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Negocio Jurídico Processual Atípico

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LIMITES DO NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL ATÍPICO
LOPES, Júlia Rodrigues [footnoteRef:0] [0: Graduanda em Direito pela Universidade Federal Fluminense, polo de Volta Redonda/RJ. E-mail para contato: julialopes16.2.98@gmail.com.] 
SILVA, Bruna Ambrozio[footnoteRef:1] [1: Graduanda em Direito pela Universidade Federal Fluminense, polo de Volta Redonda/RJ. E-mail para contato:brunasilvadn@gmail.com ] 
Palavras-chave: 
Convenções Processuais, Negócios Jurídicos Processuais, Atipicidade.
Eixo Temático: 
GT 04- Aspectos Procedimentais do Direito Processual Civil 
RESUMO
Através da pesquisa exploratória buscou-se entender o novo regramento dado aos negócios jurídicos processuais pelo atual diploma, que possibilita a realização de convenções processuais atípicas. Essa atipicidade, no entanto, não significa irrestrita autonomia para a partes disporem do processo como bem quiserem, uma vez que esse possui natureza pública, ademais, deve o processo civil ser interpretado sob uma perspectiva constitucional. Nesse sentido, o estudo identifica como limites aos negócios jurídicos processuais, os requisitos formais estabelecidos por lei, o equilíbrio processual entre as partes e os princípios e garantias fundamentais constitucionais aplicados ao processo.
INTRODUÇÃO
Ante a inovação realizada no instituto dos negócios jurídicos processuais, pelo código processual civil de 2015, conferindo as partes significativa autonomia na regulação do procedimento e de situações jurídicas processuais, cumpre-nos entender onde se encerra tal autonomia negocial. É certo que a vontade das partes não poderá se sobrepor ao exigido pelo ordenamento, não reputando-se válido o negócio processual em que não sejam observados os requisitos formais; em que se constate manifesta vulnerabilidade por uma das partes, que lhe acarrete prejuízos; e que desrespeite a ordem pública processual.
METODOLOGIA
Adotou-se como metodologia, a pesquisa exploratória, utilizando-se abordagem qualitativa, fundada na análise aprofundada da doutrina e legislação brasileiras, com vistas a ampliar o conhecimento sobre as limitações legais impostas aos negócios jurídicos processuais atípicos. 
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Conceito, Classificação e Relevância dos Negócio Jurídicos Processuais
O Negócio jurídico processual, pode ser definido como um fato jurídico voluntário, onde é reconhecido aos sujeitos a prerrogativa de regular situações jurídicas processuais e modificar o procedimento, observado os limites impostos pelo ordenamento à autonomia da vontade. Constata-se assim, que o negócio jurídico é fonte de norma jurídica processual convencional, de modo a vincular o órgão julgador a essas. (DIDIER, 2017, pg.425)
Os negócios processuais podem ser: i) típicos, os quais encontram-se antevistos em lei, como é o caso da eleição negocial do foro (art. 63, CPC), do calendário processual (art. 191, §§ 1º e 2º, CPC), do acordo para a suspensão do processo (art. 313, 11, CPC), da organização consensual do processo (art. 357, § 22), entre outros; ou, ii) atípicos, que embora não previstos em lei, podem ser celebrado pelas partes, com fundamento na cláusula geral de negociação sobre o processo, disposta no art. 190, CPC.(DIDIER, 2017, pg.425-426)
Os negócios processuais, não são uma inovação do código de 2015, visto que o diploma anterior trazia algumas modalidades típicas desses. Esse instituto assume, no entanto, especial relevância com o novo código, ante a sua generalização pela introdução de modalidade atípica, concedendo expressiva autonomia às partes para regular situações processuais e o procedimento. Adotou-se a o modelo inglês (case management) e francês (contrat de procédure), criando cláusula geral de negociação processual. (NEVES, 2016, pg.581)
Diante disso, parcela da doutrina, vê no art. 190 do Novo CPC, a consagração de um novo princípio em nosso sistema processual o princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil. (DIDIER, 2017, pg. 426)
2. Limites das Convenções Processuais
A ampla liberdade concedida às partes na nova sistemática dos negócios processuais, não é, contudo, ilimitada. O artigo 190 CPC já dispõe em seu caput limitações de ordem i) objetiva, determinando questões que não podem ser objeto dessas convenções; e ii)subjetiva, qualificando as partes que poderão firmá-los. Já o parágrafo único do mesmo dispositivo, concede ao juiz o poder de validar o convencionado pelas partes, impedindo: que sejam aplicadas cláusulas reputadas nulas; a inserção abusiva de cláusula em contrato de adesão; que haja prejuízo à parte que esteja em manifesta posição de vulnerabilidade. Como salienta Teresa Arruda Wambier:
Não vigora, ipso facto, o 'vale tudo' processual. O negócio jurídico processual não tem, e nem deve ter, esta extensão. (.) Não se pode, é nossa convicção, dispor em negócio jurídico processual que uma decisão poderá ser não fundamentada, ou que não vigora o dever de cumprir as decisões judiciais. Admiti-lo seria algo comparável à admissão do objeto ilícito na celebração do negócio jurídico processual."(2015, pg. 356-357).
A delimitação da autonomia privada nas convenções processuais, relaciona-se: i) ao direito material e a possibilidade de sua disposição; ii) a paridade de armas e o efetivo acesso aos meios de ação e de defesa, para que uma parte não se beneficie da condição vulnerabilidade da outra; e iii) à supremacia dos princípios e garantias fundamentais que regem o processo no Estado Democrático de Direito. (GRECO, 2007, pg.4) 
Destacam-se então, as seguintes limitações legais ou doutrinárias as convenções processuais:
3.1 Requisitos Formais
O Negócio Jurídico Processual apresenta como requisitos formais de validade: i) a capacidade do agente; quanto a objeto, é necessário sua: ii) licitude, iii) possibilidade iv) determinação ou ao menos a possibilidade de sua determinação; e v) forma prescrita ou não defesa em lei. Tais requisitos do art. 104 do CC , aqui se aplicam por tratarem-se de autênticos negócios jurídicos, de modo que não podem deles se afastar a incidência do referido artigo.(NEVES, 2016,pg 589).
Assim sendo, aplicam-se inteiramente aos negocio jurídico processuais as disposições do artigo 166 CC sobre as nulidade e as do artigo 167 do CC sobre a nulidade decorrente da simulação. (NEVES, 2016, pg 591). Cumpre observar, que “o controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade da convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade do ato sem prejuízo.” Enunciado 16 do FPPC.
Tanto a capacidade do agente como a licitude do objeto, encontram-se expressas no caput do artigo 190 do CPC, de modo que serão aqui, melhor analisadas.
3.1.2 A Capacidade do Agente
A doutrina diverge quanto à extensão e significado da capacidade do agente. Há entendimento no sentido de tratar-se de capacidade material, de modo a excluir os absolutamente e relativamente incapazes ainda que assistidos ou representados, conforme Enunciado 38 da ENFAM. Noutro giro, parte da doutrina posiciona-se defendendo ser tal capacidade de natureza tão somente processual e em havendo devida representação processual, possibilita-se aos incapazes a celebração de negócios jurídicos processuais. (NEVES, 2016, pg 589)
Observa-se que as pessoas jurídicas e formais, possuem capacidade material e processual , isso porque a representação não se confunde com a presentação que diz respeito a essa categoria de pessoas. Desse modo, uma vez devidamente presentadas no processo poderão firmar negócio jurídico processual, o que abrange a Fazenda Pública (Enunciado 256 do FPPC) e o Ministério Público (Enunciado 253 do FPPC).(NEVES, 2016, pg 589)
3.1.2 A Licitude do Objeto
A necessidade de licitude do objeto, encontra-se expressa no caput do artigo 190, sendo lícito o negócio cujos procedimentos e posições processuais estejam sujeitas a autocomposição. (NEVES, 2016, pg. 590). Assim, o negócio jurídico processual só é admitido quando versar sobre direitos que admitam autocomposição, o que nãodeve ser confundido, no entanto, com direitos indisponíveis. 
Os direitos indisponíveis admitem autocomposição em relação aos seus meios de exercício, isto é, questões a ele tangenciais, que embora lhes digam respeito com eles não se confundem. Por exemplo, pode ser objeto de negociação processual o momento em que a obrigação será cumprida, muito embora a obrigatoriedade de seu cumprimento não possa ser discutido por tratar-se de direito indisponível.
Por essa razão não constitui óbice à realização de negócio processual em processo coletivo, mesmo que os direitos difusos e coletivos sejam reconhecidamente indisponíveis e a autoria da ação seja do Ministério Público. Nesse sentido, os Enunciados 253 e 255 do FPPC. (NEVES, 2016,pg 590)
3.2 A Paridade de Armas e a Manifesta Vulnerabilidade
A paridade de armas ou isonomia processual tem fundamento no art. 5º, caput, da CF/1988 e no art. 7º do CPC. Igualdade processual das partes não pode ser apenas formal mas efetiva, de modo a garantir: a equidistância do juiz em relação às partes; o acesso à justiça igualitário, sem qualquer discriminação ou entrave; e o contraditário efetivo, com acesso às informações necessárias ao seu exercício. (DIDIER, 2017, pg.110-111)
A vulnerabilidade de uma de uma das partes, seja ela técnica, financeira ou informacional, fere gravemente a paridade de armas e a isonomia processual. De modo que, sujeitam-se a nulidade os negócios celebrados por parte em situação de manifesta vulnerabilidade, por haver violação do princípio da paridade de armas, conforme previsto no art. 190, parágrafo único, do CPC. 
Por vulnerabilidade deve-se compreender a vulnerabilidade processual, decorrente de limitação pessoal involuntária, seja de forma permanente ou provisória, que advenham de fatores de saúde, questões econômicas, técnicas ou organizacionais. (NEVES, 2016, pg.594). No entanto, essa não será causa de nulidade se o acordo aproveitar à parte vulnerável ou não lhe trouxer prejuízos, pois a nulidade advém do sacrifício e prejuízo injustificado a parte mais frágil e não da mera constatação de vulnerabilidade. (NEVES, 2016, pg.594). Pertinente nos é saber ainda, que conforme a doutrina, a falta de assistência técnica, acarreta presunção relativa de vulnerabilidade. (Enunciado 18 do FPPC)
3.3 Princípios e Garantias Fundamentais do Processo
Impõem-se ainda a observância das normas fundamentais do processo, também chamadas de princípios e garantias constitucionais do processo ou ainda ordem pública processual, visto que visam justamente a proteção o interesse público no âmbito da convenção firmada. Não pode haver violação, portanto, de princípios indisponíveis, tais quais: 
o devido processo legal [...] a independência, a imparcialidade e a competência absoluta do juiz; a capacidade das partes; a liberdade de acesso à tutela jurisdicional em igualdade de condições por todos os cidadãos (igualdade de oportunidades e de meios de defesa); um procedimento previsível, eqüitativo, contraditório e público; a concorrência das condições da ação; a delimitação do objeto litigioso; o respeito ao princípio da iniciativa das partes e ao princípio da congruência; a conservação do conteúdo dos atos processuais; a possibilidade de ampla e oportuna utilização de todos os meios de defesa, inclusive a defesa técnica e a autodefesa; a intervenção do Ministério Público nas causas que versam sobre direitos indisponíveis, as de curador especial ou de curador à lide; o controle da legalidade e causalidade das decisões judiciais através da fundamentação. (GRECO, 2007,pg.5)
Em continuidade, o autor acrescenta ainda a garantia de uma cognição adequada pelo juiz e celeridade do processo, como integrantes da ordem pública processual. Quanto ao último, esclarece o autor, que seu fundamento encontra-se no dever que possui o juiz de solucionar o mais celeremente possível a situação de crise que impede a efetivação dos direitos do cidadão, em virtude da pendência da litigiosidade, sendo também direito fundamental consagrado no inciso LXXVIII do artigo 5° da Constituição. (GRECO, 2007, pg.5)
A doutrina entende ainda, que são nulos as convenções processuais realizadas em desacordo com o princípio da boa-fé objetiva, caracterizando abuso de direito a modificação do procedimento e posição jurídica realizada de má-fé. Nesse sentido, os Enunciados 6, 405 e 407 do FPPC. (NEVES, 2016, pg. 591) 
CONCLUSÕES 
Ante o exposto, conclui-se que o recente diploma processual inaugura, em seu artigo 190, uma cláusula geral de negociação, consagrando o princípio do respeito ao autorregramento da vontade das partes. Embora constatada a ampliação das prerrogativas negociais das partes nos negócios processuais atípicos, constata-se de igual modo, disposições legais e principiológicas que balizam tais prerrogativas em um Estado Democrático de Direito. Desse modo, a natureza pública do processo não constitui obstáculo para que as partes regulem situações jurídicas processuais e o procedimento, ajustando-o às especificidades do caso concreto; nada obstante, tal natureza impõe limites a essa interferência das partes no processo, determinando a observância dos requisitos formais dos negócio jurídicos; do princípio da paridade das armas, impedindo ocorrência de prejuízos a parte vulnerável; e dos demais princípios constitucionais que resguardam a ordem pública processual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIDIER, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento.Vol.1 19. ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2017.
GRECO, Leonardo. I. Os Atos de Disposição Processual – Primeiras Reflexões. Revista Eletrônica de Direito Processual. 1° Ed. 2007. Disponível em :<https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/viewFile/23657/16714>. Acesso em:22/09/2020
NEVES, Daniel. Manual de Direito Processual Civil. Vol. Único. 8°ed.Salvador: Ed. JusPodivm, 2016.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da Silva; MELLO, Rogério Licastro Torres de. Primeiros comentários ao Novo Código de Processo Civil. Artigo por artigo. São Paulo: RT, 2015

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