócio da fazenda do Taquaral? Eu era “agregado” lá e ia labutando na grota. Certo ano tudo correu bem e as plantações ficaram a maior das belezas. O coronel passou por lá, viu aquilo – e eu não gostei da cara dele. No dia seguinte me “tocou” de suas terras como quem toca um cachorro; colheu as roças para ele e naquela casinha que eu havia feito, botou o Totó Urumbeva. Mas não há uma lei que... Zé Brasil deu uma risada. “Lei... Isso é coisa para os ricos. Para os pobres, a lei é a cadeia e se rezingar um pouquinho é o chanfalho”.(...) Não é assim, Zé. Apareceu um homem que pensa em você, que por causa de você já foi condenado pela lei desses ricos que mandam em tudo – e passou nove anos num cárcere. Quem é esse homem? Luiz Carlos Prestes...(...) O sonho dele é fazer que todos os que trabalham na terra sejam donos de um sítio de bom tamanho, onde vivam felizes, plantando muitas árvores, melhorando as benfeitorias. E todos vivendo sossegados, sem receio de que um Tatuíra os toque e fique com tudo. É só isso o que Prestes e seus companheiros querem.(...) Prestes! Prestes!... Por isso é que há tanta gente que morre por ele. Estou compreendendo agora. É o único homem que quer o nosso bem. O resto, eh, eh, eh! é tudo mais ou menos coronel Tatuíra... 34 Outro representante deste período foi Augusto dos Anjos: poeta de difícil classificação sem a preocupação de retratar a realidade brasileira, tendo escrito um único livro de poesias “Eu”, que apresenta as seguintes características: individualismo que se universaliza, vocabulário científico (Naturalismo), pessimismo (Simbolismo), mas não adere à metafísica; expressão exagerada, escatológica do caos humano (Expressionismo)*, cuidado formal parnasiano. É conhecido como o Poeta da Putrefação da Carne, pois julga o verme superior ao homem. O MORCEGO Meia-noite. Ao meu quarto me recolho. Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede: Na bruta ardência orgânica da sede, Morde-me a goela ígneo e escaldante molho. "Vou mandar levantar outra parede..." - Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho, Circularmente sobre a minha rede! Pego de um pau. Esforços faço. Chego A tocá-lo. Minh’alma se concentra. Que ventre produziu tão feio parto?! A Consciência Humana é este morcego! Por mais que a gente faça, à noite, ele entra Imperceptivelmente em nosso quarto! *O GRITO – Obra de arte expressionista da autoria do pintor norueguês Edvard Munch e simboliza o sentimento de angústia do ser humano 35 UNIDADE 04 – EUCLIDES DA CUNHA: OS SERTÕES CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: Conhecer Euclides da Cunha (1866-1909) escritor, professor, sociólogo, repórter jornalístico e engenheiro, tendo se tornado famoso internacionalmente por sua obra-prima, “Os Sertões”, que retrata a Guerra dos Canudos. ESTUDANDO E REFLETINDO Homem de grande cultura, Euclides da Cunha foi eleito em 1903 para a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras. Sua esposa, mais conhecida como Anna de Assis, tornou-se amante de um jovem tenente, 17 anos mais novo do que ela, chamado Dilermando de Assis. Ainda casada com Euclides, teve dois filhos de Dilermando. A traição de Ana desencadeou uma tragédia em 1909, quando Euclides teria entrado na casa de Dilermando, armado, dizendo-se disposto a matar ou morrer. Dilermando reagiu e matou-o. Foi julgado pela justiça militar e absolvido. Entretanto, até hoje o episódio permanece em discussão. Casou-se com Ana. O casamento durou 15 anos. Os Sertões A obra “O Sertões” não é uma ficção e sim um misto de jornalismo e estudo geopolítico e sociológico sobre a Guerra de Canudos no sertão da Bahia, em linguagem literária, culta e complexa, repleta de antíteses, hipérboles e superlativos, do que resulta a denominação Barroco-Científico. O objetivo desta linguagem é salientar os desequilíbrios que culminaram numa grande tragédia: a guerra. A Guerra de Canudos, iniciada em 1896, foi um dos acontecimentos mais sangrentos da história do Brasil. Durante um ano, o Exército brasileiro enviou quatro expedições contra mais de vinte mil habitantes da região, sertanejos liderados pelo beato Antônio 36 Conselheiro. Os sertanejos se municiavam com armas rústicas para enfrentar soldados que portavam metralhadoras, granadas e canhões. Porém, esses soldados, fortementearmados e numericamente muito superiores aos rebeldes, eram sucessivamente derrotados. Mas qual a origem da guerra? Em 1893, começou a formar-se, no vale do rio Vaza- Barris, no interior da Bahia, uma comunidade de seguidores do beato Antônio Conselheiro. Essa comunidade, próxima à Fazenda Canudos, era conhecida por Belo Monte, cuja população, em 1896, chegava a 15 mil pessoas. A economia baseava-se na criação de animais e em plantações. A produção era dividida entre os habitantes, e o excedente, vendido nas cidades próximas para a obtenção do que não era produzido pela comunidade. Ali, era cada vez maior o número de pessoas que se abrigavam, buscando livrar-se da miséria e da exploração dos grandes latifundiários. Isso incomodou os coronéis, já que começava a faltar mão de obra para os latifundiários, sem falar que a existência de uma organização social autônoma era vista como ameaça aos detentores do poder local. Por outro lado, a religiosidade que unia os sertanejos em torno do Conselheiro era alvo de críticas das autoridades católicas. Além disso, a rebelião de Canudos ocorria em um momento em que a República buscava se firmar. Esse foi um período de muita agitação no país. Chegou-se a pensar que a revolta no sertão da Bahia fosse um levante monarquista e que os sertanejos aglomerados em Canudos estivessem sob manipulação dos interessados em restaurar privilégios da monarquia extinta. O que chamava a atenção era a organização econômica e política de Canudos. Diferentemente do que ocorria em todo o país, na comunidade os bens eram divididos. 37 Não havia uma elite governante. Havia, sim, uma espécie de rei-profeta, Antônio Conselheiro, que prometia a salvação eterna. Como essa comunidade sertaneja passou a ser considerada uma ameaça política, O Estado decidiu extingui-la pela violência, pela guerra. A vitória, arduamente obtida apenas na 4º expedição, foi comemorada pelo governo federal. Aos poucos, no entanto, alguns setores da sociedade começaram a questionar a necessidade de tamanho aparato de guerra contra uma população rústica do interior do país. O questionamento elevou-se à indignação na escrita de Euclides da Cunha. Para denunciar o massacre, o escritor, testemunha dos acontecimentos de Canudos, redigiu o livro Os Sertões, chamando de “crime da nacionalidade” a ação violenta do Estado. BUSCANDO CONHECIMENTO Em 1897, Euclides da Cunha fora enviado pelo jornal O Estado de São Paulo ao interior da Bahia para fazer a cobertura da guerra de Canudos, iniciada em 1896. O que o jornalista presenciou contrariava a ideia de que bandos de fanáticos religiosos e monarquistas tinham se insurgido contra a República proclamada em 15 de novembro de 1889. Euclides assistiu a lutas desiguais, em que tropas fortemente armadas precisaram empreender quatro expedições para dizimarem uma população rústica. Assombrado e indignado com o que presenciara, Euclides da Cunha empenhou-se em denunciar um crime praticado por forças oficiais contra uma coletividade. Com esse propósito, reuniu material para escrever Os Sertões: a campanha de Canudos. O livro foi quase todo redigido em São José do Rio do Pardo, interior de São Paulo, enquanto Euclides, como engenheiro, cuidava da reconstrução de uma ponte metálica. 38 O livro foi publicado em 1902. Pelo rigor com que foi elaborado e pela força expressiva da linguagem, pode ser considerado realização monumental do esforço de conhecimento do país. Até o início da guerra de Canudos, as elites do litoral e do sul desconheciam a realidade vivida pelos sertanejos. O sertão era uma terra abandonada pelas instituições estatais. Por isso, ali se vivia sem lei, sob o domínio dos latifundiários. Ao publicar o livro Os Sertões, o engenheiro militar e jornalista Euclides da Cunha revelou aos leitores urbanos a realidade da seca e, principalmente, do abandono a que a população sertaneja foi relegada durante mais de três séculos. Essa revelação desferia um golpe no ideal de civilização europeia cultivado pelas elites dirigentes, ignorantes da realidade do próprio país. Empenhado em conferir exatidão científica à obra, Euclides da Cunha, influenciado pelo Determinismo, divide Os Sertões em três partes: “A Terra” (meio), “O Homem” (raça) e “A Luta” (momento). A Terra (Meio) Na primeira parte, “A Terra”, Euclides faz um estudo geográfico do sertão. Ele segue os princípios positivistas para descrever minuciosamente o meio sertanejo: a infraestrutura geológica, o relevo, o clima, a flora e a fauna. Como se vê, o autor começa pelo estudo da matéria inorgânica e chega ao das formas de vida. Expõe, como cientista, as causalidades, ou seja, as causas da guerra, salientando o clima, a seca, que causa a miséria, que causa a guerra. O Homem (Raça) Para explicar a psicologia de Antônio Conselheiro e de seus seguidores, Euclides estuda a formação racial da população sertaneja. Um detalhe significativo: a palavra “raça” 39 passou a ser aplicada ao ser humano no século XIX, quando as teorias científicas raciais — ou racistas — foram elaboradas. Para dar consistência científica a suas teses sobre o sertanejo, Euclides da Cunha recorre às teorias que serviram de base a sua formação intelectual e que eram compartilhadas por muitos intelectuais da época. Essas teorias partiam do pressuposto darwiniano de evolução das espécies como resultado da adaptação do mais forte ao meio. Desse modo, o princípio conhecido como “lei do mais forte” foi aplicado ao estudo das relações sociais e serviu como justificativa da dominação e da exploração. A Luta (Momento) Na terceira parte, “A Luta”, são narradas as quatro expedições contra Canudos, seguindo o rigor científico de causa e efeito, salientado na sequência rigorosamente cronológica das expedições. Segundo o autor, tratou-se da luta entre dois Brasis: o litoral civilizado e o interior abandonado pela civilização. O cerco a Canudos durou três meses, com soldados fortemente armados. Após ser bombardeado, o povoado foi invadido e destruído completamente em 5 de outubro de 1897. Os soldados tinham ordens de não fazerem nenhum prisioneiro. Isso quer dizer que todos os habitantes deveriam ser mortos. Sobre o massacre e sobre o heroísmo dos combatentes sertanejos, Euclides da Cunha escreveu: “Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.”(...) 40 UNIDADE 05 – LIMA BARRETO; “TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA”. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: Conhecer a obra de Lima Barreto (1881-1922), que tinha uma temática social, que privilegiava os pobres, os boêmios e os arruinados. Foi severamente criticado por seu estilo despojado e coloquial, que acabou influenciando os escritores modernistas. ESTUDANDO E REFLETINDO Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, filho de João Henriques de Lima Barreto (mulato nascido escravo) e de Amália Augusta (filha de escrava agregada da família Pereira Carvalho). A sua mãe teve acesso ao ensino, sendo professora da 1ª à 4ª séries. Ela faleceu quando ele tinha apenas 6 anos e João Henriques trabalhou muito para sustentar os quatro filhos do casal. João Henriques era monarquista, ligado ao visconde de Ouro Preto, padrinho do futuro escritor. Talvez isso tenha exercido influência sobre sua visão crítica em relação ao regime republicano. Lima Barreto, mulato num Brasil que mal acabara de abolir a escravidão, teve acesso a uma boa educação, mas não chegou a concluir o ensino superior devido à loucura queafligiu o seu pai. Passou, então, a trabalhar como amanuense no Ministério da Guerra e como jornalista. Em 1911 começou a publicação, em formato de folhetim no Jornal do Comércio do Rio de Janeiro, de sua mais importante obra, Triste Fim de Policarpo Quaresma, que anos mais tarde (1915) foi editado como romance, vindo a ser considerado, apenas após a morte do autor, como fundamental do período pré-modernista. Entre os leitores, suas obras alcançaram algum êxito, entretanto sofreu duras críticas de outros escritores da época, que o acusavam de fugir, conscientemente, do padrão formal https://pt.wikipedia.org/wiki/Modernismo_no_Brasil 41 de escrever que à época vigorava. Chamavam-no "relaxado" por utilizar uma linguagem mais coloquial, muito própria de quem militava na imprensa. Daí suas frustradas tentativas de ingressar na Academia Brasileira de Letras. Passou, assim, a militar na imprensa socialista. Sua vida foi atribulada pelo alcoolismo e por internações psiquiátricas, ocorridas durante suas crises severas de depressão - à época era um dos sintomas pertencentes ao diagnóstico de "neurastenia", constante de sua ficha médica - vindo a falecer aos 41 anos de idade. BUSCANDO CONHECIMENTO Triste Fim de Policarpo Quaresma Apresentando narrador onisciente em terceira pessoa, que recorre frequentemente às digressões e ao discurso indireto livre, o enredo, divertido no início, se desdobra no sofrimento patético do incompreendido major Quaresma, uma espécie de Dom Quixote nacional, um visionário, na medida em que, como Quixote de Cervantes, que ainda acreditava nos ideais da decadente cavalaria, Policarpo é um idealista em relação ao Brasil das oligarquias e dos burocratas interessados apenas na exploração da Pátria. Vale lembrar que digressões são comentários em meio à narrativa e que o discurso indireto livre consiste na transposição da fala da personagem para o narrador, ou seja, este fala por aquela, sem verbos de elocução (disse, perguntou, respondeu, etc.) O romance é estruturado em três partes, revelando os três projetos empreendidos por Quaresma: os projetos cultural, econômico e político, findando com o triste fim do protagonista, que, no final, se conscientiza do quanto fora ingênuo em relação à Pátria. Primeira parte – Retrata o projeto cultural de Quaresma em valorizar as coisas do Brasil: a música, o folclore, os hábitos brasileiros. Chega a estudar violão – instrumento de má 42 fama na época, pois era associado a malandros – com Ricardo Coração dos Outros, já que descobre que a modinha, estilo tipicamente brasileiro, era tocada com esse instrumento. Esta personagem foi inspirada num amigo íntimo do autor, o músico Catulo da Paixão Cearense, compositor de Luar do Sertão. O clímax da falta de senso de ridículo do protagonista foi ter mandado à Câmara um requerimento, pedindo o tupi-guarani como língua oficial do Brasil. Como resultado, vira motivo de chacota até na Imprensa. Veja a abertura da petição de Quaresma ao congresso nacional, o que lhe custou a internação num hospício: "Policarpo Quaresma, cidadão brasileiro, funcionário público, certo de que a língua portuguesa é emprestada ao Brasil; certo também de que, por esse fato, o falar e o escrever em geral, sobretudo no campo das letras, se veem na humilhante contingência de sofrer continuamente censuras ásperas dos proprietários da língua; sabendo, além, que, dentro do nosso país, os autores e os escritores, com especialidade os gramáticos, não se entendem no tocante à correção gramatical, vendo-se, diariamente, surgir azedas polêmicas entre os mais profundos estudiosos do nosso idioma - usando do direito que lhe confere a constituição, vem pedir que o congresso nacional decrete o tupi- guarani como língua oficial e nacional do povo brasileiro.” Na segunda parte, após receber alta do hospício, Quaresma compra o Sossego, um sítio no interior do Rio de Janeiro; está decidido a trabalhar na terra. Com sua irmã Adelaide e o preto Anastácio, muda-se para o campo e dá início ao seu projeto econômico: provar que o solo brasileiro é o mais fértil do mundo. Recebe a visita de Ricardo Coração dos Outros e da afilhada Olga, que não vê todo o progresso no campo, alardeado pelo padrinho. Ela nota, sim, muita pobreza e desânimo naquela gente simples. Depois de algum tempo, o projeto agrícola de Quaresma cai por terra, derrotado por três inimigos terríveis. Primeiro, o clientelismo hipócrita dos políticos. Como Policarpo não quis compactuar com uma fraude da política local, passa a ser multado indevidamente. O segundo foi a deficiente estrutura agrária brasileira que lhe impede de vender uma boa safra, sem tomar prejuízo. O terceiro, foi a voracidade dos imbatíveis 43 exércitos de saúvas, que, ferozmente, devoravam sua lavoura e reservas de milho e feijão. Desanimado, estende sua dor à pobre população rural, lamentando o abandono de terras improdutivas e a falta de solidariedade do governo, protetor dos grandes latifundiários do café. Para ele, era necessária uma nova administração. Na terceira parte, Quaresma empreende seu projeto político A Revolta da Armada - insurreição dos marinheiros da esquadra contra o pacto entre Floriano e as elites civis - faz com que Quaresma abandone o campo e, como bom patriota, siga para o Rio de Janeiro. Alistando-se na frente de combate em defesa do Marechal Floriano, seu ídolo, torna-se comandante de um destacamento. Durante a visita de Floriano Peixoto (1839 -1895) ao quartel, que já o conhecia do arsenal, Policarpo fica sabendo que o marechal havia lido seu "projeto agrícola" para a nação. Diante do entusiasmo e observações oníricas do comandante, o Presidente simplesmente responde: "Você Quaresma é um visionário". O protagonista é ferido em combate e passa ao cargo de carcereiro da Ilha das Enxadas, prisão dos marinheiros insurgentes. Numa madrugada é visitado por um emissário do governo que, aleatoriamente, escolhe doze prisioneiros que são levados pela escolta para fuzilamento. Indignado, escreve a Floriano, denunciando esse tipo de atrocidade cometida pelo governo. Acaba sendo preso como traidor e conduzido à Ilha das Cobras. Apesar de tanto empenho e fidelidade, Quaresma é condenado à morte. Preocupado com sua situação, Ricardo busca auxílio nas repartições e com amigos do próprio Quaresma, que nada fazem, pois temem por seus empregos. Mesmo contrariando a vontade e ambição do marido, sua afilhada, Olga, tenta ajudá-lo, buscando o apoio de Floriano, mas nada consegue. A morte será o triste fim de Policarpo Quaresma, que enfim toma consciência de sua 44 ingenuidade. Observe esta tomada de consciência, no fragmento abaixo, por meio do narrador onisciente em 3ª pessoa, que recorre ao discurso indireto livre. Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou- se das suas coisas de tupi, do folk-lore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma! O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções. A pátria que quisera ter era um mito; era um fantasma criado por ele no silêncio do seugabinete. Nem a física, nem a moral, nem a intelectual,nem a política que julgava existir, havia. A que existia de fato, era a do Tenente Antonino, a do doutor Campos, a do homem do Itamarati.” 45 UNIDADE 06 – GRAÇA ARANHA; “CANAÔ E A CONCLUSÃO DO PRÉ MODERNISMO. CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: Verificar a Obra de Graça Aranha “Canaã” e analisar a conclusão do pré- modernismo. ESTUDANDO E REFLETINDO Graça Aranha (1868-1931) nasceu em São Luís, Maranhão, no dia 21 de junho de 1868. Filho de família abastada e culta o que favoreceu e seu desenvolvimento cultural. Estudou na Faculdade de Direito do Recife, na época agitada das ideias de Tobias Barreto. Formou-se em 1886 e mudou-se para o Rio de Janeiro, onde seguiria a carreira de juiz. No mesmo ano da Proclamação da República, 1889, já era magistrado em Campos, estado do Rio. Em 1890, foi nomeado juiz municipal em Porto Cachoeiro, Espirito Santo. A permanência no interior lhe permite recolher material para seu romance "Canaã", publicado em 1902. Em 1897, antes da publicação do romance "Canaã", foi precocemente eleito membro da Academia Brasileira de Letras, no ano de sua fundação. Ocupou a cadeira nº 38, cujo patrono foi Tobias Barreto. Em 1914, após uma conferência sobre "O Espírito Moderno", desliga-se da Academia. Entre 1900 e 1920, como diplomata do Itamarati, desempenhou várias missões diplomáticas na Inglaterra, Itália, Suíça, Noruega, Dinamarca França e Holanda. Em 1920 regressou ao Brasil, convencido de que a literatura brasileira precisava mudar. Passa a integrar o movimento que revolucionou o país, a Semana de Arte Moderna. No dia 13 de fevereiro de 1922, proferiu o discurso inaugural do movimento, "O Espírito Moderno". 46 De personalidade combativa, aderiu em 1930, à Revolução de Outubro, que colocou Getúlio Vargas no poder. José Pereira de Graça Aranha morreu no Rio de Janeiro, no dia 26 de janeiro de 1931. BUSCANDO CONHECIMENTO Tendo sido lançado no mesmo ano de “Os Sertões”, de Euclides da Cunha (1902), poderíamos dizer que “Canaã” é o primeiro romance ideológico brasileiro em que se discute o destino histórico do Brasil. Ao mesmo tempo, “Canaã” representou uma ponte entre as correntes filosóficas e estéticas do final do século XIX (Realismo, Naturalismo, Simbolismo) e a revolução modernista da segunda década do século XX. O polo central de “Canaã” são os debates entre dois colonos alemães que se estabelecem no Espírito Santo: Milkau e Lentz. O romance retrata a vida em uma colônia de imigrantes europeus, no Espírito Santo. Tudo gira em torno de dois personagens imigrantes alemães, com diferentes visões de mundo. Enquanto Milkau acredita na humanidade e pensa encontrar a "terra prometida" (Canaã) no Brasil, Lentz tem dificuldade de se adaptar à realidade brasileira, voltada para a superioridade germânica e para a lei do mais forte. “A lei do amor” x “A lei da força” Podemos ver que Milkau e Lentz representam duas ideologias postas em debate. E o contraste entre o universalismo (Milkau) e o racismo (Lentz), entre a “lei do amor” (Milkau) e a “lei da força” (Lentz). Justamente neste ponto, “Canaã” adquire maior importância para a Literatura Brasileira, pois o romance de confrontação ideológica era inédito entre nós, e antecipou a tomada de consciência dos modernistas. 47 Na verdade, Graça Aranha, com “Canaã”, apresenta tópicos que serão desenvolvidos mais tarde em “A Estética da Vida”, de 1921. O brasileiro terá de vencer o Terror Cósmico, superar o lírico individual e atingir a poesia do cosmos unitário, numa identificação de consciência e universo. Graça Aranha toca, portanto, no ponto vital das discussões do início do século XX: a campanha por uma estética nacional assimilada na consciência universal, Este era o debate do dia-a-dia: a nacionalidade brasileira vista e analisada profundamente, opondo-se ao ufanismo e ao patriotismo superficial. Assim, “Canaã” revela-se uma obra sincrética. Do Realismo encontramos traços na fixação da paisagem humana da colônia, em prosa quase documental, com a simplicidade da vida laboriosa dos imigrantes ou as doenças da burocracia judiciária. Do Simbolismo encontramos a preocupação metafísica, a alegoria retórica, a associação das sensações do momento que faz com que o naturismo ultrapasse a simples observação da realidade. Note-se ainda a presença de mitos folclóricos indígenas e europeus, que ajudam no’ desenvolvimento da ideia de Milkau e na exaltação do Brasil. Conclusão – Identidades e Fronteiras no Pré-Modernismo O psicólogo social Dante Moreira Leite em seu livro O caráter nacional brasileiro: história de uma ideologia, demonstrou que as definições múltiplas e desencontradas da identidade nacional brasileira sempre estiveram de alguma forma comprometidas com as visões dos grupos dominantes a respeito da realidade social do país. As atitudes intelectuais oscilam, por exemplo, entre o nacionalismo idealizante dos escritores românticos e o pessimismo dos realistas, inclusive dos pré-modernistas. Já o crítico Antônio Cândido, em sua “dialética do localismo e do cosmopolitismo”, afirma que: 48 Se fosse possível estabelecer uma lei de evolução da nossa vida espiritual, poderíamos talvez dizer que toda ela se rege pela dialética do localismo e do cosmopolitismo. Pode se chamar dialético a este aspecto porque ele tem realmente consistido numa integração progressiva de experiência literária e espiritual, por meio da tensão entre o dado local (que se apresenta como substância de expressão) e os moldes da tradição europeia (que se apresenta como forma de expressão). Cândido lança a dialética ou contradição da nossa nacionalidade; afinal a fronteira que necessita de uma identidade é o Brasil, que, na substância ou conteúdo é o local, porém a forma é cosmopolita, está além de nossas fronteiras, é a Europa como modelo de civilização. No período pré-modernista, os autores oscilarão entre o espírito romântico e o realista, entre a busca da identidade local, mas sustentada em teorias europeias. Em Canaã, Graça Aranha demonstra uma visão utópica romântica, na fuga alucinante do alemão Milkau e a mestiça Maria para uma Terra Prometida, onde não houvesse racismo. Trata-se de uma alegoria de fuga de teses europeias assimiladas pelas nossas elites, como o Positivismo e o Determinismo. Nesta obra, a identidade nacional não se concretiza, é apenas utópica, pois, se as personagens têm de empreender uma fuga, é porque se dá o predomínio da violência imposta pela lei da força defendida por Lentz, pelas elites e pelas teses europeias. Para finalizar, podemos afirmar que o “Pré-Modernismo” termo dado por Alceu Amoroso para designar um conjunto de autores em que se observa um sincretismo de tendências conservadoras (Realismo, Naturalismo, Parnasianismo, Simbolismo), com tendências renovadoras, que anteciparam a Modernidade. 49 A Boba – Obra de Anita Malfatti Por apresentarem uma obra significativa para uma nova interpretação de realidade brasileira, bem como pelo valor estilístico, limitaremos o Pré-Modernismo ao estudo de Euclides da Cunha, Lima Barreto, Graça Aranha, Monteiro Lobato e Augusto dos Anjos. Assim, abordaremos o período que se inicia em 1902 com a publicação de dois importantes livros – “Os Sertões”, de Euclides da Cunha e “Canaã”, de Graça Aranha – e se estende até o ano de 1922, com a realização da ”Semana da Arte Moderna”. O Pré-modernismo surgiu como uma atitude de denuncia, de documentação e de crítica. 50 UNIDADE 07 - A SEMANA DE ARTE MODERNA CONHECENDO A PROPOSTA DA UNIDADE Objetivo: Esta unidade tem como objetivo estudar a Semana de Arte Moderna como um momento polêmico de ruptura com a mentalidade conservadora
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