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4 Conceitos da Psicanálise para o mundo corporativo - Haendel Motta

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1
CONCEITOS DA
CORPORATIVO
PARA O MUNDO
PSICANALISE´
Um olhar renovado sobre o mundo 
do trabalho para você inovar no seu
“Uma leitura enriquecedora conectada 
aos desafios atuais das pessoas”
Prefácio de ANDRÉ SOUZA - CEO da FUTURO S/A
HAENDEL MOTTA
1
CONCEITOS DA
CORPORATIVO
PARA O MUNDO
PSICANALISE´
Um olhar renovado sobre o mundo 
do trabalho para você inovar no seu
“Uma leitura enriquecedora conectada 
aos desafios atuais das pessoas”
Prefácio de ANDRÉ SOUZA - CEO da FUTURO S/A
HAENDEL MOTTA
para
Juliana
Índice
Prefácio ................................................................ 6
Introdução ............................................................ 8
Quatro conceitos fundamentais .............................................................. 10
Capítulo 1 . REPETIÇÃO .................................. 12
NARRATIVA EM ABISMO . Sobre a tendência imprevistade repetir nos-
sas condutas ............................................................................................ 13
O CAMPO DA LINGUAGEM ...................................................................... 16
NOSSO MINDSET EM LOOP ..................................................................... 18
VIA DE PÔR, VIA DE RETIRAR .................................................................20
GROUNDHOG DAY ................................................................................... 23
Capítulo 2 . INSCONSCIENTE .......................25
ONDE ESTÁ O INCONSCIENTE? ..............................................................26
Primeira parte . O inconsciente lógico .................................................. 27
Segunda parte . O inconsciente ilógico .................................................29
Terceira parte . O inconsciente sintoma ................................................ 31
Parte final . O inconsciente extimidade ................................................. 34
CONTROLE EMOCIONAL . Existe mesmo isso? ...................................... 37
Capítulo 3 . TRANSFERÊNCIA .......................45
O LAÇO DE LIDERANÇA . Chefiar, manipular ou liderar? .....................46
A LIDERANÇA EM ESPECTRO ..................................................................48
CHEFIAR, MANIPULAR OU LIDERAR? .................................................... 52
CHEFIA E RECOMPENSA, LIDERANÇA E MOTIVAÇÃO ........................... 55
RELACIONAMENTO E ESCUTA ................................................................. 58
MODERNIDADE LÍQUIDA . Desafio aos millennials ...............................60
Capítulo 4 . PULSÃO .......................................66
MOTIVAÇÃO - Eros e Tanatos ................................................................. 67
Pulsão de vida .......................................................................................... 76
Maslow, Herzberg, Lacan: indicações para a Satisfação 4.0 ...............77
Referências bibliográficas .............................84
Sobre o autor ....................................................88
www.haendelmotta.com.br
/haendelmotta
https://www.haendelmotta.com.br 
6
Prefácio
Dá para combinar Lacan com Drucker?
Freud com Taleb?
Bauman com Simon Sinek? 
E Psicologia com Administração?
Ao conectar o seu conhecimento e experiência na área de 
Psicologia com pensadores da área de Gestão, Haendel Motta 
mostra que uma disciplina não pode (e nem deve) ficar isolada 
das demais. E o quanto é rico para qualquer profissional desen-
volver novas formas de ver as coisas através de diferentes ideias 
e linhas de pensamento.
Nesse ebook, Haendel nos conduz, pelo olhar da psicanálise, 
a uma imersão profunda em temas como liderança, motivação 
e modelo mental.
Ele garimpa teorias clássicas de autores consagrados e trans-
forma tudo isso em uma leitura enriquecedora conectada aos 
desafios atuais das pessoas e da sociedade.
7
Isso permite que a gente possa desenvolver novos olhares e 
ideias sobre temas que fazem parte de nosso dia a dia.
Aproveite a leitura!
Não é todo dia que conseguimos ver o mundo corporativo 
pelo olhar da psicanálise!
 André Souza
 CEO da FUTURO S/A
8
Introdução
Em um mundo hiperconectado como o nosso, causa surpresa que o nome de Jacques Lacan circule tanto pelo meio aca-dêmico e tão pouco pelo corporativo.
Esse livro é uma tentativa de conectar esses pontos.
Jacques-Marie Émile Lacan (1901-1981) atuava em Paris 
como médico psiquiatra até se envolver e exponencializar a psi-
canálise sabe-se lá a que potência.
Seu ensino combina originalidade e um rigoroso exame do 
texto de Sigmund Freud, ao mesmo tempo em que dá atualida-
de a pontos que permaneceriam datados ou burocratizados nas 
escolas freudianas tradicionais.
9
Destaque-se aqui o caráter de algoritmo conferido por Lacan 
a nosso aparelho de linguagem: sua assim chamada “cadeia de 
significantes” pode ser entendida hoje como uma espécie de 
‘wordware’ a rodar em nosso ‘neuroware’, determinando padrões 
de conduta e visão de mundo de um indivíduo (tema crucial a 
ser examinado ao longo desse livro).
Os famosos Seminários de Lacan - classes semanais minis-
tradas ao longo de um ano - têm início em 1953. A partir daí, se-
rão realizados, sem interrupção, por vinte e sete anos.
Em 1964, seu 11º Seminário 
recebe o título “Os quarto concei-
tos fundamentais da psicanálise”, 
sendo até hoje considerado com 
destaque entre os demais.
10
QUATRO CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Então vejamos: quatro conceitos fundamentais. Após uma 
década às voltas com a teoria psicanalítica, Lacan resolve sus-
tentá-la em quatro conceitos-pilares:
INCONSCIENTE REPETIÇÃO
TRANSFERÊNCIA PULSÃO
Você pode não entender nada de psicanálise, mas já deve ter 
ouvido falar de pelo menos um desses conceitos.
E eis o ponto de partida para apresentar um pouco de Lacan 
a quem se interessa pelos temas humanos no ambiente do tra-
balho.
Sinta-se convidado, então, a percorrer aqui quatro capítulos 
que, embora conectados um ao outro, apresentam em separado 
cada um dos quatro conceitos psicanalíticos listados acima.
E será ao longo desse percurso que temas corporativos clás-
sicos como motivação e liderança serão revisitados - além de 
11
outros, mais atuais, como mindset, inteligência emocional e ou-
tras surpresas.
E por que a psicanálise? Por possuir um modelo complexo de 
indivíduo - e você, que almeja empreender ou coordenar pessoas 
no contexto atual, vai precisar de dispositivos de ação mais so-
fisticados - para além de fórmulas lineares ou listas de hábitos 
ou passos a seguir - diante do desafio real de obter resultados.
De fato, o propósito desse livro não consiste exatamente em 
acrescentar ferramentas novas ao repertório organizacional. 
Tem mais a ver com extrair de você, leitor, um viés autoral - e cer-
tamente criativo - que lhe permita utilizar melhor as ferramentas 
de que já dispõe.
Minha aposta: profissionais de agora irão precisar de imer-
sões mais profundas para aprimoramento de suas habilidades 
- e algo de útil pode se abrir ao clicarem em #followJacquesLa-
can :)
Boa leitura!
H.M.
12
Capítulo 1
REPETIÇÃO
Keywords do capítulo:
- Narrativa em abismo
- Aparelho linguístico
- Algoritmo
- Mindset fixed/mindset grownth
- Via de pôr/via de retirar
1
13
NARRATIVA EM ABISMO 
SOBRE A TENDÊNCIA IMPREVISTA 
DE REPETIR NOSSAS CONDUTAS
Antenor, 47 anos, vinte de experiência em sua área, foi recém contratado por uma empresa e informado de que receberá, a cada seis meses, turmas de jovens-aprendizes na faixa 
dos 18 anos de idade. Ao longo do semestre, Antenor consta-
ta que um problema x ocorre em sua primeira turma. “Bem, que 
venham novos aprendizes”, pensa ele. Acontece que em sua se-
gunda turma o mesmo x se apresenta. E também em sua ter-
ceira turma. Então ele conclui, num desabafo a outro colega da 
empresa: “Essa juventude é toda igual”.
Do ponto de vista de Antenor não ocorre qualquer suspeita de 
responsabilidade sua quanto ao reaparecimento de x. Talrepeti-
ção é depositada reiteradamente na conta do outro: da juventu-
de, das condições de trabalho, da política da empresa, etc.
Como visto na introdução do livro, Lacan elege a repetição 
como um dos conceitos fundamentais da psicanálise. Trata-se 
14
aqui de uma repetição imprevista, que nos acompanha a des-
peito de nossos planos, como alguém que, de setor em setor 
dentro da empresa, padece dos mesmos males vividos desde 
o primeiro chefe, como se a mesma relação se instaurasse a 
cada vez. E isso não se restringe à esfera do trabalho, há tam-
bém quem abandone um casamento, cansado de repetir na in-
timidade conjugal um mesmo circuito de dificuldades, para se 
reencontrar, anos depois, com o mesmo circuito refeito em torno 
de uma nova relação. Freud foi muito sensível ao fenômeno da 
repetição e cuidou dele em escritos preciosos como Recordar, 
repetir e elaborar (1914).
A imagem que abre esse capítulo, bem como na pagina se-
guinte, são conhecidas como mise en abyme (ou narrativa em 
abismo), e nos ajudam a ilustrar esse efeito que tratamos aqui: 
em cada nova fotografia reincide a anterior, e, assim, de empre-
go em emprego, ou casamento em casamento, podemos cair no 
abismo infernal da repetição. Note-se a tentativa de escapató-
ria: o sujeito efetivamente troca de relacionamento, de emprego 
ou setor dentro da empresa, mas se reencontra, apesar de sua 
vontade, com o mesmo.
O que a psicanálise pode nos ensinar sobre isso?
15
16
O CAMPO DA LINGUAGEM
Um dos maiores avanços oferecidos por Lacan, em contri-buição à clínica de Freud, consiste na observação do cam-po da linguagem nesse contexto em que não paramos de 
nos repetir.
A linguagem será tratada por Lacan como um aparelho, estru-
tura articulada e autônoma, na medida em que se estabelecem 
redes de associação entre as palavras, em suas combinações 
lógicas e formais. Algo que assemelhamos aqui ao comporta-
mento estrutural dos algoritmos. Um algoritmo pode ser enten-
dido como séries entrelaçadas de instruções através das quais 
se constrói, por exemplo, um aplicativo como o Word (se clico 
aqui acontece isso; se ali, aquilo). E caso nos dispuséssemos a 
desenhar o enlace de cada uma das possibilidades oferecidas 
pelo Word, em seus muitos menus, obteríamos algo semelhan-
te à figura abaixo.
17
Seria então a linguagem um algoritmo? Não. Algoritmos ser-
vem aqui apenas de boa ilustração para que consigamos entrever 
o que é uma estrutura. E muito interessou a Lacan esse aspecto 
de estrutura da linguagem – essa que tão logo salta da boca das 
crianças, a partir de quando começam a imergir em sua língua 
natal. Ou seja, por detrás das diferentes línguas espalhadas pelo 
globo (português, sueco, italiano, russo...) existe uma estrutura, 
um aparelho linguístico, responsável por intermediar toda nossa 
relação com o mundo e com toda uma densidade multifacetada 
de afetos. E será a partir dessa concepção de aparelho que La-
can buscará descrever esse efeito de repetir, narrativa em abis-
mo, tão comum aos seres falantes que somos nós.
18
NOSSO MINDSET EM LOOP
Se programamos um vídeo para que recomece toda vez que termine, nos termos da informática diz-se que esse algo-ritmo entrou em loop, ou dead-lock. Grandes e complexos 
algoritmos podem também entrar em loop e ficar girando em 
torno deles mesmos, reproduzindo uma longa rotina de procedi-
mentos numa infinita narrativa em abismo.
De modo semelhante, no plano individual, nossa linguagem 
se amplia e articula segundo nosso repertório pessoal de conhe-
cimentos e valores adquiridos, estrutura que nos inclina a repe-
tir padrões de conduta, em loop, regidos pela moldura de nosso 
mindset (em tempo: a psicanálise não fala ‘mindset’, fala ‘posi-
ção subjetiva’ ou ‘enquadre’, mas podemos perceber semelhan-
ças).
E como driblar esse efeito de loop, enfim?
Sabemos que a natureza opera por repetição: estações do 
ano se repetem, bem como o sol todos os dias há de nascer e 
se pôr. A estabilidade de nosso organismo depende de um ciclo 
repetitivo, a alternar atividade, alimentação e repouso durante a 
totalidade de nossa existência. Em grande parte, todos giramos 
num carrossel narrado em abismo, e isso não deve ser problema 
ou motivo de queixa. Contudo, retomando o caso de Antenor, ao 
19
mesmo tempo em que sua nova função lhe indica que irá, se-
mestralmente, atuar como preceptor de novos jovens-aprendi-
zes, isso não significa que terá de repetir os mesmos equívocos 
(e padecer do mesmo x) ao longo de toda sua permanência na 
empresa - e, aqui o mais grave, ou clinicamente dramático: caso 
Antenor não venha a se submeter a qualquer tipo de dispositivo 
capaz de estremecer seu mindset/enquadre, até que algo de sua 
própria responsabilidade apareça, estará fadado, por estrutura, 
a repetir sempre a mesma conduta, e padecer do mesmo x, por 
anos a fio.
É quanto a esse tipo singular de repetição que poderemos en-
contrar espaço para uma brecha, meio pelo qual será possível, 
sim, elaborarmos nossa estrutura narrativa.
20
VIA DE PÔR, VIA DE RETIRAR
Freud, citando Leonardo da Vinci, toma como exemplo a pin-tura, que opera pela via de pôr (tinta sobre a tela), em com-paração à escultura, que opera pela via de retirar (lascas da 
pedra bruta). Nesse sentido, os meios de produzir alguma bre-
cha na estrutura narrativa de Antenor estariam referidos
1) pela via de pôr: à ampliação de seu grau de instrução, conhe-
cimento, capacitação ou adestramento; 
2) pela via de retirar: à prática de uma supervisão, mentoring ou 
propriamente um processo psicoterápico/de análise capaz de 
estremecer seu mindset, desfazendo condutas de repetido in-
sucesso por meio da tomada de responsabilidade sobre elas.
21
Freud pôs ênfase na via de retirar, afirmando-a via de sua psi-
canálise. Em referência específica à repetição, Lacan escreve: 
“O que não pode ser rememorado, se repete na conduta”, consta-
tação clínica a nos ensinar, em suma, que quanto mais o sujeito 
se digne a recordar seus atos, extraindo deles a responsabilida-
de por suas consequências, menos estará fadado a reincidir em 
condutas sobre as quais sequer se atenta.
Quanto à via de pôr, não cabe subestimar os dispositivos edu-
cacionais e os efeitos benéficos que a aquisição de saber po-
dem suscitar. Contudo, se não produzir implicações quanto à 
responsabilidade, os meios de educação e adestramento tende-
rão a formar apenas especialistas em se repetir.
Fica clara, com a psicanálise (tema pouco explorado pela In-
teligência Emocional), a dimensão de esvaziamento - via de reti-
rar - da farta quantidade de conhecimento ocioso, excessivo ou 
ineficaz, atrelado a sentimentos de orgulho, mágoa ou envaide-
cimento, capazes de estabelecer mindsets fixados em torno de 
si mesmos.
22
Via de retirar, essa, a suscitar 
condutas inovadoras, autorais, 
próprias ao contexto de 
LIDERANÇA 
que hoje nos é exigido, capazes 
de gerar ânimo, respeito 
e influência, balizadas pelo 
exemplo inspirador e responsável - 
menos previsível, inflexível, 
fadado ao abismo.
23
Bônus do capítulo:
GROUNDHOG DAY
Não passe incólume pelo filme Feitiço do Tempo (1993). Se já o assistiu, dê uma olhada nessa resenha. Caso não o co-nheça e não goste de spoilers, assista-o e depois volte aqui.
Phil Connors, “homem do tempo” de um jornal de tv, está de 
humor péssimo por ter de cobrir, numa cidade do interior, um 
ritual meteorológico supersticioso, o “dia da marmota”, realiza-
do todo ano em 2/fev. Ele cobre o evento, sempre imbuído de 
seu sarcasmo e má vontade, e, ao acordar no dia seguinte, se 
vê condenado e estar sempre de volta ao dia 2/fev.
24
Nessa repetição infinita, atravessa algumas fases:
Hedonismo - se todo dia é 2/fev, come e bebe o que quer, 
transa, rouba, viva a inconsequência!
Manipulação - tenta seduzir a mulher que sempre desejou, 
Rita, colega de trabalho que o acompanha na cobertura do even-
to: na base do experimento, vai ajeitando o que lhe diz - se erra, 
faz diferente no 2/fev seguinte -, mastruques artificiais não ge-
ram atração real...
Niilismo - tudo é igual e sem novidade, até as respostas do 
Jeopardy na tv já decorou... nem pode se matar, pois acorda de 
novo em 2/fev.
Me ajude! - tenta sensibilizar Rita sobre seu problema, mas 
solidariedade tem limite, ela dorme e o abandona a cada vez...
Devir marmota - resolve estudar piano, escultura, e entra na 
brincadeira do prefeito (ser leiloado para mulheres) da mesma 
forma com que a marmota Phil (ambos têm o mesmo nome) é 
apenas um fetiche turístico da cidade.
A mulher que ele deseja o compra no leilão.
Acorda com ela em 3/fev: ultrapassa a repetição quando ul-
trapassa a si mesmo.
25
2
Capítulo 2 
INCONSCIENTE
Keywords do capítulo:
- Resumo inconsciente
- Saber-lidar emocional
- Lógica do sintoma
- Sujeito moebiano
26
ONDE ESTÁ O INCONSCIENTE?
Um século depois de Freud - e agora com a neurociência -, onde está o inconsciente? Sistema límbico! Reptiliano! Não e não. O presente artigo procura esclarecer um pouco 
a questão com base na psicanálise de Jacques Lacan.
27
PRIMEIRA PARTE 
O INCONSCIENTE LÓGICO
A informática nos ajuda aqui: imagine detectar o funciona-mento de um software observando apenas o que acende e apaga no hardware - eis o empenho neurocientífico; con-
tudo, para a psicanálise, uma das localizações do inconsciente 
só se revela quando examinamos a lógica de funcionamento do 
software em si.
E o que seria esse “software”? Entenda-o como nosso reper-
tório de conhecimento, valores e experiências acumuladas, um 
arranjo narrativo - feito de palavras - que gera nossa visão de 
mundo, nosso mindset (ou posição subjetiva, como se diz na 
psicanálise), conforme visto no capítulo anterior.
Então reflita: em que página se encontra a sinopse de um li-
vro? Em nenhuma. Você terá de ler o livro todo - talvez várias 
vezes - até construir um bom resumo. Digamos então que o re-
sumo está inconsciente no livro. Esqueça, portanto, o incons-
ciente como trancado numa página oculta - não, o inconsciente 
é uma espécie de mainstream (corrente dominante) do mindset, 
matriz de pressupostos que perpassam a montagem inteira de 
nossa cadeia repertorial. Algo capaz de gerar as tais “repetições 
de destino” observadas no capítulo anterior: troquei de chefe e 
voltou o problema com o atual; troquei de casamento e tudo pa-
rece igual nesse.
28
É, se o mindset não sofre qualquer elaboração... E, de acordo 
com a psicanálise, quanto mais distante você estiver da síntese 
que ordena a montagem de seu repertório, mais estará fadado 
a repetir velhos erros (tal como Antenor no capítulo passado).
Einstein dizia: “Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma 
coisa e esperar resultados diferentes”- algo um tanto lógico, não?
29
SEGUNDA PARTE 
O INCONSCIENTE ILÓGICO
Gozamos da sensação de ocupar nosso centro de controle, e outro modo de localizar o inconsciente é perceber onde isso nos escapa. Além dos conhecidos atos-falhos e da for-
ma com que nossos sonhos (eventualmente pesadelos) esta-
belecem um roteiro próprio, destaca-se aqui a incapacidade de 
nos apaixonarmos por autoconvencimento racional (bem como 
nos desapaixonarmos pelo mesmo método).
Freud equivale a constatação íntima desse “isso que eu não 
controlo” a quando Copérnico nos retira a impressão de ocupar 
o centro do sistema solar - e daí os nomes em latim id e ego: “id 
(isso) que ego (eu) não controla”. [Para saber mais sobre esse 
ponto, leia o bônus incluído no final desse capítulo.]
Enfim, nosso software repertorial não roda num hardware 
seco, mas embebido num “wetware” vivo, que tem lá suas exi-
gências, vicissitudes e autonomia.
De modo que a síntese inconsciente abordada na primeira 
parte não resulta apenas de uma extração lógico-linguística - 
não, ela se monta aliada a impulsos cujas causas desafiam nos-
sa racionalidade.
30
Nos versos de Fernando Pessoa: 
“Nem sempre consigo sentir aquilo que sei que devo sentir”.
Aqui o inconsciente se localiza como constatação de que não 
comandamos o que atiça nossas paixões. E isso vale tanto para 
o campo amoroso quanto para o profissional. Nos estudos so-
bre a motivação, uma celebrada separação a distingue entre ex-
trínseca e intrínseca. Na motivação extrínseca, motivos de tro-
ca são bem conhecidos para o sujeito: “faço isso pelo dinheiro”; 
já na intrínseca, verifica-se certo desconhecimento (localização 
do inconsciente): o que determina a escolha por tal pessoa ou 
atividade? Sabemos apenas que nos atraem e fazem vibrar. [No 
capítulo 4 – Motivação, você poderá melhor mais fundo nesse 
ponto].
Mas, atenção: o texto de Freud foi por muito tempo entendi-
do como mera teoria da repressão, algo do tipo “entendi, a cura 
é libertar o id e desprezar o ego”. Não, nada simples assim. Nos-
sa dinâmica em relação ao inconsciente é complexa, o que nos 
leva à observação de seu mais inquietante fenômeno: a forma-
ção de sintomas.
31
TERCEIRA PARTE 
O INCONSCIENTE SINTOMA
Localizar o inconsciente enquanto causa de afetos e predi-leções que não escolhemos não significa abdicar de nosso edifício moral/racional.
Transtornos da época de Freud já foram atribuídos unicamen-
te ao contexto social repressor que tolhia os “desejos incons-
cientes”. Pois então vejamos, o Séc. XX avança, é palco de im-
portantes conquistas de liberdade, e um novo milênio alvorece 
em clima de referências líquidas e convite ao prazer sem limites 
- tamanha liberdade moral e de acesso à satisfação extinguiu o 
mal-estar psíquico e emocional humano? Não.
Hoje, ansiedade, depressão e vícios (comida, remédios, ál-
cool, drogas, web, sexo etc.) representam os principais sintomas 
de nossa atualidade, denunciando sua acelerada fluidez.
Então chegamos a um terceiro modo de localizar o incons-
ciente: como aquilo que fura nosso arranjo narrativo, seja ele or-
denado por “é proibido” ou “é proibido proibir”.
Inconsciente como algo que nos devolve o que restou igno-
rado na história que contamos a nós mesmos. Retornos impre-
vistos - como no exemplo do sujeito que corta radicalmente o 
32
hábito de fumar e, meses depois, repara que engordou alguns 
quilos.
De modo esquemático, poderíamos dizer que, por debaixo da 
linearidade narrativa do propósito “parar de fumar” (ir de A até B) 
restam ignoradas as causas que levam o sujeito ao cigarro, cau-
sas que o inconsciente atualiza através do sintoma da obesida-
de. Disso depreendemos a inútil tentativa de combater apenas 
o sintoma (no caso, o cigarro), sem atentar para a dimensão da 
causa ali em jogo.
E, em 1930, ao escrever “O mal-estar na civilização”, Freud su-
gere que a lógica de formação dos sintomas pode ser observa-
da não apenas nos indivíduos, mas na esfera coletiva em geral: 
“...se as viagens marítimas transoceânicas não tivessem 
sido introduzidas, meu amigo não teria partido em sua 
viagem por mar e eu não precisaria de um telegrama 
para aliviar minha ansiedade a seu respeito”, 
exemplifica Freud.
33
Um exemplo mais próximo de nossa realidade é o ocorrido no 
Facebook, que, de um propósito inicial voltado a “conectar pes-
soas”, passa a ambiente de vinganças digitais e manipulação 
ilícita de dados pessoais; ou, ainda, como o ocorrido na Coreia 
do Sul, que de uma arrancada para “possuir a banda larga mais 
rápida do planeta” obtém em retorno uma alarmante epidemia 
de viciados em games online.
Na esfera individual, retomando a localização do inconscien-
te como vista na primeira parte, uma vez que ela não resulta de 
um exercício meramente lógico (tal como seria extrair a sinop-
se de um livro), a admissão e trabalho sobre os ‘recados’ advin-
dos de nossos sintomas encaminharia, então, de acordo com a 
psicanálise, uma via possível para que o sujeito se torne menos 
suscetível ao giro em falso das repetições de destino (tendên-
cia a repetir velhos erros), e um convite à elaboração/ complexi-
ficação de sua narrativa repertorial, em contraste à linearidade 
de alguns de seus anseios.
34
PARTE FINAL 
O INCONSCIENTE EXTIMIDADE
Lacan complexificanossa linearidade a ponto de dizer que nosso software repertorial se organiza nos moldes de uma fita de Moebius - já ouviu falar dessa fita?
Num cinto corretamente fechado, seus dois lados não se co-
municam - dentro e fora estão bem definidos. Já na fita de Moe-
bius (figura abaixo), dentro e fora estão em continuidade. Muitos 
pares de opostos podem ser colocados aí: noite adentro e já é 
dia; humildade ostentada, vaidade; muito ódio, paixão; no limite 
da complexidade, um viés simples.
35
Lacan se interessa por essa fita e cria a palavra “extimidade”, 
intimidade conectada ao exterior. Se me ocorre um pensamento 
ou sentimento imprevisto, pode não ser fruto de um porão escu-
ro, mas de uma brecha autoral, criativa.
Dessa perspectiva, uma prática que promova a emergência 
do inconsciente introduz uma ética. Lacan diz que o estatuto do 
inconsciente não seria ôntico [localizável, por exemplo, numa 
ressonância magnética], mas, sim, ético. Ética de aposta na mo-
vimentação e manifestação de nossas disposições singulares - 
aquelas que, como visto na segunda parte, são as que legitima-
mente nos fazem vibrar e ir além da mera sobrevivência animal.
Além disso, uma prática cuja direção será “saber lidar com os 
sintomas”, conforme o caráter inextinguível do inconsciente na 
formação dos mesmos.
Como também visto no Capítulo 1, Freud, citando Leonardo 
da Vinci, toma como exemplo a pintura, que opera pela via de pôr 
(tinta sobre a tela), em comparação à escultura, que opera pela 
via de retirar (lascas da pedra bruta).
Nesse sentido, a educação tradicional operaria pela via de 
pôr: o sujeito ouve, lê, recebe. Na psicanálise, a via é de retirar: o 
sujeito fala, permite com isso que o inconsciente se manifeste, 
e algo de valor ocorre nessa travessia.
36
E assim ficamos em relação à localização do inconsciente: te-
mos mesmo um lado de fora e outro de dentro? Talvez seja pre-
ferível não demarcar com precisão, habitar uma surpreendente 
- até para nós mesmos - dimensão moebiana.
37
Bônus do capítulo:
CONTROLE EMOCIONAL 
EXISTE MESMO ISSO?
Comecemos com um artigo publicado na Harvard Business Review em 2013, Emotional Agility, que trata de como líde-res eficazes lidam com pensamentos e sentimentos nega-
tivos. O artigo menciona um experimento, realizado por um pro-
fessor de Harvard, em que indivíduos são convidados a evitar 
pensar em um urso branco, concluindo que tentativas de mini-
mizar ou ignorar pensamentos ou sentimentos tendem apenas 
a amplificá-los.
https://hbr.org/2013/11/emotional-agility
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“Qualquer pessoa que já sonhou com bolo de chocolate ou 
batatas fritas enquanto fazia um regime rigoroso entende esse 
fenômeno”, aponta o artigo. Ora, quem primeiro se interessa e 
vai fundo na investigação dessa dinâmica é o então neurologista 
Sigmund Freud, que abandona a medicina para inaugurar – nos 
termos de hoje – sua ‘startup disruptiva’ chamada psicanálise.
Em 1917 (lá se vão cem anos), Freud, já reconhecido pelo aba-
lo que causara em sua época, publica um artigo em que destaca 
três duros golpes que abateram o orgulho humano: o primeiro, 
conferido por Copérnico, que retira da Terra o título de centro do 
sistema solar; o segundo, vindo de Darwin, que elimina do ho-
mem qualquer presunção quanto à origem de sua espécie; e o 
terceiro, o que a própria psicanálise estabelece com o postula-
do: “O eu não é o senhor de sua própria casa”.
Copérnico faz a humanidade cair do cavalo, o orgulho de al-
guns ainda insiste em recusar Darwin, e quanto a Freud, em que 
o essencial de seu legado pode tanto nos abater? Bem, voltemos 
ao experimento de Harvard. Experimente se prometer não pen-
sar em um urso branco por cinco minutos. Não precisa nem co-
meçar... Somos dotados de um algoritmo linguístico incapaz de 
se autoprogramar de modo infalível: esse simples experimento 
revela em nós um ponto fora de controle, ainda que gozemos da 
sensação de ocupar nosso centro de comando.
Enfim, não nos comportamos de modo estritamente lógico 
e deliberado. Nossa cadeia de pensamento se move atrelada à 
http://www.freudonline.com.br/livros/volume-17/vol-xvii-3-uma-dificuldade-no-caminho-da-psicanalise-1917/
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fluidez de impulsos e sentimentos, capazes também de nos co-
mandar. Uma das evidências disso, para além das variações co-
tidianas do humor, está no fato de não escolhermos a pessoa 
por quem nos apaixonamos. E isso vale para o campo amoroso 
tão bem quanto para o campo do trabalho. Escolher uma profis-
são com base apenas em argumentos racionais? Equivalerá a se 
casar por conveniência, um caminho para a infelicidade. Freud 
propõe aos médicos de sua época escutar o que há de infelicida-
de no surgimento de certas doenças, advertindo-os de que não 
basta estabilizar a biologia do paciente – ele retornará daqui a 
algum tempo, com sua mesma infelicidade.
Um século depois e devemos bendizer cada uma das conquis-
tas e descobertas da medicina. Contudo, quando o terreno é o 
das emoções, a promessa de atalho é tentadora: dispomos de 
medicamentos para a insônia, cirurgias para a obesidade... e a 
infelicidade que causa a perda do sono ou a ânsia pelo alimento 
pode ser ‘bypassada’, ludibriada, adormecida. Apenas aparente-
mente. O que a experiência clínica nos mostra é que, em geral, 
essa tentativa de ludibrio faz apenas com que o ignorado retor-
ne e assombre, feito um urso branco. É justamente a observa-
ção desse ‘efeito de retorno’ uma das maiores contribuições de 
Freud. E a questão aqui não é ir contra a medicina, mas cuidar de 
sua acertada ou equivocada aplicação. O crescente e excessivo 
uso de substâncias psicoativas (psiquiátricas) no estilo de vida 
contemporâneo tem estatísticas alarmantes. Para quem deseja 
ir mais fundo nesse tópico, recomendo o excelente artigo publi-
cado em 2011 na revista Piauí, A epidemia da doença mental.
http://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-epidemia-de-doenca-mental/
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Sim, existem transtornos que requerem uso contínuo de medi-
camentos, mas mesmo aí um trabalho em conjunto com a escuta 
analítica pode trazer benefícios. Em outros casos, tratamentos 
que possibilitam uma alternativa a longos anos de medicação 
chegam a ser inspiradores. O que está em jogo geralmente, para 
início de conversa, é que sentimentos, por mais penosos ou es-
tranhos a nós mesmos que pareçam, não poderão ser ignorados 
ou repelidos – uma distorção comum quanto à expectativa de 
‘controle’ sobre as emoções. Sentimentos estão aí para serem 
admitidos e atravessados. O que não significa necessariamente 
ceder a eles. A lógica aqui é inversa: por exemplo, admitir para 
si o ódio por alguém, não implica em partir para cima desse al-
guém; a pressão interna para calar esse ódio é que pode, por-
ventura, gerar uma explosão violenta para cima desse alguém. 
É mesmo contraintuitivo: no que sentimentos são acessados, 
podemos trabalhá-los, dar destino a eles; se teimamos em anu-
lá-los, só se fortalecem.
Numa consulta rápida ao Google, uma constelação de ocor-
rências oferece textos e vídeos com técnicas, passos e dicas de 
controle emocional. Mas nada é homogêneo e consensual nes-
sa seara, a começar pelo fato de que pessoas das mais diversas 
áreas se aventuram a falar sobre isso. E aqui chegamos ao am-
biente organizacional, que demanda constantemente conteúdos 
sobre esse tema. Nem percamos tempo maldizendo a autoajuda, 
cujas limitações são evidentes, mas o fato é que profissionais de 
agora se veem premidos por inúmeras exigências, do domínio 
de idiomas a diversas soft skills, como capacidade de trabalho 
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em equipe e tato nas relações. A velocidade-ansiedade atual e o 
clima de incertezas e inovações nos desafiam a todo momento 
a não nos afogar nesse fluxo ininterrupto de estímulos. Isso faz 
do controle emocional um objeto de desejo para muitos. Mas, 
afinal, no que investir para aprimorar isso? As opções são varia-
das e a sugestão natural é que cada um procure o caminho que 
mais lhe causar curiosidade e atração.
No meio disso, ainda assistimosao avanço da neurociência. 
Muito do que atualmente se produz sobre nossa dinâmica emo-
cional se apoia nela – para o bem e para o mal. Curioso como 
hoje o prefixo neuro doura de credibilidade qualquer termo que 
o siga. Sempre que encontro discursos associados à neurociên-
cia, costumo distingui-los em três blocos: 1) descobertas e apli-
cações interessantes; 2) novas promessas de controle do urso 
branco incontrolável; 3) atrativo para vendas e simplificações 
enganosas. A explicação mais celebrada hoje em palestras é a 
que divide nosso cérebro entre neocórtex (periferia racional, ló-
gico-linguística) e sistema límbico (miolo emocional, primitivo-
-reativo), e a partir daí os três blocos discursivos se desdobram, 
nos animam... ou enrolam.
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Confesso, eu que desde cedo na graduação me vi tomado 
pela psicanálise, que nunca fui muito fã do termo ‘controle’ atre-
lado às emoções. Lacan falava em “saber lidar ali” (savoir-y-fai-
re). E depois de muito ler e matutar, encontrei no surfe (embora 
eu não saiba surfar) a metáfora que melhor me ajuda a distinguir 
‘controle’ de ‘saber lidar ali’. Vejamos, o surfista não controla as 
ondas, aqui equivalentes às suas emoções; seu saber lidar com 
elas apenas lhe permite, com humildade, atravessá-las e até tirar 
proveito delas, nunca livre de eventualmente ser arrastado pela 
intensidade de algumas. Do contrário, se acredita que está tudo 
sob seu controle, fica ainda mais vulnerável a tomar “caixotes” 
ou ser arrastado por ondas violentas, passando a se sentir divi-
dido. Tomando como exemplo um grupo de controle da obesida-
de que coordeno há dois anos, com grande satisfação, em par-
ceria com uma nutricionista, se caso algum dos participantes, 
após algum tempo de luta contra a balança, não obtém resulta-
dos, insistir no papel de motivador do cumprimento da dieta, da 
atividade física e da disciplina consciente, em geral, apenas faz 
com que a pessoa se sinta ainda mais impotente e culpada por 
não conseguir emagrecer. É hora de dar ouvidos à infelicidade 
ali envolvida; com seu consentimento, cavar em outras regiões, 
todas elas articuladas entre si. Chega a ser instigante como algo 
se desenlaça a partir disso. Não se trata de um treinamento cog-
nitivo, de ensinar aos participantes a controlar suas ‘ondas de 
fome’, mas propiciar que as atravessem um pouco melhor, en-
trando em contato com efeitos indiretos que as animam. Essa é 
uma grande diferença que distingue a psicanálise das terapias 
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cognitivo-comportamentais, embora esteja na mão dos sujeitos 
a escolha sobre qual delas seguir.
De fato, muito do que lemos hoje sobre controle emocional 
orbita em torno de técnicas para se situar no meio de um mare-
moto emocional: controle da respiração, autoindução sugestiva, 
exercícios mentais para ativação do córtex racional etc. Sendo 
que, para a psicanálise, o que está em jogo não é o que fazer no 
meio de um maremoto, mas reconhecer as repetições de con-
duta que nos levam seguidamente a eles. Conforme visto no ca-
pítulo inicial desse livro, o tema da repetição foi observado com 
muita perspicácia por Freud.
Dessa maneira, uma vez que não nos será possível contro-
lar diretamente as emoções, cabe, pela via psicanalítica, atentar 
para nossas condutas a fim de que possamos nos responsabi-
lizar pela repetição de episódios que, em grande medida, tem a 
ver com nossa teimosia resiliente.
Esse ponto crucial, pouco explorado pelos estudos da Inteli-
gência Emocional, desloca a questão do domínio das emoções 
para o exame e aprimoramento de nossa visão de mundo (mind-
set), ou seja, nosso repertório de crenças e valores, esses mes-
mos que nos levam a agir da maneira como agimos, com nós 
mesmos, e no convívio diário com nossos semelhantes.
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3
Capítulo 3
TRANSFERÊNCIA
Keywords do capítulo:
- Liderança
- Poder de influência
- Chefiar
- Manipular
- Motivação intrínseca
- Relacionamento e escuta
- Modernidade líquida
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O LAÇO DE LIDERANÇA 
CHEFIAR, MANIPULAR OU LIDERAR?
Publicado na Harvard Business Review em 2004, o artigo “Why People Follow the Leader: The Power of Transference”, de Michael Maccoby, aponta a correspondência entre um dos 
conceitos fundamentais da psicanálise, a transferência, e o fe-
nômeno da liderança.
E o que vem a ser isso, transferência? Nada a ver com transa-
ções bancárias ou quando sua empresa determina que você vá 
morar em outra cidade. Digamos que, inesperada, a necessidade 
de uma cirurgia se revele. Podendo escolher, por que você opta 
por este e não por aquele cirurgião? Trata-se de uma relação de 
Imagem: coleção “Hipstory”, de Amit Shimoni.
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confiança, seja no profissional, seja naquele seu conhecido que 
o indicou. No campo psicanalítico, Freud deu esse nome, trans-
ferência, para esse tipo de endereçamento: ou seja, se decido fa-
zer análise com determinado psicanalista, é por conta de minha 
transferência para com ele (ou para com aquele que o indicou).
Lacan acrescenta a isso o que chamou de transferência de 
trabalho, nesse caso, o endereçamento de uma confiança não 
propriamente clínica, mas de cunho profissional: uma espécie 
de disposição favorável, alicerçada no sentimento de boa con-
ta, para o trabalho junto a determinado sujeito (na cultura militar 
naval, isso parece vir expresso no jargão ‘com esse vou para a 
guerra’).
No campo organizacional, um tipo peculiar de relação se ob-
serva no dia a dia de empresas e instituições, a saber, o poder 
de influência de determinados sujeitos sobre outros: claro que 
falo aqui do fenômeno da liderança - fenômeno que, conforme 
aponta o artigo de Maccoby, pode ser lido através do conceito 
de transferência.
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A LIDERANÇA EM ESPECTRO
Vamos deixar de lado a transferência em termos clínicos, e nos concentrar no que Lacan definiu como transferência de trabalho. Dispostos em espectro, os sentimentos associa-
dos a esse tipo de transferência podem variar de um pequeno a 
um elevado grau de intensidade.
Para efeito de ilustração, elegi alguns afetos que ordenei em 
graus ascendentes, sem a pretensão, contudo, de esgotar a ma-
neira particular com que cada um os vivencia. Situei em um pri-
meiro patamar o sentimento de respeito pela pessoa do líder, 
“sua presença não me é indiferente e considero com atenção 
aquilo que diz”. Indo além dessa condição, o sentimento de con-
fiança, “sou capaz de lhe confiar assuntos delicados, bem como 
sua palavra é capaz de gerar influência sobre minha conduta”. 
Em um terceiro patamar, realizo de boa vontade suas exigências, 
“considero-o capaz e acredito que suas diretrizes irão favorecer 
tanto a mim quanto ao empreendimento, motivo pelo qual em-
prego voluntariamente minha energia de trabalho em favor dos 
objetivos que ele me propõe”.
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Em um quarto grau de intensidade, aquele que me dirige, que, 
segundo Cecília Bergamini, administra o sentido do que execu-
to, ganha minha admiração: “seu exemplo profissional aponta-
-me um modelo a seguir”. Alguém em semelhante posição de 
liderança não deve almejar, entretanto, um tipo de vínculo me-
ramente baseado no culto e favorecimento de sua pessoa. Será 
preciso resistir a isso em favor do propósito de formar novos lí-
deres – do contrário, restará ao cabeça um corpo de bajuladores 
e subalternos, carentes de suficiente independência pelo medo 
constante em desagradá-lo (ponto em que a liderança manifes-
ta seu caráter tóxico, tal como o vemos na personagem de Meryl 
Streep em O diabo veste Prada).
O líder deve estimular certa competitividade contra ele mes-
mo, a fim de liberar a autenticidade e o talento contido nos mem-
bros de sua equipe. Se não renuncia ao culto de sua pessoa, 
abre campo para que a intensidade da transferência eleve-se ao 
patamar da adoração - por onde se diz que mexer com os po-
deres da liderança equivale a mexer com os poderes do átomo. 
Afinal, não provém senão da liderança o advento capaz de fazer 
com que sujeitos atirem-se do interior de aviões contra edifícios; 
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também a barbárie imposta pelo adventonazista não encontra 
outro centro de referência senão o culto a um único e miserável 
homem. De fato, toda a história da humanidade poderia ser con-
tada a partir do poder de influência de apenas algumas centenas 
de líderes.
Para além da adoração, situo o amor e o ódio. Mas alto lá, os 
sentimentos de transferência não seriam apenas uma disposi-
ção positiva para com o líder? Não. Freud pôde nos ensinar mui-
to bem que o oposto de transferência diz respeito à indiferença: 
“trabalhei com aquele sujeito?, não me lembro...”, caso contrário, 
se a presença de alguém não lhe é indiferente, isso poderá ser 
apenas distinguível, de acordo com Freud, entre transferência 
positiva ou negativa – ou seja, querer bem ou querer mal, não 
importa, é laço de transferência.
Aqui, vale a pena voltar ao artigo da Harvard Business Review 
citado no início. Maccoby traz histórias que ilustram a fragilida-
de de uma transferência muito intensa. Cito uma: determinado 
executivo era querido como um pai por determinada funcioná-
ria, e não recusava alimentar esse sentimento, uma vez que lhe 
era garantida grande energia de cooperação por parte dela; con-
tudo, numa oportunidade de promoção dentro da empresa, ele 
indica uma outra pessoa, e não ela, para o cargo. Resultado: da 
noite para o dia, todo aquele amor dirigido a ele se transforma 
em todo tipo de má vontade, sabotagem e ressentimento.
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Por essa via, vale lembrar as sucessivas tentativas de assas-
sinato que Hitler sofre, tramadas por seguidores próximos a ele, 
uma vez iniciada a guerra; ou seja, toda a intensidade afetiva 
que cunhou seu emblema de ‘Guia’ no período de reconstrução 
do moral alemão após a Primeira Guerra, sucumbe de uma hora 
para outra entre alguns de seus homens de confiança, que pas-
sam a vê-lo com a mesma intensidade afetiva, porém em senti-
do contrário.
Na experiência clínica da psicanálise, Freud constata que o 
amor de transferência é, ao mesmo tempo, a condição e o impe-
dimento para o progresso de uma análise. De modo que, no per-
curso de um tratamento, espera-se que a figura do analista seja 
pouco a pouco deslocada de patamares muito elevados para 
aquilo que reste como meros respeito e confiança. Nos dizeres 
de Lacan: a transferência de trabalho é suscetível de vir substi-
tuir o amor de transferência - e será no nível da transferência de 
trabalho que um líder deverá ser hábil em se manter, recusando 
o culto personalista à sua pessoa, dada a fragilidade com que 
isso pode, da noite para o dia, se inverter.
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CHEFIAR, MANIPULAR OU LIDERAR?
Coloquemos agora sobre os pratos de uma balança, de um lado o conceito de transferência, e, do outro, o cumprimento das regras que devem reger o funcionamento de qualquer 
organização.
Na extensa literatura de liderança, é comum o contraste en-
tre os papéis de chefe e líder. Em relação ao chefiar, irei situá-lo 
aqui como o pendor da balança ao cumprimento exclusivo das 
regras, num apelo ao grau hierárquico, aos protocolos e à obe-
diência funcional - face à carência, ou mesmo ausência, de um 
vínculo de transferência de trabalho. O papel do chefe iguala-se, 
nesse caso, ao de guardião das regras em um ambiente com fi-
nalidade produtiva, cabendo apenas determinar metas e cobrar 
resultados, valendo-se para isso do poder de sua posição.
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Invertendo a disposição da pedra, situo a manipulação. Nesse 
caso, o endereçamento transferencial recai de modo tão maci-
ço sobre a figura do líder, que este passa a se considerar acima 
das regras, conduzindo seu grupo em detrimento do que é ético 
e valendo-se da boa vontade alheia para alcançar objetivos pes-
soais ou escusos.
Cabe salientar que a condição do chefiar, como aqui definida, 
desenha um cotidiano mais típico ao meio corporativo e institu-
cional, seja ele civil ou militar, em que o benefício formal do cargo 
de chefia impera diante da pouca atenção conferida ao estabe-
lecimento de um vínculo de transferência. Já o manipular pode-
rá ser mais frequentemente visto em certas pastorais religiosas 
ou agremiações político-partidárias, onde o peso transferencial, 
depositado na figura do líder, por vezes o encaminha a práticas 
questionáveis do ponto de vista ético, valendo-se de seu caris-
ma para ludibriar corações e mentes. Em referência específica a 
isso, não são poucos os hoje interessados em ‘técnicas de lide-
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rança’ que se encontram à procura, na verdade, de técnicas de 
manipulação de rebanhos.
Por fim, o caminho do liderar. Caminho, pois, como é sabido, 
a chefia de um grupo se obtém por meio de uma nomeação; já a 
liderança, apenas ao longo de um bom tempo. Nesse caminhar, 
o zelo pelas regras e valores éticos avança igualmente apoiado, 
para equilíbrio da balança, na tentativa de estabelecimento de 
um vínculo de transferência de trabalho, conquistada por aquele 
que lidera através de seu exemplo pessoal, bem como pelo nor-
te que aponta a seu grupo: norte que não convida simplesmente 
a calar e obedecer, tampouco ao culto de sua pessoa, mas que 
estimula as muitas e variadas contribuições que cada membro 
da equipe possa vir a dar.
Nessa medida, observo que tanto o chefiar quanto o manipular 
são, apesar de distintos, posições igualmente centralizadoras. 
Ou seja, na ausência do cabeça, seu corpo de subordinados/se-
guidores sabe pouco o que fazer, posto que dependem do ‘pei-
xe’ que só aquele que os comanda se afirma capaz de ‘pescar’. 
O liderar, nesse sentido, diria também respeito, de acordo com o 
dito popular, aos cuidados em se transmitir o ‘ensino da pesca’. 
Em suma, tanto o chefe quanto o líder carismático trabalham 
para que dependam dele, o líder legítimo trabalha para que não 
dependam.
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CHEFIA E RECOMPENSA, 
LIDERANÇA E MOTIVAÇÃO
Mas, enfim, qual a necessidade do vínculo de transferência para fazer girar a engrenagem de uma instituição, desde que ela esteja bem regrada? Para avançar nesse questio-
namento, relembro aqui a distinção, celebrada por Herzberg, en-
tre motivadores extrínsecos e intrínsecos.
Um estudo sobre a motivação realizado pelo economista Da-
niel Pink, compilado na forma de uma prazerosa animação dis-
ponível no YouTube pelo nome “Drive: A surpreendente verdade 
sobre o que nos motiva”, irá nos interessar aqui. O argumento de 
Pink, sustentado por experimentos de campo realizados por ins-
tituições de renome (MIT, Carnegie Mellon, entre outras), aponta 
que o modelo de recompensa - faça isso e ganhe aquilo - funcio-
na muito bem para trabalhos simples ou que envolvam apenas 
habilidades mecânicas. Nesses casos, a lógica da recompensa 
funciona como se espera: quanto mais se oferece melhor o re-
sultado fica. Contudo, quando entra em jogo a execução de ta-
refas que envolvam o universo subjetivo/conceitual dos sujei-
tos, sua motivação diverge da lógica tradicional da recompensa 
e envereda por caminhos bem mais complexos e intangíveis.
Um programador pode, por exemplo, passar madrugadas in-
teiras debruçado em alguma contribuição sua para a web, sem 
obter em troca nenhum retorno senão a realização do feito em 
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si. Nesse caso, o sujeito não trabalha em troca de alguma re-
compensa previamente oferecida (motivação extrínseca); o re-
sultado excelente de seu trabalho, fruto do desafio de dominar 
aquela matéria, é de fato sua maior recompensa (motivação in-
trínseca). É mesmo espantoso o que se pode obter dos sujeitos, 
em termos de sua energia de trabalho, quando o efeito motor de 
sua motivação versa sobre o aprofundamento e a realização de 
suas aptidões.
Pink elenca três grandes motivadores que operariam no su-
jeito para além da lógica tradicional da recompensa extrínseca: 
autonomia, domínio e propósito. Quanto ao primeiro, conceder 
autonomia a um funcionário maduro, que trabalhe em algo que 
envolva seu universo conceitual e aptidões, gera mais engaja-
mento do que a tentativa de controlar (apoiando ou corrigindo) 
cada um de seus passos – o que não se aplica a funcionários 
menos maduros, que deverão ser supervisionados, lhes sendo 
oferecidamaior autonomia na medida em que demonstrem tra-
balhar não apenas em troca de algo, mas pela expressão e rea-
lização de suas habilidades. Na extensão disso, vem o conceito 
de domínio (mastery), isto é, o desejo de se aperfeiçoar na ativi-
dade que move o interesse íntimo do sujeito - a partir de onde, 
como visto antes no exemplo do programador, brota uma fonte 
grandiosa de energia de trabalho. Por último, o propósito, sinôni-
mo de motivo – de cuja raiz latina movere também deriva a pa-
lavra motivação. Pink constata que empresas movidas apenas 
pelo propósito ‘maximizar os lucros’ tropeçam em um vazio de 
continuidade em relação a outras, capazes de gerar orgulho nos 
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funcionários pelo sentido de contribuição que trazem à socieda-
de. Como é sabido, Steve Jobs se dizia movido pelo desejo de 
“fazer um barulhinho no universo” (rsrs), e foi capaz de atrair e 
se cercar de indivíduos dedicados a dar o melhor de si.
Por esse entendimento, como pode um chefe produzir efei-
tos de elevado empenho e engajamento valendo-se apenas dos 
modeladores tradicionais do comportamento, recompensa e pu-
nição, sem incluir aí a sua paixão? Será, portanto, através de sua 
paixão e exemplo que um vínculo de transferência de trabalho 
poderá advir entre ele e seus colaboradores.
Avançando um pouco mais, cito outro artigo de Cecília Ber-
gamini, que nos aponta: “O líder não pode motivar seus lidera-
dos. Sua eficácia depende de sua competência em liberar a moti-
vação que os liderados já trazem dentro de si”. Por conseguinte, 
a transferência de trabalho deverá ser lida como manifestação 
da motivação intrínseca do sujeito, capaz de se afeiçoar a um lí-
der por perceber nele, entre outras coisas, condições favoráveis 
para a liberação e realização de suas aptidões/ habilidades.
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RELACIONAMENTO E ESCUTA
Se, por uma via, o fenômeno da liderança abrange um poder de influência do líder sobre um grupo, pela via inversa, diz--se que um líder só possui o poder que lhe é concedido por 
seus liderados. Esse consentimento, como vimos, é transferen-
cial.
“A aceitação de um líder será tanto maior quanto mais 
ele for considerado como facilitador de consecução dos 
objetivos almejados pelos seus subordinados”
, observa Bergamini. 
Com base nisso, entendemos que tal aceitação só poderá ser 
endereçada a alguém que seja percebido como capaz de escutar 
as questões que circulam no discurso em que está imerso. Re-
lacionar-se com seu pessoal se torna, então, crucial para quem 
almeja liderar. Como conhecer as necessidades do momento, 
não propriamente para atendê-las, mas para interpretá-las e or-
ganizá-las em um sentido que possa produzir efeitos de influên-
cia, sem oferecer ouvidos a elas?
 E, ainda, como conhecer com quem se trabalha sem promo-
ver um canal de comunicação onde possam ser veiculadas as 
queixas, anseios, sugestões, enfim, variantes daquilo que dese-
nha o perfil de aptidões e motivações pessoais de cada um? Só 
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assim um gestor poderá melhor alocar e realocar seus colabo-
radores em funções que lhes digam respeito, bem como melhor 
organizar e sustentar o sentido através do qual ele, autor de suas 
palavras, conduz e norteia aqueles que as aceitam como pala-
vras de um líder.
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Bônus do capítulo:
MODERNIDADE LÍQUIDA 
DESAFIO AOS MILLENNIALS
Março de 2000. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman pu-blica seu livro-conceito: vivemos agora, nos diz ele, em uma modernidade líquida.
Desde então, o conceito de Bauman repercute e se estabele-
ce com força no ambiente acadêmico, tornando-se fio condutor 
de todas as suas demais publicações. Seu título mais conheci-
do aqui no Brasil é Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços 
humanos (2004) – ali observado, em minúcias, o desprendimen-
to com que hoje laços afetivos se conectam e desconectam.
Dentre diversos enfoques, Bauman se dedica a contrastar 
uma modernidade sólida anterior – linear, encadeada e previsí-
vel – face a essa que paulatinamente toma seu lugar, cada vez 
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mais fluida, veloz, simultânea e imprevisível, tal como a vivemos 
hoje. O quadro abaixo resume algumas dessas mudanças.
MODERNIDADE 
SÓLIDA
MODERNIDADE 
LÍQUIDA
FAMILIA TRADICIONAL FAMILIA MOSAICO
PLANO DE CARREIRA TRANSIÇÃO ENTRE ÁREAS E EMPREGOS
SOCIEDADE VERTICAL/ 
PATRIARCAL
SOCIEDADE HORIZONTAL/ 
PATRIARCAL
CULTURA DE MASSAS MASSA DE NICHOS
No campo da estrutura familiar, sua organização tradicional, 
pai, mãe e filhos, passa a dividir espaço com novos tipos de ar-
ranjo: produções independentes, uniões abertas, cônjuges do 
mesmo gênero, sendo o fenômeno de maior ocorrência a famí-
lia mosaico, nome dado a famílias que agregam meios-irmãos 
ou enteados, inúmeras hoje, fruto de casamentos subsequentes 
que desenham mosaicos parentais (meus filhos/ seus filhos/ 
nossos filhos).
Se a estrutura familiar fica líquida, algo muito semelhante 
ocorre na esfera do trabalho. A expectativa de busca por um 
emprego duradouro, cujo plano de carreira projete uma escala-
62
da estável até a aposentadoria, se vê contraposta por um tipo 
de desenvolvimento profissional em que a transição entre dife-
rentes áreas e empregos não desmerece, mas valoriza um cur-
rículo em constante reinvenção, movido pelo desejo individual 
e também por um contexto de acelerada instabilidade dos tipos 
de profissão existentes.
Outro ponto crucial: no passado sólido vigora uma sociedade 
vertical, patriarcal. Há certo consenso quanto a se submeter às 
autoridades formais, professor, pai, chefe etc. Já em um contex-
to líquido, a sociedade fica horizontal, o que acarreta uma crise 
generalizada de autoridade: professores com grande dificulda-
de para educar seus alunos, pais para educar seus filhos, bem 
como chefes para exercer seu papel no ambiente de trabalho. 
Mesmo as instituições militares, ainda que amparadas pela so-
lidez de suas tradições e pilares da hierarquia e da disciplina, 
encontram-se hoje atravessadas por esse contexto líquido.
Nessa medida, o crescente interesse pelo fenômeno da lide-
rança, não somente no ambiente militar, mas em todo o meio 
corporativo – formar líderes, não apenas chefes –, parece enca-
minhar uma tentativa de resposta a esse declínio da autoridade 
formal/vertical.
Não se trata, definitivamente, de conceder elogios ou con-
clames de retorno à modernidade sólida. A primeira metade do 
Século XX precisa ser lembrada pela celebração enganosa de 
regimes totalitários, pela violência de duas grandes guerras, e 
63
também pela rigidez de padrões morais que confinaram quantas 
almas infelizes em empregos ou casamentos torturantes. Não 
se pode diminuir o valor das conquistas de liberdade individual 
obtidas com o derretimento do modelo sólido de sociedade – a 
questão agora seria o que fazer com tanta liberdade.
Bauman observa que em nome da estabilidade (da família, 
do emprego ou de instituições) um certo grau de autoritarismo 
era tolerado, mas que na modernidade líquida a vontade de liber-
dade individual recusa pagar esse preço, denunciando qualquer 
tipo de verticalidade ou submissão. A supremacia do direito à 
liberdade produz então um clima de pouca aderência, de indi-
vidualismo e relativização dos discursos, posto que todos eles 
agora se encontram em um mesmo patamar horizontal.
Consequentemente, a antiga cultura de massa, que orienta-
va sobre o bem e o mal, fragmenta-se agora em uma massa de 
nichos, que se policiam mutuamente para que seus discursos 
não firam suscetibilidades um do outro (quando isso ocorre, o 
clima é de opiniões polarizadas e intolerância bruta: todos se 
sentem ‘livres’ para se expressar como bem entendem).
O fato é que não existem diretrizes simples para responder 
a essa nossa atualidade – também denominada de contexto 
VUCA (sigla em inglês para volatilidade, incerteza, complexida-
de e ambiguidade).
64
Fica para os millennials – assim chamada geração de jovens 
nascidos não apenas entre dois séculos, mas milênios – o de-
safio de avançar nesse cenário líquido, que lhes exigirá certa-
mente ummindset mais elaborado e growth para lidar com a 
complexidade (diferentemente do de seus pais, apegado e fixed 
em sínteses lineares: senão demasiado sólidas, demasiado lí-
quidas – como a cultura hippie dos anos 1960/70).
Millennials que crescem em um ambiente de esvaziamento 
das ideologias, onde o aspecto financeiro é quem comanda o 
discurso. Ideologias, afinal, lhes soam à rigidez, eles preferem 
a fluidez. Já não apresentam qualquer espanto diante de uma 
sexualidade líquida: aboliram, na linguagem, o ‘a’ e ‘o’ que dife-
rencia os gêneros, aplicando o ‘x’ ou ‘e’; são agora ‘amigxs’ ou 
‘amigues’ – apaixonam-se por pessoas, não por gêneros – e so-
mente o tempo dirá se se trata aqui de modismo passageiro ou 
de um novo giro na história da sexualidade humana.
65
Com o declínio da autoridade formal/vertical, importa-lhes a 
autoridade moral, conquistável apenas por efeito de condutas 
autênticas, transparentes, éticas. Almejam liderar pelo exem-
plo, não pela imposição de poder. Aspiram um trabalho que lhes 
confira relevância e lhes aponte um propósito – não parecem 
interessados em maximizar lucros apenas (como a geração dos 
yuppies 1980/90 que os precedeu). Acreditam na sustentabili-
dade, na reciclagem e no impacto ecológico de pequenas ati-
tudes. Suas redes velozes lhes conferem possibilidades nunca 
vistas, muitos de seus feitos nascerão a partir delas. Prezam a 
liberdade, mas comungam do desejo ancestral de experimentar 
o amor.
São ágeis e imediatistas, a todo tempo conectados, mas seus 
sentimentos de mal-estar e angústia devem ser encarados – e 
acolhidos – como reflexos de uma face dilacerante desse con-
texto: depressão, vícios, baixa autoestima e suicídio também 
estão presentes entre eles. Cabe lembrar que Bauman tece uma 
crítica, e não um elogio, ao desdobrar em seus livros os vários 
aspectos desse panorama atual que vem chamar de moderni-
dade líquida.
Mas enfim, hoje estou na casa dos quarenta, e serei apenas 
triste e nostálgico caso não imagine a geração de agora capaz 
de navegar por esse contexto desafiador (o que não significa 
enxergá-los com otimismo benevolente, mas arcar com a res-
ponsabilidade de ajudá-los nessa tarefa). Admiro-os, sim, com 
olhos cheios de esperança e fé.
66
4
Capítulo 4
PULSÃO
Keywords do capítulo: 
- Motivação intrínseca e extrínseca
- Instinto
- Pulsão (de vida/ de morte)
- Legado
- Teoria dos dois fatores de Herzberg
- Satisfação
- Estado de fluxo (flow)
- Ética a serviço dos bens /ética do desejo
67
MOTIVAÇÃO - EROS E TANATOS
Para tratar da motivação pelo olhar da psicanálise, podemos partir de uma metáfora que descreva nosso dinamismo: ima-gine sermos um tipo inusitado de máquina, cujo motor vital 
girasse em frequências variadas. Dispondo isso como em um 
painel automotivo, poderíamos então, com a psicanálise, apon-
tar três aspectos distintos de uma mesma energia: inibição, pul-
são de vida e pulsão de morte.
Comecemos pela inibição. Ela equivaleria a um baixo dinamis-
mo de nosso aparelho vital, “resultado de um empobrecimento 
de energia”, escreve Freud em 1926. Acanhamento excessivo, vi-
são melancólica de mundo, insatisfação com as escolhas amo-
rosa ou profissional, um episódio terrível, mágoas e outros tan-
tos motivos podem suscitar no sujeito sua escapada para uma 
zona de sombra, numa espécie de empobrecimento de seu de-
sejo de vida.
68
Algo nos diferencia dos demais seres vivos: somos os únicos 
capazes de desperdiçar a própria existência. Na natureza, uma 
onça selvagem jamais desiste de caçar porque sua pouca au-
toestima a desmotiva. Diante disso, Freud separa instinto (ins-
tinkt, em alemão), impulso de vida reservado aos animais e do 
qual não podem escapar, de pulsão (trieb), impulso que poderá 
permanecer girando em falso, numa espécie de adormecimento 
das potencialidades do sujeito.
Mas vamos imaginar agora um sujeito abandonado entre o 
celular e o computador, girando em falso entre seus passatem-
pos, resolvendo aceitar o convite de um colega para escalarem 
juntos um pequeno rochedo, num exercício de alpinismo leve.
Nos estudos sobre a motivação, uma separação importante a 
distingue entre extrínseca e intrínseca. No caso em questão, se 
os motivos para aceitar o convite forem apenas uma troca (fa-
vores oferecidos pelo colega, argumento dos benefícios à saú-
de...), mesmo que o sujeito se arrisque algumas vezes, estará 
ali sempre na qualidade de um acompanhante inexpressivo – e 
que na primeira dificuldade pode voltar ao aconchego de seus 
69
passatempos. Aqui temos a motivação extrínseca: uma troca 
incapaz de agitar verdadeiramente o sujeito.
No campo organizacional, a teoria dos dois fatores de Her-
zberg diferencia com clareza o empregado simplesmente condi-
cionado por motivadores extrínsecos (trocas), de um outro cujas 
ações demonstrem um comportamento realmente motivado. O 
fato é que o ‘start’ motivacional se origina no sujeito, cabendo 
aos gestores não apenas motivar com objetos de troca, mas, 
sobretudo, fomentar o potencial motivacional contido em cada 
um de seus colaboradores. “O líder não pode motivar seus lide-
rados. Sua eficácia depende de sua competência em liberar a 
motivação que os liderados já trazem dentro de si”, atesta em 
um de seus artigos a psicóloga organizacional Cecília Bergami-
ni. Os famosos TED talks de Simon Sinek e Daniel Pink também 
apontam precisamente esse norte.
Prosseguindo com nosso exemplo, digamos que, aceito o con-
vite, o sujeito tenha não só apreciado a experiência do alpinismo, 
como também, para sua surpresa, perceba-se instigado por ela. 
Em seu entorno, após um curto espaço de tempo, transitam ago-
ra equipamentos, acessórios, pôsteres, e nenhum outro tema o 
toma tão em cheio quanto o planejamento de sua próxima esca-
lada. Adeus passatempos, aqui temos a motivação intrínseca.
Conforme destacam diversos livros sobre o tema, as palavras 
‘motivação’ e ‘motivo’ associam-se (declinam ambas do latim 
movere, que significa deslocar, fazer mudar de lugar), ou seja, 
http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/1716.pdf
70
a motivação pressupõe motivos que a animam. Aqui, porém, a 
clínica psicanalítica acrescenta uma pequena diferenciação: en-
quanto, na motivação extrínseca, os motivos de troca são bem 
conhecidos para o sujeito: “faço isso apenas pelo dinheiro...”, na 
motivação intrínseca verifica-se certo desconhecimento, isto é, 
ainda que motivos plausíveis sejam avistados, o que realmente 
determinou a escolha do sujeito por esta ou aquela atividade, ele 
provavelmente jamais saberá dizer – lhe basta saber que adora 
o que faz.
Ora, convenhamos, não foi preciso esperar por Freud para sa-
bermos que não comandamos aquilo que atiça nossas paixões. 
A literatura, repleta de personagens que se apaixonam pelo não 
escolhido, revela essa verdade desde muito cedo na história hu-
mana. Nesse sentido, coube a Freud apenas formalizar uma prá-
tica voltada a movimentar nossas disposições intrínsecas – se 
valendo para tanto de conceitos como a pulsão, que ele difere 
do instinto animal.
Vamos então um pouco mais fundo nesse conceito. A pulsão, 
constructo hipotético de Freud, seria aquilo que exerce em nós 
uma pressão contínua por algum tipo de satisfação. Ela nos atira 
em direção aos objetos do mundo: instiga a uns uma montanha 
a escalar, a outros um projeto a realizar, uma pessoa a seduzir, 
uma carreira a galgar, ou mesmo um Linkedin em que muito se 
queira interagir – pequenos e grandes objetos/objetivos através 
dos quais ela gira, acelera o que poderíamos chamar de spin pul-
sional/motivacional.
71
E voltemos à jornada de nosso novo alpinista. Após algumas 
repetições bem legais de escaladas de nível 2, o sujeito percebe 
não encontrar a mesma satisfação, ou ‘carga de adrenalina’, an-
tes obtida, passando a almejar níveis mais extremos. Nas ten-
tativas de alcançar o nível 5, se acidenta, volta para casa ralado, 
e em seguida com um dos membros contundido. Enfim, aquilo 
que o inspirava à vida, ao suor e ao sol,revela-se agora um peri-
goso flerte com a morte.
Pois bem, a motivação intrínseca pode se exceder em seu di-
namismo (e talvez por isso mesmo a inibição prefira se precaver 
dela dormindo). Tanto é assim, que as manifestações clínicas 
de uma inusitada atração pelo perigo, ou repetição de situações 
sofridas, desagradáveis, produzem em Freud uma reviravolta, 
ponto que culmina com o surgimento de seu novo e controver-
so par: de um lado, Eros, a pulsão de vida; do outro, Tanatos, a 
pulsão de morte.
São grandes as dificuldades de Freud para fundamentar es-
sas duas pulsões, sempre menos ou mais misturadas, “fusiona-
das” uma à outra. Já Lacan, vejam só, sugere que não se trata 
72
de um par, mas de dois aspectos da mesma energia. Ou seja, 
aquilo que em Freud pode ser lido como dualidade, anjo num 
ombro, diabo no outro, desliza para Lacan num plano contínuo, 
onde uma motivação antes carregada de vitalidade passa, sem 
perceber, a manifestar um aspecto autodestrutivo – cujo preço, 
no caso dos alpinistas, faz com que infelizmente alguns deles 
não regressem vivos a seus lares.
A partir desse entendimento, a tênue passagem de Eros a Ta-
natos pode ser ilustrada de quantas maneiras? Da conquista do 
volante à direção imprudente; da sexualidade à promiscuidade; 
da admiração de um líder à sua idolatria; da capacidade de ar-
gumentar e debater à violência física ou moral; do apreço pelo 
trabalho à inquietação exaustiva em busca de maiores e ainda 
maiores resultados... Os desmesurados desvios praticados por 
alguns de nossos governantes, hoje estampados nos jornais, 
também cabem aqui como exemplo.
E para entendermos ainda melhor essa estranha tendência 
ao excesso, vale a pena investigar um outro conceito valioso de 
Freud, que ele chamou princípio do prazer (calma, leitor, prome-
to não complicar demais, siga comigo). Sempre que encontrar 
por aí essa expressão, princípio do prazer, entenda-a como a ver-
tente insaciável da pulsão. Com esse conceito, Freud elucida o 
mecanismo de todo tipo de vício, propenso à repetição em bus-
ca de uma dose a mais: entorpecentes, alimentos, jogos, com-
pras, sexo, esportes radicais, ganhos financeiros... Cito Freud: 
“O princípio do prazer parece, na realidade, servir às pulsões de 
73
morte”, trecho do parágrafo final de um de seus mais conheci-
dos textos, Além do princípio do prazer, de 1920.
Percebam com atenção: o texto se chama “Além do princípio 
do prazer”, e o que quer dizer esse ‘além’? Trata-se da diferença 
que separa o homem (pulsão) dos demais seres vivos (instinto). 
Reparem, na natureza selvagem não existe obesidade mórbida, 
sequer existe sobrepeso (salvo os pets, que convivem com nos-
sa dinâmica pulsional). Um leão na savana nunca se alimenta 
em excesso, tampouco definha porque enjoou de comer zebras; 
somos os únicos capazes de morrer por overdose (dose ‘além’). 
No reino animal, o instinto funciona como um princípio de ho-
meostase, isto é, impele os bichos a comer quando têm fome, 
dormir quando têm sono... baixando a tensão de seu organismo 
em função do que o metabolismo exige – como também é o caso 
do instinto sexual. O que Freud constata, em nós, é uma espécie 
de ultrapassamento desse princípio de homeostase, um além, 
capaz de manifestações impensáveis na natureza, ‘antinaturais’ 
até, como nos exemplos da obesidade mórbida ou da morte por 
todo tipo de excesso.
Retomando nossa metáfora do painel automotivo: o princípio 
do prazer seria aquele que acelera, para além de qualquer limite, 
o dinamismo de nossas motivações.
Mas não estamos todos fadados e vulneráveis a essa espiral 
destrutiva do princípio do prazer. Contra sua aceleração, Freud 
opõe o que chama princípio da realidade, entendível enquanto 
74
nossa capacidade de suportar períodos de desprazer para, mais 
ali na frente, colher satisfações de outra ordem. Por exemplo, 
um estudante capaz de abdicar de algumas diversões em favor 
dos estudos, obterá, mais tarde, o prazer de graduar-se em me-
lhores condições de emprego do que o colega que cedeu ao giro 
em falso das baladas.
Portanto, motivações não poderão ser consideradas positivas 
simplesmente por manifestarem um grande dinamismo: se atre-
ladas ao apelo de recompensas de curto prazo, sua tendência 
é a auto-ruína (Breaking Bad e O lobo de Wall Street me ajudam 
aqui). Por outro lado, motivações que operem pela via de uma 
renúncia (preceito valioso à inúmeras religiões), podem susten-
tar, sim, um dinamismo ativo, mas resiliente a prazeres de fácil 
75
alcance, colhendo frutos de outro modo inalcançáveis pela ca-
pacidade de suportar a aridez do plantio.
Simon Sinek, em uma palestra de 2013, trata do efeito da do-
pamina, neurotransmissor associado à motivação por recom-
pensa (propensa ao vício), em oposição à serotonina, associa-
da a sensações de bem-estar que só construções mais lentas e 
duradouras, como ir trabalhar todos os dias com o que se gosta, 
ainda que em meio a muitos percalços, podem nos oferecer. A 
apresentação de Sinek não poderia ser lida como uma tradução 
neuroquímica dos dois princípios de Freud? Creio que sim.
Enfim, a dinâmica de conflito entre esses dois princípios, do 
prazer e da realidade (ou, por outra, o mindset do sujeito em re-
lação às necessárias renúncias) permanecerá em jogo por toda 
nossa vida, bem como o desafio por sua possível estabilização. 
De fato, nada se estabiliza pela simples vontade de nosso pen-
samento, será preciso saber lidar com nossas ondas pulsionais 
– assunto abordado em maior detalhe no Capítulo 2 – Onde está 
o inconsciente? Nesse sentido, a clínica psicanalítica se oferece 
como um dispositivo capaz de movimentar nossas ondas intrín-
secas, mas também um local de trabalho sobre nossos propósi-
tos, escolhas e renúncias – sem que, para tanto, abramos mão 
de nossas paixões.
76
PULSÃO DE VIDA
Mas nos concentremos agora, para encerrar, no melhor de tudo isso, afirmando o vetor de construtividade e inventivi-dade das motivações humanas. Se os animais selvagens 
não se excedem, por outro lado estão condenados a permane-
cer sempre os mesmos durante seu curto tempo de vida; seus 
instintos estão atrelados apenas ao biológico. No nosso caso, 
fomos dotados de um algoritmo linguístico que um dia nos fez 
sapiens e, por conta disso, nos abriu a um campo inteiramente 
outro de possibilidades. Freud chama a pulsão de vida de Eros, 
em ressonância, sim, ao erótico e ao sexual. Mas, reparem, o ins-
tinto sexual dos bichos visa tão somente a procriação; já nossa 
dinâmica pulsional, entremeada à linguagem, nos permite gerar 
também filhos simbólicos, isto é, um legado: “notem a energia 
de trabalho daquele sujeito; sua passagem por aqui contribuiu 
com mudanças que ficarão para os que o sucederem”.
Por essa perspectiva, se, por um lado, somos os únicos ca-
pazes de adormecer nossas potencialidades, nessa espécie de 
‘morte em vida’ que é a inibição, por outro, somos também os 
únicos capazes de transcender a morte através da transmissão 
simbólica de nossos legados. E isso significa, de alguma ma-
neira, parar de girar em falso em torno de nós mesmos e passar 
a beneficiar a coletividade com nossos frutos – não são esses, 
afinal, os legados que sobrevivem ao tempo?
77
Bônus do capítulo:
MASLOW, HERZBERG, LACAN: 
INDICAÇÕES PARA A SATISFAÇÃO 4.0
Pouca gente sabe, mas o próprio Maslow relativiza sua pirâmi-de anos mais tarde.
Sua cultuada hierarquia das necessidades é proposta, repare 
como faz tempo, em 1943, no artigo “A Theory of Human Moti-
vation”. Hoje, a pirâmide de Maslow também circula numa bem 
78
humorada versão 2.0, com wifi e bateria anteriores a qualquer 
necessidade fisiológica:
Curioso como esse modelo ‘original’ proposto em 1943 orien-
ta de modo tão onipresente o tema da motivação, a despeito 
das considerações posteriores de Maslow, feitas em 1954. Mais 
adiante, em 1968, Herzberg publica na Harvard Business Review 
seu “One more time: how do you motivate employees?”, reim-
presso em 1987, por conta do 65o.aniversário da revista, como 
o artigo de maior repercussão da HBR até então.
https://pdfs.semanticscholar.org/ca2a/a2ae02ac5b738b55b12b7324fac59571b1c1.pdf
79
A sacada de Herzberg é mesmo inquietante. Pesquisando 
motivação por duas décadas em diversos setores, o psicólogo 
americano apresenta uma dicotomia - fatores higiênicos vs. mo-
tivacionais, conhecida como Teoria dos dois fatores - que pode 
muito bem ser lida como a chave que divide a pirâmide de Mas-
low em duas.
Fosse mesmo uma escalada única e hierarquizada, seria im-
possível obter a sensação de realização pessoal antes de esta-
rem resolvidas as muitas necessidades materiais. Mas cenas 
como as vistas, por exemplo, em hospitais ou escolas, onde a 
precariedade de recursos contrasta, por vezes, com um alto grau 
de comprometimento e energia despendido por seus profissio-
nais, atestam a necessidade de uma relativização (quem tiver 
interesse nas considerações posteriores de Maslow, o artigo de 
Jáder dos Reis Sampaio vai a fundo nelas).
Herzberg, por sua vez, separa a motivação em dois vieses, 
deixando muito claro o seguinte (e brilhante) raciocínio: fatores 
que nos tornam insatisfeitos no trabalho podem ser melhorados 
apenas a ponto de nos deixar sem insatisfações; já uma relação 
sem satisfação com o trabalho só poderá encontrar satisfação 
quando a natureza do trabalho em si disser respeito ao sujeito. 
Fatores extrínsecos e intrínsecos.
Não restam dúvidas de que fatores extrínsecos insatisfató-
rios - tais como salário baixo, recursos precários, regras estúpi-
das ou pouco ágeis, chefias tóxicas ou despreparadas - poderão, 
http://sinop.unemat.br/site_antigo/prof/foto_p_downloads/fot_10528o_maslow_desconhecido-_uma_bevisyo_de_seus_pbincipais_tbabalhos_sobbe_motivayyo_pdf.pdf
80
em algum momento, acabar minando a motivação intrínseca de 
qualquer profissional; o que não se pode perder de vista, com 
Herzberg, é que a tentativa de produzir motivação intrínseca 
com base na melhoria exclusiva de fatores extrínsecos resulta-
rá, frequentemente, em efeitos aquém dos desejados.
Experimente oferecer um bônus polpudo a quem já goza de 
um bom salário, acreditando gerar com isso mais engajamen-
to em relação a determinado projeto - em geral, você irá conse-
guir gerar apenas um belo constrangimento. Citando o próprio 
Herzberg: “Se procuro seduzir alguém para que se mova, quem 
está motivado sou eu”.
Nessa medida, o papel das lideranças não consiste em mo-
tivar, mas permitir que a motivação intrínseca dos sujeitos se 
manifeste; o líder abre passagem para que os talentos e habi-
lidades do sujeito – e para isso irá precisar conhecer bem sua 
equipe – possam ser aproveitados e incentivados a se desen-
volver. Isso produz ganho de sentido ao trabalho e faz dele um 
meio de satisfação em si – não apenas um ambiente estéril à 
procura de trocas ou transações de ordem extrínseca.
Em relação específica a salário e satisfação pessoal, é sem-
pre bom ter em vista o artigo excelente de David Myers, The 
Funds, Friends, and Faith of Happy People, publicado em 2000. 
Você já deve ter tido notícias dele, através desse gráfico, em al-
gum TED Talk:
http://www.davidmyers.org/davidmyers/assets/Funds.friends.faith.pdf
http://www.davidmyers.org/davidmyers/assets/Funds.friends.faith.pdf
81
O estudo demonstrado por Myers constata que, sim, baixos 
níveis de renda geram variados tipos de infelicidade; contudo, 
a partir de determinado patamar financeiro, o aumento do nível 
de renda não produz qualquer ganho de satisfação pessoal. Al-
guma semelhança com a teoria dos dois fatores de Herzberg?
Além de citado no TED de Daniel Kahneman, psicólogo No-
bel de Economia, esse estudo de Myers também é exposto no 
saboroso TED de Mihaly Csikszentmihalyi, que versa sobre a 
experiência do Flow, sensação de ‘fluidez’ por meio da qual o 
sujeito se sente inteiramente envolvido em sua atividade labo-
ral (uma vez em flow, a hora voa e você fica irritado por ter que 
interromper o que está fazendo).
Não há dígito salarial que possa conduzir alguém a esse tipo 
de estado. A ‘moeda de valor’ aqui é o flow em si, ou o caminho 
de desenvolvimento que leva até ele. E claro que não há como 
permanecer unicamente em modo flow, pelo contrário: quem qui-
ser provar desse filé, só o fará abraçando também o seu osso; 
há uma fantasia em nós que constantemente anseia separar o 
https://www.ted.com/talks/daniel_kahneman_the_riddle_of_experience_vs_memory
https://www.ted.com/talks/mihaly_csikszentmihalyi_on_flow?language=pt-br
82
agradável do desagradável, numa espécie de ofício mítico - mas 
só aqueles capazes de suportar as adversidades de suas esco-
lhas gozarão do prazer desse fluir.
Além do que, não há meios de escolher por ato consciente o 
ofício no qual ‘gostaríamos’ de fluir. É preciso se lançar no cam-
po das experiências para checar em que tipo de atividade - sem 
às vezes nos darmos conta - embarcamos nesse tipo de fruição.
No contexto de mudanças aceleradas da Revolução 4.0, fica 
a pergunta sobre o real propósito de grande parte daqueles que 
buscam em suas startups de transformação massiva o tal efei-
to unicórnio. Quantos não operam ali movidos pela fantasia de 
enriquecimento exponencial, sem estar advertidos de que mes-
mo o máximo conforto não é resposta para a satisfação pes-
soal. Aqueles não movidos por uma causa que realmente lhes 
diga respeito, e sim por ganhos externos, tenderão a abandonar 
o barco na primeira ou segunda dificuldade.
Mas esses são velhos recados que precisam ser constante-
mente reeditados: 
1) quem acredita que pode motivar pessoas parte do pres-
suposto de que elas devem ser chefiadas, e não lideradas (Ber-
gamini, 1994); 
2) mitigar insatisfações ou tentar gratificar, por si só, não faz 
ninguém trabalhar em ‘modo flow’; 
http://www.scielo.br/pdf/rae/v34n3/a09v34n3.pdf
http://www.scielo.br/pdf/rae/v34n3/a09v34n3.pdf
83
3) realização pessoal e conforto material avançam em pirâ-
mides distintas.
Quanto a esse último ponto, Jacques Lacan, psicanalista fran-
cês, fala da ética da psicanálise enquanto ética voltada para o 
desejo, isto é, para aquilo que comumente entendemos como 
busca pela realização de nossas disposições intrínsecas. A isso 
Lacan opõe uma ética a serviço dos bens, tipo de busca que pro-
cura encontrar nos objetos um tipo de satisfação que nunca se 
alcança, nunca se completa, e desliza em miragens ideais de 
conforto e estética, num tédio angustiante que ignora o que seja 
fluir.
Ficam, para esse contexto de incertezas, as indicações dos 
autores aqui citados para um modelo de Satisfação 4.0.
84
Referências bibliográficas
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Zahar Editor.
• BAUMAN, Z.(2004) Amor Líquido: Sobre a fragilidade dos laços 
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• BERGAMINI, C.(1994) Liderança: A administração do sentido.São 
Paulo: Revista de Administração de Empresas, v.34, n.3, Mai/Jun.
• BERGAMINI, C.(2003) Motivação: uma viagem ao centro do con-
ceito.São Paulo: Revista de Administração de Empresas, v.1, n.2, 
Nov 2/Jan 3.
• FREUD, S.(1901) Lapsos da fala, in Edição Standard Brasileira 
das Obras Completas de Freud.Rio de Janeiro: Imago. Vol.VI.
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• FREUD, S.(1911) Formulações sobre os dois princípios do funcio-
namento mental. Ibid. Vol.XII.
• FREUD, S.(1912) Dinâmica da transferência. Ibid. Vol.X.
• FREUD, S.(1915) As pulsões e suas vicissitudes. Ibid. Vol.XIV.
• FREUD, S.(1915) As pulsões e suas vicissitudes. Ibid. Vol.XIV.
• FREUD, S.(1915) Observações sobre o amor de transferência. 
Ibid., Vol.X.
85
• FREUD, S.(1917) Uma dificuldade no caminho da psicanálise. 
Ibid., Vol.XVII.
• FREUD, S.(1917) Uma dificuldade no caminho da psicanálise. 
Ibid. Vol.XVII.
• FREUD, S.(1920) Além do princípio do prazer. Ibid., Vol.XVIII.
• FREUD, S.(1921) Psicologia das massas e análise do eu. Ibid., 
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• FREUD, S.(1923) O eu e o isso.Ibid., Vol.XIX.
• FREUD, S.(1926) Inibição,

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