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Jônatas Corrêa Jacob RESENHA – O SAGRADO Os aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o racional. Campinas/SP 2017 OTTO, Rudolf. O Sagrado: os aspectos irracionais na noção do divino e sua relação com o racional. São Leopoldo: Sinodal/EST; Petrópolis: Vozes, 2007. Rudolf Otto, nascido na Alemanha, viveu entre os anos de 1869 a 1937. Como teólogo protestante, filósofo e, também, historiador das religiões, lecionou a disciplina de Teologia nas Universidades de Göttingen, Breslau e Marburg, da qual foi seu reitor. Atuou na política como membro do Parlamento Prussiano e da Câmara Constituinte em meados de 1918. Sendo um luterano convicto, bastante rígido e extremamente aplicado aos estudos, seus alunos de Marburg o apelidaram de “o santo”. Em Marburg, criou um acervo reunindo informações sobre símbolos, rituais e aparatos religiosos intitulado de “Coleção Religiosa”, instituindo ali um centro de estudos sobre religiões. E nessa mesma área de estudos, sobre fenomenologia das religiões, Em O Sagrado, Otto desenvolve a respeito de suas observações sobre as características do elemento não-racional em debate com as características do racional, na esfera do mundo religioso. Isso é observado a partir do próprio subtítulo da obra: “um estudo do elemento não-racional na ideia do divino e a sua relação com o racional”. O autor, em seu primeiro capítulo, demonstra a oposição entre o racionalismo e o o elemento não-racional, e também sobre a resistência do não-racional diante do racional: “o sentir é tudo, o nome é som e fumaça” (p. 35). O elemento não-racional, o que é desconhecido e que está acima e além da compreensão humana, o qual a ortodoxia tende a sobrepor com o racionalismo, é justamente o foco de Otto nesta obra. Este elemento não-racional, que é imensurável e incompreensível, não pode ser explicado em conceitos, não pode ser entendido ou definido, pois ele existe apenas no universo do inefável, do indescritível. Na falta de um termo apropriado para descrever esse aspecto não-racional do sagrado, Otto “cunha” o termo numinoso, derivado da palavra latina numen (que significa aproximadamente “vontade divina", "atuação divina" ou "essência divina”) e empregado para designar a forma mais abstrata do sagrado. Para Otto, apenas aquelas que vivenciaram algum tipo de experiência religiosa são as que podem entender o sagrado, embora não necessariamente sejam capazes de expressar o que sentiram e viveram em relação a esta experiência numinosa. Do terceiro ao nono capítulo, Rudolf Otto desenvolve os seis aspectos do numinoso que ressaltam o caráter não-religioso e não-racional do sagrado, através da sensibilidade existente no homem. Ele discorre, primeiramente, a respeito do aspecto “sentimento de criatura” que retrata o sentimento de dependência contido no homem, que o remete a um objeto “que está fora” dele, o qual é o numinoso. O segundo aspecto desenvolvido por Otto é a respeito do mysterium tremendum et fascinans, o agrupamento de sentimentos que fazem relação à percepção do numinoso. O mysterium é o elemento da forma em si. O conteúdo qualitativo de repulsiva do mysterium é o tremendum, que retrata o terror provocado e o fascinans, que retrata a fascinação pelo numinoso que atrai ao indivíduo. O mysterium produz três sentimentos: O mysterium tremendum (que faz tremer e causar calafrios); o majestas, o poder da majestade divina, a superioridade mais absoluta do poder, tremenda majestas); o energético, ou a orgê (se manifesta principalmente no misticismo e no amor, provocando na alma o estado de excitação, e de impulsividade). Estes sentimentos estão em um nível fora da existência humana e apenas se revelam através do mysterium tremendum. Os hinos numinosos, o terceiro aspecto do numinoso desenvolvido por Rudolf Otto, discorre a respeito da experiencia do indivíduo ao entoar cânticos e orações que ressaltam o aspecto mysterium tremendum do numinoso, gerando naquele a contemplação daquele que é indescritível. O aspecto do numinoso que provoca uma atração especial, uma característica fascinação, é o fascinans. Este, o lado do tremendum, exerce uma harmonia de contrastes, cuja experiência maravilha, seduz e embriaga. O numinoso também se expressa pelo aspecto assombroso (deinós), algo inquietantemente misterioso. Um assombroso que não é explicado racionalmente e que ultrapassa nossa capacidade de imaginação. Por fim, o augustos (ou o sanctum) expressa a mais alta qualidade do numinoso, a santidade absoluta. A percepção deste aspecto gera no indivíduo a consciência da sua própria profanidade, indignidade e pecaminosidade. O autor dedica um breve capítulo para uma explanação a respeito do que ele propõe ser o irracional, deixando claro que não é algo apenas “vago e néscio” ou uma mera luta contra a racionalização. Para Otto, existe uma “esfera misteriosa e obscura que foge não ao nosso sentir, mas ao nosso pensar conceitual, e que por isso chamamos de ‘o irracional’” (p. 98). O numinoso, residindo nessa esfera misteriosa e inacessível, é despertado a partir do espírito do indivíduo. Otto descreve 3 meios pelos quais se exprime e se manifesta ao indivíduo. Os meios diretos são os meios “sagrados”, como escritos e a pregação (escritos comunicados em um rito). Os meios indiretos podem ser as imagens sacras e religiosas, grandes construções sacras, fenômenos sobrenaturais que não explicados cientificamente ou sem paralelo histórico ou então o próprio linguajar típico de cada religião e crença. A arte também é citada como uma forma do numinoso se expressar com o indivíduo, através das suas múltiplas formas de atuação, seja em esculturas, canções, pinturas sacras e até mesmo a arte gótica. As trevas, o silêncio e o próprio vazio também ganham significância artística quando usadas para expressar certas facetas do numinoso. Otto continua sua obra tratando acerca da manifestação do numinoso no contexto bíblico, expondo evidencias em trechos do Antigo Testamento (como a o caso de Jó e a sua experiencia com o numinoso) e, também no Novo Testamento (citando narrativas sobre Jesus e a forma como lidava com o numinoso, Paulo e sua convicção a respeito da inacessibilidade de Deus, entre outros). Após examinar as o antigo e novo testamento por exemplos do carácter irracional da religião, Rudolf Otto fala da manifestação do numinoso na vida de Lutero. Ele afirma, entre muitos aspectos da experiência de Lutero com numinoso que foi por meio dos ensinos de Lutero que ele obteve a “compreensão do numinoso e da sua diferença com o racional”. Todo o estudo realizado por Otto tem o cerne em sua concepção do sagrado em uma categoria a priori, baseado em Kant. Todo o conhecimento experimentado por um indivíduo tem início em suas experiências, ao mesmo tempo em que não é possível comprovar que todo esse conhecimento seja proveniente da experiência. Há uma diferença entre o conhecimento proveniente das impressões sensíveis, do mundo exterior (o empírico) e o que acontece a priori, a partir de um estímulo exterior que instiga uma disposição interna de conhecer. Para Otto, é a uma fonte de conhecimento profunda existente, originalmente, na alma e que não pode ser considerada independente de elementos exteriores ou anteriores às experiências sensíveis. O Sagrado é uma obra literária de grande importância para se estudar a fenomenologia da religião e poder refletir a respeito do não-racional envolvido na religião. De fato, o movimento religioso tem-se enjaulado no racionalismo e desaprendido a viver na contemplação do numinoso. Particularmente, contribuiu muito para minha espiritualidade pensar a respeito dos aspectos do numinoso e forma como Deus nos preparou para contemplá-lo, reverenciá-lo e adorá-lo. Apesar de sentir certa dificuldade na leitura devido a algunsdeslizes de tradução, deixando frases e parágrafos um pouco confusos, eu recomendo a leitura pois se trata de uma obra muito bem composta e que nos motiva a uma profunda reflexão a respeito do elemento não-racional do fenômeno religioso.
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