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Repressão e resistência Os reflexos da militância cristã na construção da memória política capixaba durante os anos de chumbo

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Título: Repressão e resistência: Os reflexos da militância cristã na construção da 
memória política capixaba durante os anos de chumbo. 
 
Erilaine Ribeiro da silva 
 
 
 
 Essencialmente importante para a construção de nossa identidade, a memória 
é a leitura atual do que passou em direção ao futuro que se deseja. Por conta desta 
definição a construção da memória política acaba por nos dar elementos para nos 
conhecermos e assinalarmos nossas peculiaridades no mundo. 
 Os períodos de repressão também fizeram parte do cenário capixaba e as 
memórias à cerca desse recente passado podem ser observadas e narradas de diferentes 
formas. De certo memória não é passado, e um fato concreto pode suscitar diversas 
memórias, levando em conta quem os esquece, relembra quem o relê e quem o reconta. 
 Instituição secularmente resistente, a igreja Católica, a exemplo de diversas 
outras instituições religiosas, por diversas vezes se viu obrigada a repensar suas idéias e 
a modificar-se política e religiosamente. Foi sob o símbolo da cruz que a colonização 
ibérica da América Latina fez emergir nestas terras a face do genocídio e da exploração 
de nossas riquezas. A colonização do Brasil e de outros países da América Latina trás 
para a História relatos de um poder espiritual que compactuado a um poder secular 
mostra a face de duas poderosas instituições, Estado e Igreja, que de forma arbitraria e 
por vezes conveniente se posicionaram como instituições de poder. 
 Refletir sobre a militância de cristãos católicos no tempo presente é retomar na 
discussão todo o percurso de mudanças que a Igreja Católica do Brasil e da América 
Latina tem percorrido na História política do Brasil. Com o objetivo de propagar sua 
mensagem, a Igreja também se preocupava com sua unidade e sua posição na sociedade. 
Diante da crença de que ela oferece o único caminho que pode levar a salvação, ela 
também passa a preocupar-se com sua posição em relação a outras Igrejas. Ao 
comparar-se com outras religiões, a Igreja por vezes empenhou-se em práticas 
inconsistentes quanto a seu próprio credo e à sua mensagem inicial. 
 A forte tendência em proteger interesses organizacionais tem sido de 
forma geral uma peça chave importante no envolvimento da Igreja com a Política. A 
Igreja Católica do Brasil no início do século XX apresenta historicamente uma 
hierarquia ligada às oligarquias conservadoras, preocupadas em lutar contra as ideias 
esquerdistas, contra os protestantes, espíritas e contra a mentalidade laica sem se 
 
 
importar com a ausência de projetos pastorais que considerassem as realidades plurais 
do Brasil. Um importante marco para Igreja Católica no Brasil foi o Centro de estudos 
Dom Vital que surgiu em 1922 como um pequeno centro de estudos de grande 
influência no desenvolvimento da Igreja e na política. Em 1935, ocorreu a instituição da 
Ação Católica Brasileira que se caracterizava como uma grande escola de apostolado e 
militância cristã, com formação de quadros. Num primeiro momento, ela apareceu como 
um esforço em produzir valores cristãos, mas acabou se caracterizando como um olhar 
da hierarquia para o campo político e social. (MAINWARING, 2004) 
A boa relação entre a Igreja e o Estado, era ação cotidiana no Brasil moderno, 
caracterizada na década de 30, pelo bom entendimento entre Vargas e Dom Sebastião 
Leme, então bispo de Recife e de Olinda. Neste período a intenção da Igreja era 
recuperar de maneira informal a relação de favorecimento perdido com a separação 
entre Igreja e o Estado. O interesse da Igreja era usar o Estado para influenciar a 
sociedade e em contrapartida o Estado negociava o apoio religioso em troca de alguns 
privilégios. 
 A partir de 1950, a Ação Católica recebeu nova orientação. O então Pe. Helder 
Câmara foi nomeado assistente nacional e contribui para a inserção dos militantes na 
realidade social. A abordagem da realidade a partir do método “ver, julgar e agir”, 
próprios da JOC, se espalhou em todos os movimentos da Ação Católica e é, ainda hoje, 
o método chave de análise do apostolado leigo. (DELGADO; PASSOS: 2003) 
 Após 1964, a dimensão político-religiosa alargou as dimensões da Ação Católica 
e foi adquirindo outras proporções, de forma particular a JUC e a JOC. A JUC, que 
posteriormente (em 1966) se desvinculou da hierarquia católica, apresentava em suas 
reflexões um marxismo que se diferenciava pela presença de elementos teológicos, e 
pela face radical de seu anticapitalismo. Com forte conotação religiosa, o capitalismo 
era visto, tanto pela JUC como ela JOC, como um sistema perverso que dava base para 
todos os tipos de exploração humana. Os membros da JUC que se desvincularam da 
Igreja foram para a Ação Popular, criada em 1962. A JOC continuou sua militância 
religiosa, no entanto, o jocista, que antes era somente um militante religioso, passou a 
ser um cristão cada vez mais politizado e tornou-se um dos principais alvos de 
perseguição militar durante a ditadura instalada em 1964. 
 
 
 
A década de 1960 foi marcada por grandes discussões políticas. A repercussão da 
revolução cubana, as mudanças que foram se inscrevendo em vários países latino 
americanos, além da chamada “Aliança para o Progresso”, lançada pelo presidente 
norte-americano John F. Kennedy (1961-1963) com o intuito de neutralizar as 
influências do comunismo e do movimento popular e trabalhista, que crescia na 
América Latina, davam o tom de perplexidade ao contexto histórico da época. 
 A eleição do Papa João XXIII trouxe novas motivações e marcaram o rumo da 
Igreja na América Latina e no Brasil. O Concílio Vaticano II, convocado pelo papa em 
1959, configura-se como um novo período para a História da Igreja Católica. O 
Concílio Vaticano II aconteceu nos anos de 1962 a 1965 e modificou substancialmente 
a cultura Católica, sendo a base da grande diversidade teológica presente na Igreja da 
América Latina e, sobretudo, do Brasil. (DELGADO; PASSOS, 2003). 
 A Igreja da América Latina e do Brasil tem em seu histórico político períodos de 
dependência econômica e de lutas sociais que buscavam a ruptura. É neste contexto 
social que a América Latina interpreta o Concílio Vaticano II, bem como a Conferência 
Episcopal Latino Americana em Medellín, na Colômbia, no ano de 1968. A Experiência 
de Medellín parte das realidades Históricas. Uma Igreja que apresentava o leigo como 
mero consumidor, agora o traz para o centro das discussões e o apresenta como ser que 
tem necessidade de libertação. (ARAÚJO: 2004) 
 Dessa experiência de fé nasceu a Teologia da Libertação, que reafirma a 
evangélica preferência da Igreja pelos pobres e se constitui como uma das maiores 
expressões teológicas da América Latina. A questão da pobreza, que permeia o milenar 
discurso católico, muda de foco: o pobre, antes necessitado de ajuda, agora se torna 
sujeito 
 Em pleno contexto do Concílio Vaticano II, o golpe civil militar em 1964 
proporcionou um momento político decisivo para a Igreja. A mobilização política 
ressaltava dois campos opostos. De um lado ficavam os conservadores religiosos e 
sociais, que censuravam os perigos de mudança, e de outro estavam os militantes da 
antiga Ação Católica do Brasil, os padres radicais e a liderança da CNBB, que apoiara 
as reformas sociais de Goulart. Para SERBIN (2001), os bispos representantes dos dois 
lados entraram em conflito quando se reuniram no final de maio de 1964 para escrever 
uma declaração sobre a revolução. 
 
 
Até o ano de 1895, Igreja do Espírito Santo era vinculada a arquidiocese de 
Niterói no Rio de Janeiro. A primeira diocese do Estado foi criada em 15.11.1895, 
tendo como seu primeiro bispo Dom João Baptista Corrêa Nery. Somente em 1958 a 
diocese do Espírito Santo recebeu o título de Arquidiocese tendo como seu primeirobispo D. João Batista da Motta e Albuquerque e agregando as dioceses de São Mateus, 
Cachoeiro de Itapemirim e posteriormente a diocese de Colatina. Apresentar a atuação 
de militantes cristãos do Espírito Santo é entrar em consonância com o histórico da 
Igreja Católica no Brasil que variou muito na História. Em contrapartida, situar a ação 
de militares e dos aparelhos repressivos é trazer à tona memórias de conflitos e 
repressão política. 
Os aparelhos de repressão no Espírito Santo surgiram oficialmente a partir do 
decreto de 27 de novembro de 1930. Iniciou-se então, uma polícia voltada para a 
manutenção da ordem política e social no Estado. Organizada entre os anos de 1930 e 
1935 a Delegacia de Segurança Política e Social, teve como principal finalidade a 
vigilância sobre movimentos de contestação ao governo de Getúlio Vargas, tendo como 
base o combate aos comunistas e nos anos de 1930 à 1940, seu foco direcionado para a 
produção de documentos referentes ao movimento integralista já presente no Espírito 
Santo. 
Durante a década de 1930 observou-se a formação de delegacias especializadas, 
com atividades específicas, e a partir do Decreto-lei estadual nº 16.230 de 14 de 
setembro de 1946, estas mesmas delegacias foram unificadas. A então Delegacia de 
Ordem política e Social, juntamente com a Delegacia de Estrangeiros e a 1ª e 2ª 
Delegacias Auxiliares, deram origem a uma única Delegacia Especializada de Ordem 
Política e Social do Espírito Santo (DEOPS/ES) – Constando em suas atribuições a 
manutenção da ordem política e social, a fiscalização de estrangeiros, fiscalização do 
comércio, do uso de explosivos, a fiscalização de embarques e desembarques de forma 
geral e outros. 
A Delegacia de Ordem política e Social do Espírito Santo sob a lei estadual nº 
3.391 de 03 de dezembro de 1980, é apresentada como órgão da Polícia Civil 
subordinado à Superintendência de Investigação Especial. Em todo o país entre os anos 
de 64 à 85, este departamento deu sustentabilidade ao Regime Militar, tendo como foco 
a contenção de qualquer movimento que se opusesse ao governo estabelecido. De forma 
 
 
geral este departamento agia como os demais em escala federal, perseguindo ativistas 
sociais e políticos associados a ideologias comunistas. 
 A lei estadual nº 3.391 de 03 de dezembro de 1980 apresenta o DOPS/ES como 
órgão da Polícia Civil subordinado à Superintendência de Investigação Especial. Entre 
os anos de 1964 à 1985, este departamento deu sustentabilidade ao Regime Civil 
Militar, tendo como foco a contenção de qualquer movimento que se opusesse ao 
governo estabelecido. Em suma, agia como os demais departamentos em escala federal, 
perseguindo ativistas sociais e políticos associados a ideologias comunistas. A partir da 
redemocratização do país e término do regime militar, também no Espírito Santo, houve 
um esvaziamento das atividades da DOPS/ES até sua completa extinção no início dos 
anos 90. 
O movimento social no Brasil e também no estado do Espírito Santo 
protagonizava lideranças advindas de comunidades eclesiais de base e de pastorais 
populares que em sua mística, partilhavam a opção pelos pobres à luz de elementos 
fundamentais do marxismo. As organizações eclesiais de base da Igreja ajudaram a 
fortalecer os movimentos populares de forma efetiva. 
 Neste contexto de ensaios políticos e repressão a igreja do Espírito Santo 
despontava nacionalmente como berçário político religioso que sob as inquietações da 
teologia latina, anseava por fazer acontecer um novo modelo de Igreja. Sob a 
coordenação do bispo Dom Batista da Motta e Albuquerque e de seu auxiliar o bispo 
Dom Luis Gonzaga Fernandes, que retornaram do Concílio Vaticano II com novas 
expectativas pastorais, a arquidiocese de Vitória – ES, já no final da década de 60, 
começou a experimentar uma tentativa de organização pastoral, que privilegiava a 
criação de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e grupos de reflexão para leigos. 
Diante dessa nova necessidade de organização, em 1973 foi criado o Conselho Pastoral 
da Arquidiocese de Vitória (COPAV), que tinha como presidente o então bispo D. João. 
O conselho tinha caráter consultivo e deliberativo e era composto por leigos do interior 
e da periferia, religiosas, coordenadores dos setores, coordenador geral de pastoral, 
casais e alguns assessores. O conselho dispunha de grande importância para o 
assessoramento das decisões pastorais, direcionamento e execução de diretrizes, 
prioridades pastorais e avaliações. 
 A série Movimentos Religiosos da DOPS presentes no Arquivo Público do 
Estado do Espírito Santo atestam a intolerância política e o totalitarismo exercido pela 
 
 
polícia política. Muitos dos documentos presentes nesta série recontam um pouco da 
história da arquidiocese de Vitória e a sintonizam com a Igreja Católica do Brasil que 
sofria modificações não só por parte da hierarquia, mas que via em suas bases pastorais 
a difusão de novos modos de pensar a política e a participação social. 
O então bispo Dom Batista da Motta e Albuquerque já se caracterizava desde o 
concílio Vaticano II por ser adepto da chamada Igreja dos pobres. Sobre ele recai o 
pedido de busca 063/19 datado de 04 de julho de 1974, sob os cuidados do arquivo 
público do Estado, onde os militares solicitam maiores informações sobre sua postura 
política e propostas pastorais. O pedido de busca 063/19, apresenta dados sobre o bispo 
e o caracteriza como sendo da ala progressista da igreja Católica. Ressalta que ele é 
adepto de D. Helder Câmara e que subscreveu juntamente com outros 16 bispos, 
progressistas, brasileiros e estrangeiros um documento dirigindo palavras de 
encorajamento aos povos oprimidos, abordando problemas como a luta de classes e a 
guerra subversiva. O documento ainda faz mensão ao bispo identificando-o com as 
esquerdas de forma explícita e em um anexo do dossiê referente ao Concílio de Taizé, 
os militares ressaltam que ele juntamente com outros adeptos teceu críticas injuriosas à 
revolução de 1964 no interior do Estado. 
 Em depoimento à coleção Grandes Nomes do Espírito Santo referente à figura 
de Dom João Batista da Motta e Albuquerque (2005), Renato Gama, ex-presidente da 
comissão Justiça e Paz da arquidiocese, ressalta que do ponto de vista político Dom 
João foi uma figura impar para o ES. Como se poderia imaginar uma remodelação da 
luta sindical sem passar pela Igreja de Vitória? E como imaginar isso sem a presença de 
Dom João? 
 Dom João e Dom Luís com o apoio de Frei Betto e Alberto Fontana 
Criaram em 1976 uma equipe de assessoria social, econômica e política para prestar 
serviço às pequenas comunidades, aos grupos de Igreja, aos trabalhadores, mulheres e 
criou-se um centro de documentação. Essa equipe foi instalada na Cáritas. Em 1974, a 
diocese lançou um documento chamado pistas Pastorais elaborado pelo COPAV, no 
entanto essas pistas não tinham linguagem popular. Posteriormente com a ajuda de Frei 
Betto esse documento foi traduzido para uma linguagem mais popular. No período 
ditatorial, os bispos em questão foram os responsáveis também, pela criação do Serviço 
Interno da arquidiocese de Vitória, o SIDAV, ferramenta de caráter sigiloso, que 
 
 
apresentava dados e informações sobre a repressão e sobre os principais fatos 
importantes da vida eclesial. 
Na coleção Grandes Nomes do Espírito Santo (2006), o coordenador Antônio de 
Pádua Gurgel apresenta o bispo auxiliar de Vitória Dom Luís Gonzaga Fernandes 
através de diversos relatos. A obra ressalta um trecho de uma entrevista do próprio 
arcebispo cedida à revista Memória e Caminhada (2002), onde ele apresenta o início do 
que seriam as comunidades eclesiais de base no Estado. O arcebispo diz que ao chegar 
no Estado, foi enviado à região de Colatina onde gastava bastante tempo. Ele diz que 
esta foi sua experiênciainicial, onde trabalhou num projetinho que desabrochou nas 
comunidades eclesiais de base, mas ressalta em outro trecho que evidentemente em 
1966, começando a trabalhar com as capelas rurais das colônias italianas no interior de 
Colatina, ainda não tinha um figurino de comunidade eclesial de base, apesar de trazer 
do concílio um projeto eclesial comunitário e participativo. 
 Até o final dos anos 60, Vitória era uma cidade pequena o que mudaria com 
migração rural para a cidade após a erradicação dos cafezais que liberou milhares de 
trabalhadores para Vitória. Em meados da década começaram a chegar uma grande 
quantidade de migrantes atraídos pelos projetos industriais. Até então, Vitória era uma 
cidade de matrizes e paróquias. Ao contrário do interior em Vitória não havia o conceito 
de Comunidade de base. Com a migração rural a comunidade urbana foi crescendo com 
os traços religiosos trazidos pelos migrantes. Agora as questões do campo deveriam ser 
substituídos por assuntos relativos à educação, habitação e questões urbanas. 
 Em relato cedido para a coleção Grandes Nomes do Espírito Santo, Leonardo 
Boff diz considerar Dom Luís Gonzaga Fernandes um dos bispos mais importantes do 
Brasil, por ter sido o parteiro das comunidades eclesiais de base em extensão nacional. 
Já Renato Gama, ressalta que a grande contribuição de Dom Luís, foi justamente o 
modelo de organização pastoral que acabou colocando a igreja de Vitória como a 
grande vedete da Igreja da Libertação. Em depoimento também presente na obra, 
Cláudio Vereza, atualmente parlamentar no Estado e ex-militante das CEBs, faz menção 
ao trabalho da CPT e a primeira oposição sindical em 1979, no sindicato dos 
trabalhadores rurais de Colatina e afirma que quando a CPT passou a atuar na região de 
Linhares nasceu o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) no Espírito Santo. 
O encontro sobre a Igreja que nasce do povo que aconteceu no Estado, foi o 
primeiro encontro intereclesial de CEBs a nível nacional e foi fruto da intensa atividade 
 
 
pastoral da Igreja do Espírito Santo. Oficialmente arquivado o pedido de busca da 
DOPS de número 35/75 trás informações sobre o encontro e afirma que realizou-se me 
Vitória nos dias 6, 7 e 8 de Janeiro de 1975, uma reunião presidida pelo então bispo 
Dom João e seu bispo auxiliar Dom Luís. O documento destaca a presença de diversos 
religiosos 
O documento descreve que o objetivo principal do encontro era delinear o perfil 
e descobrir caracteres futuros da Igreja nova que nasce do meio do povo. O documento 
também trás em anexo cópia de um exemplar do boletim do SIDAV de número 22 de 
janeiro de 1975. O boletim apresenta informações gerais sobre o encontro e ressalta a 
importância das experiências advindas dos grupos de comunidades eclesiais de base. No 
relatório do encontro proposto neste boletim do SIDAV, aparecem destacados trechos 
que ressaltam que na comunidade de base a palavra de Deus deixou de ser monopólio 
do clero para tornar-se propriedade coletiva, e que nasce delas maior espírito crítico e 
descobre-se a opção política da dimensão cristã. Quanto aos problemas, percebeu-se que 
as comunidades de base estão situadas em áreas marginais e que é preciso encontrar 
uma pedagogia de ação que evite por parte do clero, qualquer atitude que não signifique 
um respeito à cultura popular. 
Segundo o boletim apreendido do SIDAV, no segundo dia de encontro, frei 
Leonardo Boff, fez uma exposição sobre os modelos de Igreja subjacentes ao processo 
de renovação. Quanto à linha política a conclusão apresentada no boletim conclui que a 
Igreja deve participar na luta de libertação do povo de modo que ele mesmo descubra as 
causas de sua opressão, propondo uma sociedade sem barreiras e que se eliminem os 
privilégios e o monopólio dos meios de produção e dos serviços e equipamentos 
coletivos colocados nas mãos de uma minoria. Que ela participe também da denúncia e 
da luta contra a dominação externa que impede a fraternidade e a união entre os povos. 
Nas decisões finais do encontro definiu-se que esses tipos de encontro deveriam 
continuar com representação das bases acrescentando aos peritos em teologia, Bíblia e 
pastoral uma assessoria em economia e ciências políticas, que o encontro deveria ser 
divulgado, cabendo a arquidiocese de Vitória a organização do próximo encontro. 
O segundo intereclesial aconteceu no espaço de formação Calir localizado em 
Viana, e alguns participantes observaram pessoas subirem em árvores com gravadores e 
câmeras fotográficas para registrar a fala e a presença dos participantes. A reunião foi 
 
 
interrompida e um grupo de bispos tratou de colocar para fora os policiais federais 
alegando ser aquele apenas mais um encontro de bispos e membros. 
 Em entrevista concedida à Giovana Valfré para a coleção Grandes Nomes do 
Espírito Santo (2006), Paulo Hartung, ex-governador do Estado e ex-militante do 
Movimento estudantil, ressalta que se lembra da primeira passeata organizada pelos 
estudantes na praça oito na luta pela anistia e diz que quando a polícia partiu para o 
enfrentamento e os estudantes ficaram acuados, por ordem de Dom Luís, as portas da 
catedral foram abertas e lá eles ficaram em segurança. Afirma que a igreja Católica, 
suas comunidades eclesiais de base e suas pastorais sociais foram aliadas fundamentais 
para a reconstrução do movimento estudantil no Espírito Santo, impulsionando outros 
seguimentos da população a também se organizar, como sindicatos, associações de 
bairro, grupos de mulheres e movimentos populares. Destaca ainda que o espaço e a 
pragmática da Igreja e suas pastorais oxigenaram a práxis e os valores dos movimentos 
de esquerda, incluindo o estudantil e que a aproximação e a integração com os trabalhos 
sociais e políticos da igreja humanizaram o comportamento dos mesmos. 
 Em sintonia com a igreja do Brasil que se caracterizava como uma forte opositora 
ao regime antidemocrático, as pastorais sociais do Estado na década de 1970, de forma 
especial a Juventude Operária Católica (JOC), a Pastoral Operária (PO), a Comissão 
Pastoral da Terra (CPT), foram a base de trabalhadores que não tinham como se 
expressar, elas foram espaços geradores de lideranças no movimento operário, 
contribuíram para a organização de centrais sindicais como a Central Única dos 
Trabalhadores (CUT) dentro do estado, e de forma especial, elas incentivaram 
militantes a se engajarem na política partidária, construindo e direcionando as lutas de 
partidos então denominados de esquerda como o Partido dos Trabalhadores. Neste 
sentido o boletim Ferramenta, organizado pela Pastoral Operária, levantava reflexões 
onde se discutia a distinção entre partido e Igreja enfatizando, no entanto, a importância 
do engajamento dos cristãos na construção dos mesmos. 
 Ao se referir sobre o envolvimento de cristãos católicos na luta por direitos junto 
a esquerda, o ex preso político do PCdoB Hélio Garcia, que após 90 dias de prisão no 
ano de 1971, ressalta a importância da militância nos diversos setores da Igreja. 
Considero o envolvimento da Igreja junto à esquerda extremamente 
importante, e que na verdade tudo é uma questão de concepção. (...) Vejo a 
entrada da entrada da igreja em discursos antes exclusivos dos comunistas da 
maneira mais ampla e mais aberta: Que bom que tem mais gente, que não é 
 
 
só o partido comunista, que não é só o partido socialista, que tem outros 
segmentos inclusive religiosos que vem pro movimento operário, pro 
movimento estudantil como um aporte, somando enormemente nessa luta. 
(...) A Igreja antes beneficiária do conservadorismo passou a ter setores 
dentro de si altamente interessantes por que mobilizava pros movimentos 
populares setores que não eram atingidos pelo Partido comunista. (Garcia, 
2012) 
 A repressão presente na memória de muitos desses militantes,é um arquivo oral 
valioso para o estudo desse obscuro período de massacre à democracia. Os documentos 
oficiais da DOPS escritos por oficiais com o objetivo de legalizar o regime militar 
juntamente com as memórias de repressão de muitos militantes cristãos, constituem-se 
como importantes fontes para recuperar a história de repressão política e partidária 
sofrida durante o regime civil militar. 
 No Espírito Santo, construção da memória de luta por direitos perpassa a luta de 
muitos militantes, que em nome de sua fé se abrem às demandas políticas de seu tempo 
e contribuem para a construção da história. Sabemos que a memória se faz daquilo que 
lembramos, daquilo que esquecemos, e compreendemos que todo passado tem um 
futuro. O conservadorismo, a constante busca pela continuidade e no tempo presente, a 
releitura de seus valores juntamente com a ruptura com o governo em favor dos direitos 
humanos, são sim características de uma Igreja que tinha a consciência de ser uma 
instituição tão poderosa quanto o Estado que ela desfiou. 
De certo a abertura política iniciada em 1974, não foi impulsionada pela Igreja, 
mas as pressões populares visíveis a toda a sociedade após 1978, foram fatores 
fundamentais para a política nacional. A Igreja trás para sua história um legado de 
proteção e legitimidade às forças de oposição durante o período de maior repressão, 
destacava-se como defensora dos partidos políticos e embora não seja exclusivamente 
responsável pela abertura, influenciou nos debates sobre política no Brasil e no Espírito 
Santo, ajudando a fortalecer a sociedade civil. 
 
 
 
 
REFERÊNCIAS 
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Militar na década de 70. In: O Golpe e a Ditadura Militar: 40 anos depois 
 
 
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(orgs). Bauru: EDUSC. 2004 
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Paulo: Paulinas. 1990. 
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5. DANIEL, Sandra. Dom João Batista da Motta e Albuquerque. Vitória, ES: 
Contexto, 2005. – Coleção Grandes Nomes do Espírito Santo. 
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Regime Militar e movimentos sociais em fins do século XX. Rio de Janeiro: 
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Brasiliense, 1986. 
10. BOFF, Leonardo; BOFF, Clodovis. Da libertação: O sentido teológico das 
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Jun. 2012. 
12. GUARESCH, Pedrinho. Sociologia Crítica: Alternativas de mudança. 60.ed. 
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In: História do Marxismo no Brasil: partidos e organizações dos anos de 1920 
 
 
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14. LOWY, Michael. As esquerdas na ditadura militar: o cristianismo de libertação 
. In: FERREIRA, Jorge; REIS, Daniel Aarão (org.). Revolução e democracia 
(1964). AS ESQUERDAS NO BRASIL .vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização 
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