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(2013) Direito Desportivo Disciplinar - Milton Jordão

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DIREITO DESPORTIVO 
DISCIPLINAR
MILTON JORDÃO
 
Copyrigth © 2013 Milton Jordão
Todos os direitos reservados
E-mail: mjordao@iddba.com.br | Twitter: @miltonjordao 
Dedico este livro:
Aos meus dois amores, Giovanna e Jane, pela paciência e compreensão para
me permitir escrever estas breves linhas.
À memória do Mestre Marcílio Krieger, não porque o conhecia; mas por
admirá-lo e pela sua influência - mesmo distante e sem de mim saber - na
mailto:mjordao@iddba.com.br
minha formação no mundo jusdesportivo.
Sentimos a sua falta, Mestre!
 
SOBRE O AUTOR
O advogado Milton Jordão tão logo iniciou sua jornada profissional
pelos caminhos da advocacia criminal, ainda nos idos de 2002, em paralelo
também dava seus primeiros passos na Justiça Desportiva da Bahia. Fora
nomeado como defensor dativo do Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol
da Bahia.
Atuou por mais de uma década no foro desportivo baiano, não
apenas como defensor, mas, como procurador da mesma corte. Foi ali no
exercício deste mister, sendo sempre uma dos mais ativos e produtivos, que
se apaixonou e aprofundou nos estudos do Direito Desportivo Disciplinar.
Em 2009, fundou o Instituto de Direito Desportivo da Bahia com
outros jovens advogados também integrantes da Justiça Desportiva, que se
revelou como ativa e importante difusora do direito desportivo no Estado e na
região Nordeste, especialmente, através do Seminário Nacional Esporte e
Justiça Desportiva, um dos mais relevantes eventos da área, que ocorre
tradicionalmente em Salvador (BA). Inclusive, exerce sua presidência.
O autor é coordenador de obras jurídicas na seara do direito
desportivo, destacando-se “Direito Desportivo & Esporte - Temas
Selecionados” (Ed. Dois de Julho) e o “Código Brasileiro de Justiça
Desportiva - CBJD-Comentários à Resolução CNE 29, de 10/12/2009” (Ed.
Juruá). Outrossim, integra o Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito
Desportivo, sendo, ainda, um constante colaborador.
Atualmente, integra os quadros da Procuradoria do Superior Tribunal
de Justiça Desportiva do Futebol e também do Basquete, além de ser
mestrando em Direito Desportivo pela Universidade de Lleida (Espanha) e
professor convidado do Curso de Extensão, Atualização e Aperfeiçoamento
em Direito Desportivo do Futebol do Instituto de Ciências do Futebol da
Federação de Futebol do Rio de Janeiro (ICF/FFERJ).
Fora do âmbito jusdesportivo, o autor é Conselheiro da Ordem dos
Advogados do Brasil, Seccional Bahia, bem como do Conselho Nacional de
Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça (CNPCP/MJ),
Professor de Direito Penal e Mestre em Políticas Sociais e Cidadania pela
Universidade Católica do Salvador (BA).
 
APRESENTAÇÃO DA OBRA
O Direito Desportivo Disciplinar é fascinante. Cativa todos aqueles
que militam no foro do Justiça Desportiva. Quiçá, a junção de duas paixões, o
direito e o esporte, funciona como combustível a lhe conferir vida tão longa.
Além disso, ao seu derredor sempre existiu uma aura de mistérios e mitos,
que, pouco a pouco, começam a ser desvendada e esclarecida.
A Justiça Desportiva no país se expandiu muito, seja no tamanho dos
tribunais esportivos, assim como a sua exposição na mídia, por causa da força
notória do esporte (principalmente o futebol). Com o advento e incremento
das novas tecnologias da comunicação, as Cortes Desportivas passaram a ser
mais conhecidas, os atores que desfilavam conhecimento nos palcos, nas
sessões de julgamento - auditores, procuradores e advogados -, a partir disso
começaram a se tornar conhecidos e reconhecidos. O que se dizia “caixa de
pandora”, já não é mais.
Naturalmente, passou a atrair interesse de um maior número de
pessoas as teses desenvolvidas ali, o rol de normas que se empregava: o
direito desportivo disciplinar. A sedução pelo seu conteúdo é comum a
advogados e outras pessoas, mesmo as que não têm formação jurídica. Talvez
mirem estes debates com olhar lúdico; porém, acessível, afinal, o esporte é
um elo social. Falar de tática, dribles, cortadas, cestas, de um salto ou golpe é
próprio tanto do atleta, como do torcedor.
Neste contexto, quis trazer para a comunidade jusdesportiva e para
os torcedores em geral uma pequena contribuição para a disseminação do
debate de temas próprios do Direito Desportivo Disciplinar. O leitor
encontrará uma série de artigos sobre casos que ocorreram nos últimos anos e
foram objeto da apreciação dos Tribunais Desportivos no Brasil. Trago textos
novos tratando de problemas e questão ainda de viva memória, bem como
adunei outros que julguei relevantes, não pelo momento vivido no passado ou
sua repercussão à época, mas pela matéria ali discutida.
O querido leitor rememorará, sob minha ótica e percepção -
naturalmente -, casos como o que envolveu o atleta Oscar e decisão do
Ministro Caputo Bastos, em sede de habeas corpus, determinando o direito à
transferência para o Internacional S.C.; voltará à batalha campal ocorrida no
Couto Pereira, em 2009; reviverá a discussão sobre a pena imposta ao
zagueiro Bolívar pela dura entrada que lesionou o então atleta do E.C. Bahia
Dodô; dentre outros temas de interesse, como dito, dos que lidam com o
Direito Desportivo Disciplinar.
Com efeito, os militantes da Justiça Desportiva nem sempre tinham à
mão farta literatura, como sói ocorrer em outras searas do Direito. Malgrado,
diga-se, os autores que nos influenciaram tinham impregnada a excelência,
vide Valed Perry, Serrano Neves, João Lyra Filho; mais recentemente,
destacaria o inesquecível Marcílio Krieger, sendo sucedido pelo Dr. Paulo
Marcos Schmitt.
Hodiernamente, saliento que existe uma nova safra e, digo, muito
boa safra de autores! Há variedade de abordagens e exploração dos temas que
envolvem o Direito Desportivo Disciplinar. Porém, no mundo dos e-books
ainda se está engatinhando.
Mais uma vez, louvo-me na felicíssima postura de vanguarda do
ilustre Paulo Marcos Schmitt, que publicou recentemente suas obras
utilizando-se desta novel tecnologia. E, estimulado e encantando, sigo-o,
como de estilo, agora, por estas sendas.
Movido por anseios de ver o Direito Desportivo Disciplinar florescer
mais ainda, convido-o, caro leitor, a entreter-se nesta obra e dela extrair suas
reflexões. Oxalá, que dai venham mais e mais debates!
Seja bem vindo ao Direito Desportivo Disciplinar, ao mundo da
Justiça Desportiva.
 
Cidade do Salvador, Bahia, Abril de 2013.
Milton Jordão
 
CONSTITUIÇÃO E JUSTIÇA DESPORTIVA.
“O desporto invade as cidades,
domina o ar, difunde-se na terra e
avança dentro do mar; não é mais
uma festa lúdica, um movimento de
palestra ou uma vibração de
estádio” (João Lyra Filho)
1. INTRODUÇÃO.
O presente artigo nasceu de um debate que levei ao Tribunal de
Justiça Desportiva da Federação Brasiliense de Futebol de Salão
(TJD/FEBRASA), quando ali se realizou o Momento Cultural Jusdesportivo,
concebido e capitaneado pelo Nobre Dr. Joacy Bastos, então presidente
daquela Corte Desportiva, sem dúvida alguma, um dos baluartes do Direito
Desportivo deste país.
Enfrentar a discussão sobre Constituição e Justiça Desportiva é dever
constante dos estudiosos do Direito Desportivo. Por isso, nada mais adequado
do que trazer este debate para espaço livre e democrático, como essa
publicação. Como dizia João Lyra Filho, em 1952, na introdução ao grande
livro que escrevera sobre o assunto direito desportivo: A importância que atribuo
ao tema DESPORTO não resulta do sentimento, mas da razão que a cultura valoriza. As
realidades sociais e históricas são oriundas da obra do espírito humano, sem cuja
presença os fatos não têm análise e não merecem confronto. Aos conflitos ou à difusão da
cultura interessa o conhecimento daquelas realidades sociais e históricas, tanto mais
diretamente quanto mais seja oriundo das manifestações que vêm do CHÃO, ou do povo. A
vida institucional do desporto já não pode andar indiferente aos homens que têm o
pensamento sobre a vida toda. Através de suas atividades demonstra-se a existência de um
direito costumeiro, de pura criação popular,obedecido como aplicação do próprio direito
codificado.1
Para melhor expor o assunto, que é denso, dividirei a abordagem em
dois momentos: o direito desportivo disciplinar e suas relações com
outros ramos do direito; e a coexistência harmônica entre celeridade, a
ampla defesa e o contraditório no CBJD2.
 
2. O DIREITO DESPORTIVO DISCIPLINAR E SUAS RELAÇÕES
COM OUTROS RAMOS DO DIREITO.
 
O tema que me proponho discutir a partir deste momento é, ao meu
sentir, essencial ao bom andamento da Justiça Desportiva, este relevante
braço do Direito Desportivo3. Cediço que este ramo do direito, passa
hodiernamente a ser visto como autônomo, uma nova realidade que se
descortina diante dos operadores do Direito e requer uma especialização4.
Quiçá, no Brasil, o debate em torno da autonomia se deva aos
reflexos dos vindouros megaeventos desportivos no país, que passam a exigir
profissionais mais conhecedores das interseções entre Esporte e Direito. À
guisa de exemplo, veja-se que quando se realizou uma prova de Fórmula 1,
no autódromo de Interlagos, em São Paulo, a declaração de um Promotor de
Justiça ocasionou debates intensos em programas de televisão e na opinião
pública sobre a possibilidade de se aplicar o Estatuto do Torcedor, caso
houvesse o chamado “jogo de equipe” por parte do piloto Felipe Massa (ou
qualquer outro piloto, naturalmente), visando permitir que o seu
companheiro, Fernando Alonso, ganhasse a prova ou posição5.
Assim, saliento, que não se pode mais ver o Direito Desportivo como
um ramo “retalhado”, cujas partes se encontram no Direito Tributário,
Trabalhista, Comercial, Civil, Penal, etc. Talvez, a única exceção seja a
Justiça Desportiva, cujos fundamentos jurídicos se encontram em código
próprio, concebido pelo Ministério do Esporte.
A especialização se impõe, as interseções do direito desportivo com
outros ramos merecem ser analisadas com mais rigor e por quem seja
capacitado para tanto. Por exemplo, no âmbito da justiça laboral, evidencia-se
que o magistrado que desconhece as peculiaridades da atividade de um atleta
profissional de futebol e, querendo, aplicar as regras próprias a um
trabalhador comum, regido essencialmente pela CLT, produzirá distorções na
realidade fático-jurídica.
Destarte, deveriam os Tribunais Regionais do Trabalho destinar tais
feitos a unidades judiciárias competentes (varas com competência exclusiva)
para apreciar tais feitos, onde um magistrado pudesse se especializar no
estudo destes casos, ao invés de querer conferir uma isonomia entre relações
desiguais. Não sem razão, apesar de se cuidar de competência diversa (no
caso penal e civil), observe-se que o legislador ordinário criou o Juizado
Especial do Torcedor6.
Sem querer me alongar mais, pretendo deixar claro que o Direito
Desportivo é autônomo7. Igualmente, tal autonomia legal precisa ser
incentivada e ampliada no âmbito do Direito Desportivo Disciplinar (Justiça
Desportiva8), o mero reconhecimento constitucional (formal) é insuficiente,
sem que seja compreendida e aplicada em sua dimensão material. Além disto,
é um segmento que não se socorre noutra legislação, pois existe código
próprio, desde muito9.
Com efeito, esta legislação desportiva – que em seus primeiros
momentos abrigou os direitos trabalhistas dos atletas -, teve nítida inspiração
nos regramentos Penal e Civil. Por certo, os seus aplicadores se socorriam
dos princípios de direito penal e civil para resolver impasses fruto de lacunas
dos códigos. Aqui reside o nosso debate.
Este costume dos juristas que integram os Tribunais de Justiça
Desportiva é visível ao se proferir um voto, redigir um acórdão, adotar
posturas mais ou menos flexíveis, em virtude da sua formação enquanto
profissional do direito. Diz-se isso, por exemplo, ao se perceber que um
auditor que seja penalista imprime com mais vigor pelo zelo ao processo, à
amplitude de defesa e ao contraditório. De igual sorte, pode-se dizer que os
processualistas civis serão mais inflexíveis em relação às formalidades do
sumário de culpa, não admitindo, por exemplo, uma nova produção de prova,
mesmo que seja esta crucial ao deslinde do feito.
Em síntese assevero que a Justiça Desportiva abriga em seu seio
operadores que atuam nas mais diversas áreas do direito, na sua maioria
advogados, e que, por vezes, em momentos em que o código não é deveras
claro ou se revela lacunoso, trazem para o julgamento os valores da área em
que militam. Quer dizer, os princípios, a técnica, os conceitos conferidos a
determinadas expressões, etc.
Seguramente, isso enriquece o julgamento do feito, todavia, pode
causar dúvidas de como se proceder noutros casos. Ao nosso sentir, mister se
imporá aos membros de Tribunais de Justiça Desportiva uma mudança de
postura. É necessário que se reconheça o Direito Desportivo Disciplinar
enquanto ramo autônomo, portanto, o Código de Justiça Desportivo não
poderá sofrer tais influências de matrizes penal, civil, trabalhista, ou de
qualquer outro ramo jurídico.
O Direito Desportivo Disciplinar é submisso somente à Constituição
Federal. A Lei Maior ao conferir autonomia à Justiça Desportiva - aqui
encarada como instituição apta a julgar feitos que versem sobre competições
e questões disciplinares - alçou o direito desportivo disciplinar ao patamar de
igualdade em relação aos demais ramos jurídicos. Por certo, optou o Estado
Brasileiro por defini-lo por meio de resolução de um de seus ministérios, e
não por Lei Federal.
Logicamente, advém o questionamento se o Código Penal (CP) ou
Código de Processo Penal (CPP) ou Civil (CPC) não seriam
hierarquicamente superiores ao Código de Justiça Desportiva. A princípio,
responder-se-ia positivamente a este questionamento. Quando, em verdade,
aparentemente, tem-se tal hierarquia. Diz-se isso, pois embora seja inegável
que a lei federal, na lógica kelseniana, é superior a uma resolução editada
pelo Ministério do Esporte, não se poderá admitir a interferência do Direito
Penal ou Civil (ou qualquer outro) sobre o ordenamento jusdesportivo. O que
pode se ter é uma ofensa à Constituição Federal. Por exemplo, recordemos da
antiga redação do art. 253 (agressões físicas), do CBJD, que instituía pena de
suspensão mínima de 120 dias. Evidencia-se uma clara ofensa à
proporcionalidade que demanda a Carta Maior quando comparamos que o
ilícito penal de lesões corporais leves adotava como pena mínima a privação
de liberdade por noventa dias.
Assim sendo, o azimute dos Tribunais de Justiça Desportiva não
deve ser outro senão a Lei Fundamental, por duas razões: primeiro, porque
somente desta maneira o direito desportivo disciplinar efetivará sua
autonomia plena; segundo, porque este foi o desejo do legislador constituinte
ao consagrar a instituição Justiça Desportiva como autônoma, sendo,
posteriormente, seguida pelo legislador ordinário (Lei Pelé e Estatuto do
Torcedor). A lei da disciplina desportiva não está submetida a valores
inerentes ao direito penal, embora, a ele se assemelhe. A sua dependência é
exclusiva da Constituição.
D’outro giro, não se poderá admitir sejam incorporadas regras e
normas do direito penal, civil, processual penal ou civil, ou qualquer outro
que seja, sem que estas regras e normas tenham sido admitidas no Código de
Justiça Desportiva ou uma aplicação complementar ou subsidiária tenha sido
ali reconhecida. Veja-se, por exemplo, que o CPC é adotado subsidiariamente
ao CPP ante lacunas ali existentes, consoante autorização do art. 3° daquele
diploma10 e jurisprudência emanada no STF11.
Observe-se que, no âmbito do direito desportivo disciplinar, houve
um zelo por parte do “legislador” (o Conselho Nacional do Esporte), ao
construir no art. 283, CBJD, com a seguinte redação, encerrando em o debate
sobre a interpenetração de outros princípios ou valores, normas ou técnicas,
que não sejam de natureza constitucional, no que concerne às infrações e
penas: Art. 283. Os casos omissos e as lacunas deste Código serão resolvidos
com a adoção dos princípios gerais de direito, dos princípios que regem este
Código e dasnormas internacionais aceitas em cada modalidade, vedadas,
na definição e qualificação de infrações, as decisões por analogia e a
aplicação subsidiária de legislação não desportiva.
A restrição feita cinge-se, exclusivamente, ao aspecto material do
direito desportivo disciplinar, o que, soa como uma autorização para que,
quanto ao processo, se admita aplicação subsidiária de outros diplomas. Dir-
se-ia que tal inferência não é de toda equivocada, todavia, mister se impõe,
num primeiro momento, que as lacunas sejam regidas por princípios gerais de
direito em consonância com o rol de princípios definidos no CBJD, sempre
tendo como guia maior a Constituição Federal, bem como os interesses de
“defesa da disciplina, da moralidade do desporto e espírito esportivo”(art.
282, CBJD).
A primeira abordagem entre Constituição e Justiça Desportiva se
encerra com a conclusão de que ela não é tributária de outros ramos do
direito, ou mesmo, deles dependentes, é autônoma, apesar de, aparentemente,
ser considerada hierarquicamente inferior. Contudo, a sobredita inferioridade
inexiste, aliás, existe, quando os seus operadores, seja por costumes ou
vícios, deixam de dar vazão a tal comando constitucional.
 
3. A COEXISTÊNCIA HARMÔNICA ENTRE CELERIDADE, A
AMPLA DEFESA E O CONTRADITÓRIO NO CBJD.
Um dos pontos de maior relevo do Código, que, saliente-se, por
demais demonstra sua estrita e próxima subordinação à Constituição Federal
é a maneira inteligente e hábil que se articulou nos seus dispositivos afetos
aos procedimentos da ação disciplinar desportiva a coexistência entre
celeridade, ampla defesa e contraditório.
Por se tratar de ramo das ciências jurídicas que tem natureza
sancionatória (enfatize-se, punitiva), mister, portanto, que o processo em que
se apura uma falta disciplinar ou burla aos regulamentos seja coberto pelo
manto da mais ampla defesa e seja possível exercer o contraditório.
D’outro giro, o tempo para o esporte não se mede pela mesma baliza
do Direito. O primeiro reclama agilidade, velocidade, rapidez; enquanto, o
segundo, se pauta por maior cautela, análise delongada e pormenorizada.
Ademais, se voltarmos os olhares para a realidade do Poder
Judiciário, por exemplo, veremos litígios sendo resolvidos – com “agilidade”
– pelo menos em uns dois ou três anos. Veja-se, como retrato mais atual, o
que ocorreu com as Séries C e D do Campeonato Brasileiro de Futebol,
quando uma agremiação, o Treze F.C., buscou as vias judiciais seculares para
obter direito a disputar a primeira, vez que foi tido como rebaixado. Esta
demanda, que ocupou demasiadamente as notícias dos periódicos nacionais,
ainda não foi resolvida, entretanto, a Confederação Brasileira de Futebol, que
tardou por iniciar os certames, ante a incerteza da resolução do conflito e as
constantes reviravoltas ao derredor deste caso12, se viu compelida a inserir tal
equipe e dar início aos campeonatos.
Definitivamente, o tempo do esporte não é o do direito. Todavia, um
não vive sem o outro. O avanço do primeiro como atividade econômica
extremamente lucrativa e atrativa, faz como que se imponha cada vez mais a
sua regulamentação por viés jurídico.
No que pertine ao processo disciplinar, portanto, deve-se meditar
sobre forma ideal de equacionar a celeridade inerente ao (e exigida pelo)
esporte, sob o manto do Direito. Além disso, convém recordar que a
Constituição Federal, em seu artigo 217, estabeleceu que a análise dos casos
que impliquem em ofensa à regra disciplinar e burla aos regulamentos de
competição deverão ser julgados no âmbito da Justiça Desportiva em até 60
(sessenta) dias, sob pena de vencido este interregno, ultrapassado, pois, este
requisito de procedibilidade para que a parte possa buscar a solução perante o
Poder Judiciário.
Curial asseverar que o legislador desportivo andou bem e soube
compreender tais necessidades, por conseguinte, harmonizando deveras estes
princípios: ampla defesa, contraditório e celeridade. Mister que se vocifere: o
CBJD, após a Resolução 29/2009, aprimorou seus institutos e procedimentos,
atendendo sobremaneira aos anseios constitucionais de preservação das
mencionadas garantias individuais do cidadão.
Veja-se, inicialmente, que os Tribunais Desportivos são compostos
por dois órgãos judicantes, uma comissão disciplinar (CD) e um tribunal
pleno. Este, na maioria dos casos ali apreciados, funciona como instância de
segundo grau, enquanto aquele de primeiro, fazendo valer, portanto, o duplo
grau de jurisdição. Porém, o CBJD previu algo a mais, ao se tratar de matéria
próprio das Cortes Regionais, existe a possibilidade da parte interessada
buscar a reforma do decisum em terceiro grau de jurisdição, perante o
Superior Tribunal da modalidade.
Outros importante aspecto reside da quase plenitude da oralidade do
procedimento, tanto em sede de primeiro grau (CD), como em segundo
(pleno). Isso garante às partes maior contato com o julgador, permite-se que
as provas seja, inclusive, apresentadas novamente na segunda instância. É,
diga-se, um exercício amplíssimo da defesa.
Outrossim, o julgamento colegiado se traduz em forma mais justa de
apreciar e julgar as matérias ali trazidas, porquanto distribui o poder punitivo,
desconcentrando-o da figura do julgador insólito, personagem comum nos
foros seculares.
É de se ver, igualmente, que a instituição de prazos mais exíguos,
para ambas as partes litigantes no processo não implica em restrição ao
acesso ao provimento judicante, visto que a decisão em si será proferida em
sessão pública, pelos auditores ali presentes. Não se admite, portanto, que as
partes se manifestem e o julgador decida noutro momento, em silêncio e
sozinho.
O novo CBJD retificou, também, a forma de se oferecer notícia de
uma infração. Anteriormente, cuidava-se de direito exclusivo da parte
legítima para fazê-lo, vinculado a um prazo decadencial (três dias após a
ciência da ilicitude). Na hipótese de se operar a decadência, a Procuradoria de
Justiça Desportiva, como órgão responsável pelo zelo da preservação das
regras jurídicas, se via impossibilitada de apresentar denúncia, porquanto
aquele episódio não mais poderia ser conhecido ante a fulminação do direito
da parte pela decadência. Na novel redação, extinguiu-se a chamada queixa e
se deu vida à notícia de infração que não se limita por prazos – nem mesmo
emolumentos, o CBJD neste particular é lacunosos, não veda ou mesmo o
fixa -; permitindo, portanto, que a Procuradoria faça a as suas vezes e analise
da existência ou não de infração, para se propor o arquivamento ou denúncia,
respectivamente.
A estrutura idealizada e concebida pelo CBJD dá vazão ao anseio de
celeridade processual, porquanto mais simples e objetiva, trazendo para o
debate oral, sem desprestígio da forma escrita, das questões levadas à Justiça
Desportiva.
Aspecto novo trazido no Código e que, ao meu ver, implicou em
grande evolução tem-se na possibilidade da Defesa fazer a sustentação oral
após seja o voto proferido pelo relator. Entendo que em se tratando de busca
da verdade real – este é um dos princípios que regem o CBJD, apesar de
implícito -, o momento do julgamento é instante de enfrentamento de idéias,
sejam elas favoráveis à defesa ou à acusação. Certo que a aquela é a parte
hipossuficiente, afinal, milita, de logo, em seu desfavor a presunção de
veracidade da súmula, por exemplo. Destarte, pode se manifestar ciente do
voto do relator é uma garantia que somente favorece à própria certeza da
decisão que a Corte adotará para o caso concreto. É fazer e dizer o direito
sem peias ou amarras, amalgamando objetivos da defesa, da acusação e do
próprio julgador; é o embate de teses sendo exposto, com o único objetivo:
materializar a melhor justiça.
Assim sendo, resta evidente que o CBJD reúne institutos jurídicos e
concebe um procedimento que congregam valores de ampla defesa,
contraditório e celeridade. Com isso, consegue, enquanto um microssistema
jurídico, traduzir de forma qualificada e equilibrada o que pretendeu o
legislador constituinte o que até hojenão fez o Poder Judiciário Secular, que
a todos fosse permitido o pleno gozo de suas garantias individuais.
 
4. CONCLUSÃO
 
A Justiça Desportiva tem prestado relevantes serviços ao Brasil, não
apenas no âmbito desportivo ao cuidar de inúmeras causas que lhe chegam a
conhecimento, de lidar com as paixões, quiçá, também o faça ao demonstrar
que é possível se conceber e encontrar caminhos que privilegiem os valores
contidos e trazidos na Constituição Federal. Naturalmente, o acerto é
precedido por erros, que deverão ser corrigidos, entretanto, para isso, mister
se tentar.
O debate sobre este tema, o direito desportivo disciplinar, é ainda se
perdurará, a mudança de costumes e práticas em prol de uma mais
aperfeiçoada Justiça Desportiva é um objetivo que deve ser perseguido por
qualquer um que dela faça ou venha fazer parte.
Embora não seja um meio de sobrevivência para os seus integrantes
(auditores, procuradores e defensores dativo), afinal, as funções ali exercidas
são honoríficas, alimenta-se do amor pela causa que lhe devotam os membros
das Cortes Desportivas. Apesar disso, mister que estes compreendam que a
função ali exercida é vinculada a interesses de matriz constitucional, que
cumprem uma missão, fazer valer a Carta Política de 1988 para os cidadãos
submetidos à jurisdição do CBJD.
 
NOVA FRONTEIRA DA JUSTIÇA 
DESPORTIVA APÓS O ESTATUTO DO 
TORCEDOR
O Estatuto do Torcedor (Lei Federal n° 10.671/2003) trouxe uma nova
realidade para a vida desportiva nacional. Este diploma legal consagrou
direitos que os amantes do esporte tinham, mas que eram costumeiramente
desrespeitados porquanto não detalhados em instrumento de lei específico.
O direito à transparência das informações (por exemplo: números de
pagantes, nome dos árbitros, confecção prévia de tabelas, regras do
campeonato, etc.), a cautela com a segurança e conforto do torcedor são
evidências de que esta lei é importante para os que praticam o vivem do
esporte e, principalmente, para os que amam e o acompanham. Neste ano o
Estatuto completará 10 (dez) anos, tempo de vida ideal para um balanço
sobre os efeitos na realidade, não obstante o caminho percorrido até aqui nos
revela que substanciais alterações (cf. Lei n° 12.299/10).
Quiçá, além de tais petrificações de direitos mencionadas, o Estatuto
do Torcedor reconhece a Justiça Desportiva como instituição independente
(art. 34 e ss.) na aplicação da lei e normas vigentes sobre a matéria versada.
Assim, portanto, ratificou-se, por meio desta lei ordinária, o comando
constitucional do art. 217, § 1°, CF/88, que, para as questões referentes ao
desporto, antes da intervenção do Poder Judiciário - se provocado-, haveria
preferência do esgotamento da matéria em sede de justiça desportiva.
O Estatuto do Torcedor revigora e dá novo ânimo às Cortes de Justiça
Esportivas, impondo-lhes uma nova direção: a autonomia do enfrentamento
de questões, seja no âmbito disciplinar desportivo (para atletas, dirigentes,
árbitros e integrantes de entidades desportivas) e quanto da sua infra-estrutura
(para as entidades).
Ao mesmo tempo, a referida lei permitiu, com total razão, ao
Ministério Público - na condição de Fiscal da Lei (custos legis) - fosse mais
atuante no que concerne às questões de segurança, higiene e alimentação do
torcedor nas praças esportivas, fixando sanções na hipótese de violação às
obrigações trazidas em lei (art. 37).
A já aludida alteração, advinda em 2010, incrementou ainda mais o
papel que outorgou ao Parquet, desta feita, criando tipos penais específicos
(art. 41-B e ss.). Outrossim, destacou especialmente o Juizado Especial do
Torcedor como locus para resolução de conflitos - tanto de natureza penal,
como civil-.
Com efeito, nasce um questionamento: o zelo e cuidado pelo conforto
e segurança do torcedor é atribuição exclusiva do órgão ministerial ou
também incumbirá à Justiça Desportiva?
Tem-se interpretado restritivamente tal atribuição, como sendo
exclusiva do Ministério Público. Veladamente, nega-se qualquer papel
proativo da Justiça Desportiva quanto aos preceitos trazidos no Codex do
Consumidor de Esporte. A esta se reserva somente o processamento e
punições dos tipos descritos no Código Brasileiro de Justiça Desportiva
(CBJD), sempre afetos a ofensas disciplinares ocorridas no curso de partidas
ou competições. Ou seja, ao Tribunal Desportivo (STJD ou TJD) competiria
somente processar e julgar tais questões, principalmente uma vez cometidas.
Entrementes, ousamos divergir deste pensamento.
Há uma nova realidade para os Tribunais de Justiça Desportiva
enfrentarem, a sua atuação vai além de mero processamento e julgamento de
questões disciplinares, é, ao nosso sentir, órgão essencial à administração do
desporto, tal qual o Poder Judiciário equilibra as forças na vida secular,
contendo excesso do Executivo e Legislativo. À Justiça Desportiva cumpre
função de regular também os exacerbos perpetrados por entidades de prática
desportiva, confederações ou federações, bem como zelar pelos direitos do
torcedor no estrito limite que lhe confere do CBJD.
A garantia de autonomia exige novo azimute, mais próximo da
realidade, o chamado “tapetão” deve se abrir à sociedade, sendo sua parceira
na mantença da lisura e correição no esporte.
De fato, porquanto sempre esteve atrelada às entidades que organizam
o futebol e outros esportes, os Tribunais Desportivos (STJD ou TJD) se
acostumaram a não buscar novas fronteiras, satisfazendo-se, (quase)
unicamente, na apreciação de querelas no âmbito disciplinar das partidas
realizadas.
Por seu turno, a edição do Estatuto do Torcedor e sua recentes
alterações impõe mudanças a este quadro de inércia, demanda destes órgãos
judicantes ações proativas, não somente na boa conservação da disciplina, e
sim, na proteção dos interesses do torcedor - ainda que não seja este o foco
central de seu mister -, através da vigilância e fiscalização da organização do
esporte como um todo, sem prejuízo, naturalmente, de ter ao lado o
Ministério Público (ou de estar ao seu lado).
Logicamente, dentro da estrutura trazida pelo Código Brasileiro de
Justiça Desportiva (art. 21), este papel caberá à Procuradoria de Justiça
Desportiva, que é o órgão fiscalizador do cumprimento das leis e regras do
desporto. Por conseguinte, se incumbe ao custos legis desportivo, havendo
ofensas às mesmas, deflagrar a competente ação disciplinar desportiva ou
requerer instauração de Inquérito, caberá ao STJD ou TJD o conhecimento da
causa.
Com efeito, deve ser reconhecido que a lei multicitada não faz, nem
estabelece, hierarquia entre o Ministério Público Estadual ou as Cortes
Desportivas, afinal, cuidam-se de instâncias distintas. Portanto, tem-se que
ambos são legitimados a enfrentar tais questões, cada um se valendo das
normas jurídicas que limitam sua atuação.
Nesta toada, tem-se nos artigos 211 e 213, ambos do CBJD, como
exemplos de tipos que versam também sobre a segurança e conforto do
torcedor, permitindo, enfim, que as Procuradorias se incumbam de atuar na
prevenção de tais de ofensas aos valores deduzidos na Lei n° 10.671/2003,
denunciando as entidades desportivas organizadoras do evento para que a
Corte Desportiva se manifeste.
Pensa-se, de lege ferenda, que o dever da Procuradoria não seria
somente de promover a persecução no âmbito desportivo somente quando os
fatos proibidos vêm à tona, se materializam. Parecia justo e adequado ao
ordenamento jurídico específico que uma atuação fiscalizando o
cumprimento de tais regras é ínsita aos deveres institucionais deste órgão,
como conseqüência, do próprio STJD ou TJD.
Assim, portanto, deve a Justiça Desportiva, ante a existência de
previsão legal de tipos que cuidam da proteção da segurança e conforto do
torcedor, atuar diligentemente, por meio da sua Procuradoria, no sentido de
zelar pelos valores concebidos e trazidos no Estatuto do Torcedor. Não será
necessário que se aguarde ocorrência de infração disciplinar; porém, a adoção
de medidas preventivas – apesar destas não haverem sido explicitamente
declinadasno CBJD – soam como avanço em prol da construção de um
ambiente mais seguro e confortável para o torcedor nas praças desportivas.
 
A JUSTIÇA DESPORTIVA E O COMBATE À VIOLÊNCIA NOS 
ESTÁDIOS.
 
O Campeonato Brasileiro de 2009, definitivamente, foi coroado de
êxito, à época ainda pairava dúvidas e questionamentos sobre o modelo de
pontos corridos. Malgrado o futebol apresentado pelas agremiações não tenha
sido um esplendor, que nos tenha feito crer ser a competição de maior nível
técnico do mundo. Repise-se, no entanto, que se consagrou a fórmula
acolhida desde 2003 e o certame se revelou como um dos mais emocionantes,
sendo decidido por meros detalhes, tendo muitos times aptos a erguer a taça
até a última rodada.
Apesar disto, na última rodada, numa tarde de domingo em que
torcedores do C. R. Flamengo fizeram a festa, fora exposta às câmeras de
televisão uma deplorável realidade: a violência nos estádios de futebol. Este,
sem dúvida, é um assunto que ocupa pautas e pautas de jornais, programação
de seminários e congressos, e, ainda assim, parece distante a sua resolução.
A batalha que teve como palco o gramado do Estádio Couto Pereira,
do Coritiba, deve, neste tão peculiar momento vivido pelo Brasil ante a
proximidade da Copa das Confederações e da Copa do Mundo, deve ainda
servir de alerta. Afinal, saliente-se, não obstante os claros avanços no
combate à violência dentro dos estádios e vulnerações das regras de
civilidade que devem seguir os torcedores, o cenário é de incerteza.
Convém rememorar que os torcedores do Coritiba, quando
confirmado o descenso em campo de jogo, invadiram-no, promovendo uma
arruaça tremenda, que somente não teve resultado mais grave em virtude da
atuação diligente e brava da Polícia Militar.
Não é crível, quiçá aceitável, que torcedores tenham tamanhas
facilidades para ingressar no campo de jogo e fazer dali uma praça de guerra,
acuando policiais, seguranças, árbitros e jogadores. Naturalmente, o Coritiba
sofreu as duras sanções pelos fatos desairosos perpetrados por seus
torcedores13. No entanto, deve-se perceber que houve uma falha generalizada,
ao meu sentir, principalmente, do planejamento de segurança.
O que se deve apreender deste lamentável episódio?
A bem da verdade, a violência nos estádio não é somente caso de
polícia. Importa igualmente aos clubes de futebol, às federações e à Justiça
Desportiva. Entretanto, não há uma consciência destes três atores se unirem
ao Poder Público (Judiciário, Ministério Público e Polícias) para alcançar este
fim. Refiro-me a uma maior colaboração e comunhão de esforços. A mera
criação de leis penais mais severas não significa solução deste mal que nos
assombra.
Atualmente, muitas experiências têm se manifestado Brasil a fora,
algumas com notáveis resultados e outras inócuas. Não ouso dizer na
totalidade, mas, em sua imensa maioria, os trabalhos de combate à violência
em praças desportivas não contempla como um dos atores deste processo a
Justiça Desportiva. É comum somente se contar com a entidade organizadora
(por exemplo: CBF ou Federações estaduais), clubes (os envolvidos em jogos
mais preocupantes) e o Poder Público.
No artigo anterior expus a tese de que, com o advento do Estatuto do
Torcedor, a Justiça Desportiva deveria se mostrar mais preventiva e atenta
para uma gama de direitos, especialmente, aqueles afetos ao torcedor (v.g.:
segurança e infra-estrutura de estádios).
O Código Brasileiro de Justiça Desportiva instituiu como um dos
deveres dos membros da Procuradoria de Justiça a fiscalização dos seus
preceitos. Assim sendo, não deve a Justiça Desportiva ser provocada somente
quando fatos típicos se materializem, deixando para os demais órgãos a dura
missão de zelar pelo cumprimento das leis.
Todavia, deve este órgão desportivo se fazer mais presente no dia-a-
dia do futebol. Deve-se reclamar o espaço que a Lei Federal n. 10.671/03
conferiu à Justiça Desportiva e não somente deixá-las para apreciar expulsões
ou atrasos de partidas. Como bem pontua Dr. Paulo Marcos Schmitt,
eminente Procurador Geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, a
Procuradoria de Justiça Desportiva é órgão simétrico ao Ministério Público,
no âmbito da Justiça comum14. Portanto, a defesa da ordem jurídica, que é sua
obrigação, deve ser exercitada de maneira preventiva, evitando-se prática de
ilicitudes.
Necessita-se de uma Justiça Desportiva mais proativa e próxima.
Logicamente, que a proposição aqui feita forçará um câmbio na mentalidade
de muitos dos seus operadores (salvo honrosas exceções que já compartilham
tais ideais), outras conseqüências advirão deste câmbio copérnico - de uma
Justiça Desportiva que só julga o que vê na súmula (ou nos tapes das
partidas, é claro) para se mostrar vigilante e atuar de maneira preventiva. Este
crescimento é inevitável e urge ser mais presente à medida que a estrutura em
torno do futebol aumenta dia após dia15.
D’outra banda, a Copa do Mundo de 2014 é uma realidade para o
Brasil e precisará ser muito bem executada. Para tanto, todos os que, de uma
forma ou de outra, trabalham no futebol, precisam estar mais atentos a fatos
como a batalha do Couto Pereira, buscando evitar a sua reprodução. Além
disso, existe uma lei que garante aos torcedores segurança em praças
desportivas, que precisa ser imediatamente cumprida em sua plenitude.
Não quero aqui dizer que a participação da Procuradoria do STJD em
reuniões prévias de organização do citado evento esportivo teria sido o
suficiente a evitar aquele triste episódio, porém, a sua participação preventiva
seria deveras útil para conscientizar e forçar o clube ou a federação de futebol
a pensar com maior rigor e cautela quando da organização do certame.
Cediço recordar que o CBJD impõe obrigações de caráter administrativo
tanto a um como ao outro.
Penso que necessitamos enfrentar a violência nos estádios com todas
as armas que existirem, e, nesse particular, tem a Justiça Desportiva
legitimidade e autoridade de se impor e ser guardiã dos direitos e garantias
dos torcedores, compelindo entidades que administram o desporto e clubes,
quando estes divergirem dos termos da Lei, a se enquadrar e cumprir
fielmente os seus dispositivos16.
Voltando os olhos para a batalha do Couto Pereira, foram justa a
sanções impostas ao Coritiba, afinal, foi responsável objetivamente segundo
o Direito e as ofensas ao CBJD se revelaram incontestes e sérias. Mas, deve
ser dito que a culpa pelo ocorrido não é exclusivamente sua.
Por certo, houve erro no planejamento e execução do evento, isso é
fato inequívoco. Apesar disso, espero que não estejamos de diante de mais
um factóide que sirva como oportunidade para criação de mais crimes ou
amaldiçoar o clube paranaense ou ter seus torcedores como violentos.
Em síntese, vi e ainda vejo neste episódio a oportunidade de se rever
a forma como as autoridades - desportivas ou não - pretendem resolver este
doloroso dilema. Não há outra saída, senão o debate prévio de medidas
preventivas mais firmes, a divisão de responsabilidades, principalmente,
convocando para ser um dos atores principais a Justiça Desportiva. E, ao
revés do vê-se hoje, lançar a culpa nos ombros do clube de futebol.
 
 “MALA BRANCA” É CRIME? - 
ASPECTOS PENAIS E 
JUSDESPORTIVOS.
INTRODUÇÃO: A “MALA BRANCA” NO FUTEBOL BRASILEIRO.
O futebol brasileiro é repleto de polêmicas, que nascem em jogadas
no campo e, quiçá principalmente, fora dele. Impossível deixar de tecer
breves linhas sofre o interessante fenômeno da “mala branca”, que sempre
ronda as derradeiras rodadas dos campeonatos.
Inicialmente, convém delimitar o que se entende, no jargão do
futebolês, como sendo esta ocorrência. Tem-se por “mala branca” o incentivo
financeiro oferecido por terceiros interessados na vitória de alguma
agremiação que não aspira maiores resultados na competição. Geralmente,
estes terceiros são clubes que ainda pelejam, no caso do Campeonato
Brasileiro, por uma vaga para a Copa Libertadores da América, para não ser
rebaixado para a Série B ou, ainda, pelo própriotítulo nacional.
Esta realidade, apelidada de doping financeiro, ocupa a pauta de
redações de jornais, rádios e televisão, sendo constante objeto de debate. E,
hoje, é tida como usual e comum no futebol, aliás, uma práxis antiga. Em
entrevista ao portal Globo Esporte, o Rei do Futebol, Pelé, asseverou: o que o
pessoal confunde é de você ter um prêmio para ganhar uma partida, isso sim.
É como você dá um incentivo para o aluno tirar uma nota boa. É diferente de
você oferecer dinheiro para entregar o jogo, isso é um absurdo17.
Merece destaque que a dita “mala branca” tem como o escopo
incentivar uma agremiação a obter um resultado positivo, uma vitória ou um
empate, nunca uma derrota. As relações ocorrem entre uma das equipes
envolvidas na partida e terceiros que se beneficiarão com o resultado. Não se
admite como tal, a hipótese em que se paga para a equipe perder o jogo18.
Porque a “mala branca” floresce no futebol brasileiro?
Poder-se-ia responder esta questão por meio de justificativas que,
também, circulam na própria mídia: a falta de pagamento de salários, uma
chance de ganhar um pouco mais no final da temporada, etc. Todavia, a
resposta a questão nos foi dada pelo ex-presidente do Fluminense, Roberto
Horcades, de forma oblíqua: acho que o futebol brasileiro chegou em um
estado de profissionalização que não permite mais esse tipo de situação de
mala branca ou preta. O Fluminense repudia e sempre repudiou na sua
história e preza pelo bom comprometimento técnico das competições19.
Embora não tenha ele dito que falta profissionalismo por partes dos clubes
que utilizam deste expediente, depreende-se de sua afirmação esta conclusão.
Não se pretende aqui investigar as razões pelas quais ainda o futebol
brasileiro admite e convive com este incentivo financeiro, apesar de não ser
possível deixar de falar rapidamente sobre isso.
O objeto do debate é avaliar a sua manifestação à luz da novel
modificação no Estatuto do Torcedor, especialmente, se haveria subsunção
deste tipo de conduta às normas penais incriminadoras ali existentes. Por
oportuno, adentrar também no CBJD e avaliar se não se trataria de infração
disciplinar.
1 – ASPECTOS JURÍDICOS-PENAIS.
Com o advento da Lei n° 12.299/10, o Estatuto do Torcedor sofreu
consideráveis alterações, sendo criado um capítulo exclusivo para abrigar seis
crimes, três tratam de alteração ou falseamento da competição esportiva. Ei-
los: Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou
promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou
omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva:
Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e multa.
Art. 41-D. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não
patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma
competição desportiva: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis)
anos e multa.
Art. 41-E. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que
se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição
esportiva: Pena - reclusão de 2 (dois) a 6 (seis) anos e
multa Cediço que o bem jurídico protegido é a ética e a
moralidade das relações esportivas. Protegem-se tais
valores por meio do direito penal porque o prejudicado
com a ofensa a tais feridas é o consumidor de eventos
esportivos, o torcedor nos termos do Estatuto. Veja-se,
ainda, que somente existirá o tipo penal se as condutas
descritas ocorrerem em certames profissionais (art.
43).
Força convir que a descrição típica do art. 41-C demanda que a
solicitação ou aceite de vantagem (patrimonial ou não) tenha como escopo
alterar ou falsear o resultado de uma partida ou prova. Este tipo se destina aos
árbitros dos certames ou quem tenha condição de exercer os verbos-núcleo do
tipo. Como a alteração ou falseamento de um resultado é conduta inerente a
quem o fiscaliza, seja anotando a súmula ou aferindo os resultados
produzidos na partida ou prova, vê-se, então, que este crime é considerado
como próprio. Por exemplo, se um fiscal de prova insere na súmula que um
atleta após saltar obteve resultado menor do que de fato se constatou in loco.
No Brasil, este tipo penal nasceu em virtude do escândalo ocorrido
no Campeonato Brasileiro de 2005 (Máfia do Apito20), quando o árbitro
Edilson Pereira de Carvalho e Paulo José Danelon teriam atuado em diversas
partidas com o escopo de alterar o resultado, influindo consideravelmente
marcado penalidades ou faltas perigosas para atingir sua meta.
O artigo seguinte é próprio àquele que deu ou prometeu dar
vantagem (patrimonial ou não), portanto, seria aqui imputado o responsável
pela “contratação do árbitro” ou daquele que alterou ou falseou o resultado.
Portanto, está exclusivamente atrelado ao tipo penal comentado
anteriormente.
O tipo penal descrito no art. 41-E pode ser compreendido em
conduta a ser praticada por um atleta, não sem razão, o Dr. Paulo Castilho o
citou quando da realização do Grande Prêmio de Fórmula 1 em 2010, no
autódromo de Interlagos, em São Paulo, fazendo referência ao chamado
“jogo de equipe”, dizendo que se o piloto Felipe Massa permitisse que o seu
companheiro, Fernando Alonso, o ultrapassasse para ganhar a prova,
incorreria na comissão delitiva acima declinada21.
No pretendo aqui incursionar no mérito desta questão – apesar de
discordar da avaliação do festejado promotor de justiça -, pois o centro do
debate reside sobre a “mala branca”.
O que constituiria o tipo penal em comento?
Fraudar significa se valer de artifício22 ou ardil23 ou outro meio24 para
enganar alguém, no caso a vítima.
Este “alguém” é o torcedor, aquele que adquiriu ingresso para ver
uma partida em que as equipes atuem em campo enlevadas por motivos
nobres, inerentes à prática do desporto, qual seja, a obtenção de um resultado
positivo.
Na hipótese do incentivo financeiro de terceiros para que se vença
um jogo é difícil a sua subsunção ao tipo penal do art. 41-E, pois a vitória
num certame é a meta de qualquer equipe. Fraudar seria se a equipe, ou
alguns de seus componentes, adentrasse o gramado com o objetivo nítido e
definido de perder a partida. Caso se deseje punir a “mala branca” teríamos
também que punir os próprios dirigentes das equipes que prometem e pagam
o famoso “bicho”25.
 
2 – ASPECTOS JUSDESPORTIVOS.
 
D’outro giro, na seara do Direito Desportivo Disciplinar, igualmente
não se pode subsumir esta conduta às normas hoje vigentes. No capítulo V,
Livro III (Infrações em espécie), do CBJD, se encontram as normas
disciplinares que protegem o bem jurídico ética desportiva. Entre elas duas se
destacam como mais próximas de compreender a manifestação humana aqui
debatida, ei-las: Art. 243. Atuar, deliberadamente, de modo prejudicial à
equipe que defende.
PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem
mil reais), e suspensão de cento e oitenta a trezentos e sessenta
dias.
§ 1º Se a infração for cometida mediante pagamento ou
promessa de qualquer vantagem, a pena será de suspensão de
trezentos e sessenta a setecentos e vinte dias e eliminação no
caso de reincidência, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais)
a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
§ 2º O autor da promessa ou da vantagem será punido com
pena de eliminação, além de multa, de R$ 100,00 (cem reais) a
R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Art. 243-A. Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com
o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou
equivalente.
PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem
mil reais), e suspensão de seis a doze partidas, provas ou
equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente,
treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo
prazo de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, se
praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este
Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação.
Parágrafo único. Se do procedimento atingir-se o resultado
pretendido, o órgão judicante poderá anular a partida, prova
ou equivalente, e as penas serão de multa, de R$ 100,00 (cem
reais) a R$ 100.000,00 (cem milreais), e suspensão de doze a
vinte e quatro partidas, provas ou equivalentes, se praticada
por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro
da comissão técnica, ou pelo prazo de trezentos e sessenta a
setecentos e vinte dias, se praticada por qualquer outra pessoa
natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a
pena será de eliminação.
Novamente, colhe-se que a redação legal, tal qual no Estatuto,
revela-se insuficiente para compreender o incentivo financeiro para que uma
equipe ganhe uma partida. O primeiro tipo disciplinar demanda que os atletas
atuem com de modo prejudicial à equipe, leia-se, perder o jogo
intencionalmente ou ceder empate quando esteja ganhando, por exemplo.
O art. 243-A, aparentemente, resolve a questão, ao fixar ser proibido
atuar com o fim de influenciar o resultado da partida, de maneira contrária à
ética desportiva. Esta redação pode, num primeiro instante, nos fazer crer que
a “mala branca”, finalmente, tenha sido tipificada. Todavia, é postulado
comezinho da ética desportiva a atuação com o objetivo de vencer,
respeitando o chamado fair play26.
Assim, como punir aquele que deseja vencer, ainda que movido por
interesses financeiros?
Afinal, não se pode negar que, atualmente, o atleta é um profissional
e vive do seu esforço pessoal para ganhar a vida. É uma tarefa árdua conjugar
o interesse econômico com os valores éticos desportivos. E, neste particular,
o doping financeiro afronta somente a pura moral e não as regras jurídicas,
vez que não há fraude ao resultado do jogo. A se considerar que o aceite
deste incentivo sirva como móvel será contraditório admitir-se como normal
o ganho de bichos ou premiações de artilheiro ou de melhor jogador
oferecidas aos atletas, seja pelo clube em que atuam ou entidades
organizadoras do esporte.
Seria, portanto, ofensa à ética esportiva querer ser o artilheiro,
independente dos resultados da equipe? Esta é uma questão que também viria
à tona, dentre outras que surgiriam, caso a interpretação do art. 243-A, do
CBJD, fosse estendida às raias do extremo subjetivismo.
 
3 – CONCLUSÃO.
 
Ante o exposto, evidencia-se, portanto, que a tão decantada “mala
branca” é apenas um ato imoral, à luz de uma ética pura do esporte e também
dentro da perspectiva do profissionalismo que este assume como business.
Ainda assim, algumas vozes hão de surgir em sentido contrário.
De fato e respondendo a questão que serve de título: tem-se que
“mala branca” não é crime, nem mesmo infração disciplinar.
Convém assinalar que o STJD conheceu e julgou recurso oriundo do
TJD/BA, e findou por reconhecer a existência da “mala branca”, por maioria,
como hipótese prevista no art. 243 ao revés do 243-A. Quiçá, poder-se-ia
intuir que o debate se solucionaria através deste precedente. Todavia, se
cuidava de outra composição do Tribunal e o julgado foi objeto de intenso
debate, sendo ali ventilada teses absolutória (similar à que me filio) e
condenatórias (tanto um tipo disciplinar, como pelo outro).
 
CASO DODÔ: ACERTO NO PRESENTE, 
PRUDÊNCIA PARA O FUTURO.
INTRODUÇÃO.
 
O campeonato nacional de futebol é repleto de emoções. A cada
rodada surgem novos candidatos ao título, as posições alteram na zona do
descenso e se ampliam os pretendentes por vagas nas Copas Libertadores de
América e Sul Americana.
Entretanto, assim como estas empolgantes novas situações de caráter
esportivo, advêm hipóteses que reclamam do Superior Tribunal de Justiça
Desportiva (STJD) adoção de posicionamento firme e conciso para a sua
solução.
O denominado “Caso Dodô” é mais um destes episódios da crônica
forense desportiva, mas, ao que nos parece, trouxe e trará a lume um debate
relevantíssimo sobre o afastamento de atleta condenado até que a sua vítima
retorne ao treinamento.
Exige-se que o STJD defina linha de jurisprudência sobre a matéria,
que, embora, não seja inédita27, ganhou imensa repercussão na mídia
esportiva e no mundo jurídico-desportivo.
 
1. O CASO DODÔ: ASPECTOS FÁTICOS.
No certame nacional de 2011, em sua reta final, um lance ocorrido
no jogo entre S.C. Internacional e E.C. Bahia28, envolvendo dois atletas – o
lateral esquerdo do tricolor baiano, Dodô, e o zagueiro colorado, Bolívar-
conseguiu atrair os olhares e atenção de toda a comunidade esportiva.
Em suma, o zagueiro da scracht gaúcho deu uma entrada muito
vigorosa (na ótica da CDN do STJD, conforme se exporá a seguir, violenta),
que ocasionou a saída compulsória de campo do lateral do time baiano
devido a uma contusão. Mais tarde, alguns dias após, constatou-se um
rompimento dos ligamentos cruzados do jovem atleta de futebol, impondo-
lhe afastamento dos gramados, pelo menos, por quatro meses. Este episódio
se deu no interior da grande área do Internacional e o árbitro unicamente
aplicou o cartão amarelo ao jogador colorado, sequer assinalou a penalidade
máxima, interpretando o lance como jogada perigosa.
Cediço que as lentes das inúmeras câmeras são hoje os maiores
“inimigos” do árbitro e, neste caso, não foi diferente. O lance visto e revisto
pelos mais diversos ângulos denunciou que o árbitro errou e que o atleta do
Internacional atou em desconformidade com o Código Brasileiro de Justiça
Desportiva (CBJD).
A Procuradoria do STJD, com arrimo na prova de vídeo, levou
Bolívar às barras da Justiça Desportiva, denunciando-o pela prática de jogada
violenta (art. 254, CBJD), requerendo, além das sanções cominadas no tipo
em tela, o seu afastamento até que o atleta vitimado retorne aos treinamentos,
a teor do § 3°, do art. 254, CBJD.
O Tribunal, por meio da Primeira Comissão Disciplinar, acolheu a
unanimidade a voto do relator, Dr. Diego Mendes Echebarrena, entendendo
que o atleta teria cometido o referido tipo e aplicou o disposto no supracitado
parágrafo.
Inúmeras foram as manifestações sobre este julgamento.
Majoritariamente, especialmente entre torcedores e meios de imprensa,
aprovando, principalmente, o afastamento do atleta.
Por se turno, nos meios especializados do direito desportivo,
suscitou-se mais dúvidas sobre os desdobramentos e o que implicava tal
decisum, por exemplo, se debatendo a própria constitucionalidade do art. 254,
§ 3°, do CBJD.
São estas questões que se passa a enfrentar.
2. O TIPO DE JOGADA VIOLENTA E AFASTAMENTO DO ATLETA
CONDENADO ATÉ A RECUPERAÇÃO DO LESIONADO.
O novel tipo disciplinar jogada violenta foi substancialmente alterado
através da reforma no Código que foi publicada em 31 de dezembro de 2009,
passando a vigorar como a seguinte redação: Art. 254. Praticar jogada
violenta:
PENA: suspensão de uma a seis partidas, provas ou
equivalentes.
§ 1º Constituem exemplos da infração prevista neste artigo, sem
prejuízo de outros: (AC).
I - qualquer ação cujo emprego da força seja incompatível com
o padrão razoavelmente esperado para a respectiva
modalidade; (AC). II - a atuação temerária ou imprudente na
disputa da jogada, ainda que sem a intenção de causar dano ao
adversário. (AC) § 2º É facultado ao órgão judicante substituir
a pena de suspensão pela de advertência se a infração for de
pequena gravidade. (AC).
§ 3º Na hipótese de o atingido permanecer impossibilitado de
praticar a modalidade em conseqüência de jogada violenta
grave, o infrator poderá continuar suspenso até que o atingido
esteja apto a retornar ao treinamento, respeitado o prazo
máximo de cento e oitenta dias. (AC).
§ 4º A informação do retorno do atingido ao treinamento dar-se-
á mediante comunicação ao órgão judicante (STJD ou TJD)
pela entidade de prática desportiva à qual o atingido estiver
vinculado. (AC) A mudança da sanção imposta (suspensão por
jogos) foi a alteração mais comentada. No entanto, a inserção do
afastamento do atleta agressor até o regresso da vítima de sua
conduta aos treinamentos tenha sido a mais relevante, embora,
até então, por raras vezes aplicado.
Antes de se seguir com a análise deste artigo, reclama-se fazer uma
pequena digressão histórica para melhor conhecer a matéria.
Alguns temas trazidos à baila remetem a um debate que existiu no
âmbitodo Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol da Bahia, quando a pena
da agressão física tinha como mínimo o prazo de 120 dias (redação do antigo
art. 25329, CBJD). Em virtude da excessiva e desproporcional pena mínima,
havia, por vezes, um mal-estar em impor condenações sob o manto de
agressões físicas, principalmente quando consideradas a inexistência de
maiores repercussões da conduta.
Imagina-se que noutras Cortes Desportivas também os julgadores
nutriam o mesmo sentimento em aplicar esta sanção, repise-se,
especialmente, quando se tratava de condutas que provocaram quase (ou
nenhuma) repercussão visível. Não eram poucas as desclassificações de
agressões para ato hostil, ou até mesmo para jogada violenta30.
Discutia-se à época que tal disposição era inconstitucional, porquanto
malferia a proporcionalidade31 entre ação/resultado, bem como seria abuso ao
direito do livre exercício constitucional. A suspensão desportiva era superior
à pena mínima imposta ao delito de lesões corporais (art. 129, CP), o que
servia de fundamento a mais neste debate sobre a constitucionalidade da
mencionada pena do então vigente CBJD.
A angústia grassava, afinal, aqueles que militam nos Tribunais de
Justiça Desportiva dos Estados, distantes do grande palco e das luzes, viam
atletas não profissionais ou adolescentes serem suspensos por um tapa ou
uma frágil descrição do árbitro de teria ocorrido uma agressão – nutre-se a
suspeita (quase certeza) de que nem sempre o fato (agressão) chegou a
existir.
Sabe-se que a norma (refere-se à penal, que tem natureza análoga à
disciplinar) deve ser abstrata e genérica, para poder o maior número de
pessoas e evitar o excesso de especificidades. E o CBJD tem como guia o
desporto profissional, especialmente o futebol. Esquece-se que a grande parte
dos seus praticantes – profissionais ou não profissionais – não estão entre os
20 maiores clubes do país. Assim, as penas deveriam pensadas como
abrangentes a todo e qualquer atleta e não somente para os fatos que chamam
mais a atenção, como aqueles ocorridos no âmbito no futebol profissional.
Não sem razão o CBJD, neste particular, foi alterado, inserindo a
punição por jogos e corrigindo aquela aberração.
A inserção deste parágrafo obrigando o condenado a somente retomar
o exercício profissional após o retorno do atleta adversário é noviça para o
tipo de jogada violenta, não havia na redação anterior, nem no quase
esquecido CBDF32. Exista na antiga redação do CBJD a hipótese do art. 253,
§ 2º, onde, se a lesão fosse grave e o atleta ficasse impossibilitado de retomar
suas atividades normais, o atleta agressor poderia ser afastado até o seu
pronto regresso, respeitando-se o limite de 720 dias.
O novel legislador aproveitou este dispositivo e o inseriu na redação
da jogada violenta, reduzindo significativamente o prazo limite para 180 dias.
Ou seja, por força do próprio CBJD o afastamento do atleta condenado só
poderá ser mantido até o citado limite.
Sinceramente, entende-se que existe suporte para se impor limitação
ao exercício profissional, sem que isso signifique ofensa à Constituição
Federal. O CBJD é o diploma legal que regulamenta as condutas no âmbito
do esporte é ele quem diz o que é permitido ou proibido. Quer dizer, define
os limites deste exercício profissional. Nesse sentido, socorremo-nos na
preciosa lição extraída do voto do e. Auditor do STJD, Dr. Paulo Bracks, nos
autos do Processo n° 35/2010: “Em analogia ao crime de lesão corporal do
Código Penal, insculpido no art. 129, faço a análise da reprimenda que
entendo justa. Não estou, absolutamente, equiparando o denunciado a um
criminoso ou sua conduta a tanto, apenas faço a analogia para melhor
adequação da sanção. Afinal, o que ocorreu no caso do Willian foi, de forma
literal, uma lesão corporal, mas advinda de um exercício regular de direito –
prática de futebol profissional.”
 
Outrossim, traz as sanções que se devem impor nos casos em que
houver burla às suas regras. Naturalmente, não se está a impedir que o atleta
exerça seu mister, está a se impedir que o atleta de exerceu mal o seu mister
possa prontamente retornar tranqüilamente a exercê-lo. Para isso, o legislador
construiu um arcabouço jurídico como meio de efetivar a ampla defesa e o
contraditório. E diz-se mais, vai-se além, permite que qualquer cidadão tenha
direito a um TRIPLO grau de jurisdição, o que, no direito secular, sequer
existe.
Voltando os olhos para o Caso Dodô, a Primeira Comissão Disciplinar
do STJD, com arrimo na prova de vídeo, interpretou que o atleta foi além do
que se permite no futebol, violou as suas regras disciplinares, revelando um
animus laedendi (vontade de lesionar), se afastou a imprudência ou
inconseqüência. Os doutos julgadores avaliaram que o atleta contemplou a
produção do resultado como conseqüência senão direta, eventual33.
A prova produzida foi valorada pelo tribunal. Nada mais. E, dada a
gravidade da sua conduta, melhor dizendo, do resultado por ele provocado,
foi apenado em 4 (quatro) jogos, como determina o “caput”, e, por
conseguinte, caso cumpridos, ficasse suspenso até o retorno do jogador. Aqui
se levou em consideração, como dito antes, a extensão do resultado da
conduta por ele praticada.
Com efeito, não se pode falar em pena perpétua ou sem fim, porquanto
o próprio parágrafo 3º, do multicitado artigo, impõe como limite máximo o
prazo de 180 dias. Destarte, fielmente se atende ao princípio da legalidade,
sem aviltar-se a Carta Magna de 1988 e sequer se vislumbra a hipótese de bis
in idem.
Por certo, este afastamento é medida excepcional, não pode ser tido
como regra. Somente se aplicará aos casos em que o atleta condenado atuou
deliberadamente com intenção de provocar dano em seu colega de profissão.
Quer-se dizer, queira ou preveja o resultado negativo e o admita. Atue com
dolo direto ou eventual. Some-se, ainda, a necessidade de que o resultado
obtido por sua ação seja grave o suficiente para instar o Tribunal a impor o
afastamento do condenado da atividade profissional até o regresso do atleta
vitimado aos seus treinamentos.
O tipo de jogada violenta admite que o agente atue com dolo ou culpa
- inclusive a própria redação confere certeza a esta inferência. O primeiro se
verifica na hipótese tal qual descrita acima. No segundo caso, por sua vez, o
atleta não antevê o resultado (culpa inconsciente) ou, sendo o mesmo
possível, crê que não se produzirá em virtude de suas habilidades pessoais
(culpa consciente). Em ambas as hipóteses, evidente a imprudência do atleta
em promover a jogada, que, por sua conseqüência, se revela como violenta.
Destarte, privar o profissional do exercício de seu mister por uma
imprudência é violar a distinção existente entre dolo e culpa, afinal, aquele
sofre desvalor da ação maior do que neste34.
Os resultados por si só não podem servir como baliza a sacramentar a
incidência do art. 253, § 3°, do CBJD. É imperioso que se colha da conduta o
jogador o direcionamento da vontade de perpetrar a defesa jogada violenta.
Noutros termos, reclama-se a análise da ação ou da omissão para servir
também como azimute da pena a ser imposta nestes casos.
 
3. CONCLUSÃO.
 
Por certo, os tribunais desportivos não têm o costume de utilizar este
parágrafo, o que não quer dizer que ele não existe juridicamente. Somente é
recomendável que seja utilizado de forma excepcional, afinal, o futebol é
esporte que contempla choques físicos naturais que, às vezes, produzem
lesões como conseqüência, seja em lances de falta ou mesmo naqueles tidos
como normais de jogo.
Teme-se que as Procuradorias saiam numa caça às bruxas a todo o
tempo e a qualquer custo pedindo que se aplique o referido parágrafo
(afastamento do condenado). Todavia, dada a gravidade da sanção para um
atleta, não se pode fazer deste dispositivo letra morta.
Com efeito, o afastamento do condenado até que a vítima retorne aos
treinamentos deve ser reservado a casos em que se sobressaia o DOLO do
agente na prática da jogada violenta, somado com as nefastas conseqüências.
O temaé polêmico e não se encerrará com estas considerações.
 
O ARTIGO 125, § 2º, DO CBJD E A 
REVALORIZAÇÃO DA AMPLA DEFESA 
INTRODUÇÃO.
 
O Direito Desportivo no Brasil vive momentos de intenso
desenvolvimento e crescimento. Com a confirmação dos maiores eventos
esportivos do mundo, a Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, o país
passou a observar e conhecer mais sobre este novel ramo, que, há bem pouco
tempo atrás, era um estranho desconhecido.
Em verdade, tem-se por Direito Desportivo não somente os ramos das
ciências jurídicas que tangenciam o esporte, demandando construção de
saberes mais específicos, e a coexistência harmônica entre critérios legais de
matrizes público e privado35 36. Destaca-se como expressão evidente deste
novel ramo do Direito a sua vertente disciplinar, que regula as relações entre
entidades de administração do desporto (confederações e federações), ligas,
clubes, atletas e pessoas envolvidas na administração, gestão e realização do
esporte (dirigentes, técnicos, corpo médico, etc.), no âmbito das competições
e/ou partidas (conforme fixou o art. 217, § 1°, CF/8837).
Nessa perspectiva, a Justiça Desportiva, órgão responsável por
distribuir e aplicar as normas disciplinares na seara do esporte, sobressai
como importante instituição em prol do crescimento do mesmo. Assevera-se
isso, pois esta serve de ponto de equilíbrio para conter as tensões naturais
existentes entre os seus jurisdicionados, bem como prezar pela defesa e
guarda dos valores inerentes à prática desportiva.
A Constituição Federal, em seu artigo 217, consagrou a Justiça
Desportiva como órgão essencial à organização do desporto nacional. Não
obstante a sua estrutura seja de natureza privada, ante o relevante interesse
público, está vinculada a valores e princípios insculpidos na Carta Magna,
que são inerentes à atuação do Poder Judiciário38.
Destarte, evidencia-se que toda e qualquer imposição de sanção
disciplinar no âmbito do Esporte, deverá preceder de investigação que
contemple manifestação dos princípios da ampla defesa e do contraditório
(art. 5º, inciso LIV, CF/88). Não sem razão, o Código Brasileiro de Justiça
Desportiva (CBJD), em seu art. 2°, incisos I e III, respectivamente, os arrola
entre aqueles que deverão servir de baliza por parte de auditores,
procuradores e defensores no exercício do mister.
O presente texto objetiva apontar e discutir os mais relevantes
institutos jurídicos concebidos no Novo Código Brasileiro de Justiça
Desportiva (Resolução n° 29, de 31 de dezembro de 2009), que trazem
manifestações dos aludidos princípios constitucionais.
Destacam-se como significativas mudanças, objeto do debate abaixo
transcrito, a nova forma conferida à sessão de instrução e julgamento (art.
120-135) e o processamento e julgamento de recursos (art. 147-152).
1. O ART. 125, § 2º, DO CBJD: MAXIMIZAÇÃO DA AMPLA DEFESA
E DO CONTRADITÓRIO.
Cediço que o novel Código ainda se encontra em fase de afirmação,
pouco a pouco os Tribunais se familiarizam com os novos institutos e criam
posicionamento e definem sua aplicação. Igualmente, de forma gradual os
aplicadores do da Justiça Desportiva descobrem o que veio para ficar e o que
deverá ser objeto de futura reforma. Não é incomum, por onde se vá, ouvir e
até comentar a certeza de que o Código tem muito pontos positivos; porém,
não é visto como um instrumento definitivo.
Ademais disso, pensa-se que este diploma tem méritos, que devem ser
valorizados e melhor explorados. Nalguns casos, cite-se, está-se diante de
institutos que nunca se poderia pensar em tê-los no âmbito do processo penal
ou civil. Pode-se asseverar que o CBJD andou muito bem no que tange ao
respeito e proteção dos valores inerentes à ampla defesa e ao contraditório,
resta somente que as Cortes Desportivas dêem vazão na práxis aplicando-o,
nos termos em que foi redigido.
Um exemplo significativo disso tem-se na redação do art. 125, § 2º:
Art. 125. Concluída a fase instrutória, com a produção das provas, será dado
o prazo de dez minutos, sucessivamente, à Procuradoria e cada uma das
partes, para sustentação oral.
§ 2º Quando houver apenas um defensor a fazer uso da palavra
na tribuna, este poderá optar entre sustentar oralmente antes ou
após o voto do relator. (NR).
O texto ora reproduzido revela, no que tange ao sumário de culpa no
âmbito do processo desportivo, um inarredável apego aos princípios
constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Neste quadrante, vê-se
evolução entre o direito desportivo processual disciplinar e processo penal,
pois este deveria ser o ramo das Ciências Jurídicas com maior elo com os
valores trazidos por estes princípios.
CARNELUTTI já preconizava alhures que “o conceito de defesa é
oposto e complementar ao de acusação, já se disse que formação do juízo
segue a ordem da tríade lógica de tese, antítese e síntese. Não pode existir
acusação sem defesa, a qual é um contrário e, por isso, um igual de
acusação”39 . Assim, no âmbito de um estado democrático de direito, não
convém desprestigiar a ampla defesa e o contraditório, pouco importando a
natureza do processo (civil, administrativo, trabalhista, penal, desportivo,
etc.). Não sem razão, o legislador constituinte erigiu como cláusula pétrea o
princípio da ampla defesa e contraditório40.
Muito embora não se afirme que a sistemática processual – seja ela
civil ou penal – não implique em ofensas consagradas ao direito à ampla
defesa e ao contraditório, todavia, vê-se que, a depender da hipótese, há
maior ou menor manifestação destes sagrados direitos. No âmbito do
processo penal, a luta é contínua e constante em prol da efetividade destas
garantias individuais, principalmente por causa do bem jurídico do acusado
que é atingido por uma condenação penal: a liberdade. Ainda assim, vê-se na
doutrina processual penal pelejas por aperfeiçoamento e adequação deste
ramo ao ideal de amplitude da defesa e do contraditório.
Dessarte, todo o procedimento a ser concebido deve contemplar
oportunização à parte considerada ré de manifestar suas argumentações,
contraditar a prova levada a conhecimento do juízo, produzir elemento
probatório, enfim, exercer livremente seu sagrado direito à defesa. O
reproduzido artigo do Codex Desportivo vai mais além.
Ultrapassa fronteira que o próprio Supremo Tribunal Federal evitou
descortinar quando julgou procedente Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 1127-8, que atacou dispositivos da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia),
limitando a sustentação oral do advogado para o momento logo após o
relatório e não mais em seguida ao voto do relator, como quis o legislador
ordinário41.
Observa-se do art. 125, § 2º, CBJD, que há autorização para que, em
sede de instrução perante as Comissões Disciplinares ou Tribunal Pleno,
possa a Defesa se manifestar após a prolação do voto do Auditor Relator.
Assim, com efeito, poderá com maior plenitude se exercer os princípios da
ampla defesa e do contraditório. Evidencia-se, então, hipótese em que a
Defesa pode expor seus argumentos até mesmo contraditando os
fundamentos invocados pelo Auditor Relator perante os demais membros do
colegiado.
Nota-se que o interesse do CBJD reside em se permitir ao máximo aos
réus, no processo desportivo, chance de exercerem sua defesa, com único
objetivo de promover a realização de justiça. Quiçá isso ocorra para servir
como meio de combinar a celeridade processual – marca singular da Justiça
Desportiva -, sem que, com ela, haja substanciais prejuízos à ampla defesa e
ao contraditório.
Talvez o ponto de crítica a tão avançado dispositivo resida na própria
limitação imposta em relação ao número de defensores. Esta restrição é
desnecessária, contraria o espírito do texto da Resolução nº 29/2009, em nada
terá utilidade aos escopos do processo, pois qual a distinção entre um
defensor ou dois defensores se manifestarem após o voto do relator?
Não há distinção ou prejuízo algum, nem mesmo à celeridade do
julgamento.
D’outro giro, sobressai o acerto em reservar este direito somente à
Defesa, não servindoao órgão acusador, nem a terceiros intervenientes.
Outrossim, no concernente ao tempo a ser destinado às partes, colhe-se
maturidade na redação, quando fixa tempo suficiente (dez minutos) e, ainda,
permite seja convencionado quantidade maior, caso a causa demande maior
grau de complexidade.
A última palavra incumbirá exclusivamente à Defesa, nada mais.
É natural que este privilégio – agora transformado em direito -
permita, principalmente, ao acusado menos favorecido, poder ser mais bem
defendido. Este que, em muitos casos, não conta com os mesmos recursos
que a Procuradoria para produzir provas – esta, aliás, já conta com a súmula
da partida, que goza de relativa presunção de veracidade.
Assim, portanto, é de se elogiar a atitude do legislador desportivo e
servir de estímulo para o florescimento de um processo mais próximo da
busca efetiva pela verdade real dos fatos - inspirado nos valores
estabelecidos na Constituição Federal-, onde a Defesa goze de oportunidades
de construir suas provas e contraditar as da acusação, sem que, com isso, haja
desequilíbrios na relação processual42.
No entanto, teme-se pela colocação deste dispositivo na prática.
Afinal, a vida forense, que serviu e serve de baliza aos membros dos
Tribunais de Justiça Desportiva, no seu dia-a-dia, não contempla tal instituto.
Aliás, consoante exposto, o mesmo foi combatido pela Corte Constitucional.
Observa-se, ainda, o zelo e apreço por tais valores de matriz
constitucional na redação dada ao art. 128, § 3°, CBJD43, ao permitir às partes
proceder a nova sustentação oral, quando o julgamento é retomado em nova
sessão. Ao se analisar regimentos internos de Tribunais Superiores e/ou
Estaduais ou Regionais Federais não se encontram nada semelhante44. Vê-se
que a intenção do Código é conferir máximo exame da prova em busca de
decisão justa, livre de formalismos que possam servir de óbice.
Ademais, esta ampla oportunização à defesa serve ao processo
desportivo deveras, na medida em que a celeridade é regra constitucional que
não pode se perder de vista. Destarte, incumbiu-se o legislador desportivo de
estabelecer este instituto da sustentação oral após o relator como uma das
formas de equacionar este dilema.
2. OS RECURSOS: TRIPLO GRAU DE JURISDIÇÃO,
PROCESSAMENTO E JULGAMENTO.
Outro aspecto a ser enfocado neste escrito, que revela acolhida dos
festejados princípios constitucionais, fugindo ao modelo adotado pelo
ordenamento jurídico pátrio, são os recursos. Um dos institutos que desperta
atenção é a existência de um triplo grau de jurisdição para determinados
casos, hipótese legal que é antiga no âmbito do direito desportivo disciplinar.
Outrossim, a mantença da reformatio in mellium e possibilidade de se repetir
a produção de provas em segundo grau são deveras relevantes.
Segundo se colhe do CBJD, a Justiça Desportiva é estruturada em
Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) e suas Comissões
Disciplinares (CD) e Tribunais de Justiça Desportiva (TJD) e suas respectivas
Comissões. Em síntese, os STJD apreciarão fatos envolvendo competições
nacionais ou interestaduais ou regionais, enquanto os TJD apuram o ocorrido
em certames estaduais.
A teor do CBJD a maioria das condutas proibidas ali descritas têm
como juízo originário as Comissões Disciplinares (primeiro grau), portanto,
caberá ao Tribunal (STJD ou TJD) apreciar recurso aviado, tanto pela
Procuradora, quanto pela Defesa (segundo grau).
No entanto, a Justiça Desportiva, além destas vias ordinárias e bem
similares às que são previstas no âmbito do processo penal e civil, ainda
conserva uma possibilidade regular de exercício de um triplo grau de
jurisdição, o que somente expõe maior chance à manifestação da ampla
defesa e do contraditório. No art. 25, inciso II, alínea a45, definiu-se como
competência do STJD de cada modalidade julgar em grau de recurso as
decisões dos TJD. Ou seja, em sede de competição estadual, por exemplo,
Acusação ou Defesa têm ainda mais uma oportunidade de ver sua pretensão
atingida através de recurso ao STJD quando, porventura, discordem do
posicionamento da Corte Desportiva Estadual.
Todas as decisões dos órgãos judicantes desportivos são recorríveis, a
exceção daquelas proferidas pelo Tribunal Pleno do STJD e as dos Tribunais
de Justiça Desportiva que impuserem multa até o valor de R$ 1.000,00 (hum
mil reais) – conforme art. 136.
Estabeleceu-se, também, que ao juízo ad quem será devolvido o
conhecimento de toda a matéria discutida no processo, salvo quando o
recurso atacar somente determinada parte da decisão fustigada (art. 142).
Naturalmente, se a decisão objeto de irresignação, tanto pela Defesa, como
Procuradoria, se revelar como injusta, mesmo na parte em que um ou outro
não recorreram, é licito à Corte promover a sua reforma ex officio, tendo em
vista o princípio do reformatio in mellium (art. 142, parágrafo único).
Igualmente, mesmo em sede de recurso acusatório, poderá o Tribunal
rever a pena imposta para diminuí-la ou, até mesmo, absolver o acusado. Por
conseguinte lógico, não se admite em recurso defensivo se promova o
agravamento da sanção imposta.
Vê-se, portanto, que o sistema recurso atende sobejamente aos
interesses da ampla defesa e do contraditório. E vai alem, diga-se.
A maior novidade no processamento e julgamento dos recursos se
encontra definida no art. 150, parágrafo único, onde, a critério do relator, em
caráter excepcional, poderão ser novamente produzidas as provas colhidas
pela Comissão Disciplinar. Ressalte-se que se poderá repetir os elementos de
convicção colhidos anteriormente e não produzir novos.
Com efeito, está-se diante de grande avanço legal. O recurso,
atualmente, seja no âmbito do processo penal ou civil, não disciplina sobre
este particular, qual seja a possibilidade do relator admitir a reprodução das
provas produzidas no primeiro grau. É digno de se observar que se confere ao
juízo ad quem o conhecimento de toda a causa, o que, ressalte-se, reveste de
plena legalidade e estrita vinculação aos valores próprios do Estado
Democrático de Direito, a realização de atos processuais direcionados à busca
da verdade real dos fatos.
Por certo, trata-se de hipótese inusitada, que somente se prevê no
CBJD e não se percebe nos Códigos de Processo Penal e Civil ou em
regimentos internos de Tribunais. E, na esfera da Justiça Desportiva ela é
deveras aplicada. Logicamente, o recurso é insurgência contra uma decisão
calcada em elementos colhidos (as provas), portanto, já se encontram
produzidos nos autos, bem como as argumentações escritas. Assim, o mais
comum seria proceder ao seu julgamento sem se realizar nova instrução.
Porém, não obstante a celeridade ser comando constitucional de qualquer
órgão judicial – e na Justiça Desportiva é uma ordem que a alicerça - maior
valor é do exercício da ampla defesa e do contraditório.
Portanto, evidencia-se que agiu com acerta o Conselho Nacional do
Esporte ao acolher o presente instituto, que, de forma clara e direta, permite
às partes exercer, no segundo ou terceiro grau de jurisdição, o seu sagrado
direito de se defender amplamente e contraditar as provas contra si reunidas.
E, com espeque neste dispositivo, poderá o juízo do recurso reproduzir a
prova carreada no feito e, com base em seu convencimento livre e real,
decidir com maior certeza.
3.– CONCLUSÃO.
Consoante exposto alhures, o Código é conhecido e têm explorado
seus novos institutos à medida que os Tribunais se deparam com situações
fáticas que se subsumam aos dispositivos previstos.
Mesmo assim, algumas reformas se fazem mister com o fito exclusivo
de aprimoramento da Justiça Desportiva e plena submissão aos mais caros
princípios constitucionais, sem que, com isso, haja ofensa à autonomia do
direito desportivo disciplinar. À guisa de exemplo, tem-se a necessidade de
conferir maior destaque à assistência jurídica para os jurisdicionados que não
tem condições econômicas de arcar com os custos de um advogado
particular. Possivelmente, a criação de quadro de defensores na estrutura do
Tribunal e

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