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Lígia Mara Boin Menossi de Araujo Análise do Discurso Sumário 03 CAPÍTULO 1 – Texto ou discurso? ....................................................................................05 Introdução ...................................................................................................................05 1.1 História da Análise do Discurso .................................................................................06 1.1.1 O tempo das grandes construções (1969 a 1975) ..............................................07 1.1.2 Os tateamentos (1976 a 1979) .........................................................................08 1.1.3 A desconstrução domesticada (1980 a 1983) .....................................................08 1.2 Principais vertentes da AD e seus estudiosos ................................................................09 1.2.1 Análise do Discurso de linha francesa ................................................................09 1.2.2 Análise do Discurso dialógica ...........................................................................11 1.3 Principais conceitos e ideias ......................................................................................11 1.4 Análise do Discurso no Brasil .....................................................................................17 Síntese ..........................................................................................................................20 Referências Bibliográficas ................................................................................................21 Capítulo 1 05 Introdução Podemos pensar texto e discurso como sinônimos? Para os estudiosos da Linguística Textual, eles são equivalentes; para outros linguistas, eles se diferem. A partir das ideias de Fiorin (2012), dirí- amos que o discurso pode aparecer em diversos tipos de textos, pois os textos são a manifestação concreta do discurso, e ambos são produtos da enunciação. A partir de uma perspectiva dialógica do discurso (retomaremos a questão da dialogia no item 1.1), o discurso ganha sentido quando se relaciona com outros discursos ao citar, parodiar ou discordar; enfim, há uma relação interdiscur- siva e dialógica que os tornam objetos da história. Assim, com essa concepção interdiscursiva, ou seja, de diálogo entre os discursos, é que a história passa a fazer parte do sentido do texto. Enten- demos aqui a história não somente como a descrição de uma determinada época, mas como o di- álogo dos diferentes discursos que podem estar em confronto, acordo, ou desacordo, por exemplo. Então, como diferenciamos intertextualidade e interdiscursividade? A intertextualidade acontece quando a relação entre os discursos é materializada nos textos, portanto, sempre que houver in- tertextualidade, haverá uma interdiscursividade; porém nem todo o diálogo entre os discursos se- rão intertextuais. Por isso, o mesmo discurso pode ser manifestado em diferentes textos. Observe a figura a seguir, ela ilustra os discursos como folhas soltas que se materializam em textos, o livro. Figura 1 – Ilustra o discurso como as páginas que se abrigam no livro. Fonte: jannoon028, Shutterstock. Texto ou discurso? 06 Laureate- International Universities Análise do Discurso Nesse caminho, várias definições de texto e discurso podem ser encontradas em diferentes linhas teóricas de estudos da linguagem, mas, aqui, nos deteremos na perspectiva da Análise do Dis- curso (AD). Então, como a AD distingue texto e discurso? O discurso é a base que engendra os vários textos que se materializam e circulam na sociedade, e a Análise do Discurso permite que se entenda não somente o que o texto diz, mas como ele diz e porque este texto diz o que diz, tudo isso por meio do que se apreende pelo campo do estudo da língua, da história e da ideologia. Nesse caminho, podemos pensar que o discurso não é a fala de alguém ou o discursar sobre um tema como fazem os políticos; o discurso, como objeto da Análise do Discurso, necessita de elementos linguísticos, de uma existência material, implica uma exterioridade, envolve questões sociais e ideológicas que estão nas palavras quando elas são ditas. Vejamos um exemplo do co- tidiano encontrado em jornais e revistas no qual podemos observar sujeitos em oposição acerca de um mesmo tema (FERNANDES, 2008), as posições contrárias revelam lugares socioideológi- cos diferentes dos sujeitos envolvidos. Caso Enunciado 1: Os Sem-terra ocuparam a propriedade. Enunciado 2: Os Sem-terra invadiram a propriedade. Os sujeitos do enunciado 1 são os próprios ou aqueles que apoiam ou defendem a sua causa, ao selecionar ocuparam, eles entendem que irão se utilizar de uma terra obsoleta. Os sujeitos do enunciado 2 são os que se opõem aos Sem-Terra e os enxergam como invasores que praticam uma ação ilegal. Portanto, a escolha lexical mostra a presença de diferentes ideologias, a posi- ção de diferentes discursos em torno de um mesmo tema. Ademais, o sentido produzido por cada escolha lexical também é diferente, o que decorre das ideologias dos sujeitos e do modo como se posicionam perante a realidade política e social em que se encontram. Diante da breve explanação exposta, temos a certeza de que entrar em contato com as principais ideias e vertentes da Análise do Discurso irá contribuir para nossa reflexão acerca das possíveis leituras que podemos fazer dos textos verbais e não verbais enquanto discursos que circulam na sociedade. Esse fato contribui para atingirmos nosso principal objetivo nesse estudo, que é enten- der língua, texto e discurso sob a perspectiva discursiva e, ao mesmo tempo, conhecer as bases teóricas da Análise do Discurso, o que pode nos levar a identificar o discurso como materialidade linguística e ideológica. Dessa maneira, no primeiro item, você encontrará um panorama da história da Análise do Dis- curso. No segundo item, verá uma breve apresentação de alguns dos principais estudiosos em AD e de qual perspectiva teórica eles irão construir suas ideias; em seguida, no terceiro item você conhecerá de modo resumido em um subitem, as principais categorias da Análise do Discurso. E, para findar esse capítulo, entraremos em contato com os estudiosos brasileiros do discurso que já desenvolveram teorias e pesquisas muitos profícuas para essa disciplina. 1.1 História da Análise do Discurso A Análise do Discurso surgiu na França, tem como pioneiro de trabalho o filósofo Michel Pêcheux e sua obra inaugural é a Analyse Automatique du Discours, publicada em 1969. Tal contribuição do autor pode ser vista como de caráter transdisciplinar por ser fruto do encontro de teorias de diferentes cam- pos do saber: a linguística, o marxismo e a psicanálise. A obra Análise Automática do Discurso pensava em questões como: texto, leitura e sentido, fora de qualquer viés cognitivista (MALDIDIER, 2003). 07 O professor José Luis Fiorin (2008) explica os termos “interdisciplinar” e “transdiscipli- nar” para o diálogo entre as diversas disciplinas de estudos da linguagem. Além disso, vê esse diálogo como extremamente enriquecedor. Para ele, um diálogo transdisciplinar se dá quando as fronteiras das disciplinas se encontram e, em contato, permitem que uma adentre o campo da outra como um ganho para ambas. VOCÊ SABIA? A Análise do Discurso pode ser vista como o encontro fortuito de diferentes áreas do conhecimento que deixaram brechas em suas teorias e possibilitaram o surgimento de uma nova disciplina que, além de utilizar esse espaço já existente, construiu seu lugar retirando de outras disciplinas posicio- namentos teóricos produtivos para tratar do discurso. O desenvolvimento da AD, segundo Maldi- dier (2003), pode ser dividido em três grandes épocas, que serão explanadas nos subitens a seguir. 1.1.1 O tempo das grandes construções (1969 a 1975) Michel Pêcheux é considerado o grande fundador da Análise do Discurso, pois foi ele quem de- senvolveu o programa de Análise Automáticado Discurso, a chamada AAD-69, e seu objetivo foi desenvolver um dispositivo teórico e analítico que pudesse analisar o enunciado. Para isso, Pêcheux reuniu três teorias: o marxismo, a psicanálise de Freud por meio da leitura de Lacan e a linguística de Saussure. Esse período é denominado o tempo das grandes construções, pois são os anos nos quais a Análise do discurso se desenvolve, assim como a construção de seus principais conceitos. Figura 2 – College de France, onde trabalhava Michel Pêcheux. Fonte: Pius Lee, Shutterstock. 08 Laureate- International Universities Análise do Discurso O conceito de discurso baseava-se nos pontos de origem da ciência linguística empreendidos por Ferdinand Saussure (2006). Um deles era de que a língua é um sistema, e a AAD-69 irá se debruçar sobre essa questão para levantar alguns questionamentos sobre a língua não conside- rar efetivamente a historicidade. Também irá questionar o materialismo simbólico como evidente. Outra teoria que seria trazida para ser questionada e, ao mesmo tempo, mostrar suas brechas para que a AD fosse empreendida é a psicanálise, que tem o inconsciente como um de seus ele- mentos, mas não inclui a ideologia. 1.1.2 Os tateamentos (1976 a 1979) O período seguinte foi de grandes reviravoltas teóricas, e os grupos de estudos formados en- tenderam que a disciplina que se formava era realmente um campo no qual se constituía um confronto teórico-político. Diante dos debates entre os marxistas sobre as questões de linguagem e política, ficava mais evidente a relação intrínseca entre o período político na França e o de- senvolvimento teórico da AD. O período é chamado tateamentos porque os conceitos passam a circular em outros grupos de estudos, e Pêcheux, em virtude de alguns encontros com outros pesquisadores, passa a pensar e tatear a mudança de alguns desses conceitos. VOCÊ QUER VER? Uma das bases teóricas da Análise do Discurso é o marxismo, em especial, Louis Al- thusser. Para entender melhor o que foi o marxismo e algumas de suas ideias, assista ao famoso filme Tempos Modernos (1936), de Charles Chaplin, que traz inúmeras re- flexões ao tratar de questões marxistas como as condições do proletariado, a burguesia dominante, a tecnologia em evolução e sua relação com a sociedade. A obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (BAKHTIN, 2004) foi traduzida para o francês nessa segunda fase da AD na França. Saussure e a questão da língua eram alvo de muitos de seus questionamentos, pois a linguagem não poderia ser estudada fora dos quadros sociais, visto que o seu processo constituidor e seus sentidos são histórico-sociais. Por esta razão, os conceitos de condições de produção do discurso, de formação discursiva e de formação ideológica são postulados pelos estudiosos da Análise do Discurso como sendo fundamentais para o estudo da linguagem, em especial, por Michel Pêcheux (2009). 1.1.3 A desconstrução domesticada (1980 a 1983) Na terceira fase, denominada “desconstrução”, algumas questões teóricas são repensadas e outras são trazidas para sistematizar ainda mais essa disciplina. Pêcheux (2006) propõe que haja uma mudança nos próprios objetos de análise, ou seja, na primeira e segunda fases, o objetivo privilegiado de estudos era o discurso político; nesta terceira fase, é proposto que se pense em outros objetos de análise. Nesse sentido, Jean-Jacques Courtine e Jean-Marie Marandin (1981) lançaram uma crítica à questão de se considerar o corpus como homogêneo, trazendo para a AD proposições novas; assim, Courtine (1999) traz à tona questões como as de formação discursiva, memória e arquivo, frutos de suas próprias experiências e do embasamento foucaultiano de A Ar- queologia do Saber (FOUCAULT, 2000). Há, portanto, mudanças na forma de olhar para o cor- pus de análise que estava restrito ao discurso político e passa a analisar outras discursividades. No início do ano de 1983, a AD foi consagrada disciplina, então, passa efetivamente a repensar algumas questões e junta-se à questão das leituras de arquivo (MALDIDIER, 2003), ou seja, a diferença dos níveis sociais de leitura que observam somente o código e o sistema em confronto com as vozes que surgem acerca da leitura e da interpretação que observam o sentido. Para 09 tratar mais acuradamente do assunto, o filósofo Michel Pêcheux escreve A (des)construção das Teorias Lingüísticas (1999) e logo após Discurso: estrutura ou acontecimento? (2006) em que analisa o enunciado On a gagné! (termo francês que significa “ganhamos!”) e percebe que o sentido está constitutivamente fadado ao equívoco. Louis Althusser nasceu na Argélia em 1918 e morreu em 1990, em Paris, capital da Fran- ça. Foi um dos grandes mestres de Michel Pêcheux, Michel Foucault e demais filósofos da época. Era filósofo e teórico marxista, militante desde os anos 1940 do Partido Comunis- ta Francês. Foi o grande influenciador da primeira fase da AD com as releituras que fez da obra de Marx, isto porque incentivou as discussões sobre as relações entre discurso e ideologia ao trazer as ideias sobre os aparelhos ideológicos e o assujeitamento. VOCÊ O CONHECE? Essas ideias elencadas nos textos de Pêcheux e outras que também estavam inscritas ao longo de toda a sua irrupção, serão abordadas no item a seguir. O objetivo é expor um panorama dos es- tudos discursivos, seus estudiosos e suas teorias de modo sucinto. Cabe salientar que a intenção deste estudo é apresentar as principais perspectivas, que não são mais importantes que outras, mas representam um caminho necessário para entender suas questões basilares. 1.2 Principais vertentes da AD e seus estudiosos Há diferentes correntes teórico-metodológicas desenvolvidas no campo dos estudos do discurso. Neste item abordaremos, de maneira objetiva, duas de suas principais: a Análise do Discurso de linha francesa e a Análise do Discurso dialógica ou bakhtiniana. Em seguida, você conhecerá os principais estudiosos em AD que, para efeito didático, serão descritos em uma das tendências de estudos. 1.2.1 Análise do Discurso de linha francesa Segundo Baronas (2013), na escola francesa de Análise do Discurso, é possível constatar pelo menos três grandes tendências de estudos do discurso: a materialista, a historicista e a enuncia- tiva. Todas olham para o discurso de maneiras distintas, veja a seguir: 1. A tendência materialista: Michel Pêcheux e seu grupo têm como foco o interdiscurso, a memória discursiva, os efeitos de sentido, o intradiscurso e outros pontos a partir de um dispositivo teórico-metodológico de que o discurso é o lugar de materialização da ideologia. Michel Pêcheux é um filósofo considerado o fundador da Análise do Discurso de linha francesa quando propõe o que ele chamou de “tríplice entente” (PÊCHEAUX, (2010a) um campo interdisciplinar de estudos que alia uma teoria linguística (Saussure), uma teoria da sociedade (Marx) e uma teoria do inconsciente (Freud). Seu grande mestre foi Althusser, e as propostas teóricas de Pêcheux estão vinculadas à atuação de ambos no partido comunista francês. Assim, suas obras refletem as mudanças teóricas e políticas dos anos 1970 e 1980, sem deixar de lado as proposições de Foucault e de Bakhtin. Suas principais obras são: Análise Automática do Discurso (1969), Semântica e Discurso: uma crítica a afirmação do óbvio (2009) e O discurso: estrutura ou acontecimento (2006), dentre outras. 10 Laureate- International Universities Análise do Discurso 2. A tendência historicista: alicerçada nas contribuições tanto de Michel Pêcheuxquanto de Michel Foucault em Arqueologia do Saber (FOUCAULT, 2000) e em A Ordem do Discurso (FOUCAULT, 2003a), essa tendência pode ser encontrada nos trabalhos de Jean-Jacques Courtine (1999). A abordagem historicista parte do pressuposto de que em diferentes materialidades textuais que circulam em diversos suportes, é possível encontrar uma regularidade de sentido, fruto de condições de possibilidade semelhantes. Assim, interessa pensar questõescomo o interdiscurso como o eixo da constituição dos discursos, pela história, pelo já-dito e pelo intradiscurso como o eixo de formulação, de atualização dos discursos que situa o sujeito no espaço e no tempo. Michel Foucault era filósofo, seu objetivo estava centrado nas reflexões sobre a história da ciência, e para construir suas teorias propôs a revisão de conceitos e métodos da disciplina histórica. Uma de suas características mais marcantes é a militância pelas causas das “minorias”. As obras nas quais ele aborda, principalmente, a questão do discurso são: As palavras e as coisas (1987), A Arqueologia do Saber (2000), Microfísica do Poder (1998) e A Ordem do Discurso (2003a) – essas e muitas outras trazem vários conceitos para a AD francesa. Um pouco mais polêmico especialmente nas obras Vigiar e Punir (2003b), História da Sexualidade I e II (1999; 1994), O nascimento da clínica (2001), História da Loucura na Idade Clássica (2002), Foucault analisa a história da loucura, a história da sexualidade, a história das prisões e a história da clínica ao propor a existência de micropoderes que permeiam todas as relações na sociedade, ideias profícuas para a discussão sobre saber e poder que, segundo ele, são indissociáveis e atravessam todas as formações discursivas. Jean-Jacques Courtine é linguista de formação e foi um dos integrantes do grupo de Michel Pêcheux. É autor de O discurso inatingível: marxismo e linguística (1999), Análise do Discurso político: o discurso comunista endereçado aos cristãos (2009), Metamorfoses do discurso político (2006), História do corpo (2008), História do rosto (2016), Decifrar o corpo: pensar com Foucault (2013), dentre outras obras extremamente ricas para a AD francesa. Suas publicações têm como temática o estudo do corpo do ponto de vista histórico e antropológico quando enfoca, por exemplo, a exibição dos seres humanos disformes em lugares públicos. Teoricamente suas contribuições foram em torno das ideias de suas construções teóricas sobre memória discursiva, a intericonicidade, domínio associado e outros. 3. A tendência enunciativa: também respaldada nas contribuições de Pêcheux e Foucault, agrega também as ideias de Mikhail Bakhtin. Os trabalhos de Dominique Maingueneau se inscrevem nessa abordagem e têm como foco compreender como certos enunciados que circulam em fragmentos, adaptados, os chamados enunciados destacados. Dominique Maingueneau é linguista e analista do discurso francês com formação também em filologia, pragmática, linguística de texto e seguidor de Foucault; todavia, diferente do foco que tinha Foucault em seus estudos, a materialização textual é muito importante para Maingueneau. Nesse caminho, desenvolveu categorias e expandiu outras já tratadas por grandes pensadores e que são muito profícuas para a Análise do Discurso e a literatura, tais como: os discursos constituintes, a sobre asseveração, o hiperenunciador, a destacabilidade, aforização, cena enunciativa, ethos, o que suscitou discussões sobre a abordagem de questões ligadas ao interdiscurso e a problemática do sujeito. De acordo com o Priberam Dicionário da Língua Portuguesa, o termo ethos (em latim) ou etos (em português) significa “o conjunto de características ou valores de determi- nado grupo ou movimento” (PRIBERAM, 2017). VOCÊ SABIA? 11 As principais obras de Maingueneau são: Análise de Textos de Comunicação (2001), Cenas da Enunciação (2006a), Discurso Literário (2006b), Doze conceitos em Análise do Discurso (2010), Elementos de Lingüística para o Texto Literário (1996), Gênese dos Discursos (2005), Novas ten- dências em Análise do Discurso (1997), entre outras. 1.2.2 Análise do Discurso dialógica O conceito de dialogismo é uma das bases da Análise do Discurso bakhtiniana ou dialógica, teoria empreendida pelo Círculo de Bakhtin composto principalmente pelos intelectuais russos Volochínov, Medvedev e Mikhail Bakhtin. Segundo Fiorin (2012), a língua em sua totalidade concreta, em seu uso real é essencialmente dialógica porque seus enunciados para existirem são perpassados pela palavra do outro e vice-versa, por isso todo discurso é atravessado, ocupado pelo discurso do outro. Mikahil Bakhtin foi um linguista e teórico da literatura, viveu na Rússia stalinista (observe que longe da França) e, por isso, foi traduzido no Ocidente somente nos anos 1960 sendo que uma de suas principais obras Marxismo e Filosofia da Linguagem (2004) teria sido elaborada em 1929. Sua entrada na França foi pela literatura com Problemas da Poética de Dostoiévsky (2008), Questões de literatura e estética: teoria do Romance (2002) e Estética da Criação Verbal (2003) para depois influenciar os estudiosos da AD francesa e da linguística com os conceitos de dialo- gismo e gêneros do discurso. Na obra Marxismo e Filosofia da Linguagem (2004), Bakhtin constrói uma crítica às ideias de Saussure (objetivismo abstrato) e à estilística (subjetivismo idealista), o estudioso pensará a lingua- gem não como centro do sistema, mas determinada no exterior, na história, na ideologia e na so- ciedade. A enunciação é compreendida como uma réplica do diálogo social, é a unidade de base da língua que é de natureza social e, portanto, ideológica. Desse modo, se a língua é determinada pela ideologia, a consciência, portanto o pensamento, a atividade mental, que são condicionados pela linguagem, são moldados pela ideologia. A palavra é um signo ideológico por excelência. No item a seguir, aprofundaremos os estudos sobre alguns dos conceitos expostos até aqui. 1.3 Principais conceitos e ideias Diante do quadro de desenvolvimento da Análise do Discurso, com suas diferentes vertentes e tendências aqui abordadas e acompanhadas de uma breve biografia de seus principais historia- dores, veremos agora um panorama de algumas de suas principais ideias já citadas no item 1.2 com o objetivo de provocar uma reflexão a respeito desse vasto campo de trabalho em linguística. Devemos relembrar que a linguagem, portanto, possui uma relação com a exterioridade para a AD e deve ser entendida não como algo fora dela, mas como condições de produção do discurso que intervêm na materialidade textual, como interdiscurso, ou seja, como uma memória do dizer que abrange o universo do que é dito. O discurso, então, é entendido como produção de sentido, como lugar de manifestação da ideologia entre os sujeitos que se expressam nas mais diversas atividades sociais e materializam na linguagem verbal ou não verbal (imagens) levando em conta as condições sócio-históricas. Para entender ainda melhor as ideias da Análise do Discurso, inspi- rados em Fernandes (2008), de modo objetivo abordaremos alguns de seus principais conceitos em forma de itens. Porém, é imprescindível grifar que toda a categorização trazida não funciona na AD separadamente; após a leitura é possível notar o quanto há um entrelaçamento entre as categorias expostas, uma depende da outra para emergir e acontecer. 12 Laureate- International Universities Análise do Discurso Figura 3 – O que se vê na figura é um arquivo organizado e de fácil acesso, o contrário do que representa o arquivo de Foucault, segundo o qual os enunciados não são postos de modo ordenado. Fonte: Harry Huber, Shutterstock. • Arquivo: Foucault (2000) explica que o arquivo é um sistema de formação dos enunciados regulados por uma determinada época, por uma sociedade; o arquivo é que define os limites, as formas de dizer, de retomar esse dizer por meio do discurso. Pêcheux (2009) explica que o analista do discurso pode se utilizar de um corpus de base arquivista quando traz para sua análise alguns enunciados já conservados, diferentemente do corpus de base experimental em que o analista monta uma cena para recolher dados que serão gerados. Portanto, o arquivo pode ser visto como uma prática que faz surgir uma multiplicidade de enunciados como se fossem acontecimentos regulares, como coisas oferecidas ao tratamento da manipulação. Ouseja, não é o conjunto de textos deixados por uma sociedade nem o quadro institucional que permitiu deixar certas marcas, mas cada dispositivo de arquivo estabelece a sua organização. O sentido é chamado a partir de uma diversidade de grandes textos, de dispositivos de arquivos específicos de um tema, de um acontecimento, de um itinerário. • Acontecimento: Para Pêcheux (2006), o acontecimento se constitui em um ponto de encontro entre uma atualidade e uma memória, pois há discursos que remetem a um mesmo fato, mas não constroem as mesmas significações. Para isso, na obra O discurso: estrutura ou acontecimento (PÊCHEUX, 2006), há uma interessante reflexão sobre como os enunciados são produzidos na nossa cultura; para isso, o autor demonstra por meio do batimento descrição/interpretação o estudo do enunciado On a gagné! (ganhamos!) que migra do campo do esporte para o campo político com as mesmas características e, portanto, é tido como um acontecimento discursivo. Para Foucault (2000), o acontecimento é definido por sua ligação com o enunciado, a singularidade de cada enunciado com um acontecimento discursivo que emerge, faz dele único com sua irrupção histórica. O acontecimento seria além daqueles os quais todos se dão conta como a publicação de uma obra, um programa de governo etc., ele seria considerado acontecimento quando acontece na repetição, na retomada e, assim, como explica Foucault (2000), a AD teria que tratar de acontecimentos em diferentes discursos. 13 • Cena enunciativa: Maingueneau (2006a) propõe que a enunciação se dá em um espaço de enunciação, uma cena que pode ser dividida em: cena englobante, cena genérica e cenografia, que é instituída pelo próprio discurso e passa as duas outras cenas para um segundo plano. A cena englobante corresponde ao que comumente se compreende por “tipo de discurso” no qual há uma relação entre um “escritor” se dirigindo a um “leitor” sobre temas de interesse coletivo. Essa caracterização define o estatuto dos parceiros num certo espaço da linguagem em uso e historicamente definido. A cena englobante não é suficiente para especificar as atividades verbais, visto que os sujeitos falantes não são confrontados com a ciência, a literatura, com a política ou com a filosofia, mas com gêneros de discurso, com as cenas genéricas que determinam particularmente: suas finalidades, os papéis de seus participantes, um lugar apropriado, certo modo de inscrição na temporalidade, seu suporte e certo uso da língua. A cenografia é o que produz o discurso, e o que é produzido por ele, torna válido um enunciado que, por sua vez, deve deixar claro que essa cenografia é precisamente necessária para enunciar neste ou naquele gênero de discurso. • Condições de produção: são aspectos históricos, sociais, ideológicos nos quais o discurso está envolto e que, por isso, podem determinar a sua produção. Podemos entender, segundo Charadeau e Maingueneau (2006), que se trata daquilo que condiciona o discurso não somente às circunstâncias nas quais ele é produzido, mas também os sujeitos envolvidos, a situação discursiva, as circunstâncias da enunciação, o contexto imediato, o contexto sócio-histórico ideológico, a memória discursiva, o interdiscurso. Assim, o discurso sempre emerge a partir de determinadas condições de produção. • Enunciado: Para Foucault, o enunciado é a unidade elementar do discurso. Em seu modo singular, não é somente linguístico e não é inteiramente material, mas é indispensável para que se possa dizer se há ou não frase, proposição ou ato de linguagem. O enunciado não é, em si mesmo, uma unidade, mas sim uma função que cruza o domínio de estruturas e de unidades possíveis que faz com que apareçam como conteúdos concretos no espaço e no tempo. Enunciado e língua não estariam na mesma dimensão, isto porque a língua é um sistema de construção para enunciados possíveis. O que irá tornar uma frase ou um ato de fala em um enunciado será a sua função enunciativa, ou seja, sua inscrição na história a partir de determinadas condições de enunciabilidade que possibilita que esteja ligado a uma memória, seja único, mas, ao mesmo tempo, esteja aberto à repetição. • Ethos: Maingueneau (2015) esclarece que ethos discursivo deve ser entendido a partir de uma semântica global e de uma formação discursiva, ou seja, a escolha lexical é um dos elementos que dá concretude ao ethos. Além disso, o ethos discursivo não se assemelha ao ethos retórico no qual o sujeito seleciona o modo mais adequado para ele enunciar, está associado a uma vocalidade específica e a um corpo, ligados a uma origem enunciativa – um fiador – que atesta o que é dito. Assim, o ethos implica em um controle do corpo apreendido por um comportamento global. Mas a adesão do enunciatário a certo mundo éthico implicado na construção de uma imagem valorizada ou desvalorizada não dá conta, para o autor, do discurso filosófico, no qual há a tendência de se minimizar a incorporação do enunciador. 14 Laureate- International Universities Análise do Discurso Figura 4 – A imagem ilustra o fato de que cada um reflete o mundo a partir da sua formação discursiva. Fonte: Lightspring, Shutterstock. • Formação discursiva: diz respeito ao que se pode dizer somente em determinada época e espaço social, ao que tem lugar e realização a partir de condições de produção específicas e historicamente definidas, assim os enunciados proferidos pelos sujeitos têm um lugar para aparecer, produtos de relações que também têm um lugar e uma época específicos para existir. Para Foucault (2003a), a formação discursiva se dá quando pode ser entendida como um conjunto de enunciados que em uma dispersão podem apresentar regularidades em diferentes campos do saber. Para Pêcheux (2009), a formação discursiva não é um espaço estrutural fechado porque é constitutivamente invadida por elementos advindos de outros lugares, de outras formações discursivas que nela se repetem, fornecendo suas evidências discursivas fundamentais. A paternidade do conceito de formação discursiva assim como suas diferentes defini- ções já foi alvo de discussão por diferentes pesquisadores, para saber mais sobre o tema e seu percurso dentre outros pontos importantes, convidamos você para a leitura da obra Análise do Discurso: apontamentos para uma história da noção conceito de formação discursiva (2007) organizado pelo Prof. Dr. Roberto Leiser Baronas, nela você terá contato com diversas análises e discussões sobre o tema. VOCÊ QUER LER? 15 • Gênero do discurso: em Estética da Criação Verbal (2003), Bakhtin apresenta as ideias para posteriormente realizarmos uma análise discursiva que será guiada por três elementos relativos ao gênero que estão essencialmente relacionados: a estrutura composicional, o conteúdo temático e o estilo verbal. Um gênero não deve ser tomado como uma categoria dada a priori, já que sua configuração é determinada por condições heterogêneas de produção de discursos. Um gênero implica modo de utilização da língua, isto é, modos diferentes de funcionamento pelos que compõem diversos grupos da atividade humana; assim, os diversos modos de utilização da língua podem resultar em variados tipos de enunciados, denominados pelo autor como gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003). Portanto, antes de partirmos para suas reflexões em torno da questão do gênero, torna-se imprescindível que possamos expor como Bakhtin trata da questão do enunciado como realização de língua para entendermos sua singular teoria sobre os gêneros discursivos. Figura 5 – A ideologia e a linguagem estão atreladas, como podemos pensar a partir dos pequenos blocos que compõem a palavra como forma de ilustração. Fonte: SinCreative, Shutterstock. • Ideologia: deve ser verificada quando nos deparamos com qualquer palavra enunciada, pois indica uma concepção de mundo do sujeito que está inscrito em determinado grupo social e em certa circunstância histórica. É importante ressaltar que linguageme ideologia estão atreladas, já que a ideologia é constitutiva do signo linguístico e se materializa por meio dele na linguagem. Nesse caminho, podemos entender as formações ideológicas como as posições que os sujeitos estão inscritos quando enunciam, e essas posições se manifestam por intermédio da produção de sentido. Pêcheux (2009) é um dos estudiosos do discurso que considera a ideologia como um fator que constitui o sujeito, por exemplo. Portanto, haveria uma ideologia apenas, aquela que seria criada pela classe dominante que passa a instituir e “controlar” as outras classes de uma determinada sociedade. Bakhtin (2004) se posiciona e inclui a ideologia como conceito fundamental para seus trabalhos ao afirmar que há uma ideologia oficial que pode ser entendida como relativamente dominante, que procura se impor como uma concepção única de produção de mundo. Já a ideologia do cotidiano pode ser vista como aquela que surge e se constitui nos encontros casuais e inesperados. Enfim, é possível pensar a ideologia bakhtiniana como a expressão, organização e regulação das relações entre os homens. 16 Laureate- International Universities Análise do Discurso • Interdiscurso: são os diferentes discursos que se apresentam dentro de uma formação discursiva (FD); esses discursos podem ser oriundos de diferentes momentos da história e de diversos lugares sociais. Compreender o interdiscurso é pensar que os discursos partem de um já-dito e refletem em um outro dito posterior, uma vez que estão em cadeia. Por isso, em todo discurso se fazem presentes discursos anteriores a ele, que se significam e se ressignificam. Em Charadeau e Maingueneau (2006), interdiscurso é apresentado de modo restrito como um conjunto de discursos do mesmo campo que mantêm relações de delimitação recíproca uns com os outros – e com uma visão mais ampla como conjunto das unidades discursivas com as quais um discurso entra em relação explícita ou implícita. Ainda no mesmo verbete, os autores comentam o que o primado do interdiscurso, uma tese da escola francesa, impede que duas FDs não podem ser colocadas em contraste quando dominadas pelo interdiscurso já que uma FD promoveria o assujeitamento do sujeito. Em seus estudos, Dominique Maingueneau (2006a) apresenta uma noção operacional e produtiva ao propor uma tríade: universo discursivo, campo discursivo, espaço discursivo para pensar no interdiscurso. Figura 6 – A figura ilustra a memória discursiva que se compila a partir de muitos outros discursos anteriores representados pelos pequenos blocos de letras. Fonte: TypoArtBS, Shutterstock. • Memória discursiva: o discurso carrega uma memória na qual os sujeitos estão inseridos, podemos pensar que são acontecimentos exteriores e anteriores ao texto que são demonstradas na sua construção material. Para Pêcheux (2007), a memória como um acontecimento histórico que passa de um simples ato corriqueiro, aparentemente solto, sem ligações substanciais é um acontecimento de extrema importância, sendo este meio uma continuidade que tem sua própria coerência, suas próprias regras de funcionamento e se constitui dessas inscrições que chamamos memória. Por isso, a concepção de memória é tomada não somente como lembrança, de “memória individual”, mas, como produto dessa diversidade de condições para se inscrever em um acontecimento. 17 Para os analistas do discurso, o sentido deve ser entendido como efeito de sentido entre os interlocutores, assim o significado é construído a partir da inscrição dos sujeitos em diferentes lugares históricos, sociais e ideológicos, por exemplo: a escolha léxica “inva- são” e “ocupação” que representam diferentes lugares sociais com diferentes ideologias. VOCÊ SABIA? • Sujeito: é constituído por meio da inter-relação social, não é o centro do seu dizer, pois em seu discurso manifestam-se outros discursos, outras vozes; ele é polifônico e constituído por uma heterogeneidade discursiva. Para Bakhtin (2004), o sujeito emerge do outro, é dialógico, e seu conhecimento é fundado no discurso que ele produz. Ele existe a partir do diálogo com os outros “eus”, necessita de colaboração de outros para poder definir- se e ser autor de si mesmo. O sujeito, segundo Pêcheux (2006), caracteriza-se por dois esquecimentos: no esquecimento um, o sujeito tem a ilusão de que é criador absoluto do seu discurso, a origem do sentido, apagando tudo que remeta ao exterior de sua formação discursiva. No esquecimento dois, o sujeito tem a ilusão de que tudo o que ele diz tem apenas um significado que será captado pelo seu interlocutor, há o esquecimento de que o discurso se caracteriza pela retomada do já-dito, tendo o sujeito a ilusão de que sabe e controla tudo o que diz (PÊCHEUX; FUCHS, 2010b). O sujeito, então, é assujeitado e se apropria de um discurso preexistente, fazendo uso dele a partir de regras preexistentes. Assim, trafega por várias instituições e é capaz de assumir o discurso de cada uma delas. Para entender os conceitos apresentados e sua inter-relação e entrar em contato com al- guns exemplos de análise, sugerimos a leitura de Doze conceitos em Análise do Discurso (MAINGUENEAU, 2010). O autor dedica vários capítulos para cada categoria de análise. VOCÊ QUER LER? Os conceitos teóricos apresentados até o momento foram expostos de modo direto e simples, mas cabe salientar que eles implicam uma reflexão muito maior e mais aprofundada. Além disso, há outras ideias tão caras a AD como a de Monumento que são foram expostas assim, teóricos mais contemporâneos, como Dominique Maingueneau, que também tem empreendidas questões como as de aforização e panaforização que merecem leitura. No tópico seguinte, serão trazidas algumas pesquisas desenvolvidas no Brasil por excelentes pesquisadores em universidades importantes. 1.4 Análise do Discurso no Brasil Em seu texto Ciências brasileiras de Lingua(gem): teorias de discurso, Baronas (2015) afirma que no Brasil já existem teorias sendo desenvolvidas que são muito profícuas para os estudos da linguagem: • Semiótica da Canção (2007) proposta por Luiz Tatit; • Semântica do Acontecimento (2005) proposta por Eduardo Guimarães; • Teoria dos Estereótipos Básicos e do Estereótipos Opostos (2010) proposta por Sírio Possenti; 18 Laureate- International Universities Análise do Discurso • Teoria do Silêncio proposta por Eni Orlandi (1997); • Análise Dialógica do discurso verbo-visual proposta por Brait a partir de 1995; • A abordagem foucaultiana do discurso proposta por Gregolin e seu grupo de estudos a partir dos anos 1990. A seguir, comentaremos três das teorias citadas por Baronas (2015) – porque não pretendemos nos tornar muito extensos, não por detrimento de umas sobre outras. A Teoria dos Estereótipos Básicos e dos Estereótipos Opostos proposta por Sírio Possenti (2010) também recorre à noção de estereótipos – básicos e opostos – para a compreensão e composição de sentidos criados pelas piadas. Nesse sentido, o autor tenta associá-las à questão da identidade, trazendo aspectos que possam representar a identidade de um povo com base em um material humorístico. As piadas, segundo ele, funcionariam – no que diz respeito à es- tereotipia – baseando-se em um traço que é assumido por uma pessoa ou determinado grupo social (estereótipo básico) para produzirem e circularem o seu oposto mais rebaixado possível (estereótipo oposto). A hipótese levantada pelo estudioso é a de que tal identidade construída esteja sempre representada nas piadas por meio de estereótipos, e quando se busca rebaixar o outro, promovendo características negativas, tem-se evidente que os estereótipos são construídos por aquele que traduz o discurso do outro a partir das categorias do mesmo (o simulacro). Ou seja, a partir de seu imaginário socialmente construído, o sujeito produtor inverte a característica positiva, (des)construindo a imagem – e, com isso, a identidade – do sujeito, por exemplo, para a característica negativa, rebaixando-oe promovendo o riso. Figura 7 – Um sujeito posto em silêncio. Fonte: Nomad Soul, Shutterstock. A Teoria do Silêncio proposta por Eni Orlandi (1997) empreende um modo de problematizar e pensar acerca das formas do silêncio como quem inaugura todo ato de linguagem, assim ele não seria o resto da linguagem, mas o modo como o sujeito pode estar inserido no sentido. Portanto, há sentido no silêncio, ele é fundamental e indissociável ao discurso, estar em silêncio é também produzir sentido, ele também tem um caráter de incompletude, pode ser o lugar do equívoco, do deslocamento de sentido, dos processos de produção, da polissemia, do real do discurso. Isto porque, segundo Orlandi (1997), silêncio não é pressionado como a linguagem, pode construir sentido e significar de outras maneiras, assim ele permite o movimento do sujeito para outras 19 possibilidades. E para analisá-lo, é necessário levar em conta a formação discursiva, pois no limiar entre uma FD e outra é que o silêncio encontra seu funcionamento, ou seja, na relação com o múltiplo, o discurso que remete a outro que lhe dá realidade significativa. A autora clas- sifica dois funcionamentos para o silêncio: o fundador, aquele presente em toda linguagem; e a política do silêncio, subdividida em (a) silêncio constitutivo calcado na ideia de que todo dizer tem sentidos silenciados; e (b) o silenciamento no qual alguns sentidos são censurados ou pelo sujeito de uma formação discursiva, ou para toda uma comunidade em algum local historica- mente determinado. A Análise Dialógica do discurso verbo-visual proposta por Brait (2012) enfoca, em torno do de- senvolvimento das reflexões bakhtinianas, o desenvolvimento de um gesto teórico-metodológico que visa mostrar como Bakhtin contribui para a análise de discursos verbo-visuais, e assim para o estudo da análise de objetos culturais que articulam no plano de expressão, de modo explícito ou implícito, e as dimensões verbal e visual da linguagem. Nesse caminho, Brait (2012) traz a concep- ção semiótico-ideológica de texto que deve ser trazida ao analisar, interpretar e reconhecer a partir de mecanismos dialógicos que constituem os discursos imagéticos, os embates e as tensões que lhe são inerentes, assim como as particularidades da natureza de seu plano de expressão e das esferas em que determinado discurso circula. SínteseSíntese Concluímos o primeiro estudo sobre a Análise do Discurso, no qual abordamos a língua e o texto sob a perspectiva do discurso, bases teóricas da Análise do Discurso para olhar a produção discursiva como material linguístico, mas também ideológico. Neste capítulo, portanto, você teve a oportunidade de: • pensar as diferenças entre texto e discurso a partir de uma perspectiva que considera a ideologia muito importante; • conhecer a história do surgimento da Análise do Discurso e seus principais protagonistas; • reconhecer grandes filósofos e teóricos que se debruçaram sobre a temática discursiva e suas relações polêmicas; • identificar as principais obras de estudo da linguagem do discurso, assim como o enfoque e a tendência em que cada uma delas está inserida; • entender as categorias e conceitos da Análise do Discurso, tais como: arquivo, cena da enunciação, ethos, ideologia, interdiscurso, sujeito e outros; • compreender como a Análise do Discurso vem sendo desenvolvida no Brasil por pesquisadores de diferentes abordagens. 21 Referências BARONAS, Roberto Leiser (Org.). Análise do Discurso: apontamentos para uma história da noção conceito de formação discursiva. São Carlos: Pedro & João Editores, 2007. ______. 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