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DIREITO DESPORTIVO DISCIPLINAR MILTON JORDÃO Copyrigth © 2013 Milton Jordão Todos os direitos reservados E-mail: mjordao@iddba.com.br | Twitter: @miltonjordao Dedico este livro: Aos meus dois amores, Giovanna e Jane, pela paciência e compreensão para me permitir escrever estas breves linhas. À memória do Mestre Marcílio Krieger, não porque o conhecia; mas por admirá-lo e pela sua influência - mesmo distante e sem de mim saber - na mailto:mjordao@iddba.com.br minha formação no mundo jusdesportivo. Sentimos a sua falta, Mestre! SOBRE O AUTOR O advogado Milton Jordão tão logo iniciou sua jornada profissional pelos caminhos da advocacia criminal, ainda nos idos de 2002, em paralelo também dava seus primeiros passos na Justiça Desportiva da Bahia. Fora nomeado como defensor dativo do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol da Bahia. Atuou por mais de uma década no foro desportivo baiano, não apenas como defensor, mas, como procurador da mesma corte. Foi ali no exercício deste mister, sendo sempre uma dos mais ativos e produtivos, que se apaixonou e aprofundou nos estudos do Direito Desportivo Disciplinar. Em 2009, fundou o Instituto de Direito Desportivo da Bahia com outros jovens advogados também integrantes da Justiça Desportiva, que se revelou como ativa e importante difusora do direito desportivo no Estado e na região Nordeste, especialmente, através do Seminário Nacional Esporte e Justiça Desportiva, um dos mais relevantes eventos da área, que ocorre tradicionalmente em Salvador (BA). Inclusive, exerce sua presidência. O autor é coordenador de obras jurídicas na seara do direito desportivo, destacando-se “Direito Desportivo & Esporte - Temas Selecionados” (Ed. Dois de Julho) e o “Código Brasileiro de Justiça Desportiva - CBJD-Comentários à Resolução CNE 29, de 10/12/2009” (Ed. Juruá). Outrossim, integra o Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Desportivo, sendo, ainda, um constante colaborador. Atualmente, integra os quadros da Procuradoria do Superior Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol e também do Basquete, além de ser mestrando em Direito Desportivo pela Universidade de Lleida (Espanha) e professor convidado do Curso de Extensão, Atualização e Aperfeiçoamento em Direito Desportivo do Futebol do Instituto de Ciências do Futebol da Federação de Futebol do Rio de Janeiro (ICF/FFERJ). Fora do âmbito jusdesportivo, o autor é Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Bahia, bem como do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça (CNPCP/MJ), Professor de Direito Penal e Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador (BA). APRESENTAÇÃO DA OBRA O Direito Desportivo Disciplinar é fascinante. Cativa todos aqueles que militam no foro do Justiça Desportiva. Quiçá, a junção de duas paixões, o direito e o esporte, funciona como combustível a lhe conferir vida tão longa. Além disso, ao seu derredor sempre existiu uma aura de mistérios e mitos, que, pouco a pouco, começam a ser desvendada e esclarecida. A Justiça Desportiva no país se expandiu muito, seja no tamanho dos tribunais esportivos, assim como a sua exposição na mídia, por causa da força notória do esporte (principalmente o futebol). Com o advento e incremento das novas tecnologias da comunicação, as Cortes Desportivas passaram a ser mais conhecidas, os atores que desfilavam conhecimento nos palcos, nas sessões de julgamento - auditores, procuradores e advogados -, a partir disso começaram a se tornar conhecidos e reconhecidos. O que se dizia “caixa de pandora”, já não é mais. Naturalmente, passou a atrair interesse de um maior número de pessoas as teses desenvolvidas ali, o rol de normas que se empregava: o direito desportivo disciplinar. A sedução pelo seu conteúdo é comum a advogados e outras pessoas, mesmo as que não têm formação jurídica. Talvez mirem estes debates com olhar lúdico; porém, acessível, afinal, o esporte é um elo social. Falar de tática, dribles, cortadas, cestas, de um salto ou golpe é próprio tanto do atleta, como do torcedor. Neste contexto, quis trazer para a comunidade jusdesportiva e para os torcedores em geral uma pequena contribuição para a disseminação do debate de temas próprios do Direito Desportivo Disciplinar. O leitor encontrará uma série de artigos sobre casos que ocorreram nos últimos anos e foram objeto da apreciação dos Tribunais Desportivos no Brasil. Trago textos novos tratando de problemas e questão ainda de viva memória, bem como adunei outros que julguei relevantes, não pelo momento vivido no passado ou sua repercussão à época, mas pela matéria ali discutida. O querido leitor rememorará, sob minha ótica e percepção - naturalmente -, casos como o que envolveu o atleta Oscar e decisão do Ministro Caputo Bastos, em sede de habeas corpus, determinando o direito à transferência para o Internacional S.C.; voltará à batalha campal ocorrida no Couto Pereira, em 2009; reviverá a discussão sobre a pena imposta ao zagueiro Bolívar pela dura entrada que lesionou o então atleta do E.C. Bahia Dodô; dentre outros temas de interesse, como dito, dos que lidam com o Direito Desportivo Disciplinar. Com efeito, os militantes da Justiça Desportiva nem sempre tinham à mão farta literatura, como sói ocorrer em outras searas do Direito. Malgrado, diga-se, os autores que nos influenciaram tinham impregnada a excelência, vide Valed Perry, Serrano Neves, João Lyra Filho; mais recentemente, destacaria o inesquecível Marcílio Krieger, sendo sucedido pelo Dr. Paulo Marcos Schmitt. Hodiernamente, saliento que existe uma nova safra e, digo, muito boa safra de autores! Há variedade de abordagens e exploração dos temas que envolvem o Direito Desportivo Disciplinar. Porém, no mundo dos e-books ainda se está engatinhando. Mais uma vez, louvo-me na felicíssima postura de vanguarda do ilustre Paulo Marcos Schmitt, que publicou recentemente suas obras utilizando-se desta novel tecnologia. E, estimulado e encantando, sigo-o, como de estilo, agora, por estas sendas. Movido por anseios de ver o Direito Desportivo Disciplinar florescer mais ainda, convido-o, caro leitor, a entreter-se nesta obra e dela extrair suas reflexões. Oxalá, que dai venham mais e mais debates! Seja bem vindo ao Direito Desportivo Disciplinar, ao mundo da Justiça Desportiva. Cidade do Salvador, Bahia, Abril de 2013. Milton Jordão CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA DESPORTIVA. “O desporto invade as cidades, domina o ar, difunde-se na terra e avança dentro do mar; não é mais uma festa lúdica, um movimento de palestra ou uma vibração de estádio” (João Lyra Filho) 1. INTRODUÇÃO. O presente artigo nasceu de um debate que levei ao Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Brasiliense de Futebol de Salão (TJD/FEBRASA), quando ali se realizou o Momento Cultural Jusdesportivo, concebido e capitaneado pelo Nobre Dr. Joacy Bastos, então presidente daquela Corte Desportiva, sem dúvida alguma, um dos baluartes do Direito Desportivo deste país. Enfrentar a discussão sobre Constituição e Justiça Desportiva é dever constante dos estudiosos do Direito Desportivo. Por isso, nada mais adequado do que trazer este debate para espaço livre e democrático, como essa publicação. Como dizia João Lyra Filho, em 1952, na introdução ao grande livro que escrevera sobre o assunto direito desportivo: A importância que atribuo ao tema DESPORTO não resulta do sentimento, mas da razão que a cultura valoriza. As realidades sociais e históricas são oriundas da obra do espírito humano, sem cuja presença os fatos não têm análise e não merecem confronto. Aos conflitos ou à difusão da cultura interessa o conhecimento daquelas realidades sociais e históricas, tanto mais diretamente quanto mais seja oriundo das manifestações que vêm do CHÃO, ou do povo. A vida institucional do desporto já não pode andar indiferente aos homens que têm o pensamento sobre a vida toda. Através de suas atividades demonstra-se a existência de um direito costumeiro, de pura criação popular,obedecido como aplicação do próprio direito codificado.1 Para melhor expor o assunto, que é denso, dividirei a abordagem em dois momentos: o direito desportivo disciplinar e suas relações com outros ramos do direito; e a coexistência harmônica entre celeridade, a ampla defesa e o contraditório no CBJD2. 2. O DIREITO DESPORTIVO DISCIPLINAR E SUAS RELAÇÕES COM OUTROS RAMOS DO DIREITO. O tema que me proponho discutir a partir deste momento é, ao meu sentir, essencial ao bom andamento da Justiça Desportiva, este relevante braço do Direito Desportivo3. Cediço que este ramo do direito, passa hodiernamente a ser visto como autônomo, uma nova realidade que se descortina diante dos operadores do Direito e requer uma especialização4. Quiçá, no Brasil, o debate em torno da autonomia se deva aos reflexos dos vindouros megaeventos desportivos no país, que passam a exigir profissionais mais conhecedores das interseções entre Esporte e Direito. À guisa de exemplo, veja-se que quando se realizou uma prova de Fórmula 1, no autódromo de Interlagos, em São Paulo, a declaração de um Promotor de Justiça ocasionou debates intensos em programas de televisão e na opinião pública sobre a possibilidade de se aplicar o Estatuto do Torcedor, caso houvesse o chamado “jogo de equipe” por parte do piloto Felipe Massa (ou qualquer outro piloto, naturalmente), visando permitir que o seu companheiro, Fernando Alonso, ganhasse a prova ou posição5. Assim, saliento, que não se pode mais ver o Direito Desportivo como um ramo “retalhado”, cujas partes se encontram no Direito Tributário, Trabalhista, Comercial, Civil, Penal, etc. Talvez, a única exceção seja a Justiça Desportiva, cujos fundamentos jurídicos se encontram em código próprio, concebido pelo Ministério do Esporte. A especialização se impõe, as interseções do direito desportivo com outros ramos merecem ser analisadas com mais rigor e por quem seja capacitado para tanto. Por exemplo, no âmbito da justiça laboral, evidencia-se que o magistrado que desconhece as peculiaridades da atividade de um atleta profissional de futebol e, querendo, aplicar as regras próprias a um trabalhador comum, regido essencialmente pela CLT, produzirá distorções na realidade fático-jurídica. Destarte, deveriam os Tribunais Regionais do Trabalho destinar tais feitos a unidades judiciárias competentes (varas com competência exclusiva) para apreciar tais feitos, onde um magistrado pudesse se especializar no estudo destes casos, ao invés de querer conferir uma isonomia entre relações desiguais. Não sem razão, apesar de se cuidar de competência diversa (no caso penal e civil), observe-se que o legislador ordinário criou o Juizado Especial do Torcedor6. Sem querer me alongar mais, pretendo deixar claro que o Direito Desportivo é autônomo7. Igualmente, tal autonomia legal precisa ser incentivada e ampliada no âmbito do Direito Desportivo Disciplinar (Justiça Desportiva8), o mero reconhecimento constitucional (formal) é insuficiente, sem que seja compreendida e aplicada em sua dimensão material. Além disto, é um segmento que não se socorre noutra legislação, pois existe código próprio, desde muito9. Com efeito, esta legislação desportiva – que em seus primeiros momentos abrigou os direitos trabalhistas dos atletas -, teve nítida inspiração nos regramentos Penal e Civil. Por certo, os seus aplicadores se socorriam dos princípios de direito penal e civil para resolver impasses fruto de lacunas dos códigos. Aqui reside o nosso debate. Este costume dos juristas que integram os Tribunais de Justiça Desportiva é visível ao se proferir um voto, redigir um acórdão, adotar posturas mais ou menos flexíveis, em virtude da sua formação enquanto profissional do direito. Diz-se isso, por exemplo, ao se perceber que um auditor que seja penalista imprime com mais vigor pelo zelo ao processo, à amplitude de defesa e ao contraditório. De igual sorte, pode-se dizer que os processualistas civis serão mais inflexíveis em relação às formalidades do sumário de culpa, não admitindo, por exemplo, uma nova produção de prova, mesmo que seja esta crucial ao deslinde do feito. Em síntese assevero que a Justiça Desportiva abriga em seu seio operadores que atuam nas mais diversas áreas do direito, na sua maioria advogados, e que, por vezes, em momentos em que o código não é deveras claro ou se revela lacunoso, trazem para o julgamento os valores da área em que militam. Quer dizer, os princípios, a técnica, os conceitos conferidos a determinadas expressões, etc. Seguramente, isso enriquece o julgamento do feito, todavia, pode causar dúvidas de como se proceder noutros casos. Ao nosso sentir, mister se imporá aos membros de Tribunais de Justiça Desportiva uma mudança de postura. É necessário que se reconheça o Direito Desportivo Disciplinar enquanto ramo autônomo, portanto, o Código de Justiça Desportivo não poderá sofrer tais influências de matrizes penal, civil, trabalhista, ou de qualquer outro ramo jurídico. O Direito Desportivo Disciplinar é submisso somente à Constituição Federal. A Lei Maior ao conferir autonomia à Justiça Desportiva - aqui encarada como instituição apta a julgar feitos que versem sobre competições e questões disciplinares - alçou o direito desportivo disciplinar ao patamar de igualdade em relação aos demais ramos jurídicos. Por certo, optou o Estado Brasileiro por defini-lo por meio de resolução de um de seus ministérios, e não por Lei Federal. Logicamente, advém o questionamento se o Código Penal (CP) ou Código de Processo Penal (CPP) ou Civil (CPC) não seriam hierarquicamente superiores ao Código de Justiça Desportiva. A princípio, responder-se-ia positivamente a este questionamento. Quando, em verdade, aparentemente, tem-se tal hierarquia. Diz-se isso, pois embora seja inegável que a lei federal, na lógica kelseniana, é superior a uma resolução editada pelo Ministério do Esporte, não se poderá admitir a interferência do Direito Penal ou Civil (ou qualquer outro) sobre o ordenamento jusdesportivo. O que pode se ter é uma ofensa à Constituição Federal. Por exemplo, recordemos da antiga redação do art. 253 (agressões físicas), do CBJD, que instituía pena de suspensão mínima de 120 dias. Evidencia-se uma clara ofensa à proporcionalidade que demanda a Carta Maior quando comparamos que o ilícito penal de lesões corporais leves adotava como pena mínima a privação de liberdade por noventa dias. Assim sendo, o azimute dos Tribunais de Justiça Desportiva não deve ser outro senão a Lei Fundamental, por duas razões: primeiro, porque somente desta maneira o direito desportivo disciplinar efetivará sua autonomia plena; segundo, porque este foi o desejo do legislador constituinte ao consagrar a instituição Justiça Desportiva como autônoma, sendo, posteriormente, seguida pelo legislador ordinário (Lei Pelé e Estatuto do Torcedor). A lei da disciplina desportiva não está submetida a valores inerentes ao direito penal, embora, a ele se assemelhe. A sua dependência é exclusiva da Constituição. D’outro giro, não se poderá admitir sejam incorporadas regras e normas do direito penal, civil, processual penal ou civil, ou qualquer outro que seja, sem que estas regras e normas tenham sido admitidas no Código de Justiça Desportiva ou uma aplicação complementar ou subsidiária tenha sido ali reconhecida. Veja-se, por exemplo, que o CPC é adotado subsidiariamente ao CPP ante lacunas ali existentes, consoante autorização do art. 3° daquele diploma10 e jurisprudência emanada no STF11. Observe-se que, no âmbito do direito desportivo disciplinar, houve um zelo por parte do “legislador” (o Conselho Nacional do Esporte), ao construir no art. 283, CBJD, com a seguinte redação, encerrando em o debate sobre a interpenetração de outros princípios ou valores, normas ou técnicas, que não sejam de natureza constitucional, no que concerne às infrações e penas: Art. 283. Os casos omissos e as lacunas deste Código serão resolvidos com a adoção dos princípios gerais de direito, dos princípios que regem este Código e dasnormas internacionais aceitas em cada modalidade, vedadas, na definição e qualificação de infrações, as decisões por analogia e a aplicação subsidiária de legislação não desportiva. A restrição feita cinge-se, exclusivamente, ao aspecto material do direito desportivo disciplinar, o que, soa como uma autorização para que, quanto ao processo, se admita aplicação subsidiária de outros diplomas. Dir- se-ia que tal inferência não é de toda equivocada, todavia, mister se impõe, num primeiro momento, que as lacunas sejam regidas por princípios gerais de direito em consonância com o rol de princípios definidos no CBJD, sempre tendo como guia maior a Constituição Federal, bem como os interesses de “defesa da disciplina, da moralidade do desporto e espírito esportivo”(art. 282, CBJD). A primeira abordagem entre Constituição e Justiça Desportiva se encerra com a conclusão de que ela não é tributária de outros ramos do direito, ou mesmo, deles dependentes, é autônoma, apesar de, aparentemente, ser considerada hierarquicamente inferior. Contudo, a sobredita inferioridade inexiste, aliás, existe, quando os seus operadores, seja por costumes ou vícios, deixam de dar vazão a tal comando constitucional. 3. A COEXISTÊNCIA HARMÔNICA ENTRE CELERIDADE, A AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO NO CBJD. Um dos pontos de maior relevo do Código, que, saliente-se, por demais demonstra sua estrita e próxima subordinação à Constituição Federal é a maneira inteligente e hábil que se articulou nos seus dispositivos afetos aos procedimentos da ação disciplinar desportiva a coexistência entre celeridade, ampla defesa e contraditório. Por se tratar de ramo das ciências jurídicas que tem natureza sancionatória (enfatize-se, punitiva), mister, portanto, que o processo em que se apura uma falta disciplinar ou burla aos regulamentos seja coberto pelo manto da mais ampla defesa e seja possível exercer o contraditório. D’outro giro, o tempo para o esporte não se mede pela mesma baliza do Direito. O primeiro reclama agilidade, velocidade, rapidez; enquanto, o segundo, se pauta por maior cautela, análise delongada e pormenorizada. Ademais, se voltarmos os olhares para a realidade do Poder Judiciário, por exemplo, veremos litígios sendo resolvidos – com “agilidade” – pelo menos em uns dois ou três anos. Veja-se, como retrato mais atual, o que ocorreu com as Séries C e D do Campeonato Brasileiro de Futebol, quando uma agremiação, o Treze F.C., buscou as vias judiciais seculares para obter direito a disputar a primeira, vez que foi tido como rebaixado. Esta demanda, que ocupou demasiadamente as notícias dos periódicos nacionais, ainda não foi resolvida, entretanto, a Confederação Brasileira de Futebol, que tardou por iniciar os certames, ante a incerteza da resolução do conflito e as constantes reviravoltas ao derredor deste caso12, se viu compelida a inserir tal equipe e dar início aos campeonatos. Definitivamente, o tempo do esporte não é o do direito. Todavia, um não vive sem o outro. O avanço do primeiro como atividade econômica extremamente lucrativa e atrativa, faz como que se imponha cada vez mais a sua regulamentação por viés jurídico. No que pertine ao processo disciplinar, portanto, deve-se meditar sobre forma ideal de equacionar a celeridade inerente ao (e exigida pelo) esporte, sob o manto do Direito. Além disso, convém recordar que a Constituição Federal, em seu artigo 217, estabeleceu que a análise dos casos que impliquem em ofensa à regra disciplinar e burla aos regulamentos de competição deverão ser julgados no âmbito da Justiça Desportiva em até 60 (sessenta) dias, sob pena de vencido este interregno, ultrapassado, pois, este requisito de procedibilidade para que a parte possa buscar a solução perante o Poder Judiciário. Curial asseverar que o legislador desportivo andou bem e soube compreender tais necessidades, por conseguinte, harmonizando deveras estes princípios: ampla defesa, contraditório e celeridade. Mister que se vocifere: o CBJD, após a Resolução 29/2009, aprimorou seus institutos e procedimentos, atendendo sobremaneira aos anseios constitucionais de preservação das mencionadas garantias individuais do cidadão. Veja-se, inicialmente, que os Tribunais Desportivos são compostos por dois órgãos judicantes, uma comissão disciplinar (CD) e um tribunal pleno. Este, na maioria dos casos ali apreciados, funciona como instância de segundo grau, enquanto aquele de primeiro, fazendo valer, portanto, o duplo grau de jurisdição. Porém, o CBJD previu algo a mais, ao se tratar de matéria próprio das Cortes Regionais, existe a possibilidade da parte interessada buscar a reforma do decisum em terceiro grau de jurisdição, perante o Superior Tribunal da modalidade. Outros importante aspecto reside da quase plenitude da oralidade do procedimento, tanto em sede de primeiro grau (CD), como em segundo (pleno). Isso garante às partes maior contato com o julgador, permite-se que as provas seja, inclusive, apresentadas novamente na segunda instância. É, diga-se, um exercício amplíssimo da defesa. Outrossim, o julgamento colegiado se traduz em forma mais justa de apreciar e julgar as matérias ali trazidas, porquanto distribui o poder punitivo, desconcentrando-o da figura do julgador insólito, personagem comum nos foros seculares. É de se ver, igualmente, que a instituição de prazos mais exíguos, para ambas as partes litigantes no processo não implica em restrição ao acesso ao provimento judicante, visto que a decisão em si será proferida em sessão pública, pelos auditores ali presentes. Não se admite, portanto, que as partes se manifestem e o julgador decida noutro momento, em silêncio e sozinho. O novo CBJD retificou, também, a forma de se oferecer notícia de uma infração. Anteriormente, cuidava-se de direito exclusivo da parte legítima para fazê-lo, vinculado a um prazo decadencial (três dias após a ciência da ilicitude). Na hipótese de se operar a decadência, a Procuradoria de Justiça Desportiva, como órgão responsável pelo zelo da preservação das regras jurídicas, se via impossibilitada de apresentar denúncia, porquanto aquele episódio não mais poderia ser conhecido ante a fulminação do direito da parte pela decadência. Na novel redação, extinguiu-se a chamada queixa e se deu vida à notícia de infração que não se limita por prazos – nem mesmo emolumentos, o CBJD neste particular é lacunosos, não veda ou mesmo o fixa -; permitindo, portanto, que a Procuradoria faça a as suas vezes e analise da existência ou não de infração, para se propor o arquivamento ou denúncia, respectivamente. A estrutura idealizada e concebida pelo CBJD dá vazão ao anseio de celeridade processual, porquanto mais simples e objetiva, trazendo para o debate oral, sem desprestígio da forma escrita, das questões levadas à Justiça Desportiva. Aspecto novo trazido no Código e que, ao meu ver, implicou em grande evolução tem-se na possibilidade da Defesa fazer a sustentação oral após seja o voto proferido pelo relator. Entendo que em se tratando de busca da verdade real – este é um dos princípios que regem o CBJD, apesar de implícito -, o momento do julgamento é instante de enfrentamento de idéias, sejam elas favoráveis à defesa ou à acusação. Certo que a aquela é a parte hipossuficiente, afinal, milita, de logo, em seu desfavor a presunção de veracidade da súmula, por exemplo. Destarte, pode se manifestar ciente do voto do relator é uma garantia que somente favorece à própria certeza da decisão que a Corte adotará para o caso concreto. É fazer e dizer o direito sem peias ou amarras, amalgamando objetivos da defesa, da acusação e do próprio julgador; é o embate de teses sendo exposto, com o único objetivo: materializar a melhor justiça. Assim sendo, resta evidente que o CBJD reúne institutos jurídicos e concebe um procedimento que congregam valores de ampla defesa, contraditório e celeridade. Com isso, consegue, enquanto um microssistema jurídico, traduzir de forma qualificada e equilibrada o que pretendeu o legislador constituinte o que até hojenão fez o Poder Judiciário Secular, que a todos fosse permitido o pleno gozo de suas garantias individuais. 4. CONCLUSÃO A Justiça Desportiva tem prestado relevantes serviços ao Brasil, não apenas no âmbito desportivo ao cuidar de inúmeras causas que lhe chegam a conhecimento, de lidar com as paixões, quiçá, também o faça ao demonstrar que é possível se conceber e encontrar caminhos que privilegiem os valores contidos e trazidos na Constituição Federal. Naturalmente, o acerto é precedido por erros, que deverão ser corrigidos, entretanto, para isso, mister se tentar. O debate sobre este tema, o direito desportivo disciplinar, é ainda se perdurará, a mudança de costumes e práticas em prol de uma mais aperfeiçoada Justiça Desportiva é um objetivo que deve ser perseguido por qualquer um que dela faça ou venha fazer parte. Embora não seja um meio de sobrevivência para os seus integrantes (auditores, procuradores e defensores dativo), afinal, as funções ali exercidas são honoríficas, alimenta-se do amor pela causa que lhe devotam os membros das Cortes Desportivas. Apesar disso, mister que estes compreendam que a função ali exercida é vinculada a interesses de matriz constitucional, que cumprem uma missão, fazer valer a Carta Política de 1988 para os cidadãos submetidos à jurisdição do CBJD. NOVA FRONTEIRA DA JUSTIÇA DESPORTIVA APÓS O ESTATUTO DO TORCEDOR O Estatuto do Torcedor (Lei Federal n° 10.671/2003) trouxe uma nova realidade para a vida desportiva nacional. Este diploma legal consagrou direitos que os amantes do esporte tinham, mas que eram costumeiramente desrespeitados porquanto não detalhados em instrumento de lei específico. O direito à transparência das informações (por exemplo: números de pagantes, nome dos árbitros, confecção prévia de tabelas, regras do campeonato, etc.), a cautela com a segurança e conforto do torcedor são evidências de que esta lei é importante para os que praticam o vivem do esporte e, principalmente, para os que amam e o acompanham. Neste ano o Estatuto completará 10 (dez) anos, tempo de vida ideal para um balanço sobre os efeitos na realidade, não obstante o caminho percorrido até aqui nos revela que substanciais alterações (cf. Lei n° 12.299/10). Quiçá, além de tais petrificações de direitos mencionadas, o Estatuto do Torcedor reconhece a Justiça Desportiva como instituição independente (art. 34 e ss.) na aplicação da lei e normas vigentes sobre a matéria versada. Assim, portanto, ratificou-se, por meio desta lei ordinária, o comando constitucional do art. 217, § 1°, CF/88, que, para as questões referentes ao desporto, antes da intervenção do Poder Judiciário - se provocado-, haveria preferência do esgotamento da matéria em sede de justiça desportiva. O Estatuto do Torcedor revigora e dá novo ânimo às Cortes de Justiça Esportivas, impondo-lhes uma nova direção: a autonomia do enfrentamento de questões, seja no âmbito disciplinar desportivo (para atletas, dirigentes, árbitros e integrantes de entidades desportivas) e quanto da sua infra-estrutura (para as entidades). Ao mesmo tempo, a referida lei permitiu, com total razão, ao Ministério Público - na condição de Fiscal da Lei (custos legis) - fosse mais atuante no que concerne às questões de segurança, higiene e alimentação do torcedor nas praças esportivas, fixando sanções na hipótese de violação às obrigações trazidas em lei (art. 37). A já aludida alteração, advinda em 2010, incrementou ainda mais o papel que outorgou ao Parquet, desta feita, criando tipos penais específicos (art. 41-B e ss.). Outrossim, destacou especialmente o Juizado Especial do Torcedor como locus para resolução de conflitos - tanto de natureza penal, como civil-. Com efeito, nasce um questionamento: o zelo e cuidado pelo conforto e segurança do torcedor é atribuição exclusiva do órgão ministerial ou também incumbirá à Justiça Desportiva? Tem-se interpretado restritivamente tal atribuição, como sendo exclusiva do Ministério Público. Veladamente, nega-se qualquer papel proativo da Justiça Desportiva quanto aos preceitos trazidos no Codex do Consumidor de Esporte. A esta se reserva somente o processamento e punições dos tipos descritos no Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), sempre afetos a ofensas disciplinares ocorridas no curso de partidas ou competições. Ou seja, ao Tribunal Desportivo (STJD ou TJD) competiria somente processar e julgar tais questões, principalmente uma vez cometidas. Entrementes, ousamos divergir deste pensamento. Há uma nova realidade para os Tribunais de Justiça Desportiva enfrentarem, a sua atuação vai além de mero processamento e julgamento de questões disciplinares, é, ao nosso sentir, órgão essencial à administração do desporto, tal qual o Poder Judiciário equilibra as forças na vida secular, contendo excesso do Executivo e Legislativo. À Justiça Desportiva cumpre função de regular também os exacerbos perpetrados por entidades de prática desportiva, confederações ou federações, bem como zelar pelos direitos do torcedor no estrito limite que lhe confere do CBJD. A garantia de autonomia exige novo azimute, mais próximo da realidade, o chamado “tapetão” deve se abrir à sociedade, sendo sua parceira na mantença da lisura e correição no esporte. De fato, porquanto sempre esteve atrelada às entidades que organizam o futebol e outros esportes, os Tribunais Desportivos (STJD ou TJD) se acostumaram a não buscar novas fronteiras, satisfazendo-se, (quase) unicamente, na apreciação de querelas no âmbito disciplinar das partidas realizadas. Por seu turno, a edição do Estatuto do Torcedor e sua recentes alterações impõe mudanças a este quadro de inércia, demanda destes órgãos judicantes ações proativas, não somente na boa conservação da disciplina, e sim, na proteção dos interesses do torcedor - ainda que não seja este o foco central de seu mister -, através da vigilância e fiscalização da organização do esporte como um todo, sem prejuízo, naturalmente, de ter ao lado o Ministério Público (ou de estar ao seu lado). Logicamente, dentro da estrutura trazida pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (art. 21), este papel caberá à Procuradoria de Justiça Desportiva, que é o órgão fiscalizador do cumprimento das leis e regras do desporto. Por conseguinte, se incumbe ao custos legis desportivo, havendo ofensas às mesmas, deflagrar a competente ação disciplinar desportiva ou requerer instauração de Inquérito, caberá ao STJD ou TJD o conhecimento da causa. Com efeito, deve ser reconhecido que a lei multicitada não faz, nem estabelece, hierarquia entre o Ministério Público Estadual ou as Cortes Desportivas, afinal, cuidam-se de instâncias distintas. Portanto, tem-se que ambos são legitimados a enfrentar tais questões, cada um se valendo das normas jurídicas que limitam sua atuação. Nesta toada, tem-se nos artigos 211 e 213, ambos do CBJD, como exemplos de tipos que versam também sobre a segurança e conforto do torcedor, permitindo, enfim, que as Procuradorias se incumbam de atuar na prevenção de tais de ofensas aos valores deduzidos na Lei n° 10.671/2003, denunciando as entidades desportivas organizadoras do evento para que a Corte Desportiva se manifeste. Pensa-se, de lege ferenda, que o dever da Procuradoria não seria somente de promover a persecução no âmbito desportivo somente quando os fatos proibidos vêm à tona, se materializam. Parecia justo e adequado ao ordenamento jurídico específico que uma atuação fiscalizando o cumprimento de tais regras é ínsita aos deveres institucionais deste órgão, como conseqüência, do próprio STJD ou TJD. Assim, portanto, deve a Justiça Desportiva, ante a existência de previsão legal de tipos que cuidam da proteção da segurança e conforto do torcedor, atuar diligentemente, por meio da sua Procuradoria, no sentido de zelar pelos valores concebidos e trazidos no Estatuto do Torcedor. Não será necessário que se aguarde ocorrência de infração disciplinar; porém, a adoção de medidas preventivas – apesar destas não haverem sido explicitamente declinadasno CBJD – soam como avanço em prol da construção de um ambiente mais seguro e confortável para o torcedor nas praças desportivas. A JUSTIÇA DESPORTIVA E O COMBATE À VIOLÊNCIA NOS ESTÁDIOS. O Campeonato Brasileiro de 2009, definitivamente, foi coroado de êxito, à época ainda pairava dúvidas e questionamentos sobre o modelo de pontos corridos. Malgrado o futebol apresentado pelas agremiações não tenha sido um esplendor, que nos tenha feito crer ser a competição de maior nível técnico do mundo. Repise-se, no entanto, que se consagrou a fórmula acolhida desde 2003 e o certame se revelou como um dos mais emocionantes, sendo decidido por meros detalhes, tendo muitos times aptos a erguer a taça até a última rodada. Apesar disto, na última rodada, numa tarde de domingo em que torcedores do C. R. Flamengo fizeram a festa, fora exposta às câmeras de televisão uma deplorável realidade: a violência nos estádios de futebol. Este, sem dúvida, é um assunto que ocupa pautas e pautas de jornais, programação de seminários e congressos, e, ainda assim, parece distante a sua resolução. A batalha que teve como palco o gramado do Estádio Couto Pereira, do Coritiba, deve, neste tão peculiar momento vivido pelo Brasil ante a proximidade da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, deve ainda servir de alerta. Afinal, saliente-se, não obstante os claros avanços no combate à violência dentro dos estádios e vulnerações das regras de civilidade que devem seguir os torcedores, o cenário é de incerteza. Convém rememorar que os torcedores do Coritiba, quando confirmado o descenso em campo de jogo, invadiram-no, promovendo uma arruaça tremenda, que somente não teve resultado mais grave em virtude da atuação diligente e brava da Polícia Militar. Não é crível, quiçá aceitável, que torcedores tenham tamanhas facilidades para ingressar no campo de jogo e fazer dali uma praça de guerra, acuando policiais, seguranças, árbitros e jogadores. Naturalmente, o Coritiba sofreu as duras sanções pelos fatos desairosos perpetrados por seus torcedores13. No entanto, deve-se perceber que houve uma falha generalizada, ao meu sentir, principalmente, do planejamento de segurança. O que se deve apreender deste lamentável episódio? A bem da verdade, a violência nos estádio não é somente caso de polícia. Importa igualmente aos clubes de futebol, às federações e à Justiça Desportiva. Entretanto, não há uma consciência destes três atores se unirem ao Poder Público (Judiciário, Ministério Público e Polícias) para alcançar este fim. Refiro-me a uma maior colaboração e comunhão de esforços. A mera criação de leis penais mais severas não significa solução deste mal que nos assombra. Atualmente, muitas experiências têm se manifestado Brasil a fora, algumas com notáveis resultados e outras inócuas. Não ouso dizer na totalidade, mas, em sua imensa maioria, os trabalhos de combate à violência em praças desportivas não contempla como um dos atores deste processo a Justiça Desportiva. É comum somente se contar com a entidade organizadora (por exemplo: CBF ou Federações estaduais), clubes (os envolvidos em jogos mais preocupantes) e o Poder Público. No artigo anterior expus a tese de que, com o advento do Estatuto do Torcedor, a Justiça Desportiva deveria se mostrar mais preventiva e atenta para uma gama de direitos, especialmente, aqueles afetos ao torcedor (v.g.: segurança e infra-estrutura de estádios). O Código Brasileiro de Justiça Desportiva instituiu como um dos deveres dos membros da Procuradoria de Justiça a fiscalização dos seus preceitos. Assim sendo, não deve a Justiça Desportiva ser provocada somente quando fatos típicos se materializem, deixando para os demais órgãos a dura missão de zelar pelo cumprimento das leis. Todavia, deve este órgão desportivo se fazer mais presente no dia-a- dia do futebol. Deve-se reclamar o espaço que a Lei Federal n. 10.671/03 conferiu à Justiça Desportiva e não somente deixá-las para apreciar expulsões ou atrasos de partidas. Como bem pontua Dr. Paulo Marcos Schmitt, eminente Procurador Geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, a Procuradoria de Justiça Desportiva é órgão simétrico ao Ministério Público, no âmbito da Justiça comum14. Portanto, a defesa da ordem jurídica, que é sua obrigação, deve ser exercitada de maneira preventiva, evitando-se prática de ilicitudes. Necessita-se de uma Justiça Desportiva mais proativa e próxima. Logicamente, que a proposição aqui feita forçará um câmbio na mentalidade de muitos dos seus operadores (salvo honrosas exceções que já compartilham tais ideais), outras conseqüências advirão deste câmbio copérnico - de uma Justiça Desportiva que só julga o que vê na súmula (ou nos tapes das partidas, é claro) para se mostrar vigilante e atuar de maneira preventiva. Este crescimento é inevitável e urge ser mais presente à medida que a estrutura em torno do futebol aumenta dia após dia15. D’outra banda, a Copa do Mundo de 2014 é uma realidade para o Brasil e precisará ser muito bem executada. Para tanto, todos os que, de uma forma ou de outra, trabalham no futebol, precisam estar mais atentos a fatos como a batalha do Couto Pereira, buscando evitar a sua reprodução. Além disso, existe uma lei que garante aos torcedores segurança em praças desportivas, que precisa ser imediatamente cumprida em sua plenitude. Não quero aqui dizer que a participação da Procuradoria do STJD em reuniões prévias de organização do citado evento esportivo teria sido o suficiente a evitar aquele triste episódio, porém, a sua participação preventiva seria deveras útil para conscientizar e forçar o clube ou a federação de futebol a pensar com maior rigor e cautela quando da organização do certame. Cediço recordar que o CBJD impõe obrigações de caráter administrativo tanto a um como ao outro. Penso que necessitamos enfrentar a violência nos estádios com todas as armas que existirem, e, nesse particular, tem a Justiça Desportiva legitimidade e autoridade de se impor e ser guardiã dos direitos e garantias dos torcedores, compelindo entidades que administram o desporto e clubes, quando estes divergirem dos termos da Lei, a se enquadrar e cumprir fielmente os seus dispositivos16. Voltando os olhos para a batalha do Couto Pereira, foram justa a sanções impostas ao Coritiba, afinal, foi responsável objetivamente segundo o Direito e as ofensas ao CBJD se revelaram incontestes e sérias. Mas, deve ser dito que a culpa pelo ocorrido não é exclusivamente sua. Por certo, houve erro no planejamento e execução do evento, isso é fato inequívoco. Apesar disso, espero que não estejamos de diante de mais um factóide que sirva como oportunidade para criação de mais crimes ou amaldiçoar o clube paranaense ou ter seus torcedores como violentos. Em síntese, vi e ainda vejo neste episódio a oportunidade de se rever a forma como as autoridades - desportivas ou não - pretendem resolver este doloroso dilema. Não há outra saída, senão o debate prévio de medidas preventivas mais firmes, a divisão de responsabilidades, principalmente, convocando para ser um dos atores principais a Justiça Desportiva. E, ao revés do vê-se hoje, lançar a culpa nos ombros do clube de futebol. “MALA BRANCA” É CRIME? - ASPECTOS PENAIS E JUSDESPORTIVOS. INTRODUÇÃO: A “MALA BRANCA” NO FUTEBOL BRASILEIRO. O futebol brasileiro é repleto de polêmicas, que nascem em jogadas no campo e, quiçá principalmente, fora dele. Impossível deixar de tecer breves linhas sofre o interessante fenômeno da “mala branca”, que sempre ronda as derradeiras rodadas dos campeonatos. Inicialmente, convém delimitar o que se entende, no jargão do futebolês, como sendo esta ocorrência. Tem-se por “mala branca” o incentivo financeiro oferecido por terceiros interessados na vitória de alguma agremiação que não aspira maiores resultados na competição. Geralmente, estes terceiros são clubes que ainda pelejam, no caso do Campeonato Brasileiro, por uma vaga para a Copa Libertadores da América, para não ser rebaixado para a Série B ou, ainda, pelo própriotítulo nacional. Esta realidade, apelidada de doping financeiro, ocupa a pauta de redações de jornais, rádios e televisão, sendo constante objeto de debate. E, hoje, é tida como usual e comum no futebol, aliás, uma práxis antiga. Em entrevista ao portal Globo Esporte, o Rei do Futebol, Pelé, asseverou: o que o pessoal confunde é de você ter um prêmio para ganhar uma partida, isso sim. É como você dá um incentivo para o aluno tirar uma nota boa. É diferente de você oferecer dinheiro para entregar o jogo, isso é um absurdo17. Merece destaque que a dita “mala branca” tem como o escopo incentivar uma agremiação a obter um resultado positivo, uma vitória ou um empate, nunca uma derrota. As relações ocorrem entre uma das equipes envolvidas na partida e terceiros que se beneficiarão com o resultado. Não se admite como tal, a hipótese em que se paga para a equipe perder o jogo18. Porque a “mala branca” floresce no futebol brasileiro? Poder-se-ia responder esta questão por meio de justificativas que, também, circulam na própria mídia: a falta de pagamento de salários, uma chance de ganhar um pouco mais no final da temporada, etc. Todavia, a resposta a questão nos foi dada pelo ex-presidente do Fluminense, Roberto Horcades, de forma oblíqua: acho que o futebol brasileiro chegou em um estado de profissionalização que não permite mais esse tipo de situação de mala branca ou preta. O Fluminense repudia e sempre repudiou na sua história e preza pelo bom comprometimento técnico das competições19. Embora não tenha ele dito que falta profissionalismo por partes dos clubes que utilizam deste expediente, depreende-se de sua afirmação esta conclusão. Não se pretende aqui investigar as razões pelas quais ainda o futebol brasileiro admite e convive com este incentivo financeiro, apesar de não ser possível deixar de falar rapidamente sobre isso. O objeto do debate é avaliar a sua manifestação à luz da novel modificação no Estatuto do Torcedor, especialmente, se haveria subsunção deste tipo de conduta às normas penais incriminadoras ali existentes. Por oportuno, adentrar também no CBJD e avaliar se não se trataria de infração disciplinar. 1 – ASPECTOS JURÍDICOS-PENAIS. Com o advento da Lei n° 12.299/10, o Estatuto do Torcedor sofreu consideráveis alterações, sendo criado um capítulo exclusivo para abrigar seis crimes, três tratam de alteração ou falseamento da competição esportiva. Ei- los: Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. Art. 41-D. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição desportiva: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa. Art. 41-E. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa Cediço que o bem jurídico protegido é a ética e a moralidade das relações esportivas. Protegem-se tais valores por meio do direito penal porque o prejudicado com a ofensa a tais feridas é o consumidor de eventos esportivos, o torcedor nos termos do Estatuto. Veja-se, ainda, que somente existirá o tipo penal se as condutas descritas ocorrerem em certames profissionais (art. 43). Força convir que a descrição típica do art. 41-C demanda que a solicitação ou aceite de vantagem (patrimonial ou não) tenha como escopo alterar ou falsear o resultado de uma partida ou prova. Este tipo se destina aos árbitros dos certames ou quem tenha condição de exercer os verbos-núcleo do tipo. Como a alteração ou falseamento de um resultado é conduta inerente a quem o fiscaliza, seja anotando a súmula ou aferindo os resultados produzidos na partida ou prova, vê-se, então, que este crime é considerado como próprio. Por exemplo, se um fiscal de prova insere na súmula que um atleta após saltar obteve resultado menor do que de fato se constatou in loco. No Brasil, este tipo penal nasceu em virtude do escândalo ocorrido no Campeonato Brasileiro de 2005 (Máfia do Apito20), quando o árbitro Edilson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon teriam atuado em diversas partidas com o escopo de alterar o resultado, influindo consideravelmente marcado penalidades ou faltas perigosas para atingir sua meta. O artigo seguinte é próprio àquele que deu ou prometeu dar vantagem (patrimonial ou não), portanto, seria aqui imputado o responsável pela “contratação do árbitro” ou daquele que alterou ou falseou o resultado. Portanto, está exclusivamente atrelado ao tipo penal comentado anteriormente. O tipo penal descrito no art. 41-E pode ser compreendido em conduta a ser praticada por um atleta, não sem razão, o Dr. Paulo Castilho o citou quando da realização do Grande Prêmio de Fórmula 1 em 2010, no autódromo de Interlagos, em São Paulo, fazendo referência ao chamado “jogo de equipe”, dizendo que se o piloto Felipe Massa permitisse que o seu companheiro, Fernando Alonso, o ultrapassasse para ganhar a prova, incorreria na comissão delitiva acima declinada21. No pretendo aqui incursionar no mérito desta questão – apesar de discordar da avaliação do festejado promotor de justiça -, pois o centro do debate reside sobre a “mala branca”. O que constituiria o tipo penal em comento? Fraudar significa se valer de artifício22 ou ardil23 ou outro meio24 para enganar alguém, no caso a vítima. Este “alguém” é o torcedor, aquele que adquiriu ingresso para ver uma partida em que as equipes atuem em campo enlevadas por motivos nobres, inerentes à prática do desporto, qual seja, a obtenção de um resultado positivo. Na hipótese do incentivo financeiro de terceiros para que se vença um jogo é difícil a sua subsunção ao tipo penal do art. 41-E, pois a vitória num certame é a meta de qualquer equipe. Fraudar seria se a equipe, ou alguns de seus componentes, adentrasse o gramado com o objetivo nítido e definido de perder a partida. Caso se deseje punir a “mala branca” teríamos também que punir os próprios dirigentes das equipes que prometem e pagam o famoso “bicho”25. 2 – ASPECTOS JUSDESPORTIVOS. D’outro giro, na seara do Direito Desportivo Disciplinar, igualmente não se pode subsumir esta conduta às normas hoje vigentes. No capítulo V, Livro III (Infrações em espécie), do CBJD, se encontram as normas disciplinares que protegem o bem jurídico ética desportiva. Entre elas duas se destacam como mais próximas de compreender a manifestação humana aqui debatida, ei-las: Art. 243. Atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à equipe que defende. PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias. § 1º Se a infração for cometida mediante pagamento ou promessa de qualquer vantagem, a pena será de suspensão de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias e eliminação no caso de reincidência, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). § 2º O autor da promessa ou da vantagem será punido com pena de eliminação, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). Art. 243-A. Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente. PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de seis a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação. Parágrafo único. Se do procedimento atingir-se o resultado pretendido, o órgão judicante poderá anular a partida, prova ou equivalente, e as penas serão de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem milreais), e suspensão de doze a vinte e quatro partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação. Novamente, colhe-se que a redação legal, tal qual no Estatuto, revela-se insuficiente para compreender o incentivo financeiro para que uma equipe ganhe uma partida. O primeiro tipo disciplinar demanda que os atletas atuem com de modo prejudicial à equipe, leia-se, perder o jogo intencionalmente ou ceder empate quando esteja ganhando, por exemplo. O art. 243-A, aparentemente, resolve a questão, ao fixar ser proibido atuar com o fim de influenciar o resultado da partida, de maneira contrária à ética desportiva. Esta redação pode, num primeiro instante, nos fazer crer que a “mala branca”, finalmente, tenha sido tipificada. Todavia, é postulado comezinho da ética desportiva a atuação com o objetivo de vencer, respeitando o chamado fair play26. Assim, como punir aquele que deseja vencer, ainda que movido por interesses financeiros? Afinal, não se pode negar que, atualmente, o atleta é um profissional e vive do seu esforço pessoal para ganhar a vida. É uma tarefa árdua conjugar o interesse econômico com os valores éticos desportivos. E, neste particular, o doping financeiro afronta somente a pura moral e não as regras jurídicas, vez que não há fraude ao resultado do jogo. A se considerar que o aceite deste incentivo sirva como móvel será contraditório admitir-se como normal o ganho de bichos ou premiações de artilheiro ou de melhor jogador oferecidas aos atletas, seja pelo clube em que atuam ou entidades organizadoras do esporte. Seria, portanto, ofensa à ética esportiva querer ser o artilheiro, independente dos resultados da equipe? Esta é uma questão que também viria à tona, dentre outras que surgiriam, caso a interpretação do art. 243-A, do CBJD, fosse estendida às raias do extremo subjetivismo. 3 – CONCLUSÃO. Ante o exposto, evidencia-se, portanto, que a tão decantada “mala branca” é apenas um ato imoral, à luz de uma ética pura do esporte e também dentro da perspectiva do profissionalismo que este assume como business. Ainda assim, algumas vozes hão de surgir em sentido contrário. De fato e respondendo a questão que serve de título: tem-se que “mala branca” não é crime, nem mesmo infração disciplinar. Convém assinalar que o STJD conheceu e julgou recurso oriundo do TJD/BA, e findou por reconhecer a existência da “mala branca”, por maioria, como hipótese prevista no art. 243 ao revés do 243-A. Quiçá, poder-se-ia intuir que o debate se solucionaria através deste precedente. Todavia, se cuidava de outra composição do Tribunal e o julgado foi objeto de intenso debate, sendo ali ventilada teses absolutória (similar à que me filio) e condenatórias (tanto um tipo disciplinar, como pelo outro). CASO DODÔ: ACERTO NO PRESENTE, PRUDÊNCIA PARA O FUTURO. INTRODUÇÃO. O campeonato nacional de futebol é repleto de emoções. A cada rodada surgem novos candidatos ao título, as posições alteram na zona do descenso e se ampliam os pretendentes por vagas nas Copas Libertadores de América e Sul Americana. Entretanto, assim como estas empolgantes novas situações de caráter esportivo, advêm hipóteses que reclamam do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) adoção de posicionamento firme e conciso para a sua solução. O denominado “Caso Dodô” é mais um destes episódios da crônica forense desportiva, mas, ao que nos parece, trouxe e trará a lume um debate relevantíssimo sobre o afastamento de atleta condenado até que a sua vítima retorne ao treinamento. Exige-se que o STJD defina linha de jurisprudência sobre a matéria, que, embora, não seja inédita27, ganhou imensa repercussão na mídia esportiva e no mundo jurídico-desportivo. 1. O CASO DODÔ: ASPECTOS FÁTICOS. No certame nacional de 2011, em sua reta final, um lance ocorrido no jogo entre S.C. Internacional e E.C. Bahia28, envolvendo dois atletas – o lateral esquerdo do tricolor baiano, Dodô, e o zagueiro colorado, Bolívar- conseguiu atrair os olhares e atenção de toda a comunidade esportiva. Em suma, o zagueiro da scracht gaúcho deu uma entrada muito vigorosa (na ótica da CDN do STJD, conforme se exporá a seguir, violenta), que ocasionou a saída compulsória de campo do lateral do time baiano devido a uma contusão. Mais tarde, alguns dias após, constatou-se um rompimento dos ligamentos cruzados do jovem atleta de futebol, impondo- lhe afastamento dos gramados, pelo menos, por quatro meses. Este episódio se deu no interior da grande área do Internacional e o árbitro unicamente aplicou o cartão amarelo ao jogador colorado, sequer assinalou a penalidade máxima, interpretando o lance como jogada perigosa. Cediço que as lentes das inúmeras câmeras são hoje os maiores “inimigos” do árbitro e, neste caso, não foi diferente. O lance visto e revisto pelos mais diversos ângulos denunciou que o árbitro errou e que o atleta do Internacional atou em desconformidade com o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD). A Procuradoria do STJD, com arrimo na prova de vídeo, levou Bolívar às barras da Justiça Desportiva, denunciando-o pela prática de jogada violenta (art. 254, CBJD), requerendo, além das sanções cominadas no tipo em tela, o seu afastamento até que o atleta vitimado retorne aos treinamentos, a teor do § 3°, do art. 254, CBJD. O Tribunal, por meio da Primeira Comissão Disciplinar, acolheu a unanimidade a voto do relator, Dr. Diego Mendes Echebarrena, entendendo que o atleta teria cometido o referido tipo e aplicou o disposto no supracitado parágrafo. Inúmeras foram as manifestações sobre este julgamento. Majoritariamente, especialmente entre torcedores e meios de imprensa, aprovando, principalmente, o afastamento do atleta. Por se turno, nos meios especializados do direito desportivo, suscitou-se mais dúvidas sobre os desdobramentos e o que implicava tal decisum, por exemplo, se debatendo a própria constitucionalidade do art. 254, § 3°, do CBJD. São estas questões que se passa a enfrentar. 2. O TIPO DE JOGADA VIOLENTA E AFASTAMENTO DO ATLETA CONDENADO ATÉ A RECUPERAÇÃO DO LESIONADO. O novel tipo disciplinar jogada violenta foi substancialmente alterado através da reforma no Código que foi publicada em 31 de dezembro de 2009, passando a vigorar como a seguinte redação: Art. 254. Praticar jogada violenta: PENA: suspensão de uma a seis partidas, provas ou equivalentes. § 1º Constituem exemplos da infração prevista neste artigo, sem prejuízo de outros: (AC). I - qualquer ação cujo emprego da força seja incompatível com o padrão razoavelmente esperado para a respectiva modalidade; (AC). II - a atuação temerária ou imprudente na disputa da jogada, ainda que sem a intenção de causar dano ao adversário. (AC) § 2º É facultado ao órgão judicante substituir a pena de suspensão pela de advertência se a infração for de pequena gravidade. (AC). § 3º Na hipótese de o atingido permanecer impossibilitado de praticar a modalidade em conseqüência de jogada violenta grave, o infrator poderá continuar suspenso até que o atingido esteja apto a retornar ao treinamento, respeitado o prazo máximo de cento e oitenta dias. (AC). § 4º A informação do retorno do atingido ao treinamento dar-se- á mediante comunicação ao órgão judicante (STJD ou TJD) pela entidade de prática desportiva à qual o atingido estiver vinculado. (AC) A mudança da sanção imposta (suspensão por jogos) foi a alteração mais comentada. No entanto, a inserção do afastamento do atleta agressor até o regresso da vítima de sua conduta aos treinamentos tenha sido a mais relevante, embora, até então, por raras vezes aplicado. Antes de se seguir com a análise deste artigo, reclama-se fazer uma pequena digressão histórica para melhor conhecer a matéria. Alguns temas trazidos à baila remetem a um debate que existiu no âmbitodo Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol da Bahia, quando a pena da agressão física tinha como mínimo o prazo de 120 dias (redação do antigo art. 25329, CBJD). Em virtude da excessiva e desproporcional pena mínima, havia, por vezes, um mal-estar em impor condenações sob o manto de agressões físicas, principalmente quando consideradas a inexistência de maiores repercussões da conduta. Imagina-se que noutras Cortes Desportivas também os julgadores nutriam o mesmo sentimento em aplicar esta sanção, repise-se, especialmente, quando se tratava de condutas que provocaram quase (ou nenhuma) repercussão visível. Não eram poucas as desclassificações de agressões para ato hostil, ou até mesmo para jogada violenta30. Discutia-se à época que tal disposição era inconstitucional, porquanto malferia a proporcionalidade31 entre ação/resultado, bem como seria abuso ao direito do livre exercício constitucional. A suspensão desportiva era superior à pena mínima imposta ao delito de lesões corporais (art. 129, CP), o que servia de fundamento a mais neste debate sobre a constitucionalidade da mencionada pena do então vigente CBJD. A angústia grassava, afinal, aqueles que militam nos Tribunais de Justiça Desportiva dos Estados, distantes do grande palco e das luzes, viam atletas não profissionais ou adolescentes serem suspensos por um tapa ou uma frágil descrição do árbitro de teria ocorrido uma agressão – nutre-se a suspeita (quase certeza) de que nem sempre o fato (agressão) chegou a existir. Sabe-se que a norma (refere-se à penal, que tem natureza análoga à disciplinar) deve ser abstrata e genérica, para poder o maior número de pessoas e evitar o excesso de especificidades. E o CBJD tem como guia o desporto profissional, especialmente o futebol. Esquece-se que a grande parte dos seus praticantes – profissionais ou não profissionais – não estão entre os 20 maiores clubes do país. Assim, as penas deveriam pensadas como abrangentes a todo e qualquer atleta e não somente para os fatos que chamam mais a atenção, como aqueles ocorridos no âmbito no futebol profissional. Não sem razão o CBJD, neste particular, foi alterado, inserindo a punição por jogos e corrigindo aquela aberração. A inserção deste parágrafo obrigando o condenado a somente retomar o exercício profissional após o retorno do atleta adversário é noviça para o tipo de jogada violenta, não havia na redação anterior, nem no quase esquecido CBDF32. Exista na antiga redação do CBJD a hipótese do art. 253, § 2º, onde, se a lesão fosse grave e o atleta ficasse impossibilitado de retomar suas atividades normais, o atleta agressor poderia ser afastado até o seu pronto regresso, respeitando-se o limite de 720 dias. O novel legislador aproveitou este dispositivo e o inseriu na redação da jogada violenta, reduzindo significativamente o prazo limite para 180 dias. Ou seja, por força do próprio CBJD o afastamento do atleta condenado só poderá ser mantido até o citado limite. Sinceramente, entende-se que existe suporte para se impor limitação ao exercício profissional, sem que isso signifique ofensa à Constituição Federal. O CBJD é o diploma legal que regulamenta as condutas no âmbito do esporte é ele quem diz o que é permitido ou proibido. Quer dizer, define os limites deste exercício profissional. Nesse sentido, socorremo-nos na preciosa lição extraída do voto do e. Auditor do STJD, Dr. Paulo Bracks, nos autos do Processo n° 35/2010: “Em analogia ao crime de lesão corporal do Código Penal, insculpido no art. 129, faço a análise da reprimenda que entendo justa. Não estou, absolutamente, equiparando o denunciado a um criminoso ou sua conduta a tanto, apenas faço a analogia para melhor adequação da sanção. Afinal, o que ocorreu no caso do Willian foi, de forma literal, uma lesão corporal, mas advinda de um exercício regular de direito – prática de futebol profissional.” Outrossim, traz as sanções que se devem impor nos casos em que houver burla às suas regras. Naturalmente, não se está a impedir que o atleta exerça seu mister, está a se impedir que o atleta de exerceu mal o seu mister possa prontamente retornar tranqüilamente a exercê-lo. Para isso, o legislador construiu um arcabouço jurídico como meio de efetivar a ampla defesa e o contraditório. E diz-se mais, vai-se além, permite que qualquer cidadão tenha direito a um TRIPLO grau de jurisdição, o que, no direito secular, sequer existe. Voltando os olhos para o Caso Dodô, a Primeira Comissão Disciplinar do STJD, com arrimo na prova de vídeo, interpretou que o atleta foi além do que se permite no futebol, violou as suas regras disciplinares, revelando um animus laedendi (vontade de lesionar), se afastou a imprudência ou inconseqüência. Os doutos julgadores avaliaram que o atleta contemplou a produção do resultado como conseqüência senão direta, eventual33. A prova produzida foi valorada pelo tribunal. Nada mais. E, dada a gravidade da sua conduta, melhor dizendo, do resultado por ele provocado, foi apenado em 4 (quatro) jogos, como determina o “caput”, e, por conseguinte, caso cumpridos, ficasse suspenso até o retorno do jogador. Aqui se levou em consideração, como dito antes, a extensão do resultado da conduta por ele praticada. Com efeito, não se pode falar em pena perpétua ou sem fim, porquanto o próprio parágrafo 3º, do multicitado artigo, impõe como limite máximo o prazo de 180 dias. Destarte, fielmente se atende ao princípio da legalidade, sem aviltar-se a Carta Magna de 1988 e sequer se vislumbra a hipótese de bis in idem. Por certo, este afastamento é medida excepcional, não pode ser tido como regra. Somente se aplicará aos casos em que o atleta condenado atuou deliberadamente com intenção de provocar dano em seu colega de profissão. Quer-se dizer, queira ou preveja o resultado negativo e o admita. Atue com dolo direto ou eventual. Some-se, ainda, a necessidade de que o resultado obtido por sua ação seja grave o suficiente para instar o Tribunal a impor o afastamento do condenado da atividade profissional até o regresso do atleta vitimado aos seus treinamentos. O tipo de jogada violenta admite que o agente atue com dolo ou culpa - inclusive a própria redação confere certeza a esta inferência. O primeiro se verifica na hipótese tal qual descrita acima. No segundo caso, por sua vez, o atleta não antevê o resultado (culpa inconsciente) ou, sendo o mesmo possível, crê que não se produzirá em virtude de suas habilidades pessoais (culpa consciente). Em ambas as hipóteses, evidente a imprudência do atleta em promover a jogada, que, por sua conseqüência, se revela como violenta. Destarte, privar o profissional do exercício de seu mister por uma imprudência é violar a distinção existente entre dolo e culpa, afinal, aquele sofre desvalor da ação maior do que neste34. Os resultados por si só não podem servir como baliza a sacramentar a incidência do art. 253, § 3°, do CBJD. É imperioso que se colha da conduta o jogador o direcionamento da vontade de perpetrar a defesa jogada violenta. Noutros termos, reclama-se a análise da ação ou da omissão para servir também como azimute da pena a ser imposta nestes casos. 3. CONCLUSÃO. Por certo, os tribunais desportivos não têm o costume de utilizar este parágrafo, o que não quer dizer que ele não existe juridicamente. Somente é recomendável que seja utilizado de forma excepcional, afinal, o futebol é esporte que contempla choques físicos naturais que, às vezes, produzem lesões como conseqüência, seja em lances de falta ou mesmo naqueles tidos como normais de jogo. Teme-se que as Procuradorias saiam numa caça às bruxas a todo o tempo e a qualquer custo pedindo que se aplique o referido parágrafo (afastamento do condenado). Todavia, dada a gravidade da sanção para um atleta, não se pode fazer deste dispositivo letra morta. Com efeito, o afastamento do condenado até que a vítima retorne aos treinamentos deve ser reservado a casos em que se sobressaia o DOLO do agente na prática da jogada violenta, somado com as nefastas conseqüências. O temaé polêmico e não se encerrará com estas considerações. O ARTIGO 125, § 2º, DO CBJD E A REVALORIZAÇÃO DA AMPLA DEFESA INTRODUÇÃO. O Direito Desportivo no Brasil vive momentos de intenso desenvolvimento e crescimento. Com a confirmação dos maiores eventos esportivos do mundo, a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, o país passou a observar e conhecer mais sobre este novel ramo, que, há bem pouco tempo atrás, era um estranho desconhecido. Em verdade, tem-se por Direito Desportivo não somente os ramos das ciências jurídicas que tangenciam o esporte, demandando construção de saberes mais específicos, e a coexistência harmônica entre critérios legais de matrizes público e privado35 36. Destaca-se como expressão evidente deste novel ramo do Direito a sua vertente disciplinar, que regula as relações entre entidades de administração do desporto (confederações e federações), ligas, clubes, atletas e pessoas envolvidas na administração, gestão e realização do esporte (dirigentes, técnicos, corpo médico, etc.), no âmbito das competições e/ou partidas (conforme fixou o art. 217, § 1°, CF/8837). Nessa perspectiva, a Justiça Desportiva, órgão responsável por distribuir e aplicar as normas disciplinares na seara do esporte, sobressai como importante instituição em prol do crescimento do mesmo. Assevera-se isso, pois esta serve de ponto de equilíbrio para conter as tensões naturais existentes entre os seus jurisdicionados, bem como prezar pela defesa e guarda dos valores inerentes à prática desportiva. A Constituição Federal, em seu artigo 217, consagrou a Justiça Desportiva como órgão essencial à organização do desporto nacional. Não obstante a sua estrutura seja de natureza privada, ante o relevante interesse público, está vinculada a valores e princípios insculpidos na Carta Magna, que são inerentes à atuação do Poder Judiciário38. Destarte, evidencia-se que toda e qualquer imposição de sanção disciplinar no âmbito do Esporte, deverá preceder de investigação que contemple manifestação dos princípios da ampla defesa e do contraditório (art. 5º, inciso LIV, CF/88). Não sem razão, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), em seu art. 2°, incisos I e III, respectivamente, os arrola entre aqueles que deverão servir de baliza por parte de auditores, procuradores e defensores no exercício do mister. O presente texto objetiva apontar e discutir os mais relevantes institutos jurídicos concebidos no Novo Código Brasileiro de Justiça Desportiva (Resolução n° 29, de 31 de dezembro de 2009), que trazem manifestações dos aludidos princípios constitucionais. Destacam-se como significativas mudanças, objeto do debate abaixo transcrito, a nova forma conferida à sessão de instrução e julgamento (art. 120-135) e o processamento e julgamento de recursos (art. 147-152). 1. O ART. 125, § 2º, DO CBJD: MAXIMIZAÇÃO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. Cediço que o novel Código ainda se encontra em fase de afirmação, pouco a pouco os Tribunais se familiarizam com os novos institutos e criam posicionamento e definem sua aplicação. Igualmente, de forma gradual os aplicadores do da Justiça Desportiva descobrem o que veio para ficar e o que deverá ser objeto de futura reforma. Não é incomum, por onde se vá, ouvir e até comentar a certeza de que o Código tem muito pontos positivos; porém, não é visto como um instrumento definitivo. Ademais disso, pensa-se que este diploma tem méritos, que devem ser valorizados e melhor explorados. Nalguns casos, cite-se, está-se diante de institutos que nunca se poderia pensar em tê-los no âmbito do processo penal ou civil. Pode-se asseverar que o CBJD andou muito bem no que tange ao respeito e proteção dos valores inerentes à ampla defesa e ao contraditório, resta somente que as Cortes Desportivas dêem vazão na práxis aplicando-o, nos termos em que foi redigido. Um exemplo significativo disso tem-se na redação do art. 125, § 2º: Art. 125. Concluída a fase instrutória, com a produção das provas, será dado o prazo de dez minutos, sucessivamente, à Procuradoria e cada uma das partes, para sustentação oral. § 2º Quando houver apenas um defensor a fazer uso da palavra na tribuna, este poderá optar entre sustentar oralmente antes ou após o voto do relator. (NR). O texto ora reproduzido revela, no que tange ao sumário de culpa no âmbito do processo desportivo, um inarredável apego aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Neste quadrante, vê-se evolução entre o direito desportivo processual disciplinar e processo penal, pois este deveria ser o ramo das Ciências Jurídicas com maior elo com os valores trazidos por estes princípios. CARNELUTTI já preconizava alhures que “o conceito de defesa é oposto e complementar ao de acusação, já se disse que formação do juízo segue a ordem da tríade lógica de tese, antítese e síntese. Não pode existir acusação sem defesa, a qual é um contrário e, por isso, um igual de acusação”39 . Assim, no âmbito de um estado democrático de direito, não convém desprestigiar a ampla defesa e o contraditório, pouco importando a natureza do processo (civil, administrativo, trabalhista, penal, desportivo, etc.). Não sem razão, o legislador constituinte erigiu como cláusula pétrea o princípio da ampla defesa e contraditório40. Muito embora não se afirme que a sistemática processual – seja ela civil ou penal – não implique em ofensas consagradas ao direito à ampla defesa e ao contraditório, todavia, vê-se que, a depender da hipótese, há maior ou menor manifestação destes sagrados direitos. No âmbito do processo penal, a luta é contínua e constante em prol da efetividade destas garantias individuais, principalmente por causa do bem jurídico do acusado que é atingido por uma condenação penal: a liberdade. Ainda assim, vê-se na doutrina processual penal pelejas por aperfeiçoamento e adequação deste ramo ao ideal de amplitude da defesa e do contraditório. Dessarte, todo o procedimento a ser concebido deve contemplar oportunização à parte considerada ré de manifestar suas argumentações, contraditar a prova levada a conhecimento do juízo, produzir elemento probatório, enfim, exercer livremente seu sagrado direito à defesa. O reproduzido artigo do Codex Desportivo vai mais além. Ultrapassa fronteira que o próprio Supremo Tribunal Federal evitou descortinar quando julgou procedente Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1127-8, que atacou dispositivos da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), limitando a sustentação oral do advogado para o momento logo após o relatório e não mais em seguida ao voto do relator, como quis o legislador ordinário41. Observa-se do art. 125, § 2º, CBJD, que há autorização para que, em sede de instrução perante as Comissões Disciplinares ou Tribunal Pleno, possa a Defesa se manifestar após a prolação do voto do Auditor Relator. Assim, com efeito, poderá com maior plenitude se exercer os princípios da ampla defesa e do contraditório. Evidencia-se, então, hipótese em que a Defesa pode expor seus argumentos até mesmo contraditando os fundamentos invocados pelo Auditor Relator perante os demais membros do colegiado. Nota-se que o interesse do CBJD reside em se permitir ao máximo aos réus, no processo desportivo, chance de exercerem sua defesa, com único objetivo de promover a realização de justiça. Quiçá isso ocorra para servir como meio de combinar a celeridade processual – marca singular da Justiça Desportiva -, sem que, com ela, haja substanciais prejuízos à ampla defesa e ao contraditório. Talvez o ponto de crítica a tão avançado dispositivo resida na própria limitação imposta em relação ao número de defensores. Esta restrição é desnecessária, contraria o espírito do texto da Resolução nº 29/2009, em nada terá utilidade aos escopos do processo, pois qual a distinção entre um defensor ou dois defensores se manifestarem após o voto do relator? Não há distinção ou prejuízo algum, nem mesmo à celeridade do julgamento. D’outro giro, sobressai o acerto em reservar este direito somente à Defesa, não servindoao órgão acusador, nem a terceiros intervenientes. Outrossim, no concernente ao tempo a ser destinado às partes, colhe-se maturidade na redação, quando fixa tempo suficiente (dez minutos) e, ainda, permite seja convencionado quantidade maior, caso a causa demande maior grau de complexidade. A última palavra incumbirá exclusivamente à Defesa, nada mais. É natural que este privilégio – agora transformado em direito - permita, principalmente, ao acusado menos favorecido, poder ser mais bem defendido. Este que, em muitos casos, não conta com os mesmos recursos que a Procuradoria para produzir provas – esta, aliás, já conta com a súmula da partida, que goza de relativa presunção de veracidade. Assim, portanto, é de se elogiar a atitude do legislador desportivo e servir de estímulo para o florescimento de um processo mais próximo da busca efetiva pela verdade real dos fatos - inspirado nos valores estabelecidos na Constituição Federal-, onde a Defesa goze de oportunidades de construir suas provas e contraditar as da acusação, sem que, com isso, haja desequilíbrios na relação processual42. No entanto, teme-se pela colocação deste dispositivo na prática. Afinal, a vida forense, que serviu e serve de baliza aos membros dos Tribunais de Justiça Desportiva, no seu dia-a-dia, não contempla tal instituto. Aliás, consoante exposto, o mesmo foi combatido pela Corte Constitucional. Observa-se, ainda, o zelo e apreço por tais valores de matriz constitucional na redação dada ao art. 128, § 3°, CBJD43, ao permitir às partes proceder a nova sustentação oral, quando o julgamento é retomado em nova sessão. Ao se analisar regimentos internos de Tribunais Superiores e/ou Estaduais ou Regionais Federais não se encontram nada semelhante44. Vê-se que a intenção do Código é conferir máximo exame da prova em busca de decisão justa, livre de formalismos que possam servir de óbice. Ademais, esta ampla oportunização à defesa serve ao processo desportivo deveras, na medida em que a celeridade é regra constitucional que não pode se perder de vista. Destarte, incumbiu-se o legislador desportivo de estabelecer este instituto da sustentação oral após o relator como uma das formas de equacionar este dilema. 2. OS RECURSOS: TRIPLO GRAU DE JURISDIÇÃO, PROCESSAMENTO E JULGAMENTO. Outro aspecto a ser enfocado neste escrito, que revela acolhida dos festejados princípios constitucionais, fugindo ao modelo adotado pelo ordenamento jurídico pátrio, são os recursos. Um dos institutos que desperta atenção é a existência de um triplo grau de jurisdição para determinados casos, hipótese legal que é antiga no âmbito do direito desportivo disciplinar. Outrossim, a mantença da reformatio in mellium e possibilidade de se repetir a produção de provas em segundo grau são deveras relevantes. Segundo se colhe do CBJD, a Justiça Desportiva é estruturada em Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e suas Comissões Disciplinares (CD) e Tribunais de Justiça Desportiva (TJD) e suas respectivas Comissões. Em síntese, os STJD apreciarão fatos envolvendo competições nacionais ou interestaduais ou regionais, enquanto os TJD apuram o ocorrido em certames estaduais. A teor do CBJD a maioria das condutas proibidas ali descritas têm como juízo originário as Comissões Disciplinares (primeiro grau), portanto, caberá ao Tribunal (STJD ou TJD) apreciar recurso aviado, tanto pela Procuradora, quanto pela Defesa (segundo grau). No entanto, a Justiça Desportiva, além destas vias ordinárias e bem similares às que são previstas no âmbito do processo penal e civil, ainda conserva uma possibilidade regular de exercício de um triplo grau de jurisdição, o que somente expõe maior chance à manifestação da ampla defesa e do contraditório. No art. 25, inciso II, alínea a45, definiu-se como competência do STJD de cada modalidade julgar em grau de recurso as decisões dos TJD. Ou seja, em sede de competição estadual, por exemplo, Acusação ou Defesa têm ainda mais uma oportunidade de ver sua pretensão atingida através de recurso ao STJD quando, porventura, discordem do posicionamento da Corte Desportiva Estadual. Todas as decisões dos órgãos judicantes desportivos são recorríveis, a exceção daquelas proferidas pelo Tribunal Pleno do STJD e as dos Tribunais de Justiça Desportiva que impuserem multa até o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais) – conforme art. 136. Estabeleceu-se, também, que ao juízo ad quem será devolvido o conhecimento de toda a matéria discutida no processo, salvo quando o recurso atacar somente determinada parte da decisão fustigada (art. 142). Naturalmente, se a decisão objeto de irresignação, tanto pela Defesa, como Procuradoria, se revelar como injusta, mesmo na parte em que um ou outro não recorreram, é licito à Corte promover a sua reforma ex officio, tendo em vista o princípio do reformatio in mellium (art. 142, parágrafo único). Igualmente, mesmo em sede de recurso acusatório, poderá o Tribunal rever a pena imposta para diminuí-la ou, até mesmo, absolver o acusado. Por conseguinte lógico, não se admite em recurso defensivo se promova o agravamento da sanção imposta. Vê-se, portanto, que o sistema recurso atende sobejamente aos interesses da ampla defesa e do contraditório. E vai alem, diga-se. A maior novidade no processamento e julgamento dos recursos se encontra definida no art. 150, parágrafo único, onde, a critério do relator, em caráter excepcional, poderão ser novamente produzidas as provas colhidas pela Comissão Disciplinar. Ressalte-se que se poderá repetir os elementos de convicção colhidos anteriormente e não produzir novos. Com efeito, está-se diante de grande avanço legal. O recurso, atualmente, seja no âmbito do processo penal ou civil, não disciplina sobre este particular, qual seja a possibilidade do relator admitir a reprodução das provas produzidas no primeiro grau. É digno de se observar que se confere ao juízo ad quem o conhecimento de toda a causa, o que, ressalte-se, reveste de plena legalidade e estrita vinculação aos valores próprios do Estado Democrático de Direito, a realização de atos processuais direcionados à busca da verdade real dos fatos. Por certo, trata-se de hipótese inusitada, que somente se prevê no CBJD e não se percebe nos Códigos de Processo Penal e Civil ou em regimentos internos de Tribunais. E, na esfera da Justiça Desportiva ela é deveras aplicada. Logicamente, o recurso é insurgência contra uma decisão calcada em elementos colhidos (as provas), portanto, já se encontram produzidos nos autos, bem como as argumentações escritas. Assim, o mais comum seria proceder ao seu julgamento sem se realizar nova instrução. Porém, não obstante a celeridade ser comando constitucional de qualquer órgão judicial – e na Justiça Desportiva é uma ordem que a alicerça - maior valor é do exercício da ampla defesa e do contraditório. Portanto, evidencia-se que agiu com acerta o Conselho Nacional do Esporte ao acolher o presente instituto, que, de forma clara e direta, permite às partes exercer, no segundo ou terceiro grau de jurisdição, o seu sagrado direito de se defender amplamente e contraditar as provas contra si reunidas. E, com espeque neste dispositivo, poderá o juízo do recurso reproduzir a prova carreada no feito e, com base em seu convencimento livre e real, decidir com maior certeza. 3.– CONCLUSÃO. Consoante exposto alhures, o Código é conhecido e têm explorado seus novos institutos à medida que os Tribunais se deparam com situações fáticas que se subsumam aos dispositivos previstos. Mesmo assim, algumas reformas se fazem mister com o fito exclusivo de aprimoramento da Justiça Desportiva e plena submissão aos mais caros princípios constitucionais, sem que, com isso, haja ofensa à autonomia do direito desportivo disciplinar. À guisa de exemplo, tem-se a necessidade de conferir maior destaque à assistência jurídica para os jurisdicionados que não tem condições econômicas de arcar com os custos de um advogado particular. Possivelmente, a criação de quadro de defensores na estrutura do Tribunal e
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