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Título: Repressão e resistência: Os reflexos da militância cristã na construção da memória política capixaba durante os anos de chumbo. Erilaine Ribeiro da silva Essencialmente importante para a construção de nossa identidade, a memória é a leitura atual do que passou em direção ao futuro que se deseja. Por conta desta definição a construção da memória política acaba por nos dar elementos para nos conhecermos e assinalarmos nossas peculiaridades no mundo. Os períodos de repressão também fizeram parte do cenário capixaba e as memórias à cerca desse recente passado podem ser observadas e narradas de diferentes formas. De certo memória não é passado, e um fato concreto pode suscitar diversas memórias, levando em conta quem os esquece, relembra quem o relê e quem o reconta. Instituição secularmente resistente, a igreja Católica, a exemplo de diversas outras instituições religiosas, por diversas vezes se viu obrigada a repensar suas idéias e a modificar-se política e religiosamente. Foi sob o símbolo da cruz que a colonização ibérica da América Latina fez emergir nestas terras a face do genocídio e da exploração de nossas riquezas. A colonização do Brasil e de outros países da América Latina trás para a História relatos de um poder espiritual que compactuado a um poder secular mostra a face de duas poderosas instituições, Estado e Igreja, que de forma arbitraria e por vezes conveniente se posicionaram como instituições de poder. Refletir sobre a militância de cristãos católicos no tempo presente é retomar na discussão todo o percurso de mudanças que a Igreja Católica do Brasil e da América Latina tem percorrido na História política do Brasil. Com o objetivo de propagar sua mensagem, a Igreja também se preocupava com sua unidade e sua posição na sociedade. Diante da crença de que ela oferece o único caminho que pode levar a salvação, ela também passa a preocupar-se com sua posição em relação a outras Igrejas. Ao comparar-se com outras religiões, a Igreja por vezes empenhou-se em práticas inconsistentes quanto a seu próprio credo e à sua mensagem inicial. A forte tendência em proteger interesses organizacionais tem sido de forma geral uma peça chave importante no envolvimento da Igreja com a Política. A Igreja Católica do Brasil no início do século XX apresenta historicamente uma hierarquia ligada às oligarquias conservadoras, preocupadas em lutar contra as ideias esquerdistas, contra os protestantes, espíritas e contra a mentalidade laica sem se importar com a ausência de projetos pastorais que considerassem as realidades plurais do Brasil. Um importante marco para Igreja Católica no Brasil foi o Centro de estudos Dom Vital que surgiu em 1922 como um pequeno centro de estudos de grande influência no desenvolvimento da Igreja e na política. Em 1935, ocorreu a instituição da Ação Católica Brasileira que se caracterizava como uma grande escola de apostolado e militância cristã, com formação de quadros. Num primeiro momento, ela apareceu como um esforço em produzir valores cristãos, mas acabou se caracterizando como um olhar da hierarquia para o campo político e social. (MAINWARING, 2004) A boa relação entre a Igreja e o Estado, era ação cotidiana no Brasil moderno, caracterizada na década de 30, pelo bom entendimento entre Vargas e Dom Sebastião Leme, então bispo de Recife e de Olinda. Neste período a intenção da Igreja era recuperar de maneira informal a relação de favorecimento perdido com a separação entre Igreja e o Estado. O interesse da Igreja era usar o Estado para influenciar a sociedade e em contrapartida o Estado negociava o apoio religioso em troca de alguns privilégios. A partir de 1950, a Ação Católica recebeu nova orientação. O então Pe. Helder Câmara foi nomeado assistente nacional e contribui para a inserção dos militantes na realidade social. A abordagem da realidade a partir do método “ver, julgar e agir”, próprios da JOC, se espalhou em todos os movimentos da Ação Católica e é, ainda hoje, o método chave de análise do apostolado leigo. (DELGADO; PASSOS: 2003) Após 1964, a dimensão político-religiosa alargou as dimensões da Ação Católica e foi adquirindo outras proporções, de forma particular a JUC e a JOC. A JUC, que posteriormente (em 1966) se desvinculou da hierarquia católica, apresentava em suas reflexões um marxismo que se diferenciava pela presença de elementos teológicos, e pela face radical de seu anticapitalismo. Com forte conotação religiosa, o capitalismo era visto, tanto pela JUC como ela JOC, como um sistema perverso que dava base para todos os tipos de exploração humana. Os membros da JUC que se desvincularam da Igreja foram para a Ação Popular, criada em 1962. A JOC continuou sua militância religiosa, no entanto, o jocista, que antes era somente um militante religioso, passou a ser um cristão cada vez mais politizado e tornou-se um dos principais alvos de perseguição militar durante a ditadura instalada em 1964. A década de 1960 foi marcada por grandes discussões políticas. A repercussão da revolução cubana, as mudanças que foram se inscrevendo em vários países latino americanos, além da chamada “Aliança para o Progresso”, lançada pelo presidente norte-americano John F. Kennedy (1961-1963) com o intuito de neutralizar as influências do comunismo e do movimento popular e trabalhista, que crescia na América Latina, davam o tom de perplexidade ao contexto histórico da época. A eleição do Papa João XXIII trouxe novas motivações e marcaram o rumo da Igreja na América Latina e no Brasil. O Concílio Vaticano II, convocado pelo papa em 1959, configura-se como um novo período para a História da Igreja Católica. O Concílio Vaticano II aconteceu nos anos de 1962 a 1965 e modificou substancialmente a cultura Católica, sendo a base da grande diversidade teológica presente na Igreja da América Latina e, sobretudo, do Brasil. (DELGADO; PASSOS, 2003). A Igreja da América Latina e do Brasil tem em seu histórico político períodos de dependência econômica e de lutas sociais que buscavam a ruptura. É neste contexto social que a América Latina interpreta o Concílio Vaticano II, bem como a Conferência Episcopal Latino Americana em Medellín, na Colômbia, no ano de 1968. A Experiência de Medellín parte das realidades Históricas. Uma Igreja que apresentava o leigo como mero consumidor, agora o traz para o centro das discussões e o apresenta como ser que tem necessidade de libertação. (ARAÚJO: 2004) Dessa experiência de fé nasceu a Teologia da Libertação, que reafirma a evangélica preferência da Igreja pelos pobres e se constitui como uma das maiores expressões teológicas da América Latina. A questão da pobreza, que permeia o milenar discurso católico, muda de foco: o pobre, antes necessitado de ajuda, agora se torna sujeito Em pleno contexto do Concílio Vaticano II, o golpe civil militar em 1964 proporcionou um momento político decisivo para a Igreja. A mobilização política ressaltava dois campos opostos. De um lado ficavam os conservadores religiosos e sociais, que censuravam os perigos de mudança, e de outro estavam os militantes da antiga Ação Católica do Brasil, os padres radicais e a liderança da CNBB, que apoiara as reformas sociais de Goulart. Para SERBIN (2001), os bispos representantes dos dois lados entraram em conflito quando se reuniram no final de maio de 1964 para escrever uma declaração sobre a revolução. Até o ano de 1895, Igreja do Espírito Santo era vinculada a arquidiocese de Niterói no Rio de Janeiro. A primeira diocese do Estado foi criada em 15.11.1895, tendo como seu primeiro bispo Dom João Baptista Corrêa Nery. Somente em 1958 a diocese do Espírito Santo recebeu o título de Arquidiocese tendo como seu primeirobispo D. João Batista da Motta e Albuquerque e agregando as dioceses de São Mateus, Cachoeiro de Itapemirim e posteriormente a diocese de Colatina. Apresentar a atuação de militantes cristãos do Espírito Santo é entrar em consonância com o histórico da Igreja Católica no Brasil que variou muito na História. Em contrapartida, situar a ação de militares e dos aparelhos repressivos é trazer à tona memórias de conflitos e repressão política. Os aparelhos de repressão no Espírito Santo surgiram oficialmente a partir do decreto de 27 de novembro de 1930. Iniciou-se então, uma polícia voltada para a manutenção da ordem política e social no Estado. Organizada entre os anos de 1930 e 1935 a Delegacia de Segurança Política e Social, teve como principal finalidade a vigilância sobre movimentos de contestação ao governo de Getúlio Vargas, tendo como base o combate aos comunistas e nos anos de 1930 à 1940, seu foco direcionado para a produção de documentos referentes ao movimento integralista já presente no Espírito Santo. Durante a década de 1930 observou-se a formação de delegacias especializadas, com atividades específicas, e a partir do Decreto-lei estadual nº 16.230 de 14 de setembro de 1946, estas mesmas delegacias foram unificadas. A então Delegacia de Ordem política e Social, juntamente com a Delegacia de Estrangeiros e a 1ª e 2ª Delegacias Auxiliares, deram origem a uma única Delegacia Especializada de Ordem Política e Social do Espírito Santo (DEOPS/ES) – Constando em suas atribuições a manutenção da ordem política e social, a fiscalização de estrangeiros, fiscalização do comércio, do uso de explosivos, a fiscalização de embarques e desembarques de forma geral e outros. A Delegacia de Ordem política e Social do Espírito Santo sob a lei estadual nº 3.391 de 03 de dezembro de 1980, é apresentada como órgão da Polícia Civil subordinado à Superintendência de Investigação Especial. Em todo o país entre os anos de 64 à 85, este departamento deu sustentabilidade ao Regime Militar, tendo como foco a contenção de qualquer movimento que se opusesse ao governo estabelecido. De forma geral este departamento agia como os demais em escala federal, perseguindo ativistas sociais e políticos associados a ideologias comunistas. A lei estadual nº 3.391 de 03 de dezembro de 1980 apresenta o DOPS/ES como órgão da Polícia Civil subordinado à Superintendência de Investigação Especial. Entre os anos de 1964 à 1985, este departamento deu sustentabilidade ao Regime Civil Militar, tendo como foco a contenção de qualquer movimento que se opusesse ao governo estabelecido. Em suma, agia como os demais departamentos em escala federal, perseguindo ativistas sociais e políticos associados a ideologias comunistas. A partir da redemocratização do país e término do regime militar, também no Espírito Santo, houve um esvaziamento das atividades da DOPS/ES até sua completa extinção no início dos anos 90. O movimento social no Brasil e também no estado do Espírito Santo protagonizava lideranças advindas de comunidades eclesiais de base e de pastorais populares que em sua mística, partilhavam a opção pelos pobres à luz de elementos fundamentais do marxismo. As organizações eclesiais de base da Igreja ajudaram a fortalecer os movimentos populares de forma efetiva. Neste contexto de ensaios políticos e repressão a igreja do Espírito Santo despontava nacionalmente como berçário político religioso que sob as inquietações da teologia latina, anseava por fazer acontecer um novo modelo de Igreja. Sob a coordenação do bispo Dom Batista da Motta e Albuquerque e de seu auxiliar o bispo Dom Luis Gonzaga Fernandes, que retornaram do Concílio Vaticano II com novas expectativas pastorais, a arquidiocese de Vitória – ES, já no final da década de 60, começou a experimentar uma tentativa de organização pastoral, que privilegiava a criação de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e grupos de reflexão para leigos. Diante dessa nova necessidade de organização, em 1973 foi criado o Conselho Pastoral da Arquidiocese de Vitória (COPAV), que tinha como presidente o então bispo D. João. O conselho tinha caráter consultivo e deliberativo e era composto por leigos do interior e da periferia, religiosas, coordenadores dos setores, coordenador geral de pastoral, casais e alguns assessores. O conselho dispunha de grande importância para o assessoramento das decisões pastorais, direcionamento e execução de diretrizes, prioridades pastorais e avaliações. A série Movimentos Religiosos da DOPS presentes no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo atestam a intolerância política e o totalitarismo exercido pela polícia política. Muitos dos documentos presentes nesta série recontam um pouco da história da arquidiocese de Vitória e a sintonizam com a Igreja Católica do Brasil que sofria modificações não só por parte da hierarquia, mas que via em suas bases pastorais a difusão de novos modos de pensar a política e a participação social. O então bispo Dom Batista da Motta e Albuquerque já se caracterizava desde o concílio Vaticano II por ser adepto da chamada Igreja dos pobres. Sobre ele recai o pedido de busca 063/19 datado de 04 de julho de 1974, sob os cuidados do arquivo público do Estado, onde os militares solicitam maiores informações sobre sua postura política e propostas pastorais. O pedido de busca 063/19, apresenta dados sobre o bispo e o caracteriza como sendo da ala progressista da igreja Católica. Ressalta que ele é adepto de D. Helder Câmara e que subscreveu juntamente com outros 16 bispos, progressistas, brasileiros e estrangeiros um documento dirigindo palavras de encorajamento aos povos oprimidos, abordando problemas como a luta de classes e a guerra subversiva. O documento ainda faz mensão ao bispo identificando-o com as esquerdas de forma explícita e em um anexo do dossiê referente ao Concílio de Taizé, os militares ressaltam que ele juntamente com outros adeptos teceu críticas injuriosas à revolução de 1964 no interior do Estado. Em depoimento à coleção Grandes Nomes do Espírito Santo referente à figura de Dom João Batista da Motta e Albuquerque (2005), Renato Gama, ex-presidente da comissão Justiça e Paz da arquidiocese, ressalta que do ponto de vista político Dom João foi uma figura impar para o ES. Como se poderia imaginar uma remodelação da luta sindical sem passar pela Igreja de Vitória? E como imaginar isso sem a presença de Dom João? Dom João e Dom Luís com o apoio de Frei Betto e Alberto Fontana Criaram em 1976 uma equipe de assessoria social, econômica e política para prestar serviço às pequenas comunidades, aos grupos de Igreja, aos trabalhadores, mulheres e criou-se um centro de documentação. Essa equipe foi instalada na Cáritas. Em 1974, a diocese lançou um documento chamado pistas Pastorais elaborado pelo COPAV, no entanto essas pistas não tinham linguagem popular. Posteriormente com a ajuda de Frei Betto esse documento foi traduzido para uma linguagem mais popular. No período ditatorial, os bispos em questão foram os responsáveis também, pela criação do Serviço Interno da arquidiocese de Vitória, o SIDAV, ferramenta de caráter sigiloso, que apresentava dados e informações sobre a repressão e sobre os principais fatos importantes da vida eclesial. Na coleção Grandes Nomes do Espírito Santo (2006), o coordenador Antônio de Pádua Gurgel apresenta o bispo auxiliar de Vitória Dom Luís Gonzaga Fernandes através de diversos relatos. A obra ressalta um trecho de uma entrevista do próprio arcebispo cedida à revista Memória e Caminhada (2002), onde ele apresenta o início do que seriam as comunidades eclesiais de base no Estado. O arcebispo diz que ao chegar no Estado, foi enviado à região de Colatina onde gastava bastante tempo. Ele diz que esta foi sua experiênciainicial, onde trabalhou num projetinho que desabrochou nas comunidades eclesiais de base, mas ressalta em outro trecho que evidentemente em 1966, começando a trabalhar com as capelas rurais das colônias italianas no interior de Colatina, ainda não tinha um figurino de comunidade eclesial de base, apesar de trazer do concílio um projeto eclesial comunitário e participativo. Até o final dos anos 60, Vitória era uma cidade pequena o que mudaria com migração rural para a cidade após a erradicação dos cafezais que liberou milhares de trabalhadores para Vitória. Em meados da década começaram a chegar uma grande quantidade de migrantes atraídos pelos projetos industriais. Até então, Vitória era uma cidade de matrizes e paróquias. Ao contrário do interior em Vitória não havia o conceito de Comunidade de base. Com a migração rural a comunidade urbana foi crescendo com os traços religiosos trazidos pelos migrantes. Agora as questões do campo deveriam ser substituídos por assuntos relativos à educação, habitação e questões urbanas. Em relato cedido para a coleção Grandes Nomes do Espírito Santo, Leonardo Boff diz considerar Dom Luís Gonzaga Fernandes um dos bispos mais importantes do Brasil, por ter sido o parteiro das comunidades eclesiais de base em extensão nacional. Já Renato Gama, ressalta que a grande contribuição de Dom Luís, foi justamente o modelo de organização pastoral que acabou colocando a igreja de Vitória como a grande vedete da Igreja da Libertação. Em depoimento também presente na obra, Cláudio Vereza, atualmente parlamentar no Estado e ex-militante das CEBs, faz menção ao trabalho da CPT e a primeira oposição sindical em 1979, no sindicato dos trabalhadores rurais de Colatina e afirma que quando a CPT passou a atuar na região de Linhares nasceu o MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) no Espírito Santo. O encontro sobre a Igreja que nasce do povo que aconteceu no Estado, foi o primeiro encontro intereclesial de CEBs a nível nacional e foi fruto da intensa atividade pastoral da Igreja do Espírito Santo. Oficialmente arquivado o pedido de busca da DOPS de número 35/75 trás informações sobre o encontro e afirma que realizou-se me Vitória nos dias 6, 7 e 8 de Janeiro de 1975, uma reunião presidida pelo então bispo Dom João e seu bispo auxiliar Dom Luís. O documento destaca a presença de diversos religiosos O documento descreve que o objetivo principal do encontro era delinear o perfil e descobrir caracteres futuros da Igreja nova que nasce do meio do povo. O documento também trás em anexo cópia de um exemplar do boletim do SIDAV de número 22 de janeiro de 1975. O boletim apresenta informações gerais sobre o encontro e ressalta a importância das experiências advindas dos grupos de comunidades eclesiais de base. No relatório do encontro proposto neste boletim do SIDAV, aparecem destacados trechos que ressaltam que na comunidade de base a palavra de Deus deixou de ser monopólio do clero para tornar-se propriedade coletiva, e que nasce delas maior espírito crítico e descobre-se a opção política da dimensão cristã. Quanto aos problemas, percebeu-se que as comunidades de base estão situadas em áreas marginais e que é preciso encontrar uma pedagogia de ação que evite por parte do clero, qualquer atitude que não signifique um respeito à cultura popular. Segundo o boletim apreendido do SIDAV, no segundo dia de encontro, frei Leonardo Boff, fez uma exposição sobre os modelos de Igreja subjacentes ao processo de renovação. Quanto à linha política a conclusão apresentada no boletim conclui que a Igreja deve participar na luta de libertação do povo de modo que ele mesmo descubra as causas de sua opressão, propondo uma sociedade sem barreiras e que se eliminem os privilégios e o monopólio dos meios de produção e dos serviços e equipamentos coletivos colocados nas mãos de uma minoria. Que ela participe também da denúncia e da luta contra a dominação externa que impede a fraternidade e a união entre os povos. Nas decisões finais do encontro definiu-se que esses tipos de encontro deveriam continuar com representação das bases acrescentando aos peritos em teologia, Bíblia e pastoral uma assessoria em economia e ciências políticas, que o encontro deveria ser divulgado, cabendo a arquidiocese de Vitória a organização do próximo encontro. O segundo intereclesial aconteceu no espaço de formação Calir localizado em Viana, e alguns participantes observaram pessoas subirem em árvores com gravadores e câmeras fotográficas para registrar a fala e a presença dos participantes. A reunião foi interrompida e um grupo de bispos tratou de colocar para fora os policiais federais alegando ser aquele apenas mais um encontro de bispos e membros. Em entrevista concedida à Giovana Valfré para a coleção Grandes Nomes do Espírito Santo (2006), Paulo Hartung, ex-governador do Estado e ex-militante do Movimento estudantil, ressalta que se lembra da primeira passeata organizada pelos estudantes na praça oito na luta pela anistia e diz que quando a polícia partiu para o enfrentamento e os estudantes ficaram acuados, por ordem de Dom Luís, as portas da catedral foram abertas e lá eles ficaram em segurança. Afirma que a igreja Católica, suas comunidades eclesiais de base e suas pastorais sociais foram aliadas fundamentais para a reconstrução do movimento estudantil no Espírito Santo, impulsionando outros seguimentos da população a também se organizar, como sindicatos, associações de bairro, grupos de mulheres e movimentos populares. Destaca ainda que o espaço e a pragmática da Igreja e suas pastorais oxigenaram a práxis e os valores dos movimentos de esquerda, incluindo o estudantil e que a aproximação e a integração com os trabalhos sociais e políticos da igreja humanizaram o comportamento dos mesmos. Em sintonia com a igreja do Brasil que se caracterizava como uma forte opositora ao regime antidemocrático, as pastorais sociais do Estado na década de 1970, de forma especial a Juventude Operária Católica (JOC), a Pastoral Operária (PO), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), foram a base de trabalhadores que não tinham como se expressar, elas foram espaços geradores de lideranças no movimento operário, contribuíram para a organização de centrais sindicais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) dentro do estado, e de forma especial, elas incentivaram militantes a se engajarem na política partidária, construindo e direcionando as lutas de partidos então denominados de esquerda como o Partido dos Trabalhadores. Neste sentido o boletim Ferramenta, organizado pela Pastoral Operária, levantava reflexões onde se discutia a distinção entre partido e Igreja enfatizando, no entanto, a importância do engajamento dos cristãos na construção dos mesmos. Ao se referir sobre o envolvimento de cristãos católicos na luta por direitos junto a esquerda, o ex preso político do PCdoB Hélio Garcia, que após 90 dias de prisão no ano de 1971, ressalta a importância da militância nos diversos setores da Igreja. Considero o envolvimento da Igreja junto à esquerda extremamente importante, e que na verdade tudo é uma questão de concepção. (...) Vejo a entrada da entrada da igreja em discursos antes exclusivos dos comunistas da maneira mais ampla e mais aberta: Que bom que tem mais gente, que não é só o partido comunista, que não é só o partido socialista, que tem outros segmentos inclusive religiosos que vem pro movimento operário, pro movimento estudantil como um aporte, somando enormemente nessa luta. (...) A Igreja antes beneficiária do conservadorismo passou a ter setores dentro de si altamente interessantes por que mobilizava pros movimentos populares setores que não eram atingidos pelo Partido comunista. (Garcia, 2012) A repressão presente na memória de muitos desses militantes,é um arquivo oral valioso para o estudo desse obscuro período de massacre à democracia. Os documentos oficiais da DOPS escritos por oficiais com o objetivo de legalizar o regime militar juntamente com as memórias de repressão de muitos militantes cristãos, constituem-se como importantes fontes para recuperar a história de repressão política e partidária sofrida durante o regime civil militar. No Espírito Santo, construção da memória de luta por direitos perpassa a luta de muitos militantes, que em nome de sua fé se abrem às demandas políticas de seu tempo e contribuem para a construção da história. Sabemos que a memória se faz daquilo que lembramos, daquilo que esquecemos, e compreendemos que todo passado tem um futuro. O conservadorismo, a constante busca pela continuidade e no tempo presente, a releitura de seus valores juntamente com a ruptura com o governo em favor dos direitos humanos, são sim características de uma Igreja que tinha a consciência de ser uma instituição tão poderosa quanto o Estado que ela desfiou. De certo a abertura política iniciada em 1974, não foi impulsionada pela Igreja, mas as pressões populares visíveis a toda a sociedade após 1978, foram fatores fundamentais para a política nacional. A Igreja trás para sua história um legado de proteção e legitimidade às forças de oposição durante o período de maior repressão, destacava-se como defensora dos partidos políticos e embora não seja exclusivamente responsável pela abertura, influenciou nos debates sobre política no Brasil e no Espírito Santo, ajudando a fortalecer a sociedade civil. REFERÊNCIAS 1. ARAÚJO, Maria Paulo Nascimento. A luta Democrática contra o Regime Militar na década de 70. 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