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A existencia de Deus - Richard Swinburne

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Prévia do material em texto

Richard Swinburne
 
 
 
 
 
A existência de Deus
 
 
 
 
 
 
 
 
Copyright @ 2004, de Richard Swinburne
Publicado originalmente em inglês sob o título
The Existence of God
pela Oxford University Press,
Great Clarendon Street, Oxford, OX2 6DP, Reino Unido.
 
The Existence of God was originally published in English in 2004.
This translation is published by arrangement with Oxford
University Press. Editora Monergismo is solely responsible for this
translation from the original work and Oxford University Press
shall have no liability for any errors, omissions or inaccuracies or
ambiguities in such translation or for any losses caused by reliance
thereon.
 
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por
ACADEMIA MONERGISTA
Caixa Postal 2416
Brasília, DF, Brasil - CEP 70.842-970 
Telefone: (61) 8410-6700 - Sítio: www.monergista.com.br
 
1a edição, 2015
1000 exemplares
Tradução: Agnaldo Cuoco Portugal
Revisão: Felipe Sabino de Araújo Neto e Rodrigo Rocha Silveira 
Capa: Luís Henrique P. de Paula
 
PROIBIDA A REPRODUÇÃO POR QUAISQUER MEIOS,
SALVO EM BREVES CITAÇÕES, COM INDICAÇÃO DA FONTE.
 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
(CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
 
Swinburne, Richard
A existência de Deus / Richard Swinburne, tradução Agnaldo Cuoco Portugal
– Brasília, DF: Academia Monergista, 2015.
Título original: The Existence of God
 
1. Filosofia 2. Filosofia da religião I. Título.
CDD 201
 
Sumário
 
Prefácio à edição brasileira
Prefácio à segunda edição
Introdução
1. Argumentos Indutivos
2. A natureza da explicação
3. A justificação da explicação
4. Explicação completa
5. A probabilidade intrínseca do teísmo
6. O poder explicativo do teísmo: considerações
gerais
7. O argumento cosmológico
8. Argumentos teleológicos
9. Argumentos da consciência e moralidade
10. O argumento da providência
11. O problema do mal
12. Argumentos com base na história e nos milagres
13. O argumento da experiência religiosa
14. O balanço de probabilidade
Nota adicional 1: A Trindade
Nota adicional 2: Argumentos recentes em favor do
design a partir da Biologia
Nota adicional 3: O argumento de Plantinga contra o
naturalismo evolucionário
 
Prefácio à edição brasileira
Esta é primeira vez que se traduz The
Existence of God de Richard Swinburne para o
português. Publicado originalmente em 1979, com
uma edição revista em 1990, mas substancialmente
ampliado em 2004, trata-se, segundo os especialistas
internacionais na área de filosofia da religião, de um
“clássico contemporâneo”. O amplo reconhecimento
da obra, mesmo fora dos círculos filosóficos
anglófonos (com traduções para o alemão, o
francês, o russo, o espanhol e o árabe), justificam o
esforço aqui concretizado pela Associação Brasileira
de Filosofia da Religião (ABFR), com o generoso
apoio da Fundação John Templeton. A presente
tradução – que toma o texto de 2004 como base – é
a primeira iniciativa da linha editorial que a ABFR
está abrindo de publicações em filosofia da religião
em língua portuguesa.
Mas não é só como um texto
internacionalmente reconhecido que A existência de
Deus adquire importância para a filosofia no Brasil.
Além de permitir acesso a leitores lusófonos de uma
obra discutida em várias partes do mundo, esse livro
abre perspectivas interessantes de discussão para os
filósofos brasileiros dentro do que eles já estão
fazendo. Por um lado, ela permite colocar em
questão aspectos da história da filosofia moderna
que parecem tranquilamente assentados na
comunidade filosófica brasileira, e pouca coisa é
mais filosófica do que questionar o que é tido como
dado. Por outro lado, traz novidades não apenas
para a filosofia da religião (especialmente em
subáreas como a epistemologia da crença em Deus e
a metafísica teológica racional), mas também para a
teoria da explicação científica e o problema da
indução. Neste breve estudo introdutório, pretendo
levantar esses aspectos, com o objetivo de chamar a
atenção para o proveito que a filosofia acadêmica
em nosso país pode tirar da obra que vem aqui a
público.
Pretendo apresentar, como tema integrador,
o modo pelo qual as ideias de Swinburne neste livro
se colocam frente às concepções sobre religião de
David Hume – um autor fundamental da filosofia
moderna que tem ampla influência direta ou indireta
sobre o modo como nossos filósofos pensam esse
assunto em nosso país. Com essa motivação,
exponho sua teoria da indução em termos
probabilísticos bayesianos e sua compreensão da
explicação científica, como possíveis contribuições
para a teoria do conhecimento e a filosofia da
ciência. Por fim, indico como suas posições em
história da filosofia e epistemologia levaram a uma
contribuição original em filosofia da religião e que
podem estimular a reflexão filosófica nacional.
 
1) Elementos da Filosofia da Religião de David
Hume David Hume foi, sem dúvida, um dos mais
influentes autores da filosofia moderna. A rigor, sua
apresentação do problema da indução, sem contar
várias outras contribuições importantíssimas em
teoria do conhecimento, ética e filosofia política
permitem considerá-lo um dos filósofos mais
importantes de toda a história. É inegável sua
influência no pensamento de Immanuel Kant —
admitida explicitamente por este, aliás — e o
enorme papel que os dois tiveram na forte tendência
que teve a filosofia do século XIX e início do século
XX de considerar a crença religiosa algo não
fundamentável em termos de razão argumentativa.
Religião seria uma questão de opção pessoal
privada, não defensável por razões publicamente
apresentáveis e, portanto, a crença em Deus se daria
por motivos não racionais, explicáveis em termos
antropológicos, econômicos, sociais ou psicológicos.
Em outras palavras, a crítica que fez Hume, com a
ajuda de Kant, da possibilidade de se argumentar
racionalmente em favor da existência de Deus teve
um enorme alcance na filosofia da religião dos
séculos posteriores. Assim, ao menos como pano de
fundo, a tese de que a crença em Deus não é
defensável racionalmente teve como resultado na
história da filosofia recente as críticas de Feuerbach,
Marx, Nietzsche e Freud à religião.
Sendo assim tão fundamental, vale a pena
investigarmos os principais elementos da teoria
filosófica da religião de Hume. Se nos
concentrarmos apenas nos Enquiry Concerning
Human Understanding (1748) e nos Dialogues
Concerning Natural Religion (1779), podemos
identificar dois dos temas principais da filosofia da
religião do filósofo escocês: a irracionalidade da
crença em milagres (com base numa negação do
valor epistemológico do testemunho em comparação
com a indução empírica) e a crítica à tentativa de
fundamentar argumentativamente a crença no
teísmo (a tese de que há um Deus pessoal
onipotente, onisciente, infinitamente bom, criador e
mantenedor do universo e digno de adoração
religiosa).
Numa das passagens mais famosas e
representativas da filosofia da religião do século
XVIII, Hume dedica a seção X de An Enquiry
Concerning Human Understanding (1748) a uma
análise da crença em milagres conforme os
princípios de teoria do conhecimento estabelecidos
até então em seu tratado.
Segundo Hume, estaria bem estabelecida a
ideia de que, para a maioria das pessoas, a crença
em eventos milagrosos se fundamenta não nos
sentidos, mas no relato de outras pessoas que o
alegam ter presenciado, ou seja, a crença em
milagres se baseia no testemunho. No entanto, a
credibilidade de um testemunho é inferior à dos
sentidos, pois estes são a fonte daquele e à medida
que o testemunho é passado adiante, menor é sua
confiabilidade, pois mais distante ele fica de sua
fonte.
Para Hume, o grau de admissão de uma
crença em uma ideia deve ser proporcional aos
indícios (evidence em inglês) que a fundamentam,
uma posição que é hoje classificada como
“evidencialismo”. Em questões de fato, quanto mais
numerosos são os indícios em favor de uma ideia,
mais forte deve ser nossa crença nela, ainda que se
aceite a possibilidade de que ela seja falsa, dado que
não há necessidadeem questões empíricas. É graças
à constância observável pelos sentidos que o
testemunho tem credibilidade, para Hume, pois é a
experiência que mostra que, na maioria das vezes,
nossa memória não erra, que as pessoas tendem a
não se enganar em seus relatos e que tendem a dizer
a verdade por temer a censura em caso de serem
descobertas (Enquiry, seção X, 88). Por outro lado,
a experiência mostra várias razões para duvidar do
testemunho como fundamento de uma crença. Entre
tais razões temos a existência de relatos
contraditórios, que se anulam entre si, e o interesse
de quem relata o testemunho em que aquela ideia
seja aceita.
O que se tem, no caso dos milagres é uma
oposição entre a força de um testemunho, de um
lado, e a força da experiência, de outro lado.
Segundo Hume, Um milagre é uma violação das
leis da natureza; e como uma experiência firme e
inalterável estabeleceu essas leis, a prova contra
um milagre, a partir da natureza mesma do fato, é
tão completa quanto se pode imaginar poder sê-lo
qualquer argumento com base na experiência
(Hume, Enquiry, seção X, 90. Tradução própria).
Para Hume, portanto, a questão da
racionalidade da crença em milagres é claramente
desfavorável à religião. Para ele, Deve haver,
portanto, uma experiência uniforme contra todo
evento miraculoso, pois de outro modo o evento
não mereceria esse nome. E como uma experiência
uniforme equivale a uma prova, há aqui uma prova
direta e completa, a partir da natureza do fato,
contra a existência de qualquer milagre; nem uma
prova assim pode ser destruída nem se pode tornar
o milagre crível a não ser por uma prova oposta
que seja superior (Hume, Enquiry, seção X, 90).
Para Hume, assim, a crença racional em
milagres não pode ser estabelecida, devido à
irremediável fraqueza do testemunho em
comparação com a força da experiência constante,
que fundamenta a verdade das leis naturais.
Consequentemente, a crença cristã, tão centralmente
baseada em milagres, não pode ser aceita por quem,
como toda pessoa racional, se pauta por princípios
do hábito e da experiência (Hume, Enquiry, seção
X, 101).
Além da rejeição aos milagres, a filosofia da
religião de Hume é também famosa por suas críticas
à teologia natural. Publicados postumamente, os
Dialogues Concerning Natural Religion (1779)
analisam três dos principais argumentos sobre a
existência de Deus: o teleológico (partes II a VIII), o
cosmológico (parte IX) e o problema do mal (partes
X e XI). Apesar das últimas palavras do livro serem
favoráveis a Cleantes (o personagem do diálogo que
defende o argumento teleológico), o tom
predominante do livro é de ceticismo quanto à
possibilidade de se fundamentar racionalmente a
crença em Deus — tese defendida por Filo, que os
comentadores de Hume geralmente entendem ser o
porta-voz do próprio filósofo escocês.
O argumento de Cleantes tenta inferir da
ordem complexa e sutilmente encadeada do universo
a existência de um Ser Inteligente, tendo como base
uma analogia entre os artefatos humanos e a
intenção dos que os produziram. Filo formula várias
alternativas a essa explicação: o universo pode ter
resultado da ação não de um, mas de vários deuses
em colaboração, como no politeísmo; pode ter sido
objeto da intenção de um deus limitado em seus
poderes, incapaz de criar um universo realmente
perfeito; pode ser como um corpo do qual Deus seja
a alma, ao modo de um panteísmo; pode ser antes
como um organismo, que tem em si mesmo o
princípio de geração e desenvolvimento, ou seja,
que o universo não se deva a qualquer inteligência
externa a ele, mas a causas materiais imanentes. Em
outras palavras, a tese de um Deus único,
infinitamente bom e inteligente é apenas uma das
opções para se explicar um fenômeno que tem um
número potencialmente infinito de explicações.
A principal crítica contra a tentativa de
fundamentar a crença em Deus num argumento
racional é de que se trata aqui de uma área na qual a
razão não tem mais o apoio da experiência para
avaliar se uma hipótese é mais provável do que
outra. Nesse caso, tem-se um campo fértil para a
elucubração sem limite. Segundo Filo: O que você
atribui à fertilidade de minha invenção, replicou
Filo, deve-se inteiramente à natureza do assunto.
Em assuntos adaptados ao estreito compasso da
razão humana, há geralmente apenas uma
determinação que traz em si probabilidade ou
convicção; e para um homem de juízo sólido, todas
as outras suposições, a não ser aquela, parecem
inteiramente absurdas e quiméricas (Hume,
Dialogues, parte viii).
O problema com esse tipo de assunto está no
fato de que seu conteúdo está muito além da
experiência, pois: E onde está a dificuldade,
respondeu Filo, dessa suposição? Todo evento
antes da experiência é igualmente difícil e
incompreensível; e todo evento, após a experiência,
é igualmente fácil e inteligível (Hume, Dialogues,
parte viii).
Em outras palavras, na medida em que esse
assunto foge muito ao âmbito da experiência
imediata, a melhor opção em termos racionais é a
suspensão do juízo, ou seja, é melhor não considerar
que haja uma base racional para a crença teísta.
 
2) Richard Swinburne e a credibilidade
intelectual do teísmo Richard Grenville Swinburne
foi professor catedrático na área de filosofia da
religião cristã na Universidade de Oxford entre 1985
e 2002. Juntamente com Alvin Plantinga, é
considerado o mais importante filósofo analítico da
religião contemporâneo.
O propósito de sua filosofia da religião é
tentar responder o desafio colocado pela filosofia
moderna à racionalidade da crença religiosa,
particularmente o cristianismo. Insatisfeito com o
que considerou uma admissão muito fácil da
acusação de irracionalidade e com o abandono, por
parte dos intelectuais cristãos mais proeminentes, do
intento de apresentar argumentos filosoficamente
sustentados em favor da crença cristã, Swinburne se
propôs o seguinte programa de pesquisa: … usar os
critérios da ciência natural moderna, analisados
com o rigor cuidadoso da filosofia moderna, para
mostrar o significado e a justificação da teologia
cristã. (Swinburne, 1994, p. 8) Esse programa
rendeu uma obra filosófica considerável, com livros
sobre os mais importantes temas de metafísica,
teoria do conhecimento, ética, filosofia da ciência,
filosofia da mente, antropologia filosófica e,
particularmente, filosofia da religião. Os livros
principais se agrupam em dois conjuntos de obras.
Primeiramente, ele publicou uma trilogia sobre a
crença teísta em geral: The Coherence of Theism
(1993, sobre o conceito de Deus do monoteísmo),
The Existence of God (1979, 1991 e 2004, com
argumentos sobre a crença em Deus analisados de
modo probabilístico) e Faith and Reason (1981 e
2005, sobre a relação entre a racionalidade da
crença em Deus e a fé religiosa). Além disso,
Swinburne escreveu uma tetralogia sobre filosofia da
doutrina cristã: Responsibility and Atonement
(1989), Revelation: from Metaphor to Analogy
(1991, 2007), The Christian God (1994) e
Providence and the Problem of Evil (1998).
São muitas as facetas da contribuição de
Swinburne para a filosofia da religião, mas,
conforme já anunciado acima, este texto pretende se
concentrar em dois aspectos apenas: sua resposta à
crítica de Hume aos milagres e sua versão indutiva
dos argumentos sobre a existência de Deus, que
também rebatem objeções céticas humianas.
Swinburne defende o valor epistêmico da crença em
milagres com razões em favor da credibilidade do
testemunho e com uma compreensão diferente da
proposta por Hume acerca do papel da experiência
na fundamentação de uma crença. Vejamos como se
apresentam cada um desses temas.
Swinburne aceita a definição humiana de
milagre como “violação das leis naturais”, mas dá a
ela um sentido diferente. Leis naturais podem ser
determinísticas ou probabilísticas. No sentido
determinístico, um milagre é uma exceção à
determinação taxativa da lei. No sentido
probabilístico, o evento é apenas altamente
improvável, mas não impossível. Nos dois casos, um
milagre é tido como um evento que, para ser
incorporado ao conjuntode situações previsíveis
pela lei natural, exigiria uma complicação teórica tão
grande desta e a tornaria tão dissonante do restante
do conhecimento estabelecido sobre o mundo, que
já não confiaríamos mais na sua capacidade
preditiva (Swinburne 2004, p. 281).
Mas, o que permitiria aceitar uma ocorrência
como milagrosa? Para Hume, como vimos, o
simples fato de que é algo contrário à uniformidade
descrita numa lei natural já parece uma boa razão
para pensar que coisas assim não aconteçam. No
entanto, esse ponto de partida desfavorável pode ser
revertido por outras razões que confirmem que um
fato assim inesperado realmente ocorreu. Indícios de
memória do próprio sujeito de crença, do
testemunho de outros sujeitos acerca do que
presenciaram e se lembram, e vestígios deixados
pela ocorrência extraordinária que são coerentes
com seu caráter inusual são modos de confirmar a
crença num fato que, a princípio, é muito pouco
provável em relação ao conhecimento que temos do
mundo. Assim, diz Swinburne, não há por que
concordar com Hume que o simples fato de
contrariar uma lei natural já é suficiente para rejeitar
a crença em milagres.
Não só os indícios alternativos citados
podem ser fortes o bastante para tornar provável
essa crença, mas também a probabilidade de existir
um Deus pessoal como o postulado pelo teísmo
seria um elemento a mais a dar razão para se crer
que milagres podem acontecer (cf. Swinburne 2004:
284). Se Deus existisse, ele poderia se valer de
milagres para responder a ações humanas livres,
como uma prece ou um clamor e, mesmo que
fossem raras e excepcionais, essas ocorrências não
seriam sem razão. Além disso, Deus poderia se valer
de um milagre para assinalar sua aprovação ao
trabalho ou ensinamento de um profeta, por
exemplo. Essa questão, no entanto, remete ao
segundo tópico principal da crítica de Hume à
religião — a rejeição aos argumentos da teologia
natural – que será visto mais adiante. Antes, porém,
vejamos como Swinburne lida com a teoria humiana
acerca do testemunho.
O autor do livro que está traduzido neste
volume considera o testemunho não apenas uma
fonte importantíssima de informação, mas também
fundamental para todo o conjunto de crenças que
formamos. Ele contesta a tese de Hume de que
nosso fundamento para crer no relato dos outros
está na observação de que as pessoas
frequentemente falam a verdade. Segundo
Swinburne, a razão para crer com base no
testemunho é muito mais profunda do que essa, pois
a crença no testemunho é condição para o próprio
aprendizado da linguagem. Em outras palavras, não
teríamos como relacionar ideias e coisas, bem como
ideias entre si, a não ser que partíssemos da crença
de que aqueles que nos ensinam ou servem de
modelo para a comunicação verbal são verídicos.
“Mas”, afirma Swinburne, “se é assim, eu não
poderia descobrir pela experiência que os outros
normalmente dizem o que é verdadeiro — porque
tenho uma crença acerca do que eles querem dizer
por suas palavras apenas no pressuposto anterior de
que eles normalmente estão dizendo a verdade”
(Swinburne, 2001, p. 124).
Isso significa que a crença no conteúdo do
testemunho é condição fundamental para o
conhecimento humano e não apenas um atalho para
a experiência direta do sujeito. Não é por acaso que
uma proporção significativa de nossas crenças,
talvez mesmo a imensa maioria das que julgamos
verdadeiras, tenham como fonte o testemunho. Um
exemplo trivial é a crença que cada um de nós tem
acerca da veracidade do próprio nome, uma crença
que não temos razão para duvidar. E como cada um
de nós sabe do próprio nome? Apenas e tão somente
pelo testemunho, seja porque as pessoas que
presenciaram nosso batizado ou registro civil nos
dizem isso, seja porque um documento (que é
apenas uma forma de testemunho, de fonte de
informação com base na declaração de alguém) nos
mostra isso. Assim, a atitude mais racional não é a
de inicialmente duvidar do testemunho ou de
entendê-lo como uma fonte secundária de crenças,
mas a de tomar o fato de que alguém afirma a
proposição p como razão para pensar que p é
verdadeiro. Em outros termos, segundo Swinburne,
o fato de que uma proposição p é afirmada por um
sujeito S torna p provavelmente verdadeiro a
princípio, sendo esse então um princípio indutivo
perfeitamente razoável de ser seguido (cf.
Swinburne, 2005, p. 27). A esse princípio de que o
que alguém afirma – na falta de razões positivas
para duvidar — é provavelmente verdadeiro, nosso
autor chama de “princípio de testemunho”.
Com a noção de princípio indutivo,
chegamos ao elemento mais importante da
contribuição de Richard Swinburne à filosofia da
religião. Como vimos acima, seu propósito era
mostrar o significado e justificação racional da
religião cristã com base nos critérios de
fundamentação argumentativa da ciência moderna.
Para Swinburne, as ciências naturais modernas são
fundamentalmente indutivas, mas o sentido de
indução não é o de enumeração simples, pelo qual
se conclui uma tese geral a partir da observação de
casos individuais (“o urubu 1 é preto, o urubu 2 é
preto, o urubu n é preto, logo todo urubu é preto”).
Segundo nosso autor, o melhor modo de entender o
raciocínio científico indutivo nas ciências empíricas
modernas é interpretá-lo em termos probabilísticos,
com o auxílio do cálculo de probabilidades, tendo
como ferramenta principal o Teorema de Bayes.
Talvez a contribuição mais significativa de
Swinburne para a filosofia da religião esteja no uso
da interpretação bayesiana do raciocínio científico
— ou seja, baseada no Teorema de Bayes – para
apresentar e fazer um balanço de argumentos sobre
a existência de Deus. No restante desta parte,
pretendo esclarecer as principais ideias deste
parágrafo.
Na interpretação bayesiana do raciocínio
indutivo, a relação entre uma hipótese explicativa e
os indícios empíricos se dá entre proposições: a
hipotética e as proposições empíricas. Essa relação é
expressa em termos de grau de probabilidade, pelo
qual uma proposição empírica que se torna mais
provável em vista da hipótese em questão aumenta a
probabilidade da hipótese, especialmente se a
proposição empírica for pouco explicada em vista do
conhecimento que já se tem. Dito de outro modo,
quanto menos provável for a proposição empírica
em vista do que já se conhece anteriormente à
hipótese formulada e quanto mais provável a
proposição empírica se torna em vista da hipótese,
maior é o poder explicativo da hipótese, ou sua
verossimilhança (likelihood em inglês). Além do
poder explicativo entendido nesses termos, a
confirmação indutiva de uma hipótese depende
também de sua probabilidade prévia, que é também
avaliada em termos do conhecimento anterior à
formulação da hipótese. “Anterior” aqui se refere
àquilo que se conhece excluindo-se a própria
hipótese. A probabilidade prévia de uma hipótese
mede, então, seu grau de plausibilidade, com base
naquilo que já se conhece na área e em critérios não
empíricos, como simplicidade e abrangência. Em
termos formais, na sua formulação mais simples, o
Teorema de Bayes permite a seguinte formalização
dos termos principais do raciocínio indutivo: 
 
Probabilidade posterior de h Poder explicativo de h
Probabilidade prévia de h
P(h/e.k) (lê-se “a probabilidade de h dado e
e k”) é o valor a que se quer chegar. Quanto maior a
probabilidade posterior de uma hipótese h, mais
confirmada ela é pelos dados empíricos e que foram
considerados para o seu teste. O poder explicativo
de h é dado pela verossimilhança de h [P(e/h.k)] e o
grau de expectativa de e [P(e/k)]. Quanto maior for
a verossimilhança de h, ou seja, quanto maior for a
probabilidade do evento e em vista da hipótese h em
questão (quanto mais explicado ficar e em vista de
h), maior tenderá a ser a probabilidade posterior de
h. Por outro lado, quanto menor for o grau de
expectativa de e [P(e/k)], ou seja, quanto menos e
ficar explicado em vista do que já se conhece (k),
maior tenderá a ser a probabilidade posterior de h.
Por fim, a probabilidade prévia de h é o grau de
plausibilidade da hipóteseem vista do conhecimento
já estabelecido.
Desse modo, na interpretação bayesiana do
raciocínio científico, a avaliação de hipóteses rivais
como opções de explicação de um conjunto de
fenômenos não se dá apenas em vista das
proposições empíricas que ela pretende explicar,
mas de outros fatores também. Assim, para
Swinburne, Deve haver um critério para se
escolher entre o infinito número de teorias que são
igualmente bem sucedidas em predizer as
observações já feitas, de modo a sermos capazes de
fazer predições justificadas sobre o futuro. A
história da ciência revela que, na falta de
conhecimento de fundo, esse critério é basicamente
o critério de simplicidade (Swinburne, 2004, p. 59).
Dito de outra maneira, há sempre mais de
uma teoria capaz de explicar um mesmo conjunto de
fenômenos, o que significa que, em certos casos, a
experiência não consegue resolver sozinha a questão
acerca de que explicação é a mais justificada. Nesses
casos, que a filosofia da ciência contemporânea
chama de subdeterminação da teoria pela
experiência, a escolha racional precisa lançar mão de
critérios não empíricos. Para Swinburne, a
simplicidade seria o principal desses critérios a
tornar provável uma hipótese, no sentido de que
quanto mais simples for uma teoria, mas provável
ela será a priori.
Explicar um determinado fenômeno e,
portanto, envolve a consideração de duas
probabilidades que são combinadas formalmente
pelo teorema de Bayes: a plausibilidade prévia e o
poder explicativo da hipótese que pretende explicar
e. A explicação mais justificada será a mais provável
no fim das contas, considerando-se o produto das
duas. Essa avaliação é normalmente comparativa, ou
seja, considerando-se as alternativas rivais de
entendimento de um mesmo fato. Uma explicação
de um fenômeno e pode ser explicada por uma
teoria mais ampla, mas explicar algo não exige que
seja impossível seguir na sequência explicativa. Por
exemplo, posso explicar minha atitude de me
levantar e me dirigir à cozinha por minha vontade de
beber água. Apesar de não ser uma explicação final,
ela é satisfatória, não exigindo normalmente
acrescentar uma teoria da fisiologia da sede ou das
razões bioquímicas ou biofísicas que me levaram a
ter vontade de beber água. É verdade, porém, que se
podem acrescentar níveis mais amplos de
explicação, quando novas questões vão se
colocando, após a explicação ser oferecida. Minha
atitude pode, então, ser explicada por teorias gerais
da biologia, da química e da física que deem conta
da sensação de sede de animais do gênero no qual se
enquadram os seres humanos.
No entanto, diz Swinburne, apesar de minha
atitude de me levantar e ir à cozinha beber água
poder ser explicada também por fatores ambientais e
bioquímicos, além das leis da física e da química,
isso não significa que intenções sejam redutíveis a
explicações materiais. Explicar uma ocorrência é
dizer o que causou esse fenômeno e por que ele
ocorreu. No caso de explicações científicas, usando-
se o esquema proposto por Carl Hempel, um fato e
se explica por suas condições iniciais e pelas leis
naturais que lhe dizem respeito. No entanto, para
Swinburne, ações de seres dotados de capacidade de
deliberação intencional não são explicadas somente
por causas e leis naturais. Para se explicar a ação de
escrever um livro, exige-se não apenas dar conta dos
fatos físicos, químicos e biológicos que permitem
esse acontecimento ocorrer, mas também a
postulação de poderes, crenças e intenções do
agente que realizou aquela ação. A essa postulação
de causas (poderes e crenças) e razões (intenções
conscientes) para explicar e, Swinburne denomina
“explicação pessoal”. A explicação pessoal seria um
tipo diferente da explicação material ou científica e
não redutível a esta, embora as duas possam ser
combinadas.
É possível dizer que a aplicação feita por
Swinburne da interpretação bayesiana do raciocínio
científico ao problema da justificação da crença na
existência de Deus responde às principais críticas de
Hume aos argumentos da teologia natural. Em
primeiro lugar, esses argumentos não precisam ser
vistos de forma separada apenas, mas podem ser
tomados como indícios particulares de um mesmo
argumento cumulativo. Assim, a hipótese de que
Deus existe pode ser avaliada quanto a sua
probabilidade em relação a indícios como a
existência do universo, a ocorrência de ordem no
universo, o fato de haver seres conscientes, o mal e
a experiência religiosa. Cada um desses indícios, que
eram tomados como argumentos separados contra
ou a favor da existência de Deus podem ser
integrados num mesmo argumento indutivo, com a
ajuda da formalização provida pelo Teorema de
Bayes, de modo a confirmarem ou infirmarem essa
hipótese. Ao final de The Existence of God,
Swinburne defende que o balanço em favor do
teísmo em vista desses indícios tomados em
conjunto é favorável, ou seja, que eles tornam a
crença em Deus provável.
Por outro lado, como vimos, além do poder
explicativo, uma hipótese precisa ser avaliada quanto
a sua probabilidade prévia. Swinburne defende que
aqui, como na ciência em geral, o principal critério a
ser levado em conta é o de simplicidade (cf.
Swinburne, 2004, p. 145ss.). Com base nesse
critério, ele propõe que a hipótese teísta seja
superior a todas as suposições alternativas sugeridas
pelo personagem Filo dos Dialogues de Hume.
Diferentemente do politeísmo, o monoteísmo sugere
uma única entidade e não várias, sendo mais simples
no sentido de postular menos entidades. Diferente
da tese de um deus com poderes limitados, o
monoteísmo seria mais simples no sentido de que
postular um grau infinito requer menos explicações
adicionais que postular qualquer grau limitado, pois
neste último caso é preciso dizer por que foi
sugerido aquele grau e não um imediatamente
superior ou inferior. Pelo mesmo princípio de
simplicidade é possível rejeitar hipóteses mais
bizarras, como a do universo como um imenso ser
orgânico.
É verdade que não postular princípio exterior
ao universo físico nenhum seria mais simples que
postular a existência de Deus. No entanto, afirma
Swinburne, o problema passa a ser como explicar a
existência do próprio universo e de várias de suas
características, que parecem ser ou pressupostas pela
atividade científica ou implicariam um aumento de
complexidade inaceitável do arcabouço teórico
científico para poderem ser explicadas.
Em suma, além de uma boa resposta à
rejeição humiana da crença em milagres[1], a
filosofia da religião de Swinburne mostra que as
objeções de Hume não são suficientes para rejeitar a
possibilidade da teologia natural como parte de uma
concepção metafísica geral racionalmente
justificada. Na concepção de Swinburne, ao invés de
se opor à atividade científica, a teoria geral acerca da
realidade pressuposta nas religiões monoteístas,
especialmente o cristianismo, pode ser tida como
complemento à ciência, inclusive até justificável nos
termos mais amplos do próprio raciocínio científico.
Ao contrário do que pensava Hume, a concordância
com a experiência imediata não é o único modo de
se justificar uma hipótese, pois, por vezes, várias
teorias explicam os mesmos fenômenos mesmo nas
ciências empíricas. O desenvolvimento da ciência
moderna, que recorre constantemente a conceitos
não observáveis, mostra ser inadequado impor como
estrito limite do conhecimento aquilo que pode ser
reduzido a uma observação direta, tal como
propunha Hume (e, num certo sentido pelo menos,
também Kant). Se for com base nesses limites
inadequados do conhecimento que se deva rejeitar a
possibilidade de justificação racional da crença em
Deus, então não há por que aceitar essa rejeição.
Por outro lado, Swinburne postula o teísmo
como uma explicação pessoal (com base em
crenças, poderes e intenções) para esses fenômenos
que ou são grandes demais ou estranhos demais para
as ciências naturais explicarem. Fenômenos que são
supostos pela atividade científica (a existência de um
universo e de ordem inteligível neste) ou que
exigiriam uma explicação científica complexademais
(a existência de consciência ou de eventos como
experiências religiosas) parecem ficar mais bem
explicados pela ação intencional de um agente. E
como Deus é um ser incorpóreo, caso exista, sua
intenção não é sequer explicável pela ação das leis
naturais. O que se teria, nesse caso, é um tipo de
explicação que não pode ser explicada de modo
mais amplo, não cabendo perguntar: “e o que fez
surgir Deus?”, uma vez que ele é postulado como
onipotente, eterno, perfeitamente livre e fora do
alcance da explicação científica.
 
3) Perspectivas para a Filosofia da Religião
contemporânea É claro que o bayesianismo é
apenas uma das interpretações possíveis do
raciocínio científico e, como toda teoria interessante
em filosofia, é criticado em suas pretensões.[2]
Entretanto, a proposta de Swinburne mostra que não
é assim tão claro que não se possa mais argumentar
racionalmente em favor da existência de Deus em
vista do tipo de raciocínio exemplificado pela ciência
moderna, como teriam dito Hume e Kant. A relação
entre ciência moderna e religião cristã é mais
complexa do que a tese popular do conflito, como
mostram autores como John Brooke (1991) e R.
Hooykaas (1972), por exemplo. Casos de diálogo e
colaboração são também notáveis e frequentes.
A filosofia da religião de Richard Swinburne
contribui para restabelecer a credibilidade epistêmica
da crença religiosa cristã mostrando que ela pode ser
reconstruída e argumentada em termos de padrões
de raciocínio científico moderno. Abre-se, então, a
perspectiva de lidar com crenças religiosas não
apenas como referências para a ação e como sentido
existencial em termos subjetivos, tal como parece ser
a concepção predominante entre os filósofos do
século XVIII em diante. Juntamente com outros
pensadores importantes da chamada filosofia
analítica da religião, Swinburne ajuda a estabelecer
uma instigante linha de pesquisa, que vê a crença
religiosa em termos realistas e racionais.[3] Em certo
sentido, isso é algo que já havia sido feito
anteriormente, por pensadores como Agostinho de
Hipona, Tomás de Aquino e Duns Scotus, mas que
é proposto agora num tempo de enorme prestígio da
pesquisa científica, nos termos mesmos dessa nova
forma de pensar.
The Existence of God aqui traduzida para o
português pode ser criticada de vários modos. Pode-
se, por exemplo, rejeitar o dualismo explicativo que
distingue explicação pessoal de explicação material
ou científica. Mas, nesse caso, será preciso arcar
com a dificuldade de lidar em termos naturais
apenas com ações que parecem provir de decisão
intencional. Pode-se questionar a noção de
simplicidade e sua relevância para a avaliação
comparativa de hipóteses explicativas, mas isso
implicará oferecer um sentido para essa ideia que
parece tão presente na história da ciência em
momentos de se escolher a teoria mais provável.
Pode-se também questionar a aplicação da noção de
simplicidade e do esquema de raciocínio indutivo
bayesiano ao problema da racionalidade da crença
em Deus.[4] O importante de um bom texto
filosófico não é trazer respostas que não possam ser
questionadas, mas fazer pensar as questões de modo
mais aprofundado e criativo. The Existence of God,
agora traduzido para o português, tem tudo para dar
essa contribuição para a filosofia brasileira.
 
— Dr. Agnaldo Cuoco Portugal
Universidade de Brasília
 
Bibliografia
 
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historical perspectives. Cambridge: Cambridge
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Probabilístico na Discussão da Crença em Deus.
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SWINBURNE, Richard. Epistemic Justification.
Oxford: Oxford University Press, 2001.
SWINBURNE, Richard. The Existence of God —
Second Edition. Oxford: Clarendon, 2004.
SWINBURNE, Richard. Faith and Reason —
Second Edition. Oxford: Clarendon, 2005.
Prefácio à segunda edição
A existência de Deus é o livro central dentre
todos os que escrevi sobre filosofia da religião. Ele
foi publicado originalmente em 1979. A “edição
revista” foi publicada em 1991, mas a revisão
consistiu meramente do acréscimo de dois
apêndices; o texto principal permaneceu intacto. A
presente revisão é muito mais substancial. Reescrevi
minhas descrições, nos capítulos 6, 7 e 8 dos
argumentos cosmológico e teleológico, incorporando
neles o material dos apêndices de 1991,
desenvolvendo o argumento a partir das leis da
natureza com uma discussão da natureza dessas
(dependente de um Capítulo 2 reescrito) e
melhorando minha descrição do argumento da
sintonia fina. Alterei o capítulo 9 em vista de meu
trabalho subsequente acerca da consciência; e os
Capítulos 10 e 11 em vista de meu trabalho
subsequente acerca do problema do mal.
Acrescentei três notas adicionais — uma para
mostrar como os argumentos em favor da existência
de um Deus são compatíveis com a doutrina cristã
da Trindade (Deus como “três pessoas de uma
substância”), e duas discutindo recentes variações
influentes do argumento do design. Rearranjei
amplamente o material do Capítulo 12 a fim de
tornar o argumento mais claro. Há também
alterações menores em vários outros pontos do livro.
No curso dessas várias alterações, conectei o que
tenho a dizer com novos livros e artigos recentes
importantes. Embora minhas visões acerca de
muitos pequenos pontos envolvidos no argumento
da primeira edição de A Existência de Deus tenham
mudado, continuo convencido da correção de sua
abordagem geral do tópico, e de sua conclusão
resultante. Um estudioso diligente das edições
anteriores detectará, contudo, uma simpatia
ligeiramente maior pelo argumento do mal contra a
existência de Deus, balanceada por uma confiança
ligeiramente maior na força do argumento da
consciência moral em favor da existência de Deus (e
também considerável confiança na força de um
argumento com base no milagre da Ressurreição de
Jesus, ao qual, por razões de espaço, eu meramente
aludo neste livro, mas em favor do qual argumentei
pormenorizadamente em meu livro The
Ressurrection of God Incarnate (Clarendon Press,
2003).
A primeira edição foi baseada em duas séries
das Wilde Lectures apresentadas na Universidade de
Oxford, no Hilary Term [período letivo entre janeiro
e março] de 1976 e no Hilary Term de 1977; e em
duas Forwood Lectures proferidas na Universidade
de Liverpool em fevereiro de 1977. Sou grato
àqueles que me escolheram originalmente para essas
palestras e a todos os que me ajudaram
posteriormente em meu entendimento dos
problemas em discussões orais e em publicações
críticas. Meus críticos são muitos e me deram muita
ajuda.
Sou grato aos editores e editoras dos
respectivos periódicos pela permissão de reusar
material que foi incorporado em edições anteriores
destes artigos: “Whole and Part in Cosmological
Arguments”, Philosophy, 44 (1969) 339-40; “The
Argument from Design”, Philosophy, 43 (1968)
199-212; “The Argument from Design — A
Defence”, Religious Studies, 8 (1972) 193-205;
“The Problem of Evil”, in S. C. Brown (ed.),
Reason and Religion (Cornell University Press,
1977); “Natural Evil”, American Philosophical
Quarterly, 15 (1978), 295-301; “Mackie, Induction,
and God”,Religious Studies, 19 (1983), 385-91;
“The Argument from the Fine-Tuning of the
Universe”, in J. Leslie (ed.), Physical Cosmology
and Philosophy (Collier MacMillan, 1990).
Obrigado a editores e editoras pela permisssão de
usar material mais recente dos seguintes artigos:
“The Argument from Laws of Nature Reassessed”,
in M. Stone (ed.), Reason, Faith and History:
Essays in Honour of Paul Helm (Ashgate, 2004),
“The Argument to God from Fine-Tuning
Reassessed” in N. A. Manson (ed.), God and
Design: The Teleological Argument and Modern
Science (Routledge, 2003); “What is so Good about
Having a Body?”, in T. W. Bartel (ed.),
Comparative Theology (SPCK, 2003); e “Prior
Probabilities in the Argument from Fine-Tuning”,
que está para sair num suplemento da Faith and
Philosophy. Obrigado à Oxford University Press
pela permissão em reusar inteiramente no Capítulo 9
uma grande seção do meu livro mais curto Is There
a God? (Oxford University Press, 1996); e, no
Capítulo 11, passagens de meu livro Providence and
the Problem of Evil (Clarendon Press, 1998). E,
finalmente, muito obrigado a Sarah Barker por sua
digitação e redigitação paciente das muitas versões
desta nova edição.
Introdução
A existência de Deus é uma sequência de A
coerência do teísmo [The Coherence of Theism],
publicado originalmente em 1977. A coerência do
teísmo discutiu o que significa dizer que Deus existe
e se a afirmação de que Deus existe é internamente
coerente. A existência de Deus discute se esta
afirmação é verdadeira; está preocupado em avaliar
o peso dos argumentos a partir da experiência em
favor e contra esta afirmação e em chegar a uma
conclusão quanto a se, num balanço final, os
argumentos indicam que Deus existe ou que não
existe. O presente livro assume que a afirmação de
que Deus existe não é demonstrativamente
incoerente (isto é, logicamente impossível), e assim
que é adequado procurar por indícios de sua
verdade ou falsidade. Para argumentos que
justifiquem esse pressuposto, devo referir ao meu
trabalho anterior. Contudo, não é de modo algum
necessário para um leitor ter lido o trabalho anterior
a fim de entender este; nem, com a exceção que se
acabou de descrever, este trabalho pressupõe os
resultados do anterior. Os problemas discutidos em
A existência de Deus são de uma preocupação mais
geral que os discutidos em A coerência do teísmo. A
maior parte das pessoas geralmente supôs que elas
entendiam de algum modo muito vago o que queria
dizer que Deus existia; e, na medida em que eles
supunham que as palavras humanas eram apenas um
guia imperfeito para o que era afirmado, que a
afirmação não era demonstrativamente incoerente.
Intensa discussão do sentido exato da afirmação e se
é incoerente, tem sido primariamente a preocupação
de teólogos e filósofos profissionais. Mas o que
preocupa as pessoas comuns ao longo dos séculos é
se os indícios da experiência humana mostram que a
afirmação é verdadeira ou se é falsa. Esse problema
é o tópico deste livro. O livro visa discutir esse
tópico em profundidade e com rigor.
O livro é escrito com a profunda convicção
da possibilidade de se alcançar uma conclusão
bastante bem justificada por argumento racional
acerca desse problema, talvez o mais importante de
todos os assuntos profundos que inquietam a mente
humana. É uma convicção que foi explicitamente
reconhecida pela vasta maioria dos filósofos cristãos
(e não cristãos) dos séculos treze ao dezoito e, creio
eu, partilhada, embora discutida apenas brevemente,
pela maioria dos filósofos cristãos (e não cristãos) do
século primeiro ao doze. No século dezenove,
porém, a teologia filosófica começou a sentir a
poderosa influência cética de Hume e Kant. Esses
filósofos apresentaram princípios que visavam
mostrar que a razão não poderia nunca alcançar
conclusões justificadas acerca de assuntos muito
além do alcance da experiência imediata e, acima de
tudo, que a razão nunca poderia alcançar uma
conclusão justificada acerca da existência de Deus.
Em anos recentes, muitos outros argumentaram no
mesmo sentido, de modo que tanto entre os
filósofos profissionais e fora de seu círculo restrito,
há hoje profundo ceticismo quanto ao poder da
razão de alcançar uma conclusão justificada acerca
da existência de Deus.
À medida que construo meus argumentos
positivos, darei brevemente minhas razões para
pensar que os princípios de Hume e Kant estão
errados e que a razão pode alcançar conclusões
justificadas fora dos limites estreitos delineados por
estes filósofos. Aqueles que acreditam na capacidade
da ciência moderna de alcançar conclusões
justificadas (e excitantes) acerca de coisas muito
além da experiência imediata, como partículas
subatômicas, e forças nucleares, o “Big Bang” e a
evolução cósmica devem ser altamente simpáticos ao
meu empreendimento; Hume e Kant não deveriam,
com base em seus próprios princípios, ter tido uma
atitude muito simpática em relação às afirmações da
ciência física moderna.
Eu defenderei, contudo, que embora a razão
possa alcançar uma conclusão bastante bem
justificada acerca da existência de Deus, ela pode
chegar apenas a uma conclusão provável, não
indubitável. Por essa razão, há espaço abundante
para a fé na prática da religião e minha trilogia
acerca da filosofia do teísmo termina com um
volume sobre Fé e razão.
Desenvolvimentos recentes em Filosofia que
eu descreverei, especialmente desenvolvimentos em
Lógica Indutiva, frequentemente chamada de Teoria
da Confirmação, fornecem instrumentos de grande
valor para a investigação de meu tópico. A teoria da
confirmação envolve algum uso ocasional de
símbolos. Eu introduzo esses símbolos no texto e
explico seu significado com a ajuda de exemplos.
Não há necessidade, para qualquer leitor não
familiarizado com esses símbolos, de temê-los. Meu
uso da teoria da confirmação me permite expressar
meus argumentos com o rigor apropriado a qualquer
apresentação pormenorizada dos argumentos a favor
e contra uma teoria em larga escala do universo e
também me permite mostrar as fortes similaridades
que existem entre teorias religiosas e teorias
científicas de larga escala. Eu devo realmente,
contudo, um pedido de desculpas, bem como uma
explicação, para aqueles que acham difícil lidar com
símbolos. Os símbolos não são frequentes e tomei o
cuidado de exprimir em palavras também o
argumento principal das passagens em que os
símbolos ocorrem.
1. Argumentos Indutivos
Um argumento começa com uma ou mais
premissas, que são proposições tomadas como dadas
para o propósito do argumento, e fundamentam uma
conclusão. Um argumento é dedutivamente válido se
é incoerente supor que suas premissas são
verdadeiras, mas sua conclusão é falsa. Por
exemplo, o argumento seguinte é dedutivamente
válido:
 
(Premissa 1) Nenhum corpo material anda mais rápido
que a luz
(Premissa 2) Meu carro é um corpo material
(Conclusão) Meu carro não anda mais rápido que a luz
 
Num argumento dedutivo válido, as
premissas tornam a conclusão certa. Há argumentos
que não são dedutivamente válidos, mas nos quais as
premissas em algum sentido “sustentam” ou
“confirmam” ou “dão força” à conclusão, e alguns
ou todos os argumentos deste tipo geral são com
frequência caracterizados como argumentos
indutivos “bons” ou “corretos” ou “fortes”.
Contudo, precisamos aqui distinguir cuidadosamente
entre dois tipos diferentes de argumento. Há
argumentos nos quais as premissas tornam a
conclusão provável, ou seja, mais provável do que
não, por exemplo:
 
P1: 70% dos habitantes de Bogside são católicos
P2: Doherty é uma habitante de Bogside
C: Doherty é católica
 
A conjunção das premissas faz a conclusão
provável. Contudo, muitos argumentos que são
chamados de argumentos indutivos “corretos”
dificilmente deveriam ser encarados como tais.
Tome o seguinte argumento:
 
P: Todos os 100 corvos observados em diferentes partes
do mundo são pretos.
C: Todos os corvos são pretos.
 
O modo normal de interpretar essa
conclusão, no contexto de uma discussão de
argumentos indutivos, é supor que ela é acerca detodos os corvos em todos os momentos do tempo e
pontos do espaço — e, mesmo que você suponha
que nada num planeta distante possa ser tido como
um corvo, ela se refere a todos os corvos em todos
os tempos na história da terra e em todos os lugares
de sua superfície. Mas, quando a conclusão é
interpretada deste modo, fica implausível supor que
P torna C mais provável do que não. Pois não é
improvável supor que a cor preta dos corvos
observados advém de uma característica particular
dos corvos modernos, uma característica particular
de sua aparência que não esteja presente em corvos
mais antigos. Supor que todos os corvos sejam
sempre pretos parece ir muito além dos dados
registrados em P. C pode, contudo, ser verdadeiro; e
a maioria de nós supõe que P aumente a
probabilidade de que ele seja verdadeiro, mas P não
torna C provável.
A maior parte dos argumentos dos cientistas
a partir seus dados observacionais para embasar
conclusões acerca de quais são as leis verdadeiras da
natureza ou predições sobre os resultados de
experimentos ou observações futuras não são
dedutivamente válidos, mas são, poder-se-ia
concordar em geral, argumentos indutivos de um
dos dois tipos acima (não quero dizer que eles
tenham o padrão simples dos exemplos fáceis dados
acima, mas apenas que eles são argumentos que têm
as características definidoras de um dos dois tipos).
As várias observações astronômicas feitas por Tycho
Brahe, Kepler, Galileu e outros homens do século
dezessete foram observações que favoreceram a
teoria do movimento de Newton, no sentido de que
elas a fizeram mais verossímil, mais provável, do
que seria caso contrário. Os vários dados botânicos,
geológicos e reprodutivos descritos por Charles
Darwin na Origem das Espécies aumentaram a
probabilidade de sua teoria da evolução das espécies
animais pela seleção natural de variações. É uma
questão interessante, à qual precisarei aludir num
estágio posterior, se, num argumento científico
típico a partir de vários dados de observação e de
experimento para embasar uma conclusão acerca de
quais são as leis fundamentais da física ou química,
as premissas tornam a conclusão provável ou apenas
acrescentam-lhe probabilidade. Supõe-se
normalmente que leis da natureza são generalizações
que não apenas se mantêm em todos os tempos e
lugares, mas que continuariam a valer sob
circunstâncias não realizadas ou não realizáveis (por
exemplo, como quer que os seres humanos
interfiram no universo). A teoria do movimento de
Newton consiste de suas três leis do movimento e de
sua lei da atração gravitacional. Será que as várias
observações do século dezessete tornaram mais
provável do que não que sua teoria fosse
verdadeira? Prefiro não emitir juízo sobre este
assunto nesse momento. Contudo, com base no
nosso modo normal de encarar esses assuntos,
claramente dados observacionais tornam mais
provável que não uma predição particular acerca do
futuro. Todos os dados observacionais sobre o
comportamento passado do sol, lua, planetas etc.
tornam mais provável que não que a Terra
continuará a girar em seu eixo pelas próximas vinte e
quatro horas e, assim, que o sol aparecerá sobre a
superfície da terra amanhã.
Chamemos um argumento no qual as
premissas tornam a conclusão provável, um
argumento correto P-indutivo. Chamemos um
argumento no qual as premissas adicionam
probabilidade à conclusão (ou seja, tornam a
conclusão mais verossímil ou mais provável do que
seria de outro modo) um argumento correto C-
indutivo. Neste último caso, digamos que as
premissas “confirmam” a conclusão. Dentre os
argumentos corretos C-indutivos, alguns serão
obviamente mais fortes que outros, no sentido de
que em alguns as premissas aumentarão a
probabilidade da conclusão mais do que elas o
fazem em outros argumentos.
A razão de um argumento é fazer com que
as pessoas, na medida em que forem racionais,
aceitem conclusões. Para esse propósito, não é
suficiente que suas premissas devam em algum
sentido tornar necessárias ou prováveis suas
conclusões. É também necessário que as premissas
sejam tidas como verdadeiras por aqueles que
discutem acerca da conclusão. Há vários argumentos
válidos em favor da existência de Deus que são
bastante inúteis porque, embora suas premissas
possam ser verdadeiras, elas não são tidas como
verdadeiras por aqueles que debatem sobre religião,
por exemplo:
 
P1: Se a vida tem sentido, então Deus existe.
P2: A vida tem sentido
C: Deus existe
 
Este argumento é certamente válido. Se as
premissas são verdadeiras, a conclusão deve ser
verdadeira. As premissas podem ser verdadeiras,
mas os ateus negariam ou a primeira premissa ou a
segunda. Uma vez que as premissas não são de
conhecimento comum entre aqueles que debatem
sobre religião, elas não constituem uma boa
plataforma de lançamento para este argumento. O
que é claramente de interesse das pessoas numa
época de ceticismo religioso são argumentos em
favor da existência (ou não existência) de Deus nos
quais as premissas sejam tidas como verdadeiras por
pessoas de todas as persuasões teístas ou ateias. Eu,
portanto, defino argumentos com base em premissas
tidas como verdadeiras por aqueles que debatem
acerca da conclusão que são argumentos
dedutivamente válidos, P-indutivos corretos, ou C-
indutivos corretos, respectivamente como bons
argumentos dedutivos, bons argumentos P-indutivos,
e bons argumentos C-indutivos. Ao investigar
argumentos a favor ou contra a existência de Deus,
precisamos investigar se algum deles é um bom
argumento de tipo dedutivo, P-indutivo ou C-
indutivo.
Tomo a proposição “Deus existe” (e a
proposição equivalente “há um Deus”) como
logicamente equivalente a “existe necessariamente
uma pessoa[5] sem um corpo (isto é, um espírito)
que necessariamente é eterno, perfeitamente livre,
onipotente, onisciente, perfeitamente bom e o
criador de todas as coisas”. Uso “Deus” como o
nome da pessoa abrangida por esta descrição.
Entendo por Deus ser eterno que Ele sempre existiu
e sempre existirá. Há um entendimento alternativo
de “eterno” na tradição cristã como “atemporal” ou
“fora do tempo”. Este entendimento, contudo, não
chegou à tradição cristã antes do século quarto a.C.,
é muito difícil entender o que ele queira dizer e, por
razões que eu apresentei em outro lugar,[6] parece
bastante desnecessário para o teísta carregar o fardo
desse entendimento de eternidade. Por Deus ser
perfeitamente livre, entendo que nenhum objeto,
evento ou estado (inclusive estados passados de si
mesmo), de modo algum influencie causalmente
suas ações apenas sua própria escolha no momento
da ação determina o que ele faz. Por Deus ser
onipotente, eu entendo que Ele é capaz de fazer
tudo o que for logicamente possível (isto é, coerente
supor) que ele possa fazer. Por Deus ser onisciente,
entendo que ele saiba o que for logicamente possível
que ele saiba. Por Deus ser perfeitamente bom,
entendo que ele sempre faz a melhor ação em
termos morais (quando há uma) e não faz nenhuma
ação moralmente má. Por ele ser o criador de todas
as coisas, entendo que tudo que existe em cada
momento do tempo (a não ser ele mesmo) existe
porque, naquele momento do tempo, ele faz existir
ou permite que exista. O sentido desta afirmação de
que existe um Deus será desenvolvida em um pouco
mais de pormenor em certos momentos de capítulos
posteriores, especialmente no capítulo 5.[7] A
afirmação de que Deus existe é chamada de teísmo.
O teísmo é, obviamente, a crença central dos credos
do Cristianismo, Judaísmo e Islamismo.
Ao longo da história humana, muitas pessoas
tomaram por dada a existência de Deus e muitas
outras, sem dúvida, tomaram por dada a sua não
existência. Eles não tinham razões conscientemente
formuladas para suas crenças. Eles apenas
acreditaram. Contudo, outros que acreditaram
tinham razões para suas crenças. Do mesmo modo
que se dá com a maioria das razões das pessoas para
a maior parte de suas crenças, essas razões têm sido
frequentemente vagas e incipientes. Às vezes,
contudo, as pessoas formularam algumas de suas
razões paracrença numa forma clara e explícita. É
então que temos algo claramente reconhecível como
um argumento a favor ou contra a existência de
Deus. Aqueles argumentos que têm sido
frequentemente discutidos receberam nomes — e
daí temos o “argumento cosmológico” ou “o
argumento com base na experiência religiosa”.
Existem outros argumentos que não foram
discutidos com a frequência suficiente para
receberem um nome. E as pessoas tiveram outras
razões para crer ou descrer que nunca foram
formuladas explicitamente o bastante para constituir
um argumento.
Ao longo deste livro, discutirei várias das
razões que as pessoas tiveram para acreditar na
existência de Deus ou na não existência de Deus,
algumas das quais já receberam uma forma
suficientemente precisa para ser codificados em
argumentos nomeados e outros que precisarão ser
colocados numa forma clara. Discutirei apenas os
argumentos nos quais as premissas relatem o que são
(num sentido muito geral) características da
experiência humana — por exemplo, verdades
gerais evidentes acerca do mundo ou características
da experiência humana privada. A tais argumentos,
chamarei argumentos a posteriori. Eles afirmam que
algo que os seres humanos experienciam é base para
acreditar que Deus existe ou que Deus não existe.
Não vou discutir argumentos a priori — estes são
argumentos nos quais as premissas são verdades
logicamente necessárias — nomeadamente,
proposições que seriam verdadeiras houvesse ou não
um mundo de seres físicos ou espirituais. Dentre as
verdades logicamente necessárias estão verdades da
Matemática ou da Lógica. Assim, não vou discutir o
tradicional argumento ontológico[8] em favor da
existência de Deus ou qualquer das variantes do
mesmo. Tampouco discutirei argumentos contra a
existência de Deus que afirmem que há algo
incoerente ou auto-contraditório na afirmação de
que Deus existe. Penso que argumentos ontológicos
para a existência de Deus são, na verdade, apenas
argumentos de filósofos e não codificam qualquer
das razões que as pessoas comuns têm para acreditar
que Deus existe. Os maiores filósofos teístas da
religião em geral rejeitaram argumentos ontológicos
e se apoiaram em argumentos a posteriori.[9]
Argumentos contra a existência de Deus que
afirmam que o teísmo é incoerente, contudo, têm
realmente, eu admito, uma base no pensamento das
pessoas comuns. Não poderei, no entanto,
obviamente discutir todas as razões a posteriori que
as pessoas têm para acreditar que Deus existe ou
não. Mas vou considerar aqueles, a meu ver, que
são os mais plausíveis e foram os mais atraentes na
história humana. Ao chegar a minha conclusão final
acerca de quão provável é a tese de que Deus existe,
vou assumir que nenhum argumento a priori de
qualquer espécie[10] e nenhum a posteriori
diferente dos que eu discuto têm qualquer força
significativa.
Embora meu tema sejam os argumentos a
favor e contra a existência de Deus, parecerá que eu
me concentro nos argumentos a favor da existência
de Deus. Eu, de fato, discuto num capítulo à parte o
principal argumento contra a existência de Deus —
o argumento do mal, que afirma que a existência de
dor e sofrimento no mundo mostra que não há um
ser perfeitamente bom e todo poderoso. Contudo, à
exceção daquele argumento (e o argumento do
ocultamento, a ele associado, que eu também
discuto ali), a principal razão que os ateus têm para
acreditar que Deus não existe tem sido sua
afirmação de que não há indícios suficientes, que os
argumentos teístas não tornam a existência de Deus
provável em qualquer grau significativo. Os
argumentos ateus, à exceção do argumento do mal,
têm sido em grande parte na forma de críticas dos
argumentos teístas. Eu, portanto, discuto tais
argumentos no curso da discussão de cada um dos
principais argumentos em favor da existência de
Deus. Ao discutir argumentos em favor da existência
de Deus, vou considerar formas do argumento
cosmológico e teleológico, o argumento com base na
existência de consciência, o argumento moral,
argumentos com base no milagre e na revelação e o
argumento a partir da experiência religiosa. Um
argumento cosmológico sustenta que o fato de que
existe um universo precisa de explicação e que a tese
de que Deus o fez e o mantém existindo explica sua
existência. Um argumento do design sustenta que o
fato de que há um design no mundo precisa de
explicação e que a ação de Deus dá essa explicação.
Há várias formas de argumento do design, de acordo
com o tipo de design ao qual ele chame atenção. Eu
discuto dois diferentes gêneros do argumento sob o
título “argumentos teleológicos” e “o argumento da
providência” e diferentes espécies de cada gênero. O
argumento a partir da existência de consciência
sustenta que o fato de que há seres conscientes é
misterioso e inexplicável a não ser pela ação de
Deus. Argumentos do milagre e da revelação citam
vários fenômenos públicos ao longo da história
humana como indícios da existência e atividade de
Deus. O argumento da experiência religiosa afirma
que várias experiências privadas são experiências de
Deus e assim mostram sua existência.
Alguns dos problemas que eu discuto são
tratados em mais profundidade em outros trabalhos;
mas a discussão neste livro é, espero eu, adequada
— dados os limites impostos pela dimensão do livro
— para sustentar as conclusões extraídas aqui. Por
exemplo, eu discuti o problema do mal em um livro
inteiramente dedicado ao assunto: Providence and
the Problem of Evil;[11] mas espero que a discussão
dele nos capítulos 10 e 11 do presente livro seja
suficiente para tornar plausível que o tipo e
quantidade de mal que encontramos na Terra não
conte significativamente contra a existência de Deus.
Há, porém, um aspecto no qual minha discussão
neste livro é manifestamente incompleta. Quando eu
discuto argumentos dos milagres, tenho espaço
apenas para discutir quais fenômenos públicos
estranhos (por exemplo, um homem morto voltando
a viver), se eles ocorressem, seriam indícios da
existência de Deus, mas eu não tenho espaço para
discutir os dados históricos a favor e contra a
ocorrência de fenômenos públicos particulares.
Assim, efetivamente, eu discuto aqui apenas a forma
de um argumento que precisa ser preenchido com
material histórico pormenorizado.[12]
Kant propôs uma classificação em três tipos
dos argumentos em favor da existência de Deus que
teve uma influência permanente e, a meu ver, longe
de benéfica, sobre a subsequente discussão deste
tópico. Ele escreveu:
Há apenas três modos possíveis de provar a existência de
Deus por meio da razão especulativa. Todos os caminhos que
levam a esse objetivo começam ou com uma experiência
determinada e a constituição específica do mundo dos
sentidos tal como conhecido por eles e ascendem a partir daí,
de acordo com as leis da causalidade, para a causa suprema
fora do mundo; ou eles começam de uma experiência
puramente indeterminada, a experiência da existência em
geral; ou, finalmente, eles abstraem de toda experiência e
argumentam completamente a priori, com base em simples
conceitos, em favor da existência de uma causa suprema. A
primeira prova é a físico-teológica, a segunda, a
cosmológica, a terceira, a ontológica. Não há nem pode
haver outras.[13]
 
A distinção é feita em termos da natureza das
premissas. Ou se começa de uma verdade conceitual
— em cujo caso se tem um argumento ontológico;
ou da “existência em geral” — em cujo caso se tem
o argumento cosmológico; ou dos pormenores do
que Kant chama “experiência determinada”, como
as coisas são no mundo — em cujo caso se tem o
argumento “físico-teológico”.
Minha razão para defender que essa doutrina
de Kant teve uma influência longe de benéfica na
discussão deste assunto é que, por seu uso da
palavra “o”, Kant tende a assumir que pode haver
apenas um argumento de cada tipo — enquanto que,
de fato, pode haver claramente muitos diferentes
argumentos sob cada um daqueles títulos que são
tão diferentes uns dos outros que seria enganoso
chamá-los sequer de formas do mesmo argumento.
Não há, por exemplo, razãonenhuma para supor
que todos os argumentos a partir de como as coisas
são no mundo precisam ter a mesma forma do
argumento que Kant chama de “físico-teológico” e
foi chamado em outro lugar de argumento do
design. Este último argumento pode, por sua vez, ter
várias formas. Posso argumentar, por exemplo, a
partir do comportamento regular dos objetos no
mundo codificado nas leis da natureza ou a partir da
pronta disponibilidade no mundo das coisas que os
homens e os animais precisam para sobreviver. Em
ambos os casos, há um argumento a partir de uma
ordem bem geral na natureza. Mas há argumentos
também, como notamos, a partir de milagres
particulares, a partir do desenvolvimento da história
humana ou a partir de experiências religiosas
particulares. Pode ser que nenhum desses sejam
particularmente bons argumentos, mas eles merecem
ser considerados em seus méritos próprios — a
classificação de Kant obscurece a existência deles.
Sendo assim, consideraremos o valor de
vários argumentos a posteriori e não de apenas de
dois, como listados por Kant. Quando tivermos
nossos argumentos numa forma clara, precisaremos
perguntar: eles são bons argumentos dedutivos ou
bons argumentos P-indutivos ou bons argumentos
C-indutivos? Às vezes, os proponentes de tais
argumentos não são claros se pretendiam que estes
fossem dedutivos ou indutivos, quanto mais que tipo
de argumento indutivo eles deveriam ser.
Uma característica desafortunada da filosofia
da religião recente tem sido a tendência de tratar os
argumentos em favor da existência de Deus de
forma isolada uns dos outros. Certamente, não pode
haver objeção em considerar cada argumento
inicialmente de forma isolada em relação aos outros,
para fins de simplicidade da exposição. Mas
claramente os argumentos podem dar sustento uns
aos outros ou, alternativamente, enfraquecer uns aos
outros e precisamos considerar se isso se dá ou não.
Às vezes, contudo, os filósofos consideram os
argumentos para a existência de Deus de forma
isolada uns dos outros da seguinte forma: o
argumento cosmológico não prova a conclusão, o
argumento teleológico não prova a conclusão, etc.,
etc., portanto, os argumentos não provam a
conclusão. Mas essa técnica de “dividir para
governar” com os argumentos é inadmissível.
Mesmo se o único tipo de bom argumento fosse um
argumento dedutivo válido a partir de premissas
tidas como verdadeiras, isso seria inadmissível. Um
argumento de p para r pode ser inválido, um outro
de q para r pode ser inválido. Mas se você puser os
dois juntos, você pode muito bem obter um
argumento dedutivo válido; o argumento de p e q
para r pode ser válido. O argumento de “todo
estudante tem cabelo comprido” para “Smith tem o
cabelo comprido” é inválido e também o é o
argumento de “Smith é um estudante” para “Smith
tem o cabelo comprido”; mas o argumento de “todo
estudante tem o cabelo comprido e Smith é
estudante” para “Smith tem o cabelo comprido” é
válido.
Que os argumentos possam dar apoio e
enfraquecer uns aos outros é ainda mais evidente
quando estamos lidando com argumentos indutivos.
Que Smith tenha sangue em suas mãos dificilmente
tornará provável que Smith assassinou a Sra. Jones,
tampouco (por si mesmo) o fato de que Smith tinha
a ganhar com a morte da Sra. Jones, tampouco (por
si mesmo) o fato de que Smith estava perto da cena
do assassinato na hora em que ele foi cometido, mas
todos esses acontecimentos juntos (talvez junto com
outros fenômenos também) podem com certeza
tornar a conclusão provável.[14]
A fim de levar em conta o efeito cumulativo
dos argumentos, vou considerá-los, então, um a um,
começando com o argumento cosmológico e
incluindo os argumentos do mal e do ocultamento
contra a existência de Deus, e perguntando o quanto
as premissas de cada argumento acrescentam ou
subtraem à força dos argumentos anteriores. Para
adiantar algumas de minhas conclusões, defenderei
que (nem separadamente, nem em conjunção)
nenhum dos argumentos que considero a favor ou
contra a existência de Deus são bons argumentos
dedutivos. Há, é claro, como indiquei, argumentos
dedutivos válidos sobre a existência de Deus, mas
eles começam com premissas que estão longe de
serem aceitas em geral. Por outro lado, defenderei
que a maior parte dos argumentos (tomados
separadamente e em conjunto) em favor da
existência de Deus são bons argumentos C-indutivos
— ou seja, suas premissas tornam mais provável (ou
verossímil) que Deus existe do que seria de outro
modo. Alguns desses argumentos, é claro,
confirmam a existência de Deus muito mais
fortemente do que outros. Admitirei que o
argumento com base no mal contra a existência de
Deus é um bom argumento C-indutivo de força
muito limitada. Afirmarei que o argumento do
ocultamento em favor da não existência de Deus não
é um bom argumento C-indutivo. O problema
crucial, contudo, é se todos os argumentos tomados
em conjunto tornam provável que Deus existe, se o
balanço de todos os indícios relevantes favorece a
afirmação do teísmo ou não. Isso porque,
certamente, na medida em que a probabilidade de
uma hipótese é relevante quanto a se devemos ou
não agir em função dela, devemos agir em função
de uma hipótese na medida em que esta for mais
provável em vista de todos os indícios disponíveis
para nós — tudo o que sabemos sobre o mundo,
não apenas uma parte limitada de conhecimento. A
pessoa religiosa afirma que seu ponto de vista
religioso dá sentido à totalidade de sua experiência; e
seu rival ateu pode fazer uma afirmação similar. No
capítulo final, chegarei a uma conclusão quanto a se
o cômputo de todos os indícios relevantes favorece
ou não o teísmo. Serei bastante breve ao rejeitar as
sugestões de que qualquer dos argumentos
separadamente ou todos os argumentos tomados em
conjunto constituem um bom argumento dedutivo.
Serei bastante breve porque muitos outros filósofos
devotaram suas habilidades técnicas a essa tarefa e
relativamente poucos deles hoje aceitariam que há
bons argumentos dedutivos para se encontrar aqui.
Devotarei a maior parte do meu tempo à avaliação
da força indutiva desses argumentos. Considerarei
de cada argumento se é um bom argumento C-
indutivo, mas apenas quando nós tivermos todos os
argumentos é que vou perguntar se, tomados em
conjunto, eles perfazem um bom argumento P-
indutivo. Procedo dessa maneira porque, como
ficará manifesto, é muito mais fácil ver quando
temos um bom argumento C-indutivo do que
quando temos um bom argumento P-indutivo.
É útil introduzir neste momento os símbolos
da teoria da confirmação que usarei de tempos em
tempos nos capítulos seguintes. Represento
proposições por letras minúsculas como e, h, p e q.
P(p/q) representa a probabilidade de p dado q.
Assim, p pode representar a proposição “o próximo
lançamento desta moeda vai dar cara” e q pode
representar a proposição “505 dos últimos 1000
lançamentos desta moeda deram cara”. Assim
P(p/q) representa a probabilidade de que o próximo
lançamento da moeda vai dar cara dado que 505 dos
últimos 1000 lançamentos deram cara (o valor de
P(p/q), então, seria supostamente 0,505). Contudo,
a relação entre p e q pode ser de um tipo muito mais
complexo, e certamente nós normalmente avaliamos
a probabilidade de afirmações em vista de indícios
de modo diferente ou adicional ao da análise de
frequências relativas. p pode ser alguma hipótese
científica — digamos, a Teoria da Relatividade
Geral de Einstein — e q pode ser a conjunção de
todos os relatos de indícios da observação e
experimentos relevantes para a teoria que os
cientistas recolheram. Assim, P(p/q) representa a
probabilidade indutiva da Teoria Geral de Einstein
dados todos os relatos de observações e
experimentos relevantes. A probabilidade indutiva
deve, assim, ser distinguida da probabilidade
estatística, que é uma propriedade de classes de
coisas (por exemplo, os habitantes de uma cidade,
digamos Tunbridge Wells) e é uma medida da
proporção das coisas na classe que tenham alguma
outra propriedade (por exemplo, ter votado nos
Conservadores nas eleições de 2001). A
probabilidadede um habitante de Tunbridge Wells
ter votado nos Conservadores em 2001 é
simplesmente a proporção dos habitantes de
Tunbridge Wells que votaram nos Conservadores em
2001 (em português, o artigo indefinido — por
exemplo, “a probabilidade de um habitante…” —
em geral indica que a probabilidade é estatística). As
classes podem ser de coisas reais (por exemplos, os
habitantes de Tunbridge Wells) ou de coisas
hipotéticas, coisas que poderiam ser geradas por
certo processo (por exemplo, os lançamentos de
uma moeda, se se fosse lançá-la por um tempo
muito longo).
Probabilidade indutiva também deve ser
distinguida de probabilidade física. A probabilidade
física ou natural de um evento (e também a
proporção que a registra) é uma questão da medida
em que, num tempo anterior, o evento era
predeterminado por suas causas. Um evento cuja
ocorrência é inevitável dado o estado precedente do
mundo tem uma probabilidade física de 1 — sua
ocorrência é fisicamente necessária; e um evento
cuja não ocorrência é inevitável dado o estado
precedente do mundo tem uma probabilidade física
de 0 — sua ocorrência é fisicamente impossível. Um
evento tem probabilidade física entre 1 e 0 se não é
predeterminado que ele vá ou não acontecer, mas o
estado precedente do mundo tende a favorecer seu
acontecimento na proporção medida pelo valor da
probabilidade: valores maiores de probabilidade
indicam uma tendência maior em favor de seu
acontecimento.[15] Probabilidades físicas e
estatísticas podem por si mesmas constituir indícios
que tornam alguma hipótese indutivamente provável;
ou outro indício pode tornar provável indutivamente
que elas tenham um certo valor.
Minha preocupação com probabilidade
indutiva é uma preocupação com o quão provável q
torna p, independentemente de quem está fazendo o
cálculo, quão esperto ele é e do seu grau de
confiança na força confirmatória de q. Certamente,
na ciência e na história e em todas as investigações
empíricas pensamos que há modos corretos de
avaliar se e (dentro de limites imperfeitos) o quanto
certos indícios sustentam uma hipótese.
Estabelecerei esses critérios no capítulo 3. A fim de
enfatizar o caráter objetivo do valor de P(p/q) com o
qual estou preocupado e de distingui-lo de medidas
de apoio confirmatório que medem os graus de
confiança dos sujeitos ou são em parte funções das
habilidades dos sujeitos de encontrar a medida
verdadeira do apoio confirmatório,[16] chamarei no
futuro P(p/q) a probabilidade lógica de p dado q.
Esta é claramente uma questão a priori. Se q
representa todos os indícios relevantes, o valor de
P(p/q) não pode depender de indícios posteriores —
ela mede o que mostram os indícios que você já
tem. É uma questão a posteriori se, em 1000
lançamentos, 505 deram cara; mas é uma questão a
priori se esses fatos dão uma probabilidade de 0,505
para que o próximo lançamento dê cara.
Uma hipótese sob investigação é geralmente
representada por h. Assim P(h/e&k) representa a
probabilidade de uma hipótese h dados os indícios
(e&k).[17] É frequentemente útil dividir os dados
disponíveis a um observador em duas partes —
novos dados e dados de fundo; se se faz isso, o
primeiro é geralmente representado por e e o último
por k. Dados de fundo (ou conhecimento de fundo,
como é às vezes chamado) é o conhecimento que
tomamos por certo antes que novos dados
apareçam. Assim, suponha que detetives estejam
investigando um assassinato. h poderia representar a
hipótese de que Jones cometeu o assassinato; e
poderia representar a proposição que relata todos os
dados novos que os detetives descobrem — por
exemplo, que as impressões digitais de Jones foram
encontradas na arma, que ele estava perto da cena
do assassinato na hora em que esse foi cometido,
etc., etc. k poderia representar a proposição que
relata o conhecimento geral dos detetives acerca de
como o mundo funciona — por exemplo, que cada
pessoa tem um único conjunto de impressões
digitais, que as pessoas que tocam metal e madeira
com suas mãos nuas usualmente deixam suas
impressões digitais neles, etc., etc. Assim, P(h/e&k)
representa a probabilidade de que Jones cometeu o
assassinato, considerando-se todos os dados dos
detetives.
Para toda proposição p e q P(p/q)=1 se (e
somente se) q torna p certa — por exemplo, se q
acarreta p (ou seja, há um argumento dedutivamente
válido de q para p); e P(p/q)=0 se (e somente se) q
torna ~p certa — por exemplo, se p acarreta ~p.[18]
P(p/q)+P(~p/q)=1. Assim, se P(p/q)>1/2, então
P(p/q)>P(~p/q) e é mais provável p do que ~p,
considerando-se q. Assim, (para um conhecimento
de fundo k), um argumento de e para h será um
argumento C-indutivo correto se (e somente se)
P(h/e&k)>P(h/k) e um argumento P-indutivo correto
se (e somente se) P(h/e&k)>1/2. A divisão entre
dados novos e dados de fundo pode ser feita onde
quer que você queira — frequentemente é
conveniente incluir todos os dados derivados da
experiência em e e tomar k como sendo o que é
chamado em teoria da confirmação meros “dados
tautológicos”, ou seja, efetivamente, todos os nossos
outros conhecimentos que são irrelevantes.
Minha estratégia será como se segue.
Considere h como nossa hipótese — “Deus existe”.
Considere e1, e2, e3 e assim por diante, as várias
proposições que se propõem como indícios a favor
ou contra a sua existência, cuja conjunção constitui
e. Considere e1 como “existe um universo físico”.
Então, temos o argumento de e1 para h, um
argumento cosmológico. Ao considerar este
argumento, assumirei que não temos outro indício
relevante e assim, k será mero indício tautológico.
Assim, P(h/e1&k) representa a probabilidade de que
Deus existe dado que existe um universo físico e
dados também meros indícios tautológicos, que
poderão mais tarde ser ignorados. Se
P(h/e1&k)>1/2, então o argumento de e1 para h será
um bom argumento P-indutivo. Se
P(h/e1&k)>P(h/k), então o argumento é um bom
argumento C-indutivo. Mas, quando considerar o
segundo argumento, a partir de e2 (que será a
conformidade do universo à ordem temporal), usarei
k para representar a premissa do primeiro argumento
e1; e assim P(h/e2&k) representará a probabilidade
de que Deus exista dado que existe um universo
físico e que este está sujeito a ordem temporal. E,
quando considerar o terceiro argumento, a partir de
e3, k representará a premissa do segundo argumento
(e1 & e2) e assim por diante. Deste modo, todo
indício relevante será no fim das contas incluído em
nossa avaliação. Considerarei onze argumentos. Vou
afirmar que para a maior parte desses en, onde n= 1,
…11, P(h/en&k)>P(h/k) — quer dizer, o argumento
é um bom argumento C-indutivo em favor da
existência de Deus, que dois dos argumentos (um a
favor e outro contra) não têm força
(P(h/en&k)=P(h/k) nesses casos) e que um
argumento contra tem força (P(h/en&k)<P(h/k)),
onde en é a ocorrência do mal. O problema crucial
ao qual nós chegaremos no fim é se P(h/e11&k)>1/2.
Ao usar os símbolos da teoria da
confirmação, não assumo que uma expressão da
forma P(p/q) tenha sempre um valor numérico
exato. Ela pode simplesmente ter relações de maior
ou menor valor em relação a outras probabilidades,
incluindo algumas com valor numérico, sem que ela
mesma tenha um valor numérico. P(h/e1&k), por
exemplo, pode ser maior que P(h/e2&k) e menor
que que P(h/k) e menor que ½ sem que haja algum
número ao qual equivalha. Claramente, por
exemplo, podemos julgar uma teoria científica como
mais provável do que uma outra com base nos
mesmos dados e ao mesmo tempo negar que sua
probabilidade tenha um valor numérico exato; ou
podemos julgar que uma predição seja mais
provável que não e assim ter uma probabilidade
maior que ½, enquanto negamos, novamente, que
aquela probabilidade tenha um valor numérico
exato.
Algumas vezes se diz que os diferentes
argumentos em favor da existência de Deus mostram
coisas diferentes. O argumento cosmológico mostra
no máximo a existência de algum tipo de ser
necessário; o argumento do desígnio mostra no
máximo, algum tipo de superarquiteto[19]; o
argumento dos milagres mostra no máximo

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