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ISSN 2176-1396 CONCEPÇÕES DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E DA EDUCAÇÃO POPULAR NO BRASIL: UM ESTUDO À LUZ DE PAULO FREIRE Nívia Maria Vieira Costa1 - IFPA Alessandra Sampaio Cunha 2 - IFPA Joana D’arc de Vasconcelos Neves3 - UFPA Norma Cristina Vieira4 - UFPA Eixo – Educação de Jovens e Adultos e Educação Profissionalizante Agência Financiadora: Não contou com financiamento Resumo Este artigo trata de Paulo Freire e da Educação de pessoas Jovens e Adultas (EJA) no Brasil e apresenta esta modalidade de ensino como um fruto da Educação Popular e dos Movimentos Sociais. Objetiva apresentar a história da EJA no Brasil mostrando que essa história não pode ser desassociada da Educação Popular onde, inicialmente, a EJA foi pensada e a partir daí conquistou seu espaço também na educação formal com leis especificas para este segmento. Apresenta Paulo Freire como um divisor de águas na história da EJA no Brasil e da América Latina com suas vastas produções bibliográficas além de sua prática pedagógica. Como metodologia este artigo fez uso da pesquisa bibliográfica, de modo especial das obras freireanas, bem como de autores nacionais e internacionais do campo da EJA e Educação Popular. Para a reflexão e análise dessa temática foi necessário que se discutisse o conceito de EJA e sua história no Brasil, destacando a significativa contribuição de Paulo Freire. Posteriormente se discute sobre a Educação Popular bem como sua estreita relação com a EJA. Conclui-se ao final do artigo que não há como discutir EJA sem considerar os pressupostos 1 Doutora em Educação Brasileira (UFC). Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará/ Campus Bragança. Membro da Cátedra Paulo Freire da Amazônia. Pesquisadora do Projeto “O Legado de Paulo Freire na Amazônia”. Lider do Grupo de Pesquisa ETTHOS/IFPA. E-mail: nivia.costa@ifpa.edu.br 2 Doutoranda em Ciências da Educação pela UTAD/Portugal. Pesquisadora da Cátedra de Paulo Freire na Amazônia pela UFPA e IFPA. Pesquisadora do Grupo Representações Sociais e Juventude pela UFPA/Belém, na linha Formação de Professores. Pesquisadora do Grupo ETTHOS pelo IFPA, na linha Educação do Campo. Técnica em Assuntos Educacionais do IFPA. E mail: alessandra.sampaio@ifpa.edu.br 3 Doutora em Educação. Professora Adjunta da Faculdade de Educação, UFPA/Bragança. Vice coordenadora do grupo de estudos e pesquisa em educação de jovens e adultos e Diversidade Amazônica (GUEAJA) E-mail: jdneves@ufpa.br 4 Doutora em Biologia Ambiental. Professora Adjunta da Faculdade de Educação, UFPA/Bragança. Pesquisadora do grupo de estudos Socioambiental Costeiro (ESAC). Coordenadora do Grupo de estudos de educação socioambiental (GUEAM). E-mail: normacosta@ufpa.br mailto:nivia.costa@ifpa.edu.br mailto:alessandra.sampaio@ifpa.edu.br mailto:jdneves@ufpa.br mailto:normacosta@ufpa.br 9312 teóricos de Paulo Freire à luz da Educação Popular, assim como se faz necessário que as leis que garantam o direito à educação de todos no Brasil sejam plenamente cumpridas e assim se possa dirimir as gigantescas distancias entre o desejar e o se efetivar. Que essas leis deixem de ser programas governamentais e se tornem políticas públicas permanentes para EJA no Brasil e que Paulo Freire, um dos maiores educadores brasileiros, se torne cada vez mais conhecido nos currículos escolares de todo o país. Palavras-Chave: Educação de Jovens e Adultos. Paulo Freire. Educação Popular. Introdução A Educação de Jovens e Adultos (EJA) ao longo da história passou por muitas mudanças, estagnações e progressões. Do seu surgimento do seio dos movimentos sociais como, inicialmente, educação popular – o que não deixa de ser até hoje – a EJA conquistou e vem conquistando seu espaço nos mais diversos setores sociais inclusive garantindo direitos na Constituição Federal, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, entre inúmeros outros documentos legais que reconhecem a EJA como modalidade de ensino e um direito básico dos cidadãos. Este artigo se propôs discutir a EJA como fruto da Educação Popular sob a ótica de Paulo Freire. A pesquisa é de natureza documental com análise de conteúdo (BARDIN, 2004). Num primeiro momento realizamos leituras e fichamentos de trabalhos relacionados a Paulo Freire, EJA e Educação Popular. É uma pesquisa bibliográfica e a coleta das informações foi realizada através do levantamento e análise de diferentes ideias trazidas por artigos e livros que tratam a temática apresentada. Para Gil (2002) a pesquisa bibliográfica é a elaboração a partir de material já publicado, constituído principalmente de livros, artigos de periódicos e atualmente com material disponibilizado na Internet. A pesquisa ocorreu no segundo semestre do ano de 2016. O caminho eleito para se analisar as leituras foi o do materialismo histórico dialético, a partir de compreensão da totalidade dos três conceitos. Konder (2008) ao analisar a relação entre a totalidade e o pensamento dialético afirma que, [...]para reconhecer as totalidades em que a realidade está efetivamente articulada (em vez de inventar totalidades e tentar enquadrar nelas a realidade), o pensamento dialético é obrigado a um paciente trabalho: é obrigado a identificar com esforço, gradualmente, as contradições concretas e as mediações específicas que constituem o tecido de cada totalidade, que dão vida a cada totalidade (p. 43-44). Este artigo traz como objetivo geral refletir sobre a relação entre Paulo Freire, EJA e Educação Popular. Para a reflexão desta relação foi necessário definir um breve histórico da EJA no Brasil e destacar a presença marcante de Paulo Freire na história e até hoje, posteriormente se discutiu a Educação Popular como o berço de nascimento da EJA. Ao longo 9313 do artigo veremos que muito já foi conquistado e muitos brasileiros e brasileiras puderam alcançar o mínimo de cidadania uma vez que o acesso ao mundo letrado insere a pessoa no mundo social, todavia, veremos também que há muito a ser feito e que não basta ter apenas acesso às letras e palavras, será necessário que as utilizemos para a mudança e transformação social pois a palavra é viva e produz vida, como afirmava Paulo Freire. Tecendo os caminhos da EJA no Brasil: A presença marcante de Paulo Freire A história da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil remonta desde o período do Brasil Colônia quando houve as primeiras iniciativas por meio dos padres jesuítas em alfabetizar adultos e crianças para fins religiosos. Posteriormente com a expulsão dos padres das terras brasileiras, pelo Marquês de Pombal, a educação que já não tinha fins propriamente educacionais, ficou relegada e ignorada durante muitos anos. (GHIRALDELLI JR., 2008) Após a proclamação da Independência do Brasil foi outorgada a primeira constituição brasileira e no artigo 179 dela constava que a “instrução primária era gratuita para todos os cidadãos”; ou seja, a escola era para todos não nela não cabiam todos nela. Sobre essa questão Soares (2002, p. 8) afirma que, No Brasil, o discurso em favor da Educação popular é antigo: precedeu mesmo a proclamação da República. Já em 1882, Rui Barbosa, baseado em exaustivo diagnóstico da realidade brasileira da época, denunciava a vergonhosa precariedade do ensino para o povo no Brasil e apresentava propostas de multiplicação de escolas e de melhoria qualitativa de Ensino. Com a indiferença à EJA durante décadas e sem nenhuma política nacional específica, os números de analfabetos foram aumentando cada vez mais e em 1940, 55% dos brasileiros com 18 anos ou mais não eram alfabetizados. (SOARES, 2002) Os dados alarmantes nacionais e a necessidade sentida e vivida pelas pessoas por não terem acesso e direito à educação mobilizou uma árdua lutapela garantia do direito das pessoas jovens e adultas que não puderam, por inúmeros motivos, frequentar a escola quando crianças. Segundo Paiva "a educação de jovens e adultos, em sociedades democráticas, assume a perspectiva da inclusão e esta inclusão, inevitavelmente, passa pela conquista de direitos". (2002, p. 520). Estamos falando de um direito que durante muitas décadas foi negado ao povo brasileiro, um direito basilar que é o direito à educação. A partir de 1945, com a aprovação do Decreto nº 19.513, de 25 de agosto de 1945, a Educação de Adultos torna-se oficial. Daí por diante novos projetos e campanhas foram lançados com o intuito de alfabetizar jovens e adultos que não tiveram acesso à educação em 9314 período regular. Dentre estes podemos citar: a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA; o Movimento de Educação de Base – MEB, sistema rádio educativo criado na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com o apoio do Governo Federal; além dos Centros Populares de Cultura – CPC, Movimento de Cultura Popular – MCP e a Campanha Pé no Chão Também se Aprende a Ler – CPCTAL, sendo que o primeiro estava mais voltado para atender às necessidades de qualificação da mão-de-obra para o setor industrial (além da necessidade de ampliar os “currais” eleitorais mantidos pelas práticas “clientelísticas”), os demais tinham o intuito de atender às populações das regiões menos desenvolvidas. A partir de 1960 surge no cenário nacional um cidadão brasileiro que faria toda a diferente na EJA do Brasil. Seu nome era Paulo Freire, um nordestino que trazia consigo além de ideias inovadoras a esperança de um país que se tornasse igualitário através da educação para todos. Uma pessoa que emanava paz, e seus discursos eram mera extensão de suas experiências vividas, sentidas e efetivadas no sertão nordestino. Experiências tão inovadoras e promissoras que se estenderam por todo o Brasil com o incentivo e apoio do governo federal. Paulo Freire nasceu em Recife, no estado de Pernambuco e graduou-se pela Faculdade de Direito de Recife. Freire colocou em prática pela primeira vez seus métodos de alfabetização de jovens e adultos na cidade de Angicos uma pequena cidade localizada no Rio Grande do Norte em 1963, onde o Brasil vivia um momento de grandes revoluções reformistas e de modo especial os meios campesinos ferviam junto com os sindicatos rurais que lutavam pela reforma agrária. Nesse cenário a experiência de Angicos teve como um dos principais objetivos a alfabetização de jovens e adultos em quarenta horas com uma educação voltada para formar sujeitos políticos, conscientes das relações sociais para que pudessem transformar a sociedade que viviam e participar efetivamente da vida do país, exercendo assim sua cidadania político brasileira. No livro ‘As quarenta Horas de Angicos’ (LYRA, 1996), Paulo Freire argumenta a exposição do seu método ao dizer que, [...] quebramos uma série de tabus metodológicos. Superamos a escola pelo que nós chamamos Círculo de Cultura; o aluno, pelo participante de debates; a aula pelo diálogo: o programa acadêmico por situações sociológicas desafiadoras, que possamos ir diante dos grupos que debatemos e que arrancamos uma sabedoria que existe e que é, esta sabedoria, opinativa existencial ao povo (LYRA, 1996.p,116) Deste modo, a experiência em Angicos e de Paulo Freire trouxe um novo modelo de educação, que possibilitasse ao aluno e professor uma aprendizagem dentro das especificidades e historicidades de cada sujeito. 9315 Em sua proposta pedagógica à EJA o processo de alfabetização iria para além do ensino metódico das sílabas e números - muitas vezes sem sentido nenhum aos alunos e descontextualizados de suas realidades – propunha que essa educação fosse rica em sentido e significado e que partisse do mundo conhecido e vivido pelos alunos, uma educação que não fosse em si mesma um fim, mas um meio, uma espécie de ponte que transportasse os que a ela tivessem acesso ao mundo desvelado e real, um mundo onde os próprios alunos fossem os sujeitos e se sentissem responsáveis por ele de tal modo que desejassem transformá-lo e melhorá-lo sempre que assim sentissem necessidade. Uma necessidade, é claro, não apenas pessoal, mas coletiva, pois a educação também ensinaria o princípio da organização grupal e da luta conjunta. Para Freire, a educação que se impõe aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres "vazios” a quem o mundo "encha” de conteúdos; não pode basear-se numa consciência espacializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como "corpos conscientes” e na consciência como consciência intencionada ao mundo. Não pode ser a do depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo. (2002, p.67) Essa proposta libertadora de Freire, com o golpe militar de 1964, não agradou muito aos governantes da época e Paulo Freire foi exilado retornando anos mais tarde ao Brasil, mas suas idéias jamais seriam esquecidas e até hoje, em grande parte do mundo, sua proposta é difundida e respeitada por muitos educadores. A partir de 1964 a EJA viveu um período de retrocesso e pouco ou quase nada se propôs de forma realmente significativa para ela. Podemos citar, neste período, a criação do Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL que ocorreu em 1967 cujo princípio era erradicar o analfabetismo jovem e adulto ainda do modo bastante tradicional, sem o viés de libertação que propunha Freire. Com a extinção do MOBRAL anos mais tarde surge a Fundação Educar que trazia as mesmas propostas - no governo Collor - e também foi extinta em 1990. A LDB 5692/71 que contemplava o caráter supletivo da EJA, excluindo as demais modalidades, não diferia dos objetivos do MOBRAL quanto: a profissionalização para o mercado de trabalho e a visão da leitura e da escrita apenas como decodificação de signos. Com a constituição federal de 1988 a educação de jovens e adultos foi incluída como direito público subjetivo e sua oferta se daria de modo gratuito e obrigatório na forma do ensino supletivo. Movimentos sociais, de vários países, passaram a lutar pela ampliação da dos direitos da EJA e inúmeras conferências internacionais foram realizadas e suas decisões assinadas por vários representantes legais dos países. A década de 1990 passou a ser, desse modo, a década 9316 da luz para a EJA em todo o mundo, pois muito se discutia e já não se compreendia o desenvolvimento do país se não pela educação do seu povo. Com a nova LDB nº 9394/96, art.37 e art.38, se passa a contemplar as várias modalidades de educação de jovens e adultos e uma melhor adequação as novas exigências sociais. Dentre algumas alterações significativas podemos citar: redução da idade mínima (15 anos para o ensino fundamental e 18 para o ensino médio) com um atraso de pelo menos 80 anos em relação a divulgação das pesquisa do IBGE de 1910, suprime referências ao ensino profissionalizante atrelado ao EJA, criando um capítulo único, capítulo 07, para esta modalidade, defendendo uso de didática apropriada às características do alunado, condições de vida e trabalho, incentivando a aplicação de projetos especiais que proporcione o alcance dos objetivos desejados ( BRASIL,1996). Ainda na LBD nº 9394/96, em seu artigo 3o, é prevista uma educação que garanta a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, o pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, a garantia de padrão de qualidade, a valorização da experiência extra- escolar e a vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais (BRASIL,1996). Tais princípios estimularam a criação de propostas alternativas na área de EJA. Assim, embora a Lei tenha dedicado apenas uma seção com dois artigos à EJA, os artigos 2o, 3oe 4o tratam essa educação sob o ponto de vista do ensino fundamental, o que pode ser considerado um ganho para a área. Além disso, ao determinar a identificação daqueles que não tiveram acesso ao ensino fundamental, abriu um espaço de intervenção que criou possibilidades de confronto entre o universo da demanda e o volume e qualidade da oferta, o que pode gerar um maior compromisso do setor público com a EJA. Do discurso e propostas à execução e implementação das mesmas existe uma lacuna imensurável e apesar de novos programas surgirem como o Alfabetização Solidária – no governo Fernando Henrique, Brasil Alfabetizado – governos Lula e Dilma, além da garantia dos direitos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira – LBD e demais documentos nacionais e internacionais, reconhece-se que muito já foi feito no Brasil mas ainda estamos distantes de alcançar a erradicação do analfabetismo e a inclusão de milhões de pessoas no mundo da escrita e no mundo real e desvelado, como sugeria Paulo Freire. Novos programas federais que visam inclusive associar a EJA à educação profissional surgiram e não podemos desmerecê-los ou negar sua significa contribuição para a inserção do cidadão no mundo do trabalho e oferecer além da educação o ensino tecnológico. Precisamos pensar, todos juntos, em novas formas de incluir o maior número de pessoas no mundo 9317 educacional para que possam como sujeitos de direito serem os protagonistas de suas histórias e não mais meros expectadores. A EJA no Brasil, e em muitos lugares do mundo, é fruto de muitas lutas e reivindicações sociais. Nada chegou de “graça” ou a partir da pura percepção dos líderes governantes da necessidade de oferecer educação aos que a ela não tiveram acesso em idade própria, houve ao longo da história da EJA no Brasil muitos movimentos populares que lutaram pela garantia deste direito que é para/de todos. A EJA conquistou seu espaço na escola institucionalizada, mas nunca perdeu seu lugar nos espaços não formais de educação, de onde surgiu, e onde possui grande demanda sendo educada até os dias atuais. Para Freire, "a educação de adultos é melhor percebida quando a situamos hoje como educação popular" (1995, p. 27), uma vez que com essa terminologia de educação popular sua abrangência se estende e agrupa os mais diversos modos de oferta da EJA. Toda educação que atende as camadas populares, o povo, que de modo formal não chega até ele ou não atende suas necessidades é uma educação popular. Feita, tecida e gerada pelo e para o povo. Assim podemos afirmar que a EJA é um fruto da educação popular uma vez que nasce das entranhas do povo e é resultado da luta destes para a garantia de um direito básico. Em muitos lugares onde a EJA institucionalizada não chega a educação popular, através dos movimentos sociais, as organizações não-governamentais e ações populares independentes assumem a função de oferecer esta modalidade de ensino à população. Reflexões sobre a Educação Popular à luz de Paulo Freire No Brasil ainda existe um grande abismo entre a escola e a educação popular, pois esta é o processo do sujeito pensar e reformular sua vida a partir da reflexão e se dá sempre no coletivo e aquela tem sido um espaço totalmente distante da realidade social e se constrói a partir e para o individual, diferente da proposta de Freire. Brandão (2002), descreve quatro posturas quando se trata de refletirmos a respeito da educação popular. A primeira está relacionada ao não reconhecimento da educação popular como escolha da educação que queremos, assim é compreendida como práticas não científicas. A segunda postura relaciona-se à importância do viés cultural da educação popular. Encontra- se mais associada ao campo dos movimentos sociais do que à própria educação, pelo fato e como o senso comum prega não ser vista como tendo um viés político, militante, mas apenas como prática profissional. A terceira postura está direcionada à educação popular como um 9318 fenômeno datado na história da educação de alguns países da América Latina, principalmente no Brasil, tendo como referência principal o educador Paulo Freire. Esta se construiu por meio de experiências de alfabetização popular direcionadas aos jovens e adultos das classes trabalhadoras e dos Movimentos de Educação de Base. A definição dos pressupostos antropológicos da educação popular parte da constatação de que o ser humano é um ser histórico, inconcluso e consciente de sua inconclusão. Como ser histórico, é no desenvolvimento do seu percurso que o ser humano se realiza como tal, não podendo ser entendido sequer distante do processo que o formou. Para Freire (2002, p.79), esta afirmação está clara quando afirma que “ninguém nasce feito. Vamos nos fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte”. Para ele, [...]assumir-se enquanto ser, significa mais que saber-se enquanto ser e implica a sua assunção como ser histórico-social: como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de reconhecer-se como objeto. A assunção de nós mesmos não significa a exclusão dos outros. É a outredade do não eu, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade do meu eu (FREIRE, 1996, p.41) Sabe-se que nem toda prática coletiva é Educação Popular mas esta se dá em processos de troca; que não é apenas forma ou conteúdo que garantem a educação popular mas seus horizontes e objetivos; que a participação em uma luta por si só não educa, mas a reflexão sobre essa participação. Sabemos ainda que na Educação Popular tudo o que ocorre permite uma reflexão crítica. Desse modo podemos afirmar que a Educação Popular é o instrumento de conscientização na perspectiva da transformação social e seu objetivo principal é a organização popular voltada para as conquistas de direitos sociais, culturais e políticos. Assim, a Educação Popular é impulsionadora e ao mesmo tempo resultante dos movimentos sociais. De acordo com Frei Betto(2000) existem cinco esferas de articulação do movimento social brasileiro e quem não está em uma dessas cinco esferas não está na luta. São elas: 1) Pastorais e Comunidades Eclesiais de Base 2) Movimento Popular 3) Movimento Sindical 4) Partidos Políticos 5) Administração Popular Além das cinco esferas mencionadas podemos incluir os movimentos de Cultura popular, experiências educacionais de diversas denominações religiosas, entre outras. A origem dos Movimentos Sociais surge a partir dos problemas concretos vividos pelo povo, mas seu início se dá pela intervenção de um “agente de mediação social” (que também 9319 podemos chamar de intelectual orgânico ou educador popular) ou seja, por militância e não de forma espontânea. Os movimentos sociais têm a preocupação de articular as micro e macro transformações compreendendo que toda ação tem uma reação e que tudo e todos estão inter-relacionados. Retornando a questão da educação formal vemos que a escola pode ser um espaço de Educação Popular, todavia estamos muito distantes dessa realidade pois a escola não promove vivência e não insere os alunos nos problemas concretos da realidade. Está submetida aos valores dominantes na sociedade, valores permeados pela mídia e pela competitividade. Tem sido um ambiente parado, fixo e estático. Uma característica que merece destaque na educação popular é a necessidade da assunção do diálogo e da práxis como elementos estruturantes da prática educativa. Nos processos educativos em que é predominante a “cultura do silêncio” e a “educação bancária”, o diálogo é entendido algo descomprometido, demorado ou como não sendo capaz de responder às necessidades educativas dos educandos. Para Freire (1977) o diálogo é fundamental à prática educativa progressista, pois, [...]ser dialógico,para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se descomprometidamente dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenharse na transformação constante da realidade. Esta é a razão pela qual, sendo o diálogo o conteúdo da forma de ser própria da existência humana, está excluído de toda relação na qual alguns homens, transformados em “seres para o outro” por homens que são falsos “seres para si”. É que o diálogo não pode travar-se em uma relação antagônica (p.43). Em Freire (1977), as práticas pedagógicas baseadas na “cultura do silêncio” podem ser agrupadas no que pode ser definido como o paradigma da educação bancária. Ao analisar o medo da educação bancária em assumir a dialogicidade como prática educativa Paulo Freire (1977) afirma que rejeitar o diálogo é manter o pessimismo em relação aos homens e a vida Segundo Frei Betto(2000) a educação popular é incompatível com a cronologia curricular porque depende do tempo dos educandos e não do tempo do currículo. Devemos lutar e levantar nossas bandeiras para uma educação além do ensino que vise a formação de pessoas novas e comprometidas com a transformação social, que não se acomodem e não se satisfação com a realidade como ela se apresenta mas que tenham voz e vez, pois todos somos iguais e temos iguais direitos. 9320 CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando a escola tomar consciência de que seu papel é o de transformadora social, formação de sujeitos críticos-reflexivos que atuem de forma prática para esta mudança, neste dia teremos a escola como integrante da educação popular. Desejamos não apenas estar vivos para ver esta mudança, mas de colaborar, diretamente, para que ela ocorra. Não podemos negar, é claro, a existência de inúmeros educadores populares nos escolas de todo o Brasil que sem dúvida fazem sua parte e inserem a escola no contexto social, político e econômico vigente do país. Encerramos este texto afirmando que a EJA traz fortes traços de sua origem como educação popular que foi tecida nos movimentos sociais e conseguiu inserir-se como direito público subjetivo. Ainda temos muita caminhada pela frente na efetivação desses direitos já garantidos e esperamos – não de braços cruzados, mas na luta e ação social – que muito mais seja implementado na EJA não somente para os alunos mas com eles e por eles tornando-os sujeitos de fato de sua ação. REFERÊNCIAS BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Edições 70. 2004. BETTO, Frei. Desafios da Educação Popular: As esferas Sociais e os Novos Paradigmas da Educação Popular. São Paulo (SP): Instituto Sede Sapientiae/CEPIS; 2000. Disponível em http://www.mur.com.br/download/betto.doc. Acesso em 01/03/2017 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação Popular na Escola Cidadã. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº. 5.692/71, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. In Política e Educação no Brasil. 5. ed. Campinas: Autores Associados, 2002. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº. 9.394/96, de 20’ de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. 9321 ___________. Política e educação: ensaios. São Paulo: Cortez, 1995 ___________. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 35ª edição, 2002. ___________. Sobre Educação. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1977 GHIRALDELLI JUNIOR, Paulo. História da educação brasileira. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2008. GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4ª. ed. - São Paulo: Atlas, 2002 KONDER, Leandro. O que é dialética. São Paulo: Brasiliense, 2008. LYRA, Carlos. As Quarenta horas de Angicos: uma experiência pioneira de Educação. São Paulo: Cortez, 1996 SOARES, Leôncio José Gomes. Educação de Jovens e Adultos – Diretrizes Curriculares Nacionais. Editora DP&A, RJ, 2002. PAIVA, Vanilda Pereira. Educação popular e educação de adultos. 4 ed. São Paulo: Loyola, 2002.
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