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MATERIAL DIDÁTICO ANÁLISE DISCURSO 1520-1

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Núcleo de Educação a Distância
UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
yyySEMESTRE 6
ANÁLISE DO DISCURSO
Créditos e Copyright	
FOGAGNOLI, Conrado A. B.
Análise do Discurso. Conrado A. B. Fogagnoli. Santos: Núcleo de Educação a Distância da UNIMES, 2020. (Material didático. Curso de Letras).
Modo de acesso: www.unimes.br
1. Ensino a distância.  2. Letras.   3. Análise do Discurso. I. Título
Este curso foi concebido e produzido pela Unimes Virtual. Eventuais marcas aqui publicadas são pertencentes aos seus respectivos proprietários. A Unimes Virtual terá o direito de utilizar qualquer material publicado neste curso oriunda da participação dos alunos, colaboradores, tutores e convidados, em qualquer forma de expressão, em qualquer meio, seja ou não para fins didáticos.
  
Copyright (c) Unimes Virtual 
É proibida a reprodução total ou parcial deste curso, em qualquer mídia ou formato. 
UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PLANO DE ENSINO
CURSO: Licenciatura em Letras
COMPONENTE CURRICULAR: Análise do Discurso
SEMESTRE: 6°
CARGA HORÁRIA TOTAL: 80 horas
 
EMENTA: 
Estudo dos princípios teóricos e metodológicos da Análise do Discurso de linha francesa. Abordagem da linguagem sob a perspectiva da enunciação e da interação, ligada a uma concepção discursiva. Breve histórico da AD. Sujeito, Discurso e Texto. Enunciado e Enunciação. Discurso e Ideologia. Formação Discursiva. Intertextualidade e Interdiscursividade. Heterogeneidade discursiva. Dialogismo e Polifonia. 
OBJETIVO GERAL: 
Abordar aspectos teóricos e metodológicos da Análise do Discurso, destacando conceitos fundamentais da disciplina, como discurso, texto, enunciado,ideologia, formação discursiva, dialogismo, polifonia. 
OBJETIVOS ESPECÍFICOS: 
Unidade I – Situar o aluno acerca da disciplina, de suas origens a seus desdobramentos ulteriores. Apresentar a escola francesa de análise do discurso, definir o campo de atuação da AD bem como esboçar os conceitos de discurso, texto e enunciado.
Unidade II – Conceituar a disciplina destacando seu caráter interdisciplinar. A análise do discurso e as demais disciplinas do discurso. A análise do discurso e as ciências da informação e da comunicação. A análise do discurso e a informática.
Unidade III – Apresentar ao aluno as teorias que estão na base da formação da disciplina: a linguística estrutural, o funcionalismo, a subjetividade na linguagem, a análise distribucional, o materialismo histórico e a teoria das ideologias.
Unidade IV – Apresentar teorias ligadas ao estudo do discurso, do enunciado e da enunciação: a análise pragmática, a noção de texto e os critérios de textualidade, o dialogismo, a polifonia. 
Unidade V – Abordagem de conceitos que servem de base à disciplina: a dêixis, o discurso, ação, tipos de discurso, discurso político, discurso polêmico. 
Unidade VI – A representação social, a ideologia, o campo discursivo e o posicionamento. Discurso e argumentação. Argumentação e eestratégias discursivas. Glossário e bibliografia comentada. 
UNIDADE I
Aula 1. Análise do Discurso: os antecedentes.
Aula 2. A escola francesa de análise do discurso
Aula 3. A escola francesa de análise do discurso: desdobramentos e reconfigurações
Aula 4. Definição e campo de atuação da AD
Aula 5. Discurso, texto e enunciado
UNIDADE II
Aula 6. A Análise do Discurso
Aula 7. A Noção de Discurso
Aula 8. A Análise do Discurso e outras disciplinas do discurso.
Aula 9. Análise do discurso e ciências da informação e comunicação
Aula 10. Análise do discurso e informática: a linguística de corpus
UNIDADE III
Aula 11. Teorias: a linguística estrutural
Aula 12. Teorias: o funcionalismo e a subjetividade na linguagem
Aula 13. Teorias: a abordagem distribucional – a análise transfrásica
Aula 14. Teorias: o materialismo histórico e a teoria das ideologias
Aula 15. Teorias: Formação ideológica e covariância
UNIDADE IV
Aula 16. Teorias: a abordagem pragmática I
Aula 17. Teorias: a abordagem pragmática II
Aula 18. Teorias: A noção de texto e os critérios de textualidade
Aula 19. Teorias: o dialogismo e a polifonia
Aula 20. Reconfigurações da Análise do Discurso
UNIDADE V
Aula 21. Conceitos: a dêixis
Aula 22. Conceitos: a dêixis II
Aula 23. Conceitos: discurso e ação
Aula 24. Conceitos: tipos de discurso/gêneros de discurso
Aula 25. Conceitos: o discurso político
Aula 26. Conceitos: discurso e polêmica
UNIDADE VI
Aula 27. Conceitos: representação social/ ideologia/ campo discursivo e posicionamento
Aula 28. Conceitos: campo discursivo e posicionamento
Aula 29. Discurso e argumentação 
Aula 30. Argumentação e estratégias discursivas
Aula 31. Glossário de termos e conceitos
Aula 32. Bibliografia crítica comentada
BIBLIOGRAFIA BÁSICA: 
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1979
BRANDÃO, Helena Nagamine. Introdução à análise do discurso. Campinas: Unicamp, 2012 (N/C)
CARDOSO, Silvia Helena Barbi. Discurso e Ensino. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. (N/C)
CHARAUDEAU. Linguagem e discurso – modos de organização. São Paulo: Contexto, 2008.
DISCINI, N. (2005). A comunicação nos textos. São Paulo, Contexto.
FIORIN, J. L. (1989). Elementos de análise do discurso. São Paulo, Contexto/EDUSP.
_____________. Introdução ao pensamento de Bakhtin. São Paulo: Ática, 2006. (D)
MAINGUENEAU, D.(1989). Novas tendências em análise do discurso. Campinas, Pontes.
ORLANDI, E. (1987). A linguagem e seu funcionamento. As formas do discurso. Campinas, Pontes.
PECHEUX, M. (1989). Discurso: estrutura ou acontecimento. Campinas, Pontes.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:
FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 2005. (N/C)
FLORES, Valdir do Nascimento; TEIXEIRA, Marlene. Introdução à Linguística da Enunciação. São Paulo: Contexto, 2005. (D)
MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. São Paulo, Cortez, 2002. (F)
MUSSALIM, Fernanda, BENTES, Anna Christina (orgs.). Introdução à linguística: domínios e fronteiras. V.1. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2005. (N/C)
DI FANTI, Maria da Glória; BARBISAN, Leci Borges. Enunciação e discurso: tramas de sentidos. São Paulo: Contexto, 2012. (D)
Authier-Revuz, J. (2012). Heterogeneidades Enunciativas. Cadernos De Estudos Lingüísticos, 19, 25-42. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/cel/article/view/8636824/4545
BARROS, D. L.P. (1988). Teoria do discurso: fundamentos semióticos. São Paulo, Atual.
Sumário
Aula 1- Análise do Discurso: os antecedentes	6
Aula 2- A escola francesa de análise do discurso	7
Aula 3- A escola francesa de análise do discurso: desdobramentos e reconfigurações	9
Aula 4- Definição e campo de atuação da AD	10
Aula 5. Discurso, texto e enunciado	12
Aula 6- A Análise do Discurso	13
Aula 7- A Noção de Discurso	14
Aula 8- A Análise do Discurso e outras disciplinas do discurso.	15
Aula 9- Análise do discurso e ciências da informação e comunicação	16
Aula 10- Análise do discurso e informática: a linguística de corpus	17
Aula 11- Teorias: a linguística estrutural	18
Aula 12- Teorias: o funcionalismo e a subjetividade na linguagem	20
Aula 13- Teorias: a abordagem distribucional – a análise transfrásica	22
Aula 14- Teorias: o materialismo histórico e a teoria das ideologias	23
Aula 15- Teorias: a teoria das ideologias: Formação ideológica e covariância	25
Aula 16- Teorias: a abordagem pragmática I	27
Aula 17- Teorias: a abordagem pragmática II	28
Aula 18 - Teorias: A noção de texto e os critérios de textualidade	30
Aula 19- Teorias: o dialogismo e a polifonia	32
Aula 20- Reconfigurações da Análise do Discurso I	34
Aula 21- Conceitos: a dêixis	36
Aula 22- Conceitos: a dêixis II	38
Aula 23- Conceitos: discurso e ação	40
Aula 24- Conceitos: tipos de discurso/gêneros de discurso	41
Aula 25- Conceitos: o discurso político e outros tipos de discurso	42
Aula 26. Conceitos: Discurso e Polêmica	44
Aula 27- Conceitos: representação social/ ideologia/ campo discursivo e posicionamento	45
Aula 28- Conceitos: campo discursivo e posicionamento	47
Aula 29- Discurso e argumentação49
Aula 30- Argumentação e estratégias discursivas	51
Aula 31- Glossário de termos essenciais em análise do discurso	53
Aula 32- Bibliografia comentada	55
Aula 1- Análise do Discurso: os antecedentes
A problemática do discurso sempre ocupou um lugar de destaque nos estudos da linguagem. É verdade que no famoso Curso de Linguística Geral, obra que inaugura a linguística moderna, Ferdinand Saussure funda uma linguística estrutural que exclui o estudo do sentido do discurso para se ocupar da palavra, embora ele não deixe de indicar o caminho para que se inaugure uma “linguística da fala”. 
Uma das primeiras tentativas desse gênero de estudo não virá, no entanto, da linguística propriamente dita, mas de autores filiados ao formalismo russo[footnoteRef:1] dos anos de 1920, ocupados do estudo de textos literários, como é o caso de Vladmir Propp e de sua obra seminal: A Morfologia do conto maravilhoso. [1: Corrente de crítica literária que se desenvolveu na Rússia a partir de 1914, sendo interrompida bruscamente em 1930, por decisão política. O nome do movimento foi objeto de discussão e, muitas vezes, se disse que era inadequado. [...]. Citando Jakobson, o formalismo, foi “uma etiqueta vaga e desconcertante que os detratores lançaram para estigmatizar toda a análise da função poética da linguagem, criando a miragem de um dogma uniforme e consumado.” (Todorov, 1999, p.12).
[...]
Jakobson emigra para os Estados Unidos, onde conhece o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, de cujo relacionamento intelectual se desenvolveria, em grande parte, o estruturalismo. Esta escola de Praga representou uma espécie de transição do formalismo para o estruturalismo. Estes teóricos desenvolveram as ideias dos formalistas, mas sistematizaram-nas dentro do quadro da linguística saussureana. Há quem defenda que os formalistas de Praga foram uma versão científica do New Criticism anglo-americano. (Cf. E-Dicionário de Termos Literários. Fonte: https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/formalismo-russo/)
] 
Décadas mais tarde, integrantes da revista francesa Communications, também ocupados do problema literário, passam a refletir sobre princípios e métodos de análise seguindo a direção indicada pelos formalistas. Um exemplo notório são os trabalhos publicados por Roland Barthes, como a sua Introdução à análise estrutural da narrativa, cujo objetivo era o de estudar as narrativas seguindo também o modelo de descrição linguística. Observemos que os integrantes dessa mesma revista figurarão entre os responsáveis pelo movimento do qual surgirá a Análise do Discurso.
A Análise do Discurso surge nos anos de 1960, em consequência de uma série de investigações acerca da natureza e estruturação dos discursos. O termo “Análise do Discurso” deve-se, no entanto, ao linguista norte-americano Zellig Harris que publica, em 1952, “Discourses analysis” na revista Language. O texto de Harris trata, sobretudo da aplicação de métodos tirados da linguística distribucional ao texto. O mérito do trabalho de Harris está em que, pela primeira vez, a análise linguística pretende ultrapassar o quadro da análise frasal, até aquele momento considerada – a frase – como a maior unidade de descrição linguística. 
Embora tenha sua importância na história da disciplina, o artigo de Harris não deve ser considerado como o fundador da análise do discurso, visto que ela se constitui ao correr de um longo processo. A partir de 1957, a abordagem distribucionalista será desenvolvida em uma outra direção pelas teorias de Noam Chomsky, por meio da qual o pesquisador procurará afirmar a supremacia da sintaxe, lançando as bases de sua gramática gerativa. 
A teoria de Chomsky concebe a língua não mais como um sistema de signos, como Saussure, mas como um conjunto de frases. Nesta linha de reflexão, a gramática é definida como um conjunto de regras que permitem a produção de todas as frases gramaticais de uma língua pelo sujeito que fala. Este sistema de regras ou de competência se realiza pela performance (utilização efetiva da língua pelo locutor) e ignora a situação de enunciação em que o sujeito fala, além de considerar este último como um locutor-auditor ideal que, ao final, trata-se de uma idealização.
A partir dos anos de 1970 novos modelos, baseados na ideia da gramática gerativa de proposta por Chomsky surgem. Na Alemanha, por exemplo, começam a surgir modelos de gramáticas de textos cuja ambição é a de construir métodos capazes de analisar uma infinidade de conjuntos de estruturas textuais, todas elas bem formadas em uma dada língua, a partir de modelos de competência capazes de dar conta de descrever o agenciamento das formas discursivas. Pensava-se que as diferenças entre o nível do texto e o da frase eram de ordem puramente quantitativa e que seria possível encontrar “exceções” reforçando o sistema de regras descritivas.
Aula 2- A escola francesa de análise do discurso
Os anos de 1960 e 1970
Os anos de 1960 veem surgir novas questões relativas aos estudos do discurso. O paradigma de análise vigente nesse momento é o estruturalismo[footnoteRef:2], campo de pesquisa linguística que desempenha uma papel fundamental na época, graças ao trabalho de Roman Jakobson, Émile Benveniste e Zellig Harris. Nos Estados Unidos e na Europa, o período é marcado pela emergência de correntes analíticas saídas de diversas disciplinas, relativamente independentes umas das outras, mas que possuíam como elemento comum a questão da linguagem e da textualidade de uma maneira diferente daquela que havia sido posta em circulação pela linguística estrutural, representada aí pelos trabalhos de Ferdinand Saussure e Leonard Bloomfield. [2: Metodologia científica aplicável ao estudo do texto literário a partir de princípios universais que governam o uso da linguagem, isto é, a partir de todos os elementos que o constituem e que estão relacionados entre si por um sistema único de significação, a que se chama estrutura. Segundo Roland Barthes, trata-se de uma “actividade” que tem um fim específico: “O fim de toda a actividade estruturalista, seja ela reflexiva ou poética, é de reconstituir um ‘objecto’, de maneira a manifestar nesta reconstituição as regras do funcionamento (as ‘funções’) deste objecto.” (“A Actividade Estruturalista”, in O Método Estruturalista, de Luc de Heush et al., Rio de Janeiro, 1967, p.58). (Para o verbete completo, consultar E-Dicionário de Termos Literários. Fonte: https://edtl.fcsh.unl.pt/encyclopedia/estruturalismo/)
] 
Algumas dessas correntes reclamavam explicitamente de um projeto de análise do discurso, como no caso daquela que se tornará mais tarde a Escola Francesa de Análise do Discurso. A partir dos esforços do filósofo Louis Althusser e do linguista Michel Pêcheux, tenta-se articular uma teoria baseada na interpretação marxista da ideologia, na psicanálise – particularmente a de Jacques Lacan – e a linguística propriamente dita, a fim de apreender e analisar os fenômenos do discurso.
Outras correntes advém do domínio das ciências da linguagem: a gramática do texto, corrente derivada da gramática gerativa e transformacional de Noam Chomsky, as teorias da enunciação postas em circulação por Émile Benveniste e outras, que orbitam entre a antropologia e a sociolinguística, como no caso da etnografia da comunicação, representada pelos trabalhos de Hymes e Gumperz, a etnometodologia de Garfinkel e Sacks, ou ainda uma corrente derivada da sociologia norte-americana que empregava a expressão “análise do discurso” para na verdade tratar dos estudos da conversação.
Todas essas correntes foram influenciadas pela pragmática anglo-saxã, fundada principalmente em uma concepção que considerava todo discurso como um ato, como na teoria dos atos de fala de John Austin. Além deste modelo de análise pragmática, lembremos também da contribuição dos estudos sobre os discursos encetados pelo filósofo Michel Foucault e a contribuição inestimável, embora um pouco difusa na época, dos estudos de Mikhail Bakhtin.
A confluência de todas essas correntes analíticas contribuirásobremaneira para a renovação de todo o campo de estudos das ciências da linguagem. Na França, em especial, inúmeros trabalhos movidos por essas novas correntes passarão a contestar os pressupostos de análise tradicionais sobre os textos mudando sua maneira de estudá-los: o estruturalismo literário, a semiótica greimasiana, a análise automática do discurso proposta por Michel Pêcheux, inspirada no marxismo de Althusser, a psicanálise lacaniana, o pensamento de Michel Foucault, etc.
De maneira privilegiada, elege-se como objeto de estudos o discurso político, do qual interessa analisar principalmente o conceito de ideologia, com tudo o que ela pressupõe em termos de ideias, de sistema, de coerência entre outras. Estamos aí diante do início daquela que se tornará anos mais tarde a Escola Francesa de Análise do Discurso, nome no qual o termo análise não significa apenas estudo, mas também uma espécie de psicanálise do discurso.
É, portanto, como resultado do encontro de diversas disciplinas e correntes analíticas atuantes no decênio de 1960 que nascerá a chamada Análise do Discurso. Embora resulte da confluência de inúmeras correntes analíticas, é fundamental destacar-se ao menos três tendências predominantes: a tendência anglo-saxônica, representada pela Teoria dos Atos de Fala de John Austin e John Searle; a tendência alemã, amparada pela teoria da ação comunicacional de Jürgen Habermas e, finalmente, a tendência francesa, marcada pela articulação das abordagens linguística, marxista e psicanalítica. 
Ainda que com o tempo essas fronteiras passam a se tornar cada vez mais tênues, quase apagadas, é preciso reconhecer que as práticas de análise que elas colocam em cena não deixam nunca de indiciar suas marcas de origem.
Como visto, a Análise do Discurso resulta da colaboração de diversas disciplinas, como a linguística, a sociologia, a história, todas elas influenciadas em alguma medida pela leitura althusseriana de Marx (destacadamente a que é exposta pelo autor em A Ideologia e os aparelhos ideológicos do Estado). O seu contexto de surgimento foi marcado por relativo esgotamento do estruturalismo e ainda sob os influxos das movimentações contestatórias surgidas a partir do Maio de 1968 parisiense. Sobre a visão militante da Análise do Discurso, escreve Guilhaumou:
Marxismo e linguística presidem o nascimento da Análise do Discurso dentro da conjuntura teórica determinada na França dos anos de 1968 e 1970. Naturalmente, o projeto se inscreve em uma visada política: uma arma científica da linguística que fornece novos meios para analisar o fenômeno político. (Guilhaumou, 1994: 176)
Na Análise do Discurso não encontramos um fundador propriamente dito, como ocorre na linguística estrutural inaugurada por Ferdinand Saussure. Como parece estar claro, a AD nasce de uma conjuntura política e cultural na qual, em torno do estruturalismo, começam a surgir uma série de reflexões sobre a escritura que se serve de teorias linguísticas, marxistas, althusserianas e psicanalíticas. Alguns nomes, no entanto, ressaltam nesse contexto, como s de Jean Dubois, cujo texto “Lexicologia e análise do enunciado”, de 1968, serve como uma espécie de manifesto da AD. Michel Pêcheux, com sua Análise Automática do Discurso, de 1969, livro que anuncia um programa teórico e prático e, por fim, Michel Foucault, com sua Arqueologia do Saber, também de 1969. 
Em resumo, é então nos anos de 1970 que a convergência entre diferentes correntes teóricas irão constituir o campo da AD. As ciências da linguagem despenham aí um papel essencial: gramática do texto, teorias da enunciação e correntes pragmáticas contribuem juntas com as ferramentas conceituais e metodológicas. É nesse mesmo período que será redescoberta a obra de Bakhtin, da qual os conceitos de polifonia, dialogismo e intertextualidade desempenharam um papel de extrema relevância para a AD. Lembremos: a AD que se desenvolve neste período se vê também como uma espécie de psicanálise do discurso: seu objetivo é o de descobrir a ideologia que se esconde por trás da materialidade discursiva – palavras, sintagmas, frases, enunciados, etc. 
Aula 3- A escola francesa de análise do discurso: desdobramentos e reconfigurações
Inspirados pelos trabalhos de Bakhtin sobre o dialogismo, linguistas como Jacqueline Authier-Revuz desenvolvem o conceito de heterogeneidade constitutiva do discurso, por meio do qual passam a tratar de maneira global a ideologia. Neste mesmo período, problemas tratados por pesquisadores norte-americanos passam a ocupar um lugar nas discussões sobre o discurso, como o interacionismo e a análise conversacional. Baseados nos trabalhos do semioticista americano Charles Sanders Peirce, as pesquisas encetadas pelos norte-americanos contribuem significativamente para a reformulação das direções da AD.
 A reflexão sobre a heterogeneidade e sobre o contraditório provocam uma revisão da noção de ideologia, a partir do que passa-se a empregar outros termos, como os de doxa, representação, assim como a paráfrase, substituída pela ideia de reformulação, por meio da qual se procura colocar em evidência as noções de alteridade e heterogeneidade. Doravante, trata-se de identificar o que se constrói nos discursos, ou seja, o sentido social manifestado por meio das formas linguísticas. 
A AD deixa então de ser vista como uma “máquina de ler” os discursos e torna-se uma ferramenta interdisciplinar. A ideia é a de que a AD deve integrar as contribuições das disciplinas que estudam o funcionamento da língua, mas também aqueles de outras disciplinas, como a história, a psicologia social etc.
Tal viragem representa uma ruptura com a tradição fundadora da AD, ocupada, sobretudo com a análise do discurso político, passa-se à análise não só dos discursos “especializados”, mas também dos discursos ordinários. É representativo dessa mudança o fato de que, em 1989, cria-se o Centro de Pesquisas sobre Discursos Ordinários e Especializados, o Cediscor, em Paris, cujo corpus de análise evidencia a diversidade que caracteriza essa nova orientação da AD: “discurso de transmissão do conhecimento”, “discurso de saberes”, “discurso de mídias”, “discursos sociais e profissionais”, “discursos empresariais”, entre outros.
Os pressupostos teóricos colocados em prática a partir da década de 1970 acabam por constituir a Análise do Discurso como uma disciplina, cuja consagração ocorrerá no ano de 2002 com a publicação do Dicionário de Análise do Discurso por iniciativa de Patrick Charaudeau e Dominique Maingueneau. Levando em conta as diferentes problemáticas que constituem o surgimento da AD, essa obra de referência não se pretende apenas como a “expressão da doutrina de seus autores”, mas a de “um campo de pesquisa apreendido em sua diversidade”: linguística textual, pragmática, análise conversacional, etnometodologia, análise crítica do discurso etc. Além destas, é preciso lembrar-se das disciplinas que colocam de maneira interdisciplinar com a AD: a história, a filosofia, a sociologia, a psicologia social, entre outras. 
Aula 4- Definição e campo de atuação da AD
Para definir uma coisa, não basta apenas citar suas propriedades intrínsecas: é preciso compará-la com outras coisas com as quais ele divide certos traços.
A polissemia do termo discurso torna difícil sua definição. Se tomarmos como ponto de partida a filosofia clássica, discurso designa uma exposição orientada pelo encadeamento da razão. Nesta acepção, devemos opor o conhecimento discursivo do conhecimento intuitivo.
Em linguística, podemos pensar que discurso é por vezes entendido como sinônimo do conceito saussureano de fala: “a distinção entre língua e fala ou discurso, é proposta pela primeira vez por Ferdinand Saussure”, escreve Gardiner. Saussure opõe a língua, que considera a dimensão social, à fala, que é a utilização concreta e individual da língua no processo de comunicação.
Gustave Guillaume opõe também língua e discurso, mas não do mesmo modo que Saussure propõe sua oposição entre língua e fala. Para Guillaumea fala existe ao mesmo tempo na língua, na qual ela será objeto de análise da fonologia, e no discurso, no qual será objeto de análise fonética.
A perspectiva de Guillaume é pragmática, isto é, ela visa à eficácia, a eficiência. Discurso designa, neste sentido, tudo aquilo que resulta de um ato de expressão ou de uma série de atos de expressão. Ao passo que a língua pertence ao plano virtual, o discurso pertence a uma dimensão efetiva e atual. O discurso consiste em uma construção na qual atuamos no momento e sob o impulso da necessidade, ou seja, quando temos alguma coisa a dizer. Visa ele, o discurso, a produção de um efeito: “iniciar uma operação discursiva”, escreve Guillaume, “é desejar agir, produzir algum efeito. Na ausência dessa finalidade, não há discurso”.
Delineia-se aí a projeção do desejo de um sujeito, uma intenção. Em Émile Benveniste também encontramos a presença da intersubjetividade, da intencionalidade, da influência e da ação que são constitutivas do discurso: “É preciso compreender o discurso em sua mais ampla extensão: toda enunciação supõe um locutor e um auditor e, no caso do primeiro, uma intenção de influenciar o outro de alguma maneira” (BENVENISTE, 1966: 241-242). 
Para Benveniste, o discurso implica também um aspecto formal capaz de opor palavra (o signo) e frase ou discurso: “com a frase”, escreve o linguista, “nos ligamos com as coisas que estão fora da língua e, enquanto o signo tem como seu constituinte o significante que lhe é inerente, o sentido da frase implica a referência à situação de discurso e à atitude do locutor”.
Definições como estas, que podemos qualificar como pragmáticas, na medida em que visam o efeito, se referem à subjetividade, aos interlocutores, à situação de comunicação e ao sentido que elas implicam. Este sentido repousa sobre a ideia de autonomia do sujeito (indivíduo), concebido como sendo a fonte do sentido. 
Percorrendo a bibliografia sobre AD podemos encontrar outras concepções de discurso: Anna Jaubert (1990) o entende como uma “linguagem em situação”. Outros autores, como a de H.G. Widdowson, compreendem discurso como “a utilização de enunciados combinados para realização de atos sociais”. Catherine Kerbat-Orecchioni proporá que discurso pode ser entendido como a “linguagem colocada em ação”. Dominique Maingueneau, por fim, entenderá que “o discurso não é um objeto concreto apresentado à nossa intuição, mas o resultado de uma construção (...), da articulação de uma pluralidade mais ou menos extensa de estruturações transfrásticas, em função das condições de produção”.
Como se pode notar, é consideravelmente difícil estabelecer uma noção precisa de discurso diante da existência de uma profusão de concepções distintas sobre o mesmo termo. No entanto, há uma direção que nos parece convergir, pois, para muitos linguistas e analistas do discurso, o termo discurso não pode ser definido como uma unidade linguística, já que ele resulta da combinação de informações linguísticas e situacionais.
Tomando como ponto de partida esta indicação, podemos considerar que o discurso implica então em um ato linguageiro do qual emergem um texto, um contexto e uma intenção. O discurso é, portanto, uma entidade complexa, dotada de uma dimensão linguística (um texto), uma dimensão sociológica (enquanto produtora de um contexto), e uma dimensão comunicacional (considerada a interação entre os falantes).
Categoricamente, poderíamos pensar em subdivisões do discurso, como segue:
- O discurso pedagógico, aquele em que o locutor lança mão de procedimentos de reforço de um determinado conteúdo, como a repetição.
- O discurso didático, aquele em que o locutor objetiva ensinar algo a seu interlocutor, figurando em posição daquele que “sabe”, daquele que é dotado de um saber.
- O discurso prescritivo, no qual o locutor assume o tom do conselheiro, prescrevendo, recomendo determinada ação ou comportamento a adotar.
Seja qual for a categoria que estabeleçamos para os discursos, o discurso será sempre considerado subjetivo: trate-se ele de um discurso midiático ou científico, o discurso é sempre organizado por um instância individual ou coletiva. O discurso será sempre dialógico, já que o ato de falar requer sempre um locutor e um interlocutor – não se fala “sozinho”. Contrariando a ideia corrente de que o monólogo é um ato de fala que prescinde da presença de um interlocutor, um monólogo nunca será monológico pois, enquanto discurso, é ele também um ato dialógico. Imagine por exemplo um monólogo recitado em um palco sem a presença do público – receptor desse texto. Pense no monólogo interior, estratégia discursiva característica de textos de Clarice Lispector, por exemplo, ele prescinde, por ser um monólogo, de um interlocutor, no caso o leitor do texto? Não. O monólogo só ganha sentido, existência, na presença de um receptor. Disso, podemos concluir que todo discurso é, por natureza, dialógico.
Aula 5. Discurso, texto e enunciado
Para alguns, a palavra discurso é tomada como sinônimo de texto, significando uma sequência de frases, de enunciados, e por isso considerado apenas do ponto de vista de sua organização formal. Esta concepção exclui, como se vê, a situação, o sujeito e, consequentemente, o sentido do discurso. Para Harris, por exemplo, o discurso equivaleria a uma sequência de enunciados, escritos ou orais. 
Outros consideram o discurso como uma realidade complexa que inclui o texto. Este é o caso de Jean-Michel Adam, que distingue de um lado as limitações ligadas à organização formal impostas pela gramática da frase e pela gramática do texto, e, de outro, as limitações de natureza discursiva ligadas a “práticas discursivas histórica e socialmente reguladas”. Para Fernandez, o texto é uma estrutura formal, mas que inclui suas condições de produção: 
Os enunciados não se apresentam como frases ou como sequências de frases, mas como texto. Ora, um texto é um modo de organização específico que é preciso estudar como tal em relação às condições nas quais ele é produzido. Considerar a estrutura de um texto a relacionando às suas condições de produção é encará-lo como discurso. (FERNANDEZ, apud in: Carter-Thomas 2001, p. 29)
Considerando texto e enunciado como sinônimos, Guespin propõe uma definição que exercerá influência duradoura: “o enunciado é uma sequência de frases emitidas entre dois vazios semânticos, duas pausas na comunicação; o discurso é o enunciado considerado do ponto de vista do mecanismo discursivo que lhe condiciona”. Em outras palavras, para Guespin o discurso compreende duas partes: o enunciado ou texto considerado do ponto de vista formal e as condições de produção ou dados sócio-históricos em sentido amplo.
O enunciado (texto) é a componente linguageira do discurso, sua materialidade discursiva. Esta noção repousa sobre a ideia de que as formas são produtoras de sentido em um contexto e em interação com um certo número de mediações. De um lado, o enunciado é objeto de análise linguística que o organiza em níveis de descrição; de outro, é objeto de análise da linguística textual, que é responsável por estudar os fenômenos de coesão e de coerência textuais.
Em AD, a noção de condições de produção (Cf. Pêcheux) do discurso é inspirada pelo termo marxista de “condições de produção econômica”. Esta noção permite demarcar a concepção pragmática do discurso. Deste ponto de vista, o conceito de discurso se pretende como uma reformulação do conceito saussureano de fala, afastado de suas implicações subjetivas.
A noção de “condições de produção” exclui a concepção segundo a qual a subjetividade é considerada a fonte de produção dos sentidos e remete aos fatores sócio-históricos (economia, cultura, política, representações sociais, ideologia etc.) que condicionam a produção, a circulação e a interpretação do enunciado. As “condições de produção” não são, portanto, um dado empírico, mas uma construção do analista baseada em hipóteses tiradas da própria pesquisa.
Concebido deste modo, o termo discurso designa menos um domínio empírico do que uma certamaneira de apreender o fenômeno da linguagem: “o discurso supõe uma organização transfrásica”, no dizer de Dominique Maingueneau. Isto não significa que todo discurso é necessariamente constituído de uma sequência de frases, mas que ele requer referência às condições de produção que lhe atribuem sentido.
Aula 6- A Análise do Discurso
A análise do discurso pode ser entendida como uma técnica de pesquisa que permite indagar o que fazemos quando falamos, para além daquilo que dizemos. Segundo Dominique Maingueneau, trata-se da análise da articulação do texto e do lugar social no qual esse texto é produzido.
As principais questões das quais se ocupa a análise do discurso são as que se referem ao “como” e ao “por que” das atividades de linguagem, opondo-se, assim, dos métodos tradicionais de análise que situavam os problemas relativos às atividades linguageiras a partir das questões formuladas como “quem?”, “o quê?”, “quando?”, “onde?”.
Enquanto uma disciplina formal, a análise do discurso começa a ser delineada a partir da publicação do artigo “Discourse Analysis”, de Zellig Harris, publicado na revista “Languages” em 1952. Texto em certo sentido esquecido, que ganhará destaque, ao menos no âmbito da análise do discurso de linha francesa, nos anos de 1960, após ter uma tradução publicada na revista Langages, de 1969.
Em linhas gerais, a análise do discurso surge como uma espécie de reação à tradição filológica de estudos do texto, de um lado, e de outro ao domínio da linguística consagrado ao estudo e à descrição da frase, considerada por esta linha como a unidade de comunicação por excelência. Segundo a concepção tradicional, um sentido estável e único é atribuído ao discurso/texto. Esta lógica faz do discurso um objeto fechado.
Na concepção clássica da linguística, tirada, sobretudo, da obra de Ferdinand Saussure, a atenção volta-se para as estruturas da língua: a fonologia, a sintaxe, a morfologia e a semântica estrutural. De acordo com esta orientação, nenhuma consideração é feita no que se refere ao sujeito da comunicação. Pautada pelo descritivismo imanente, a função objetiva da linguagem é colocada em primeiro plano.
Ao contrário dessa visada, a análise do discurso centra-se na articulação da linguagem e no contexto, nas atividades do locutor. Nessa perspectiva, o sujeito é considerado como um ator sócio-histórico que age na e pela linguagem, e a função subjetiva é considerada como uma função fundamental da comunicação.
Existem diversas abordagens da análise do discurso, cada qual tomando como objeto aspectos particulares do discurso. O campo de estudos da análise do discurso é amplo, de tal modo que é possível segmentá-lo em subdomínios. Para citar apenas alguns, Émile Benveniste se ocupará dos fenômenos relativos à enunciação; Austin e Searle se interessarão pela teoria dos atos de fala; Oswald Ducrot tratará dos conectores, da pressuposição e da polifonia; Sperber e Wilson dos processos inferenciais.
Além de seus subdomínios, é preciso considerar que a análise do discurso pode se concentrar no estudo de enunciados isolados, tal como no caso da abordagem de Ducrot, que se ocupa da teoria dos atos de linguagem e da teoria da pertinência. Para os filiados a essa segunda linha, o discurso “não é uma categoria pertinente”, de modo que a análise das produções linguageiras deve recair sobre os enunciados de maneira independente.
Diferentemente desta última, outros modelos de análise, como o modelo modular da escola de Genebra, postula que a análise deve encarar o discurso de maneira global, em sua totalidade.
Diante dessa variedade de abordagens possíveis, a análise do discurso se vê diante de um problema: o de constituir sua própria unidade. No entanto, essa profusão de pontos de vista não impede que à análise do discurso seja possível postular um problema de ordem mais geral, que é o de questionar o que fazemos quando falamos. Tal questão é posta pelas mais distintas linhas, como a da análise textual do discurso, a análise do conteúdo, a análise enunciativa, a pragmática, entre outras.
Aula 7- A Noção de Discurso
A grande extensão do conceito de discurso dificulta sua precisa apreensão. Por vezes, ele é entendido como sinônimo do conceito de parole, ou fala, proposto por Ferdinand Saussure, por vezes ele designa uma mensagem tomada em seu sentido global, algo equivalente à langue, conceito que se opõe a parole. 
Entre as famosas dicotomias de Saussure, o pai da linguística moderna propõe a distinção entre langue e parole, ou, em vernáculo, língua e fala. Saussure associa a língua ao coletivo, ao passo que a fala, realização da língua, é entendida como pertencente ao particular, ao individual. 
Ao percorremos a bibliografia consagrada à Análise do Discurso, encontraremos distintas formas de se compreender o termo discurso. Para Émile Benveniste (1966), por exemplo, o discurso é definido como “toda enunciação que supõe um locutor e um auditor tendo o primeiro a intenção de influenciar o segundo de algum modo”. Anna Jaubert (1990) o entende como uma “linguagem em situação”. Outros autores, como a de H.G. Widdowson, compreendem discurso como “a utilização de enunciados combinados para realização de atos sociais”. Catherine Kerbat-Orecchioni proporá que discurso pode ser entendido como a “linguagem colocada em ação”. Dominique Maingueneau, por fim, entenderá que “o discurso não é um objeto concreto apresentado à nossa intuição, mas o resultado de uma construção (...), da articulação de uma pluralidade mais ou menos extensa de estruturações transfrásticas, em função das condições de produção”.
Como se pode notar, é consideravelmente difícil estabelecer uma noção precisa de discurso diante da existência de uma profusão de concepções distintas sobre o mesmo termo. No entanto, há uma direção que nos parece convergir, pois, para muitos linguistas e analistas do discurso, o termo discurso não pode ser definido como uma unidade linguística, já que ele resulta da combinação de informações linguísticas e situacionais.
Tomando como ponto de partida esta indicação, podemos considerar que o discurso implica então em um ato linguageiro do qual emergem um texto, um contexto e uma intenção. O discurso é, portanto, uma entidade complexa, dotada de uma dimensão linguística (um texto), uma dimensão sociológica (enquanto produtora de um contexto), e uma dimensão comunicacional (considerada a interação entre os falantes).
Categoricamente, poderíamos propor subdivisões do discurso, como segue:
- O discurso pedagógico, aquele em que o locutor lança mão de procedimentos de reforço de um determinado conteúdo, como a repetição.
- O discurso didático, aquele em que o locutor objetiva ensinar algo a seu interlocutor, figurando em posição daquele que “sabe”, daquele que é dotado de um saber.
- O discurso prescritivo, no qual o locutor assume o tom do conselheiro, prescrevendo, recomendo determinada ação ou comportamento a adotar.
Seja qual for a categoria que estabeleçamos para os discursos, o discurso será sempre considerado subjetivo: trate-se ele de um discurso midiático ou científico, o discurso é sempre organizado por um instância individual ou coletiva. O discurso será sempre dialógico, já que o ato de falar requer sempre um locutor e um interlocutor – não se fala “sozinho”. Contrariando a ideia corrente de que o monólogo é um ato de fala que prescinde da presença de um interlocutor, um monólogo nunca será monológico pois, enquanto discurso, é ele também um ato dialógico. Imagine por exemplo um monólogo recitado em um palco sem a presença do público – receptor desse texto. Pense no monólogo interior, estratégia discursiva característica de textos de Clarice Lispector, por exemplo, ele prescinde, por ser um monólogo, de um interlocutor, no caso o leitor do texto? Não. O monólogo só ganha sentido, existência, na presença de um receptor. Disso, podemos concluir que todo discurso é, por natureza, dialógico.
O discurso é também polêmico, uma arma de combate, no sentido figurado, e literal, já que lhe cabe sempre definirou redefinir as coisas. 
Aula 8- A Análise do Discurso e outras disciplinas do discurso.
 
Para alguns, a palavra discurso é tomada como sinônimo de texto, significando uma sequência de frases, de enunciados, e por isso considerado apenas do ponto de vista de sua organização formal. Esta concepção exclui, como se vê, a situação, o sujeito e, consequentemente, o sentido global produzido por um discurso, por essa razão é importante lembrarmos sempre que o discurso é objeto de estudo de muitas disciplinas, como a análise conversacional, as teorias da argumentação, da enunciação, a etnometodologia. O caráter multidisciplinar da análise do discurso a beneficia em muitos sentidos, mas não raro é alvo de mal-entendidos.
Nesse sentido, sublinhemos que alguns autores, como J.-M. Adam ou Maingueneau, consideram a linguística textual (disciplina que como sabemos se ocupa do estudo dos fenômenos de coesão e de coerência textuais, principalmente) como uma componente da análise do discurso, ao passo outros as julgam como sinônimo uma da outra. A exemplo, lembremos o caso de Michel Charolles e Bernard Combettes que, em artigo publicado na década de 1990, se valem do termo análise do discurso para tratar de fenômenos relativos à linguística textual, e isso numa época em que a tendência dominante, segundo Maingueneau, era a de considerar que a noção de discurso não era redutível à noção de texto. 
Alguns estudiosos procuram abordar a questão opondo linguística estrutural e linguística do discurso, a partir da consideração da oposição saussureana de língua e fala, ponto de vista criticado por Catherine Kerbrat-Orecchioni, para quem trata-se menos de elaborar uma linguística do discurso do que fazer com que a linguística estrutural possa evoluir enquanto disciplina.
Para outros autores, o nome linguística do discurso trata-se de termo genérico com o qual se designa disciplinas que elegem o discurso como seu objeto, como a exemplo da análise conversacional, a teoria da argumentação, a teoria da enunciação, para citar apenas as disciplinas já mencionadas.
Em artigo em que traça um panorama da análise do discurso, Dominique Maingueneau procura esboçar um princípio comum presente nas disciplinas do discurso, qual seja, o das correntes que envolvem o “estudo das produções transfrásicas, orais ou escritas, das quais procuramos compreender a significação social”.
Segundo essa perspectiva, a especificidade de cada disciplina reside no ponto de vista adotado para a abordagem de um mesmo objeto: o discurso. Disso deriva que os mesmos enunciados permitirão a composição de corpus que serão objeto de análise por diferentes disciplinas o que, consequentemente, produzirá resultados diferentes. Um exemplo dado por Maingueneau é o do debate político apresentado por meio televisivo. Como explica o autor, o analista da conversação ou o interessado na análise argumentativa se ocuparão de aspectos diferentes de um mesmo discurso. O analista da conversação analisará o discurso do ponto de vista dos turnos conversacionais, ou seja, analisará a maneira pela qual os locutores ocupam sua posição nos atos de fala. Já o estudioso da argumentação se ocupará sobretudo do público visado pelo locutor: lhe interessa, por exemplo, analisar a natureza e o modo de encadear os argumentos, estudar o ethos discursivo do locutor, ou seja, a imagem que este procura construir de si mesmo, etc. Quanto ao analista do discurso, este se interrogará sobre o gênero do discurso propriamente dito, sobre a composição textual, sobre os papéis sócio-discursivo dos locutores, sobre a redefinição do político correspondente ao gênero televisivo.
Aula 9- Análise do discurso e ciências da informação e comunicação
Até os anos de 1980, o conhecimentos do linguistas acerca dos processos de comunicação se limitava, basicamente, ao esquema de comunicação proposto pelo linguista russo Roman Jakobson. Para lembrarmos, Jakobson propôs um modelo de análise da comunicação a partir do que chamou de funções da linguagem, que ele dividia em:
- Emissor: predominância da função emotiva ou expressiva, que é usada para transmitir as emoções e sentimentos do emissor. A mensagem transmitida é subjetiva e pessoal, sendo construída conforme a visão do seu emissor.
- Receptor: predominância da função conativa ou apelativa, que é usada para convencer o interlocutor, levando a que este tenha um determinado comportamento, pensamento ou atuação. Faz um apelo, visando primordialmente influenciar e persuadir o receptor.
- Código (a língua, a linguagem propriamente dita): predominância da função metalinguística, que ocorre quando o código comunicativo é utilizado para explicar o próprio código comunicativo, a língua. Tem, portanto, uma função explicativa. A ênfase da comunicação recai sobre o próprio código comunicativo.
- Mensagem: predominância da função poética, que é usada para transmitir uma mensagem elaborada e cuidadosamente organizada, seguindo uma estrutura formal predeterminada de modo a realçar sua dimensão estética.
- Canal: predominância da função fática, que ocorre quando o objetivo é o de estabelecer e manter um canal de comunicação entre o emissor e o receptor. A ênfase é, assim, dada ao canal comunicativo.
- Referente: predominância da função referencial ou denotativa é usada para transmitir uma informação clara, objetiva e direta sobre um determinado assunto. Apoia-se em fatos e dados concretos, excluindo elementos que confiram subjetividade e emotividade à mensagem.
Posteriormente à proposição do modelo de Jakobson, baseado no esquema de transmissão da informação proposto por Claude Shannon e Warren Weaver em A Teoria Matemática da Comunicação, outros trabalhos surgem no bojo dos estudos sobre a comunicação de massa, disciplina em voga que impõe seus métodos aos estudos que tratam dos meios de comunicação e de sua relação com o público. Trata-se aí de analisar o conteúdo, por meio de uma técnica capaz de descrever objetiva, sistemática e quantitativamente o conteúdo mobilizado pela comunicação. 
As pesquisas realizadas neste domínio atendiam geralmente às necessidades impostas pelo mundo do trabalho e pelo próprio Estado, como no caso dos EUA, que investiam pesadamente em empresas ligadas à imprensa escrita e audiovisual, além de setores ligados à publicidade, o que contrasta fortemente, segundo Simone Bonnafous, com o “projeto crítico da análise do discurso”, já que, do ponto de vista da AD, as mídias são vistas como meios de manipulação.
A reflexão sobre as ciências da informação e da comunicação começa a ganhar corpo com os trabalhos do filósofo alemão Jürgen Habermas, principalmente com a publicação de O Espaço Público, de 1962, e Teoria da Ação Comunicativa, 1987. Habermas desenvolve suas teorias em diálogo com uma ampla gama de outras teorias – como o funcionalismo, a fenomenologia, o marxismo, a teoria crítica da chamada Escola de Frankfurt – o que conferirá a seu trabalho um destacado caráter interdisciplinar, característico também do campo de estudos da AD. 
Passando por uma nova onda de renovação, nos anos de 1980 a análise do discurso começa a se aproximar das ciências da informação e da comunicação. Esta disciplina, oficialmente instituída na França na década de 1970, tinha por objetivo estudar os processos de informação e de comunicação apoiada em referencial teórico bastante diverso, o que lhe conferia a natureza interdisciplinar cara aos estudiosos da análise do discurso. 
Embora ambas as disciplinas possuam em comum o caráter interdisciplinar, as ciências da informação procuram sempre se pautar pela abordagem comunicacional dos objetos que estuda, recorrendo, geralmente, a teorias sistêmicas e construtivistas. Estas duas linhas teóricas advém, por sua vez, de dois outros domínios: a psicologia social e a filosofia, nos quais os conceitos ultrapassam o domínio da comunicação interpessoal. Por isso, fazer análise comunicacional implica necessariamente em utilizar conceitos presentes em outras disciplinas ligadas às ciências humanas.
Além de ter como base as ciênciashumanas e sociais, as ciências da informação e a análise do discurso dividem interesse pela teoria geral das ações, presente na pragmática e na psicologia social, cada uma das quais possuindo características próprias: a pragmática ocupando-se da análise e descrição dos atos de fala, a psicologia social interessando-se pelos fenômenos da interação e das representações.
Aula 10- Análise do discurso e informática: a linguística de corpus
Além de suas relações com as ciências da informação e da comunicação, a AD também estabelece vínculos com a informática e, mais especificamente, com a linguística de corpus. O surgimento da informática provocou uma verdadeira revolução tanto do ponto de vista descritivo quanto heurístico[footnoteRef:3] na análise linguística. Esta revolução foi possibilitada pela linguística de corpus, disciplina nascida nos anos de 1960, nos Estados Unidos, a partir das necessidades impostas pelos estudos de linguística aplicada e pelo ensino de línguas. [3: Heurístico: Diz-se de hipótese, verdadeira ou falsa, que é provisoriamente considerada como ideia básica para orientar na investigação de um fato.
] 
É verdade que toda análise linguística se utiliza de corpus, que é um conjunto de dados linguísticos coletados criteriosamente para ser convertido e, objeto de pesquisa linguística. Mas o que chamamos comumente de linguística de corpus é a constituição e o tratamento de bases de dados textuais por meio do uso de ferramentas da informática. Nesse sentido, podemos destacar o Computational Analysis of Present-Day American English, primeiro corpus informatizado, criado por pesquisadores da Brown University; o Frantext, a primeira base de dados de textos franceses, composta de textos literários, filosóficos, científicos e técnicos, ou o Corpus do Português, o Corpus do Brasileiro, alguns bancos de dados de textos em língua portuguesa.
A dimensão do corpus não é apenas uma questão de quantidade, mas também de qualidade: os componentes de um corpus (os subcorpus, textos, parágrafos, sintagmas, palavras, morfemas etc.) remetem uns aos outros, reduzindo consideravelmente a necessidade de que o pesquisador busque contextos externos àqueles que constam do próprio corpus, o que lhe permite obter maior clareza em sua análise. Esse jogo de espelhos que constitui a estrutura de um corpus é chamado de reflexividade, conceito que pode ser entendido pelo fato de que os elementos que o constituem (artigos, discursos oficiais, documentos) remetem uns aos outros para formar uma cadeia semântica coerente e autossuficiente. 
A análise do discurso trata de corpus de textos normalmente mais extensos do que os estudados pela linguística descritiva e se aproxima assim da linguística de corpus, para além do fato de que ambas se valem do apoio computacional. Lembremos nesse sentido os trabalhos de Michel Pêcheux, sobretudo de sua Análise automática do discurso, publicado em 1969 e “informaticamente operacional” a partir de 1971. Um ano depois, o Laboratório de lexicometria[footnoteRef:4] e textos políticos inaugura os estudos de lexicometria política. [4: Lexicometria é a aliança das ciências da linguagem, estatística e ciência da computação. Ela permite processar vastos conjuntos de textos (corpus), estabelecer seu vocabulário, classificar os termos de acordo com sua frequência, distribuição, categoria gramatical. A lexicometria estabelece os contextos de uso de um termo e suas combinações mais frequentes, o que torna possível determinar o(s) sentido(s) desse termo. Ela encontra os principais temas presentes em um corpus, seu gênero e seu estilo, além de segmentar esse corpus de acordo com quebras temáticas ou estilísticas. Para obter estes resultados, é necessário o processamento prévio: marcação de textos, correção e padronização ortográfica, rotulagem de palavras. O texto pode então ser inserido em um biblioteca eletrônica e disponibilizado para pesquisadores.
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Ainda que estabelecendo diálogos com as mais diversas disciplinas, a Análise do Discurso possui a especificidade de apreender o discurso a partir da conexão existente entre um texto e seu lugar social, ou seja, seu objeto não é nem a organização textual (objeto de análise da linguística textual) nem a situação de comunicação (domínio dos estudos das ciências sociais), mas sim o que as relaciona, a partir de um dispositivo de enunciação específico. Este dispositivo é constituído, ao mesmo tempo, dos elementos verbais e institucionais, por assim dizer, na medida em que a ideia de lugar social do discurso relaciona este com um campo discursivo específico: o campo do discurso político, o campo do discurso religioso, o campo do discurso médico, entre outros. 
Vimos que, em seu início, a AD atribuía um status privilegiado ao corpus político, mas, após suas inúmeras reconfigurações, seu campo de interesse se ampliou, passando a tomar como objeto de análises diversos outros gêneros discursivos, muitos deles ligados aos chamados meios de comunicação de massa, como os talk-shows, os debates televisivos, os programas de entrevista, os telejornais, etc. Essa mudança, ou melhor dizendo, essa ampliação do número de direções assumidas pela AD contribuiu significativamente para sua aproximação com as ciências da informação e da comunicação.
Aula 11- Teorias: a linguística estrutural
Nascido da linguística, o estruturalismo irá se tornar um dos paradigmas científicos do século XX e servirá de modelo, de ponto de partida, para a criação de outras disciplinas.
Uma estrutura é um sistema, um conjunto em que os elementos se definem unicamente por meio das relações que estabelecem uns com os outros e no qual a modificação ou supressão de um elemento implica uma modificação de conjunto do sistema.
Em seu Curso de Linguística Geral, obra publicada em 1916, Ferdinand Saussure definia a língua como um sistema: “a língua é um sistema cujas partes podem e devem ser consideradas em sua solidariedade sincrônica”, e afirmava que a linguística tinha “por único e verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma”, ou seja, como uma unidade autônoma, como uma estrutura.
O autor genebrino, fundador da linguística moderna, distinguia linguagem, língua e fala. Para ele, a linguagem seria a faculdade humana de falar uma língua natural. A língua seria a utilização particular da linguagem por uma comunidade linguística, e dotada de uma dimensão social. A fala, por fim, significava para Saussure a utilização de uma língua pelo indivíduo; segundo ele, era ela “acessória” e “mais ou menos acidental”.
Saussure opõe língua de fala e ao propor essa oposição o autor institui uma característica fundamental da linguística estrutural, qual seja a de fundar o princípio da imanência. Segundo este princípio, é possível estudar a língua enquanto estrutura, prescindindo do sujeito, do locutor, e da situação de comunicação, do contexto, ou da situação de produção de um enunciado, sendo estes considerados como fatores extralinguísticos. Em consequência disso, o sentido é excluído da análise, já que é ele o produto do verbal e dos fatores contextuais.
A exclusão do sentido permite definir o signo linguístico, de uma perspectiva estrutural, como a união de um significante, ou imagem acústica, e um significado, ou conceito. A linguística considera que significante e significado formam planos isomorfos (iso= mesmo; morfo=forma): o plano de expressão e o plano do conteúdo, na terminologia proposta pelo linguista dinamarquês Louis Hjelmslev. Estes dois planos foram concebidos como tendo a mesma organização, podendo ser submetidos aos mesmos procedimentos de análise. Do isomorfismo dos planos, a linguística pode inferir que na língua não existem oposições de sentido salvo aquelas manifestadas pelas oposições de forma: a diferença entre pata e bata é manifestada pela oposição entre /p/ e /b/.
A análise estrutural consiste, portanto, em aplicar tais princípios na análise da língua. Trata-se de uma análise formal, em oposição à análise do sentido. Sua finalidade é a de estabelecerclasses de equivalência: organização da língua em unidades, suas relações e os níveis de análise.
Unidades e níveis de análise
Toda ciência deve definir suas unidades. No caso da linguística, a maior unidade de análise é a frase, sendo que as demais são consideradas suas componentes: o sintagma nominal ou verbal, a palavra, o morfema – que é a menor unidade considerada pela análise linguística, já que é portadora de um significante e de um significado – e o fonema, ou os sons da língua.
Relações entre as unidades
As relações entre as unidades se dão por meio dos eixos: sintagmáticos e paradigmáticos. As unidades linguísticas mantêm, no interior de um enunciado, dois tipos de relações consideradas a partir dos dois eixos principais da linguagem: o eixo sintagmático – ou eixo das combinações – e o eixo paradigmático – ou eixo das comutações.
As relações sintagmáticas ligam as unidades do enunciado segundo o eixo sintagmático. Entendendo o sintagma como tudo aquilo que é da competência do caráter linear da língua, espacial e temporal. Trata-se de uma relação de combinação na qual os diferentes elementos constitutivos de uma unidade são apresentados ao mesmo tempo, como as palavras em uma frase. As palavras se alinham umas após as outras, em uma única extensão, em uma só dimensão temporal, mantendo entre si uma relação de oposição por meio da qual ganham significado.
As relações paradigmáticas unem as unidades que podem ser substituídas em algum ponto da cadeia falada. Trata-se de uma relação de oposição in absentia, ou seja, uma relação associativa que acontece no eixo paradigmático e na qual não existe uma extensão temporal e espacial. Nas relações associativas, um termo chama outro com o qual mantém algum tipo de relação de semelhança, fazendo com a relação una os termos in asbentia numa série mnemônica virtual.
Níveis de análise
As unidades de análise são organizadas em três níveis hierarquizados: o nível sintático (a frase), o nível morfológico (os morfemas) e o nível fonológico (os fonemas). Cada unidade se define, de um lado, por suas relações com as unidades do mesmo nível (eixo sintagmático), e de outro, por suas relações com as unidades do nível superior (eixo paradigmático) – exceto a frase, que é considerada como a unidade máxima da análise linguística. Cada unidade de um nível pode ser decomposta em unidades de um nível imediatamente inferior ou constituintes imediatos: 
- a frase em sintagma;
- o sintagma em palavras;
- as palavras em morfemas;
- os morfemas em fonemas.
Como foi dito, a análise linguística tem por finalidade estabelecer classes de equivalência e esta tarefa se cumpre por meio de três operações: a segmentação, a comutação e o estabelecimento de classes de equivalência. A segmentação consiste no corte de uma unidade em seus constituintes imediatos. A comutação consiste em uma operação realizável em qualquer nível de análise linguística, e que se baseia na substituição de uma unidade por outra, com o fim de se verificar a sua identidade paradigmática.
As análises orientadas por princípios como os citados levam a linguística estrutural a considerar que não se faz necessária uma teoria do sujeito ou da situação de comunicação – indispensáveis para o estudo do sentido – para determinar o sistema de organização que faz da língua uma estrutura significante potencial. No entanto, os adeptos desta corrente passaram a se dar conta de que se a língua é uma estrutura, essa estrutura pode incluir o sujeito e a situação de comunicação. Esta reflexão será a base da análise funcionalista, uma corrente europeia representada pela Escola de Genebra e pelo Círculo Linguístico de Praga. 
Aula 12- Teorias: o funcionalismo e a subjetividade na linguagem
Considerando a língua como um sistema funcional que contempla o sujeito e a situação de comunicação, os funcionalistas integram em seu método de análise a subjetividade, tomada no sentido de uma relação entre sujeito falante e seu discurso. Lembremos aqui dos trabalhos de Charles Bally, que teoriza sobre uma estilística do discurso; Harald Weinrich, que emprega o termo modalização para dar conta da variação da distância que o locutor estabelece entre ele mesmo e seu enunciado; Louis Hjelmslev, que aborda a mesma questão da subjetividade sob o ângulo da conotação.
É neste mesmo quadro que Roman Jakobson constrói o seu célebre modelo funcional da comunicação, elaborado a partir das relações estabelecidas entre locutor e mensagem. Para o linguista russo, o ato de comunicação é definido a partir de seis fatores: destinador, mensagem, contexto, canal, língua – ou código. Para cada um destes fatores Jakobson propõe uma função:
1. A função referencial (cognitiva ou denotativa), ancorada no contexto, permite remeter o leitor ou espectador aos dados do real, sejam eles materiais ou imateriais, e também ao imaginário.
2. A função metalinguística (código ou língua) visa uma melhor intercompreensão por meio de reformulações da mensagem.
3. A função emotiva, ou expressiva, permite ao destinador da mensagem de comunicar suas impressões, suas emoções, seu julgamento, acerca do conteúdo expresso em seu enunciado.
4. A função conativa, ou injuntiva, visa orientar o comportamento do receptor.
5. A função fática (centrada no canal) permite estabelecer, manter, romper ou restabelecer o contato com o interlocutor.
6. A função poética serve para valorizar a mensagem por meio de diversos processos estilísticos.
A abordagem enunciativa de Émile Benveniste
Deve-se a Émile Benveniste o estatuo linguístico conferido à subjetividade. Benveniste retoma em parte a análise de Jakobson no quadro de seus trabalhos sobre a enunciação, que será definida mais tarde como o funcionamento da língua “por um ato individual de utilização”. A subjetividade havia sido definida em um artigo publicado no Journal de psychologie em 1958: em Da Subjetividade na Linguagem, Benveniste define a subjetividade como “a capacidade do locutor de se colocar como sujeito”. Esta atitude crítica encontra fundamento na própria linguagem, já que, segundo o autor, “é na e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito”. O autor chega a tal formulação por meio do estudo dos dêiticos, ou seja, ao estudo daqueles elementos que servem para referir uma situação de comunicação. 
Os dêiticos são expressões linguísticas cujo sentido depende do contexto de enunciação. Por exemplo, o sentido do advérbio aqui depende do lugar em que se realiza o enunciado. Para alguém que está em Santos e diz: “Aqui está chovendo”, este aqui designa a cidade de Santos. Se quem fala “Aqui está chovendo” se encontra em São Paulo, este “aqui” significará, portanto, São Paulo. Assim, o sentido dessa palavra está ligado a seu contexto de enunciação, o que significa que seu sentido é construído a cada nova enunciação. 
Em um outro artigo importante, “O aparelho formal da enunciação”, Benveniste ampliará o inventário destas formas, colocando em evidência a subjetividade na linguagem e, ao mesmo tempo, abrindo caminho para a situação de comunicação: “Com o signo atingimos a realidade intrínseca da língua; com a frase, nos ligamos às coisas situadas fora da língua; e enquanto o signo tem por constituinte o significado que lhe é inerente, o sentido da frase implica referência à situação de discurso, à atitude do locutor”.
Seguindo o caminho aberto por Benveniste e aprofundando seus conceitos, Catherine Kerbrat-Orecchioni publica, em 1980, A Enunciação. Da subjetividade na linguagem. Neste livro a autora amplia consideravelmente o inventário das marcas de subjetividade estudadas por Benveniste, concebendo-as como subconjunto de marcas e de traços enunciativos. 
Entre os principais estudos publicados por Émile Benveniste destaca-se Da Subjetividade na Linguagem, artigo impresso no referido Journal de Psychologie, em julho-setembro de 1958. Neste, as primeiras linhas colocam já em evidência o olhar atento do linguista, que escreve: “Se a linguagem é, como se diz, instrumento de comunicação, a que deve ela essa propriedade? A perguntapode surpreender, como tudo o que parece questionar a evidência, mas às vezes é útil pedir à evidência que se justifique”.
“Pedir à evidência que se justifique”, uma proposição aparentemente simples, mas que desencadeia, por sua simplicidade mesma, uma série de questionamentos e indagações que nos levam a indagar a própria linguagem, tarefa, como procuraremos entender, de suma importância para os estudos do discurso, para o estudo, no caso presente, da Análise do Discurso.
Um primeiro conceito de discurso surge nesse texto no momento em que, considerando o comportamento da linguagem e seu caráter “instrumental”, Benveniste propõe o discurso como uma “linguagem posta em ação”. Para o autor, essa linguagem posta em ação, o discurso, seria possível graças à interação entre sujeitos.
Relativamente ao caráter instrumental aludido por ele, Benveniste explica que trata-se de uma concepção que, na verdade, baseia-se em um erro de princípio, uma vez que a ideia de instrumentalidade da linguagem oporia homem e natureza, o que, em sua visão, não seria concebível. Para Benveniste, os instrumentos – uma pá, uma roda, um arco – não se encontram na natureza, mas são criações do homem. Contrariamente a estes, a linguagem está na natureza, não sendo, portanto, uma criação do homem: “É um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem, e a linguagem ensina a própria definição do homem”.
Falar, portanto, em linguagem como instrumento é, na visão do autor, um erro. A noção de instrumentalidade aplicada à linguagem descartaria, entre outras coisas, a sua natureza imaterial, a sua dimensão simbólica, a sua organização articulada. Possivelmente, a dimensão das trocas verbais poderia ocasionalmente assumir uma aparência instrumental, na medida que serviria para veicular algo. No entanto, o que é preciso considerar é que é justamente por meio dessa relação de trocas verbais que os sujeitos se constituem enquanto tais no exercício da linguagem.
Ao tratar da questão do sujeito no exercício da linguagem recaímos sobre o ponto central do artigo “Da Subjetividade na Linguagem”. Para Benveniste, “é na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito”. Mas, nos perguntaríamos de início, que sujeito é esse? Segundo o autor, o sujeito constituinte dessa subjetividade que se dá na linguagem é aquele que é capaz de se constituir como locutor, como agente de um ato de fala. Ao afirmar que o “ego” é aquele que diz ego, eu, Benveniste delimita o próprio fundamento da “subjetividade” na linguagem: a noção de pessoa. 
Vejamos: de acordo com nosso autor, a consciência de si mesmo só pode emergir através de uma relação que se estabelece com o outro: “não emprego o eu a não ser dirigindo-me a alguém, que será na minha alocução um tu”, escreve ele. Nota-se aí o delinear de uma condição que será determinante para os estudos de análise do discurso: a noção, ou a condição, seria possível dizer, de dialogia, de diálogo. Para Benveniste essa condição dialógica é constitutiva da pessoa, já que a linguagem torna-se possível na medida em que cada locutor se apresenta como sujeito de uma enunciação: o eu pressupõe sempre uma outra pessoa à qual digo tu e vice-versa.
Entre eu e tu constrói-se uma relação polarizada que se constitui como o próprio fundamento linguístico da subjetividade. Benveniste observa, nesse sentido, que entre os signos de uma língua não faltam jamais os chamados pronomes pessoais, e justifica sua observação afirmando que uma língua sem expressão da pessoa seria inconcebível.
É importante entender que quando tratamos aqui do eu e do tu estamos tratando de marcas, de instâncias do discurso, e não de um modo para designar um indivíduo particular. Benveniste explica que, se este “eu” fosse empregado para marcar, para designar um indivíduo particular, haveria na linguagem uma permanente contradição: “como é que o mesmo termo poderia referir-se indiferentemente a qualquer indivíduo e ao mesmo tempo identificá-lo na sua particularidade?”. Na concepção de Benveniste, o eu aí mencionado refere-se então ao ato de discurso individual no qual é pronunciado, o mesmo que é responsável por marcar-lhe a posição de locutor. A realidade à qual este locutor se remete é sempre a realidade do discurso. Nas palavras de Benveniste: é “na instância do discurso na qual eu designa o locutor que este se enuncia como “sujeito””.
Benveniste considera que os pronomes pessoais são um primeiro ponto para que se evidencie a subjetividade na linguagem, mas o autor não para por aí. Para ele, além dos pronomes participam também do processo de constituição da subjetividade na linguagem os chamados dêiticos, pronomes demonstrativos, advérbios, adjetivos, que são capazes de organizar as relações espaço-temporais que ocorrem em torno do sujeito, sempre tomado como ponto de referência do discurso.
Sobre a noção de dêiticos, voltaremos a ela em outra ocasião. No momento, o que é importante reter é a ideia de que tanto espaço quanto tempo irão se definir sempre em torno da instância discursiva na qual são produzidos, ou seja, em torno do eu, produtor do enunciado. É em relação, ou melhor dizendo, é a partir deste eu, que se define um “isto”, um “aqui”, um “agora”. 
Aula 13- Teorias: a abordagem distribucional – a análise transfrásica
O distribucionalismo é a variante americana do estruturalismo que, diferentemente do estruturalismo europeu, não estabelece a frase como limite epistemológico, mesmo se, na prática, ele opera no quadro da frase. Como pretendia Zellig Harris, a linguística descritiva buscava descrever as ocorrências de elementos em todo enunciado qualquer que fosse a sua extensão, lhes descrever em função de outros elementos presentes na mesma frase. 
Harris procurará corrigir essa prática tomando por objeto de análise não a frase, mas o “enunciado”, seja ele oral ou escrito, que ele chamará de “discurso”. Em outras palavras, a análise do discurso de Harris consistirá em aplicar o método distribucional a uma unidade transfrásica formando um todo coerente, ou seja: um texto. Harris escreve:
Ainda que nos utilizemos de procedimentos formais próximos aos da linguística descritiva, podemos obter sobre o texto estudado informações que esta disciplina não é capaz de fornecer. Esta informação suplementar provém de um fato fundamental: a análise da ocorrência de elementos no texto é realizada em função dos demais elementos nele presentes e não em função do que existe fora da língua. (Harris, 1969: 8)
A análise distribucional
A análise consiste, portanto, de paráfrases, concebidas no quadro de uma problemática na qual ela é um dado. A hipótese baseia-se na ideia de que em um texto existem conjuntos de frases que se relacionam por meio de paráfrases e que, neste caso, não há necessidade de uma teoria da paráfrase pois trata-se apenas de um fato que deve ser descrito. O analista recorre à informação gramatical, como a equivalência entre enunciado ativo e enunciado passivo: O caçador matou o leão = O leão foi morto pelo caçador. Com base nesse tipo de equivalência obtida pela transformação do enunciado, se opera a identificação das classes de equivalência no texto. 
A aplicação dos postulados metodológicos de Harris conduz a classes de paráfrases de maneira automática, sem recorrer ao sentido: para Harris, analisar sistematicamente um discurso consiste em expor as relações de paráfrases em diferentes esquemas de frase. Este tipo de análise, a qual ele dá o nome de transformacional, não é nada mais do que a comparação sistemática de paráfrases e do estudo das transformações linguísticas que permitem a passagem de uma paráfrase a outra.
A análise de Harris exercerá influências no período inicial de formação da AD, sobretudo a partir de sua proposição da análise de paráfrases, como ocorrerá com Michel Pêcheux e sua Análise automática do discurso, obra de 1969, na qual o autor aplica o modelo analítico de Harris. Nesse sentido, lembremos com Gadet que “Michel Pêcheux tornou explícita sua dívida com Harris”, não apenas porquese valeu de alguns procedimentos de análise tirados do autor norte-americano, mas, principalmente, porque é na obra de Harris que Pêcheux encontrará inspiração para elaborar todo o dispositivo analítico que é colocado em prática na Análise automática do discurso. No que se refere ao “registro da superfície discursiva”, a proximidade com a obra de Harris é latente: 
a redução do texto a enunciados elementares que lembram a frase “núcleo” de Harris, recurso às transformações (técnica gramatical essencial no método de Harris), busca, através dessas operações, de uma regularização ótima do discurso, com vistas à constituição dos domínios semânticos. (GADET at alii. 1997: 44)
Isso implica que na obra de Pêcheux podemos encontrar marcas das questões tratadas por Harris e que serão desdobradas em outras formuladas pelo analista do discurso: questões sobre a sinonímia/substituibilidade, questões sobre a variabilidade ou a invariabilidade semântica, são algumas das interrogações que serão formuladas por Pêcheux a partir do problema da paráfrase introduzido por Zellig Harris.
Aula 14- Teorias: o materialismo histórico e a teoria das ideologias
Como já vimos, o caráter interdisciplinar da AD é constituinte da disciplina que, por esta razão, ultrapassa os limites da análise linguística. Mas o que é preciso ressaltar, é que a maior parte dos trabalhos que contribuíram para sua elaboração estão ligados em alguma medida ao pensamento do filósofo marxista Louis Althusser, para quem era necessário definir uma ciência da ideologia da qual a AD deveria ser uma componente essencial.
Para Louis Althusser, a existência de uma disciplina como essa seria concebida em dois pilares: uma teoria geral da ideologia e uma teoria das ideologias particulares que “exprimem sempre, seja qual for a sua forma (religiosa, moral, jurídica, política) posições de classe” (2004 : 35). Esta teoria deveria estudar, na visão do autor, a “deformação imaginária da representação ideológica do mundo real” (p. 40), partindo do princípio de que esta deformação se dava por meio de certos processos cujo funcionamento poderia ser evidenciado por meio de sua manifestação discursiva. 
Mas a linguística do discurso em uso na época não pode operar o “descentramento do sujeito do discurso”, uma vez que ela não havia sido capaz de integrar em sua teoria nem o sujeito ideológico do materialismo histórico, nem o sujeito visto pela perspectiva da psicanálise. 
Na visão de Michel Pêcheux e Catherine Fuchs, se a linguística do discurso era uma disciplina indispensável para a análise da ideologia, ela era, ao mesmo tempo, insuficiente, na medida que “o objeto a propósito do qual a AD produz seu resultado não é um objeto linguístico mas um objeto sócio-histórico sobre o qual a linguística intervém como pressuposto”. Faltava assim à AD um quadro epistemológico que Pêcheux e Fuchs irão definir articulando três domínios do conhecimento científico: 
1. O materialismo histórico, como uma teoria das formações sociais e de suas transformações – incluindo entre elas a teoria das ideologias;
2. A linguística como teoria dos mecanismos sintáticos e enunciativos;
3. A teoria do discurso como teoria da determinação histórica dos processos semânticos.
Na visão dos referidos autores, estes três domínios são, em certa medida, atravessados e articulados por uma teoria da subjetividade, de natureza psicanalítica, que deverá ser explicitada.
Nos anos de 1960-1970 a ideologia era um conceito central: propunha-se na época pensar a relação entre o ideológico e o linguístico evitando circunscrever a análise do discurso no âmbito da análise da língua de modo a dissolver o discursivo no ideológico.
O Materialismo
O materialismo é uma doutrina filosófica segundo a qual a matéria constitui o princípio de tudo, incluindo aí o pensamento e a consciência, já que ambos procedem da atividade psicoquímica e biológica do sistema nervoso.
Derivado da renovação do materialismo de Karl Marx, o materialismo histórico é a ciência que se ocupa das formações sociais (estado da sociedade em dada época histórica) fundada no determinismo. Sua finalidade é a de apreender o homem concreto como produto de sua atividade, o resultado de sua história, determinando pelas condições de produção econômicas: “O modo de produção da vida material, condiciona o processo da vida social, política e intelectual de um modo geral”, escreve Marx em sua Crítica da economia política, de 1859.
Este determinismo direto não é partilhado por Althusser, já que para ele, entre o homem concreto e o modo de produção material, a relação não se dá diretamente. Pelo contrário, ela se realiza pela mediação da ideologia, concebida não como o reflexo das condições de vida reais, mas como a “relação imaginária, isto é, falsa, dos indivíduos com suas condições de existência” (2004: 38). Esta relação se concretiza materialmente nos chamados “aparelhos ideológicos do Estado”, ou então, materialidades ideológicas: escolas, universidades, instituições acadêmicas e religiosas, família etc.
Althusser explica essa relação imaginária recorrendo à dois sentidos do termo sujeito: um tirado da filosofia, outro do direito. Graças aos aparelhos ideológicos do Estado, a ideologia persuade o indivíduo a acreditar que ele é um sujeito, um homem consciente e livre tanto na dimensão de suas ideias quanto na dimensão de seus atos, enquanto que na realidade ele é sujeitado a uma autoridade superior (política, religiosa, administrativa etc.). Portanto, segundo Althusser, existe uma inconsciência das formas de dominação devido ao que ele chama de “efeito ideológico elementar”, ou como ele mesmo escreve em uma passagem de Ideologia e Aparelhos ideológicos de Estado:
[...] para você como para mim a categoria de sujeito é uma ‘evidência’ primeira (as evidências são sempre primeiras): é claro que você e eu somos sujeitos (livres, morais, etc). Como todas as evidências, incluindo as que fazem com que uma palavra ‘designe uma coisa’ ou ‘possua uma significação’ (portanto, incluindo as evidências da ‘transparência da linguagem), esta ‘evidência’ de que eu e você somos sujeitos – e que isso não crie problema – é um efeito ideológico, o efeito ideológico elementar. (Althusser, 199: 284 – grifo meu) 
Discurso, ideologia e inconsciente.
Althusser estabelece analogia entre ideologia e inconsciente. Como ele, Michel Pêcheux e Catherine Fuchs consideram que a ideologia é “constitutivamente inconsciente dela mesma”, e que desse ponto de vista o inconsciente, domínio do pensamento que escapa ao controle do indivíduo, desempenha a mesma função que a ideologia: ideologia e inconsciente possuem em comum a capacidade de “dissimular sua própria existência no interior de seu próprio funcionamento, produzindo um tecido de evidências subjetivas”. Tal analogia permite reunir a “evidência da existência espontânea do sujeito (como origem ou causa de si)” e o mecanismo d interpelação-identificação que, paradoxalmente, “produz o assujeitamento ao mascará-lo”. 
Deste modo, o sujeito ideológico do materialismo histórico, à semelhança daquele proposto pela psicanálise, crê que seu discurso é a expressão da realidade e que ele, o sujeito, é a fonte do sentido. Mas não segundo Pechêux, pois para o autor o discurso não faz parte do mundo das ideias, muito ao contrário, ele é um dos “aspectos materiais da [...] materialidade ideológica” ou Aparelhos Ideológicos de Estado. Nesta perspectiva, o conteúdo informacional do enunciado é uma aparência. Portanto, cabe a análise do discurso a tarefa de desconstruir o mecanismo de tal conteúdo, com o objetivo de atingir a ideologia que se encontra por detrás das evidências, ou o sentido manifestado pela materialidade linguística (palavras, frases, textos). Este objetivo resume de maneira clara a oposição existente entre a AD e a Análise de Conteúdo, pois se para a primeira interessa a dimensão qualitativa da análise, para a segunda importa a dimensão quantitativa.
O sujeito ideológico: comunidade e formação discursivas.
A noção de formação discursiva

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