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SUMÁRIO 1. DA VIOLÊNCIA ENFRENTADA PELAS MULHERES NO BRASIL – UMA DURA REALIDADE .......................................................................................................................................... 1 1.1. Contextualização histórica da violência perpetrada contra as mulheres – a violência de gênero ...................................................................................................................................................... 3 1.2. Definição acerca da violência de gênero, um mau duradouro ................................................... 8 1.3. Processo evolutivo da conquista de Direitos por parte das mulheres no Brasil ..................... 10 2. LEI MARIA DA PENHA E FEMINICÍDIO, POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO CONQUISTADAS PELAS MULHERES .......................................................................................... 14 2.1. Das medidas implementadas pelo Estado no combate à violência, e sua repercussão ........... 15 2.1.1. Do surgir da Lei Maria da Penha – Lei 11.340/2006 e algumas de suas inovações legislativas importantes ............................................................................................................................................. 17 2.1.2. Lei nº 13.104 de 2015, o feminicídio como uma qualificadora do crime de homicídio ........ 23 2.2. Das espécies de violência contra as mulheres, conforme a legislação pátria .......................... 26 1. DA VIOLÊNCIA ENFRENTADA PELAS MULHERES NO BRASIL – UMA DURA REALIDADE O presente capítulo tem por objetivo analisar os aspectos históricos acerca da violência, especificamente a violência doméstica que tem como vítimas as mulheres, para o bom entendimento sobre o assunto abordado, faz-se necessário um estudo sobre a violência contra a mulher, especificamente violência de gênero, destacando o processo evolutivo para o entendimento atual sobre o tema, bem como a sua definição e motivos que fazem uma prática deplorável tão antiga, perdurar até os anos atuais, em um ciclo vicioso de pura violência e desrespeito. A violência faz parte da sociedade humana a bastante tempo, se não desde o princípio da humanidade. O impacto que tal ato tem é verificado mundialmente em variadas formas e maneiras. Todo ano tem-se notícias continuas de atos violentos por todo o globo, milhões de pessoas são vítimas e acabam por perder suas vidas. Tem-se uma estimativa mundial de que tal ato é uma das causas principais de morte entre pessoas de 13 e 44 anos em todo o mundo.1 No relatório mundial sobre a prevenção da violência realizado pela USP – Universidade de São Paulo, no ano de 2014, é relatado o seguinte quanto ao ato aqui estudado: A violência destrói vidas. No mundo todo, cerca de meio milhão de pessoas são assassinadas a cada ano. Além dessas mortes, milhões de crianças, mulheres e homens sofrem devido à amplitude das consequências da violência em nossas casas, nas escolas e nas comunidades. Muitas vezes, as consequências da violência atormentam a vida das pessoas por décadas, levando ao consumo inadequado de bebidas alcoólicas e de drogas, à depressão, ao suicídio, à evasão escolar, ao desemprego e a recorrentes dificuldades de relacionamento. Nos países que enfrentam situações de crise e conflitos, a violência pode prejudicar os esforços de recuperação e desenvolvimento, exacerbando divisões sociais, perpetuando o crime e, em alguns casos, levando à recorrência da guerra.2 Evidenciando dessa forma as graves proporções que atingem toda a sociedade em decorrência do descontrole da violência existente nos países. No mesmo relatório é explicado que a violência tem um custo estimado em bilhões de dólares com a saúde, dias que não são trabalhados, e investimentos que são perdidos.3 Obviamente que todo esse valor não se sobrepõe ao custo da dor e sofrimento que acomete os cidadãos, não sendo possível mensurar, haja vista que as consequências não se refletem unicamente no momento, mas são carregados para a vida toda. O ato de violência é uma das mais graves violações aos Direitos Humanos, haja vista que chega a atentar contra a vida, um dos direitos fundamentais do ser humano. É considerado um fenômeno com certo grau de 1 DAHLBERG, Linda L.; KRUG, G. Étienne. Violência: um problema global de saúde pública. 2006. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a07v11s0>, acesso em 2 de setembro de 2020. 2 NEV. Núcleo de Estudo de Violência. RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE A PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA. 2014. USP. Disponível em: <https://nev.prp.usp.br/wp-content/uploads/2015/11/1579-VIP-Main- report-Pt-Br-26-10-2015.pdf>, acesso em 2 de setembro de 2020. 3 NEV. Núcleo de Estudo de Violência. RELATÓRIO MUNDIAL SOBRE A PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA. 2014. USP. Disponível em: < https://nev.prp.usp.br/wp-content/uploads/2015/11/1579-VIP- Main-report-Pt-Br-26-10-2015.pdf>, acesso em 2 de setembro de 2020. http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a07v11s0 https://nev.prp.usp.br/wp-content/uploads/2015/11/1579-VIP-Main-report-Pt-Br-26-10-2015.pdf https://nev.prp.usp.br/wp-content/uploads/2015/11/1579-VIP-Main-report-Pt-Br-26-10-2015.pdf https://nev.prp.usp.br/wp-content/uploads/2015/11/1579-VIP-Main-report-Pt-Br-26-10-2015.pdf https://nev.prp.usp.br/wp-content/uploads/2015/11/1579-VIP-Main-report-Pt-Br-26-10-2015.pdf complexidade, haja vista que envolve os mais variados fatores, quais sejam, sociais, políticos, econômicos, religiosos, culturais, dentre outros.4 Ao buscar uma forma de conceituar a violência, é possível encontrar diversas formas de definições, mas atendo apenas a definição apresentada pela Organização Mundial da Saúde – OMS, é possível defini-la da seguinte forma, “uso de força física ou poder, em ameaça ou na prática, contra si próprio, outra pessoa ou um contra um grupo ou comunidade que resulte ou possa resultar em sofrimento, morte, dano psicológico, desenvolvimento prejudicado ou privação”.5 1.1. Contextualização histórica da violência perpetrada contra as mulheres – a violência de gênero O mundo é local onde se encontram as mais diversas condutas e atitudes, que inclusive, fogem dos padrões morais e éticos que são estabelecidos, e em detrimento de tal diversidade as diferenças nada mais são do que frutos delas, os doutrinadores Gilberto Velho e Marcos Alvito6 explicam em sua obra que é dessa gama de diferenças que surgem mais diferenças. Podendo ser citado à desigualdade social como um exemplo claro, é tal diferença é algo que acarreta grandes conflitos sociais. Outro forte exemplo é a diferença que existe desde os primórdios entre os homens e a mulheres. Tal posicionamento é importante para o estudo, uma vez que, são as diferenças que cominam na discriminação para com as mulheres acarretando na violência sofrida por elas, sendo a violência doméstica um dos maiores exemplos, tais condutas são também conhecidas, e denominadas, como violência de gênero. Sendo importante destacar os ensinamentos dados por Irene Okabe e Rosa Maria Godoy, onde citam o seguinte: A violência contra a mulher é uma forma de violência que persiste no tempo e se estende praticamente a todas as classes sociais, culturas e sociedade. Desde a década de 1950, vem sendo referida de diversas maneiras como violência intrafamiliar, 4 DAHLBERG, Linda L.; KRUG, G. Étienne. Violência: um problema global de saúde pública. 2006, p. 1163. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a07v11s0>, acesso em 2 de setembro de 2020. 5 World Health Organization. Global consultation on violence and health.Violence: a public health priority. Geneva: WHO; 1996 (document WHO/EHA/ SPI.POA.2). 6 VELHO, Gilberto. ALVITO, Marcos. Violência, reciprocidade e desigualdade: uma perspectiva antropológica. Cidadania e Violência. 2. Ed. rev. Editora UFRJ; Editora FGV, Rio de Janeiro, 2000, p. 13. http://www.scielo.br/pdf/csc/v11s0/a07v11s0violência contra a mulher, violência doméstica. A partir da década de 1990, ela foi designada também como violência de gênero.7 Quando se fala em gênero, é necessário compreender que se trata da forma em que as distinções entre os sexos, feminino e masculino, são colocadas em toda a sociedade durante o processo evolutivo, uma distinção que ocorre desde os primórdios dos tempos, onde é possível perceber uma forte desigualdade que o sexo feminino enfrenta com relação ao sexo masculino, e se estende até os tempos modernos.8 De todos os tipos de violência conhecidos, a doutrinadora Tatiana Barreira Bastos9 destaca em sua obra que a violência perpetrada contra a mulher, violência doméstica e familiar, ou de gênero, é uma das formas mais cruéis, pois tal conduta ocorre de forma silenciosa, raros são os momentos em que se têm testemunhas, e aquele que a causa é alguém em quem a mulher, vítima, confia e mantém um vínculo afetivo. Esse tipo de violência enfrentada constantemente pelas mulheres em todo mundo, é considerado uma das mais graves violações frente aos direitos humanos, e também um problema de saúde pública, uma vez que a sua prática acarreta danos físicos a quem sofre, mas também psicológicos, e tal conduta está presente, até de forma cultural, em vários países, se não todos, e isso não depende do grau de desenvolvimento do país, ocorre em países de primeiro mundo e emergentes10, onde se tem como algo natural a opressão do homem sobre a mulher. A violência contra a mulher não é um fenômeno recente, muito pelo contrário, é antigo e bastante presente na sociedade mundial. A sociedade brasileira foi erigida com alicerces 7 OKABE, Irene. FONSECA, Rosa Maria Godoy Serpa de. Violência contra a mulher: contribuições e limitações do sistema de informação. Revista Esc Enfermagem USP, 2008, p. 453. Disponível em: <periodicos.usp.br/reeusp/article/view/40378/43322>, acesso em 2 de setembro de 2020. 8 SANTOS, Andreza Patrícia Mota dos. FIGUEIREDO, Cristiano Lázaro Fiuza. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NEGRA E A (IN)EFICÁCIA NA APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA. 2020, P. 3. Disponível em: <http://ri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1669/1/TCCANDREZAPATRICIASANTOS.pdf>, acesso em 2 de setembro de 2020. 9 BASTOS, Tatiana Barreira. Violência doméstica e familiar contra a mulher: Análise da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06): um diálogo entre a teoria e a prática. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. pg. 72. 10 SANTOS, Andreza Patrícia Mota dos. FIGUEIREDO, Cristiano Lázaro Fiuza. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NEGRA E A (IN)EFICÁCIA NA APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA. 2020, p. 3. Disponível em: <http://ri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1669/1/TCCANDREZAPATRICIASANTOS.pdf>, acesso em 2 de setembro de 2020. http://ri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1669/1/TCCANDREZAPATRICIASANTOS.pdf http://ri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1669/1/TCCANDREZAPATRICIASANTOS.pdf patriarcais de influência portuguesa, em que a figura masculina exerce poderes e direitos sobre a figura feminina, encontrando-se em posição superior em relação a esta. Fora os fatores acima expressos, o machismo em uma sociedade extremamente patriarcal, por mais que se tenha evoluído, contribuem efetivamente para que a mulher seja vista como um ser inferior, e é nesse sentido que a escritora Sarah Alves debruça sobre tais fatores, expondo o seguinte: O machismo é um preconceito, expresso por opiniões e atitudes, que se opõe à igualdade de direitos entre os gêneros, favorecendo o gênero masculino em detrimento do feminino. Ou seja, é uma opressão, nas suas mais diversas formas, das mulheres (...). Na prática, uma pessoa machista é aquela que acredita que homens e mulheres tem papeis distintos na sociedade, que a mulher não pode ou não deve se portar e ter os mesmos direitos de um homem ou que julga a mulher como inferior ao homem em aspectos físicos, intelectuais e sociais. 11 O pensamento acima destacado não é algo novo, é fruto de um problema muito antigo que tem o seu desfecho na violência doméstica, sendo possível destacar que a figura masculina, principalmente branca, sempre fora vista como um ser superior as mulheres, haja vista o forte exercício patriarcal, e em detrimento dessa superioridade, historicamente, eles poderiam determinar a forma de agir das esposas, sendo tolerada pelo meio civil punição de condutas que rompiam com a cultura da época.12 Dessa forma, as mulheres aprendiam desde cedo a assumir papeis muito especifico, e romper com tais papéis era praticamente um crime, quais sejam, ser mãe, esposa prestativa, submissa e muito obediente. O que acaba reiterando a relação da violência contra a mulher, justamente em detrimento do gênero.13 Quando se faz um estudo histórico sobre o tratamento dado as mulheres no passado, é possível citar como primeiro exemplo o povo grego durante período clássico, compreendido entre os séculos V a.C. e IV a.C, onde as mulheres eram divididas em pelo menos 5 grupos 11 ALVES, Sarah. Violência Doméstica: uma coroa de espinhos. – Ribeirão Preto, SP: Amazon, 1ª ed, 2020, p. 12. 12 SANTOS, Andreza Patrícia Mota dos. FIGUEIREDO, Cristiano Lázaro Fiuza. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NEGRA E A (IN) EFICÁCIA NA APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA. 2020, p. 3. Disponível em: <http://ri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1669/1/TCCANDREZAPATRICIASANTOS.pdf>, acesso em 2 de setembro de 2020. 13 ALVES, Williana Alexandre. OLIVEIRA, Maria Tereza. Violência doméstica e familiar contra a mulher; FONAVID - Fórum Nacional de Juízes de violência doméstica e familiar contra a mulher. Natal, 2017. Disponível em: <https://www.amb.com.br/fonavid/files/livro-fonavid.pdf>, acesso em 2 de Setembro de 2020. http://ri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1669/1/TCCANDREZAPATRICIASANTOS.pdf distintos, disposto das seguinte formas: 1 – mulheres livres, 2 – escravas, 3 – estrangeiras, 4 – de família rica, 5 – de família pobre, mas todas tinham uma coisa em comum, elas eram submissas aos homens.14 A submissão enfrentada pelas mulheres era tamanha, que desde o momento do nascimento elas estavam sujeitas as ordenações autoritárias das figuras másculas, tendo este o poder de decidir sobre o futuro da criança, recém-nascida, ao ponto de decidir se viveria, ou se morreria, assim explica Michael Massey15, aquelas que não servissem ao agrado do homem, eram rejeitadas e largadas para a morte. O autor cita em sua obra o trecho de uma carta do Egito datada do século 1 d.C., onde se tem a seguinte frase “Se – e boa sorte para você – tiver um bebê e for homem, deixe-o viver, mas se for mulher, abandone-o”16, o que demonstra, um pouco, o descaso sofrido pelo sexo feminino desde os primórdios do tempo. Os rapazes eram preparados para conseguir exercer ocupações em que propiciassem o sustento da casa, enquanto as moças aprendiam, em sua maioria, atividades do lar, afim de que pudessem exercer o mesmo papel de suas mães assim que casassem. De todos os seres viventes e pensantes, nós mulheres somos as mais desafortunadas. Primeiro que temos um dote que deve comprar um marido para controlar nossos corpos; não ter um marido é pior. Segundo, há a importante pergunta: ele é um bom ou mau marido? Mulheres não possuem um jeito fácil de sair de um casamento e não pode dizer não aos seus maridos.17 O doutrinador Jaime Pinsky, também tratando sobre a violência sofrida pelas mulheres, explica em sua obra que nas antigas civilizações sempre foi notório o rebaixamento do sexo feminino, o mesmo explica que a agricultura foi algo descoberto por observações femininas, 14 ALVES, Sarah. Violência Doméstica: uma coroa de espinhos. – Ribeirão Preto, SP: Amazon, 1ª ed, 2020, p. 12. 15 MASSEY, Michael. Women in Ancient Greece and Rome. CAMBRIDGE UNIVERSITY PRESS, 1988, p. 4. Disponívelem : <http://46285e41b8c47a929adcfdfc987ea106.petparknride.com/read.php?id=0521318076&title=Women+in+An cient+Greece+and+Rome+by+Michael+Massey&author=Michael+Massey>, acesso em 3 de setembro de 2020. 16 Ibid., p. 4. 17 MASSEY, Michael. Women in Ancient Greece and Rome. CAMBRIDGE UNIVERSITY PRESS, 1988, p. 5. Disponível em : < http://46285e41b8c47a929adcfdfc987ea106.petparknride.com/read.php?id=0521318076&title=Women+in+Anci ent+Greece+and+Rome+by+Michael+Massey&author=Michael+Massey>, acesso em 3 de setembro de 2020. porém, como o homem que realizava a caça, fornecendo a proteína, tinha o seu trabalho muito mais valorizado que o das mulheres.18 Os doutrinadores Massey e Pinsky destacam situações fáticas que evidencia o quão antigo é a violência sofrida pelas mulheres, os constantes maus tratos sofridos por elas eram vistos como algo normal na antiguidade19, o ato de não obedecer ao cônjuge, como retratado aqui no estudo, ou apenas ser contraria a determinas decisões era motivo para serem punidas, sendo espancadas, e tal conduta era considerada algo normal, a morte muitas vezes era aplicada como punição. Ser mulher antigamente, e até mesmo hoje, era algo relacionado a ser uma pessoa frágil, estando sempre submissa a figura masculina, sendo esta a autoridade máxima do lar, sendo o único que poderia tomar as decisões dentro do lar, essa forma patriarcal mais extrema foi algo que perdurou muito tempo, sendo possível ainda encontrar situações aqui destacadas, nos tempos atuais. Renata Mâcedo e Rosangela Moraes20 destacam em seu estudo que somente no decorrer, e principalmente após, a segunda Guerra Mundial que as mulheres passam a adquirir certa autonomia com relação aos homens, e isso ocorre muito em detrimento da quantidade de lares que perderam a figura masculina para guerra, tendo a mulher que assumir tal papel, algo que até então não era bem visto. É justamente durante esse período que se tem ascensão de movimentos feministas, que tinham como principal causa a luta pelo direito a igualdade entre os sexos, tendo possibilitado a discussão sobre os direitos das mulheres, repercutindo suas lutas, sendo este o marco inicial para que a mulher pudesse ser inserida na sociedade como um ser humano com direitos iguais aos homens.21 18 PINSKY, Jaime. As primeiras civilizações. 138 ed. São Paulo: Atual, 1994, p. 40.. 19 LEITE, Renata Mâcedo. NORONHA, Rosangela Moraes Leite. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: HERANÇA HISTÓRICA E REFLEXO DAS INFLUÊNCIAS CULTURAIS E RELIGIOSAS. Revista Direito e Dialogicidade – Crato, CE, vol. 6, 2015, p. 2 -3. Disponível em: < http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/DirDialog/article/view/959>, acesso em 9 de setembro de 2020. 20 Ibid, p. 4. 21 GUIMARÃES, Maisa Campos. PEDROZA, Regina Lucia Sucupira. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: PROBLEMATIZANDO DEFINIÇÕES TEÓRICAS, FILOSÓFICAS E JURÍDICAS. 2015. Disponível em: < https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-71822015000200256&script=sci_arttext>, acesso em 9 de setembro de 2020. http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/DirDialog/article/view/959 Surge disso a possibilidade das mulheres trabalharem fora de suas casas, rompendo com a obrigatoriedade de serem donas de casas, elas podem tomar decisões das suas próprias vidas, sendo livres para escolher se terão filhos ou não, se irão casar ou não, atingindo, em partes, a autonomia desejada, e que historicamente sempre fora negado. Não foi apenas a aquisição do direito de trabalhar, decidir sobre sua vida familiar, mas uma conquista para sua dignidade como ser humano.22 Importante destacar que as conquistas acima citadas não se deram, e não se dão, de forma plena em todos os países. Em uma pesquisa realizada pela BBC em parceria com o Banco Mundial, apenas seis países possuem paridade de direito entre homens e mulheres em 100%, Bélgica, Dinamarca, França, Letônia, Luxemburgo e Suécia. E países como Bangladesh, Paquistão, Irã e Arábia Saudita, têm sua paridade estimada em menos de 50%. O estudo revelou que na média global, o sexo feminino tem apenas 75% dos mesmos direitos que os homens.23 O estudo histórico pôde ajudar a compreender características importantes da violência sofrida pelas mulheres, é uma herança eivada no preconceito, historicamente as mulheres foram rebaixadas e tratadas sem a dignidade necessária, e que mereciam como ser humano. Mas como tudo no mundo evolui, a concepção sobre os direitos das mulheres também sofreu um processo evolutivo, demorado, mas que propiciou melhora na qualidade de vida. Porém, como os dados aqui expostos evidenciam, ainda existe um caminho a ser percorrido para que as mulheres sejam mais respeitadas, e possa ocorrer o rompimento com a violência de gênero, tendo vista que ainda impera socialmente o preconceito com as mulheres. 1.2. Definição acerca da violência de gênero, um mau duradouro Feita uma breve contextualização histórica acerca da violência sofrida pelas mulheres, necessário se faz apresentar, de forma breve, a definição da violência de gênero, que é aquela 22 LEITE, Renata Mâcedo. NORONHA, Rosangela Moraes Leite. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: HERANÇA HISTÓRICA E REFLEXO DAS INFLUÊNCIAS CULTURAIS E RELIGIOSAS. Revista Direito e Dialogicidade – Crato, CE, vol. 6, 2015, p. 2 -3. Disponível em: < http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/DirDialog/article/view/959>, acesso em 9 de setembro de 2020. 23 BBC. Dia Internacional da Mulher: os únicos seis países que garantem direitos iguais a homens e mulheres. 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47471950>, acesso em 10 de setembro de 2020. http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/DirDialog/article/view/959 https://www.bbc.com/portuguese/internacional-47471950 enfrentada pelas mulheres, sinônimo da violência doméstica, o que poderá enriquecer o conhecimento sobre o tema. A violência de gênero realizada oponente a mulher, sendo, inclusive empregada como sinônimo, nada mais é do que a violência exercida por um sujeito de um gênero sobre o oposto, em síntese, é o homem (ou a mulher nas relações homoafetivas) usando da sua força ou do seu poder com vistas a lesionar ou causar danos à mulher. A concepção de gênero está relacionada com os papéis e idéias entabulados pela sociedade como aquelas atitudes ou espaços que determinado gênero deve ocupar.24 Importante compreender que ter o gênero incorporado como uma categoria que possibilita a abertura de um caminho para a compreensão das desigualdades que ocorrem de forma persistente, ao longo de vários anos, entre homens e mulheres. Na violência contra a mulher, o gênero masculino possui poderes e direitos sobre aquelas, podendo deliberar até mesmo sobre seu corpo e sua vida, decorre desde os romanos e permanece até os dias atuais através do ideal patriarcal.25 Tendo em posse a noção do que se trata o termo gênero, bem como a sua importância, no ano de 1993 a Assembléia Geral das Nações Unidas, por intermédio da “Declaração para Eliminação da Violência Contra a Mulher”, passou a apresentar uma definição para a violência contra as mulheres da seguinte forma: Para os fins da presente Declaração, a expressão “violência contra as mulheres” significa qualquer acto de violência baseado no gênero do qual resulte, ou possa resultar, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico para as mulheres, incluindo as ameaças de tais actos, a coacção ou a privação arbitrária de liberdade, que ocorra, quer na vida pública, quer na vida privada.26 24 GUIMARÃES, Maisa Campos. PEDROZA, Regina Lucia Sucupira. VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: PROBLEMATIZANDO DEFINIÇÕES TEÓRICAS, FILOSÓFICAS E JURÍDICAS. 2015. Disponível em: < https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-71822015000200256&script=sci_arttext>, acesso em 9 de setembro de 2020. 25 OKABE, Irene. FONSECA, Rosa Maria Godoy Serpa de. Violência contra a mulher:contribuições e limitações do sistema de informação. Revista Esc Enfermagem USP, 2008, p. 453. Disponível em: <periodicos.usp.br/reeusp/article/view/40378/43322>, acesso em 2 de setembro de 2020. 26 ONU. DECLARAÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA AS MULHERES. 1993, art. 1º. Disponível em: < https://popdesenvolvimento.org/publicacoes/temas/descarregar- ficheiro.html?path=4%29+Direitos+Humanos%2Fc%29+G%C3%A9nero%2FDeclara%C3%A7%C3%A3o+So bre+A+Elimina%C3%A7%C3%A3o+Da+Viol%C3%AAncia+Contra+As+Mulheres.pdf.>. Acesso em 11 de setembro de 2020. https://popdesenvolvimento.org/publicacoes/temas/descarregar-ficheiro.html?path=4%29+Direitos+Humanos%2Fc%29+G%C3%A9nero%2FDeclara%C3%A7%C3%A3o+Sobre+A+Elimina%C3%A7%C3%A3o+Da+Viol%C3%AAncia+Contra+As+Mulheres.pdf https://popdesenvolvimento.org/publicacoes/temas/descarregar-ficheiro.html?path=4%29+Direitos+Humanos%2Fc%29+G%C3%A9nero%2FDeclara%C3%A7%C3%A3o+Sobre+A+Elimina%C3%A7%C3%A3o+Da+Viol%C3%AAncia+Contra+As+Mulheres.pdf https://popdesenvolvimento.org/publicacoes/temas/descarregar-ficheiro.html?path=4%29+Direitos+Humanos%2Fc%29+G%C3%A9nero%2FDeclara%C3%A7%C3%A3o+Sobre+A+Elimina%C3%A7%C3%A3o+Da+Viol%C3%AAncia+Contra+As+Mulheres.pdf No arcabouço jurídico, encontram-se duas definições legais relativas à violência contra as mulheres, sendo uma delas oriunda da Lei Maria da Penha e a outra do crime de feminicídio inserido pela Lei 13.104/15, como modalidade do homicídio qualificado, respectivamente, in verbis: Art. 5º: Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial: I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.27 Homicídio qualificado § 2° Se o homicídio é cometido: (…) Feminicídio VI – contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: Pena – reclusão, de doze a trinta anos. § 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve: I – violência doméstica e familiar; II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher.28 A formação da sociedade patriarcal influenciou e ainda influencia diretamente no processo de construção do sentimento de posse do homem sobre a mulher decorrente da disseminação de uma educação pautada nos padrões patriarcais (machista, misógino e sexista). O pensamento masculino de superioridade, de poder e de direito sobre o corpo e a vida da mulher é o legitimador da violência de gênero, podendo os homens usar da força para impor sua vontade e subjugar a figura feminina. 1.3. Processo evolutivo da conquista de Direitos por parte das mulheres no Brasil É importante compreender a luta das mulheres por direitos, pois essa luta incessante pelo simples direito de serem tratadas de forma igualitária com os homens, evidencia o quanto é algo que ainda precisa ser, de fato, conquistado, haja vista altos índices relatados no Brasil quanto a violência doméstica, ou de gênero. Nesse sentido, a luta das mulheres por direitos está ligada diretamente com os movimentos feministas no Brasil, que se inicia somente no século XX, em seus primeiros anos, tendo 27 BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Art. 5º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>, acesso em 10 de setembro de 2020. 28 Id. LEI Nº 13.104, DE 9 DE MARÇO DE 2015. Art. 1º. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm>, acesso em 10 de setembro de 2020. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm como precursora a Doutora Bertha Lutz, conhecida como uma das maiores lideres na luta por direitos para as mulheres no Brasil. Movida pelo que tinha vivenciado em Londres, ela funda em 1919 a “Liga da Emancipação Intelectual Feminina” que muda o nome alguns anos depois, em 1922, para “Federação Brasileira pelo Progresso Feminino”.29 A bióloga Bertha Maria Júlia Lutz, nascida em São Paulo, no ano de 1894, foi a precursora da primeira onda do feminismo no Brasil e responsável por movimentos e ações políticas que culminaram na criação de leis que concederam o direito ao voto às mulheres brasileiras, ficando conhecida mundialmente como a maior líder na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras.30 Nos estudos históricos é possível ver que o sofrimento feminino com a constante descriminação e consequente violência sofrida por elas é algo que tem seus relatos em épocas antes de cristo, e no Brasil é somente em 1919 que se tem um movimento liderado por uma mulher para que se consiga adquirir direitos. O movimento feminino tinha como principal frente o trabalho, o direito de trabalhar para garantir a sua subsistência, outra frente do movimento visava garantir a elas os direitos políticos, pois acreditava ser a ferramenta ideal para desenvolver a luta das mulheres.31 Como consequência do movimento feminino, no Estado do Rio Grande do Norte, durante o ano de 1927 é sancionada uma lei estadual que permitiu que mulheres pudessem votar, participar dessa forma, ativamente, das eleições. Por mais que tal mudança não tenha se dado em âmbito nacional, a conquista foi algo significativo, mas ainda não garantia o exercício pleno dos direitos políticos.32 29 SOUZA, Bruna Tavares. REFLEXÕES SOBRE OS ASPECTOS SOCIAIS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. 2013, p. 7. Disponível em: < https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/4969/1/TCC%20BRUNA%20TAVARES.pdf>, acesso em 11 de setembro de 2020. 30 BRASIL. Bertha Lutz. Brasilia: Cidadania e Justiça. 2014. Disponível em: <https://www.brasil.gov.br/cidadania-e-justica/2012/04/bertha-lutz>, acesso em 11 de setembro de 2020. 31 MONTEIRO, Kimberly Farias. GRUBBA, Leilane Serratine. A LUTA DAS MULHERES PELO ESPAÇO PÚBLICO NA PRIMEIRA ONDA DO FEMINISMO: DE SUFFRAGETTES ÀS SUFRAGISTAS. Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v.8, 2017, p. 262. Disponível em: < https://periodicos.unipe.br/index.php/direitoedesenvolvimento/article/view/563/441>, acesso em 11 de setembro de 2020. 32 MONTEIRO, Kimberly Farias. GRUBBA, Leilane Serratine. A LUTA DAS MULHERES PELO ESPAÇO PÚBLICO NA PRIMEIRA ONDA DO FEMINISMO: DE SUFFRAGETTES ÀS SUFRAGISTAS. Direito e Desenvolvimento, João Pessoa, v.8, 2017, p. 262. Disponível em: < https://periodicos.unipe.br/index.php/direitoedesenvolvimento/article/view/563/441>, acesso em 11 de setembro de 2020. https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/4969/1/TCC%20BRUNA%20TAVARES.pdf Em detrimento da luta constante das mulheres, ocorre uma revolução feminista em 1930 que obteve como resultado o alcance nacional do direito ao voto por parte das mulheres, durante a era Vargas houve a edição do Decret0-lei nº 21.076, de 1932, onde em seu 2º artigo estabeleceu de forma inédita o seguinte, in verbis, “e’ eleitos o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na fórma deste Codigo”.33 O conselho estadual dos Direitos da Mulher explica ainda que no mesmo ano de 1932 fora criada a primeira legislação que promovia a proteção ao trabalho das mulheres, e no ano seguinte, em 1933, a primeira mulher foi eleita como Deputada Federal no país, a paulistana Carlota Pereira Queirós.34 Outro passo importante dado na luta por direitos das mulheres se deu com a participação de Bertha no comitêque elaborou a Constituição de 1934, efetivando assim, de forma constitucional, a igualdade de homens e mulheres nos direitos políticos. Mas a luta não era algo que podia parar, e em detrimento de toda repercussão atingida, a ONU, na sua Assembléia Geral decretou no ano de 1975, o dia 8 de março como o Dia Internacional das Mulheres. 35 A conquista acima mencionada só ocorreu depois de um trágico, e triste, acontecimento nos EUA, onde mais de 120 mulheres operárias morreram queimadas, e trancadas dentro de uma fábrica, e estas estavam reinvidicando por melhores condições de trabalho, e o direito a licença maternidade.36 Retomando para o âmbito nacional, é no ano de 1975 que é criado no Brasil o movimento Feminino pela Anistia, que contava com o apoio da ONU, onde se realizava constantes debates para dar melhores condições e garantir direitos às mulheres, em decorrência disso 33 CAMARA. DECRETO Nº 21.076, DE 24 DE FEVEREIRO DE 1932. Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21076-24-fevereiro-1932-507583- publicacaooriginal-1-pe.html>, acesso em 12 de setembro de 2020. 34 CEDIM. Conselho Estadual dos Direitos da Mulher. A história de luta e conquistas das mulheres brasileiras. Disponível em: <http://www.cedim.rj.gov.br>, acesso em 12 de setembro de 2020. 35 SOUZA, Bruna Tavares. REFLEXÕES SOBRE OS ASPECTOS SOCIAIS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. 2013, p. 20. Disponível em: < https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/4969/1/TCC%20BRUNA%20TAVARES.pdf>, acesso em 12 de setembro de 2020. 36 SOUZA, Bruna Tavares. REFLEXÕES SOBRE OS ASPECTOS SOCIAIS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER. 2013, p. 20 - 21. Disponível em: <https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/4969/1/TCC%20BRUNA%20TAVARES.pdf>, acesso em 12 de setembro de 2020. tem-se a provada em 1977 a lei do divórcio. E avançando mais no tempo, é somente em 1985 que se tem a criação da primeira Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher. A criação da DEAM se deu após as discussões sobre a violência contra as mulheres ganhar destaque, ainda em 1970. Todas as poucas conquistas aqui elencadas evidenciam a importância do movimento feminista para lidar com um problema que já era uma realidade a muitos séculos atrás, a violência perpetrada contra as mulheres.37 Os debater acerca da violência contra a mulher possibilitou que no ano de 1994 tivesse a realização da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, no Estado do Pará, sendo este o primeiro tratado internacional que visava garantir o respeito aos direitos humanos também para as mulheres, visando de forma incisiva reconhecer a existência da violência contra as mulheres, e enfrentar.38 Reconhecendo que o respeito irrestrito aos direitos humanos foi consagrado na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos Humanos e reafirmado em outros instrumentos internacionais e regionais, Afirmando que a violência contra a mulher constitui violação dos direitos humanos e liberdades fundamentais e limita todas ou parcialmente a observância, gozo e exercício de tais direitos e liberdades; Preocupados por que a violência contra a mulher constitui ofensa Contra a dignidade humana e é manifestação das relações de poder historicamente desiguais entre mulheres e homens.39 A convenção entendia que buscar erradicar da sociedade a violência contra as mulheres, era a ferramenta necessária para que as mesmas pudessem ter o seu desenvolvimento individual, e também social, bem como a sua participação de forma plena e igualitária, em todas as esferas sociais devidas. 37 LEITE, Renata Mâcedo. NORONHA, Rosangela Moraes Leite. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: HERANÇA HISTÓRICA E REFLEXO DAS INFLUÊNCIAS CULTURAIS E RELIGIOSAS. Revista Direito e Dialogicidade – Crato, CE, vol. 6, 2015, p. 5. Disponível em: < http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/DirDialog/article/view/959>, acesso em 9 de setembro de 2020. 38 PIOVESAN, Flávia. Tema de direitos humanos. 3 ed., São Paulo. Saraiva, 2009, p. 5. 39 BRASIL. DECRETO Nº 1.973, DE 1º DE AGOSTO DE 1996. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1996/D1973.htm#:~:text=DECRETO%20N%C2%BA%201.973% 2C%20DE%201%C2%BA,9%20de%20junho%20de%201994.>, acesso em 12 de setembro de 2020. http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/DirDialog/article/view/959 2. LEI MARIA DA PENHA E FEMINICÍDIO, POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO CONQUISTADAS PELAS MULHERES Como estudado no capítulo anterior, as mulheres desde os primórdios sofrem com uma sociedade patriarcal que impõe sua força, desejos e vontades sob as mulheres, tendo tido durante longos anos seus direitos negligenciados pela sociedade e pelo Estado, tendo que viver para satisfazer aos homens. Somente durante os anos setenta que movimentos feministas ganharam força no Brasil, graças a uma vivência ocorrida no exterior, e conseguiram conquistar direitos, e um pouco mais de dignidade para viver em sociedade. Não eram mais obrigadas a se casar a mero desejo de seus pais, importante citar que isso ainda ocorre em certos países, passaram a poder trabalhar fora de casa para garantir a própria subsistência, não tendo que ficar reclusas em casa. Ocorre que, como uma sociedade ainda fortemente patriarcal, os seus direitos rotineiramente são violados, necessitando de uma atuação, mesmo tardia, do Estado. Nesse sentido, será tratado aqui no segundo capítulo sobre as políticas de enfrentamento a violência sofrida pelas mulheres, em especifico a Lei Maria da Penha, com mais de 10 anos de existência, e o recente instituto do feminicídio, bem como algumas características apresentadas nesse instituto legal, e o posicionamento dos tribunais ao tratar a violência de gênero. 2.1. Das medidas implementadas pelo Estado no combate à violência, e sua repercussão De inicio é importante destacar que quando os movimentos sociais, no caso aqui em tela o feminista, acabam pressionando o Estado a agir diante de uma situação, no caso estudado de desigualdade e consequente violência, e em decorrência disso o mesmo passa a tomar algumas medidas para atender essa demanda social, a de se falar em ações afirmativas.40 As ações afirmativas buscam propiciar uma igualdade de direitos a determinados grupos em que determinando momento da história tiveram esses mesmo direitos negado, sendo, conforme cita Samira de Moraes, “políticas públicas sociais que buscam concretizar a igualdade substancial ou material”41. Sendo este um instituto que apresenta uma razoável eficácia para os males enfrentados por esse grupo, tendo por objetivo reduzir, ou mesmo eliminar as desigualdades, nesse sentido o doutrinador Joaquim Benedito Barbosa Gomes aduz o seguinte: Consistem em políticas públicas (e também privadas) voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade material e à neutralização dos efeitos da discriminação racial, de gênero, de idade, de origem nacional, de compleição física e situação socioeconômica (adição nossa). Impostas ou sugeridas pelo Estado, por seus entes vinculados e até mesmo por entidades puramente privadas, elas visam a 40 VIGANO, Samira de Moraes Maia. LAFFIN, Maria Hermínia Lage Fernandes. Mulheres, políticas públicas e combate à violência de gênero. 2019, p. 8. Disponível em: < https://www.scielo.br/pdf/his/v38/1980-4369- his-38-e2019054.pdf>, acesso em 20 de setembro de 2020. 41 VIGANO, Samira de Moraes Maia. LAFFIN, Maria Hermínia Lage Fernandes. Mulheres, políticas públicas e combate à violência de gênero. 2019, p. 8. Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/his/v38/1980-4369-his- 38-e2019054.pdf>, acesso em 20 de setembro de 2020. combater não somente as manifestações flagrantes de discriminação, como tambéma discriminação de fundo cultural, estrutural, enraizada na sociedade. De cunho pedagógico e não raramente impregnadas de um caráter de exemplaridade, têm como meta, também, o engendramento de transformações culturais e sociais relevantes, inculcando nos atores sociais a utilidade e a necessidade de observância dos princípios do pluralismo e da diversidade nas mais diversas esferas do convívio humano.42 Reconhecendo as mulheres como um grupo social, que historicamente teve, e ainda tem direitos ceifados, algumas ações afirmativas foram adotadas pelo Estado alguns exemplos podem ser citados, como por exemplo, as mulheres recebendo o direito de realizar o ato de votar no ano de 1932, uma luta que se iniciou em 1891, se encerrando apenas em 1933 quando uma mulher votou e pôde ser votada.43 Um grande marco, no que tange as medidas aplicadas pelo Estado para reconhecer os direitos das mulheres, ocorre em 1988 com a promulgação da Constituição Federal de 1988, onde em seu texto trouxe alguns artigos que passaram a tratar sobre o princípio da igualdade entre homens e mulheres em todas as áreas da vida social, como determina o art. 5º, inciso I, onde diz que, in verbis, “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”44. A Constituição Federal ainda em 1988 trouxe na redação do artigo 226, parágrafo 8º o dever do Estado em se comprometer com a violência sofrida pelas mulheres nas relações, já tendo ciência da violência perpetrada contra elas, tendo o art. a seguinte redação, in verbis, “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.45 Trazendo as medidas para a área de concentração aqui estudada, tem-se no âmbito penal a exclusão do ordenamento jurídico pátrio o crime de adultério, que afetava e também discriminava as mulheres, mas é importante destacar que essa alteração só ocorre em 2005 de 42 GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. Ação Afirmativa e Princípio Constitucional da Igualdade: o direito como instrumento de transformação social. A experiência dos EUA. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 7. 43 TRE. 24 de Fevereiro: dia da conquista do voto feminino no Brasil. 2018. Disponível em: < http://www.tre-pr.jus.br/imprensa/noticias-tre-pr/2018/Fevereiro/24-de-fevereiro-dia-da-conquista-do-voto- feminino-no-brasil-1>, acesso em 20 de setembro de 2020. 44 BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Art. 5º, inciso I. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>, acesso em 20 de setembro de 2020. 45 BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Art. 226º, § 8º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>, acesso em 20 de setembro de 2020. forma definitiva com a redação da lei 11.10646, o que demonstra a árdua luta por conquistas de direitos, e mesmo sobrevivência. Todas essas conquistas aqui citadas são um grande, e importante, reflexo do pensamento feminino que revolucionou o acesso de direito as mulheres, propiciando as mesmas certa emancipação social47, rompendo assim com aquela mulher dos anos 50 “defensora do casamento e da família”48, mas abrindo mãos de seus direitos. Importante citar que durante a vigência da legislação criminal da Ordenação das Filipinas, o homem estava imune da pena aplicada em detrimento da prática de conduta violenta, incluindo aqui o homicídio, quando se tratava de adultério, tendo acarretado em uma índice elevado de violência contra as mulheres, obrigando o Estado a agir, mas sempre tendo como porta voz desses movimentos de defesa, o feminismo.49 Alinhado a esse processo evolutivo do Estado implementando medidas para conceder mais direitos as mulheres, os mesmo passa também a agir para protegê-las da violência, fazendo surgir dois instrumentos legais que merecem destaque, e são foco central do estudo, quais sejam a Lei Maria da Penha de 2006, e o Feminicídio em 2015. 2.1.1. Do surgir da Lei Maria da Penha – Lei 11.340/2006 e algumas de suas inovações legislativas importantes A lei aqui estudada tem o seu surgimento alinhado a um momento de grande debate político em um contexto internacional, onde a comunidade buscava intervir em defesa dos direitos humanos, e também dos direitos das Mulheres, em detrimento dos índices elevados de 46 BRASIL. LEI Nº 11.106, DE 28 DE MARÇO DE 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004- 2006/2005/Lei/L11106.htm#:~:text=LEI%20N%C2%BA%2011.106%2C%20DE%2028,Altera%20os%20arts. &text=231%2DA%20ao%20Decreto%2DLei,Art.>, acesso em 20 de setembro de 2020. 47 ALVES, Sarah. Violência Doméstica: uma coroa de espinhos. – Ribeirão Preto, SP: Amazon, 1ª ed, 2020, p. 42. 48 LEAL, Daniella Aboud Periquito Pires. DA LEI MARIA DA PENHA À LEI DO FEMINICÍDIO: a (in) eficácia legal diante do crescimento da violência contra a mulher no nordeste. 2017, p. 17. Disponível em: < https://www.facem.edu.br/aluno/arquivos/monografias/daniella_aboud.pdf>, acesso em 21 de setembro de 2020. 49 SANTOS, Andreza Patrícia Mota dos. FIGUEIREDO, Cristiano Lázaro Fiuza. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER NEGRA E A (IN)EFICÁCIA NA APLICABILIDADE DA LEI MARIA DA PENHA. 2020, p. 13. Disponível em: < http://ri.ucsal.br:8080/jspui/bitstream/prefix/1669/1/TCCANDREZAPATRICIASANTOS.pdf>, acesso em 20 de setembro de 2020. violência.50 Em 1993 a ONU realiza a Conferência Dos Direitos Humanos, onde passou a se ter um reconhecimento em escala internacional da violência sofrida pelas mulheres, estando ali associado como uma violação dos Direitos Humanos. No mesmo ano acima citado, ocorre a aprovação na Assembléia Geral da ONU da Declaração que trata sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, propiciando assim um processo de reconhecimento da desigualdade, e um possível enfrentamento pelos países, tendo assim um posicionamento dos Estados para lidar com esse problema social, como pode ser percebido no artigo 4º da referida Declaração: Os Estados devem condenar a violência contra as mulheres e não devem invocar quaisquer costumes, tradições ou considerações religiosas para se furtar às suas obrigações quanto à eliminação da mesma. Os Estados devem prosseguir, através de todos os meios adequados e sem demora, uma política tendente à eliminação da violência contra as mulheres e, com este objectivo.51 Toda essa movimentação internacional acaba envolvendo, também, o Brasil e os movimentos feministas no Brasil, ocasionou o envio de dois casos marcantes no país de violência aplicada contra mulheres, ambas ocorrendo no final dos anos 90, para a CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos). Os casos foram o da Maria Lepoldi que havia sido vitima de homicídio cometido pelo ex-namorado, e a Maria da Penha que tinha sido vítima de duas tentativas de assassinato pelo marido.52 Outros vários casos certamente ocorreram na época, mas esses dois casos que atingiram um grande destaque, até mesmo do ponto de vista internacional, acabaram demonstrando que o Brasil, por mais que já tinha a Constituição Federal 1988 que trazia em seu texto a igualdade entre homens e mulheres e também como base a dignidade da pessoa humana, o país não tinha um forte compromisso em enfrentar a violência Doméstica. 50 SANTOS, Cecília MacDowell. Da Delegacia da Mulher à Lei Maria da Penha: lutas feministas e políticas públicas sobre violência contra mulheres no Brasil. Centro de Estudos Sociais, Coimbra, 2008, p. 24. 51 ONU. Declaração Sobre a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Art. 4º. Disponível em: <https://brasil.un.org/#:~:text=Em%201993%20a%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20sobre,mulheres%20em% 20todas%20as%20formas%E2%80%9D.>, acesso em 22 de setembro de 2020. 52 BRUNO, Cecilia Roxo. LEI MARIA DAPENHA: um estudo sobre os mecanismos de proteção à mulher em situação de violência. 2016, p. 24. Disponível em: < https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/2497/1/MONOGRAFIA%20CECILIA%20BRUNO%20FICHA%20FINAL.p df>, acesso em 22 de setembro de 2020. Dessa forma, os casos expuseram o Brasil para as suas fraquezas e uma necessidade, urgente, de se transformar significativamente o sistema criminal que vigorava no país, uma vez que, conforme Santos53, apresentava pouca seriedade e uma lentidão demasiada para lidar com o tramite dos processos que tinham casos de violência contra a mulher. Dos casos aqui citados, o de maior destaque é o de Maria da Penha, que dá nome a lei aqui estudada. No caso em questão, o marido de Maria da Penha em um intervalo de dois meses, em 1983, atentou contra a vida da mesma, a 1ª tentativa se dá quando Marco Antônio atira na Maria da Penha enquanto ela dormia, tendo como resultado o quadro de paraplegia irreversível, e assim que retorna para casa o mesmo tenta assassiná-la novamente, eletrocutando enquanto ela banhava.54 O julgamento do caso fora bastante moroso, acarretando a intervenção da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que deu algumas recomendações para o Brasil, dentre elas havia o entendimento de que o processo deveria ser finalizado de forma efetiva e rápida o processo. Dentre as recomendações, é importante destacar a última realizada pela Comissão, que pedia em vários tópicos que pediam uma mudança do País para lidar com a violência.55 Em detrimento disso, o governo brasileiro passou, em 2004, a cumprir as recomendações tendo como início a elaboração de um projeto de lei que propiciou a implementação de mecanismos para combater e prevenir a violência doméstica contra as mulheres, o Decreto 5.030 de 2004 já trazia em seu artigo 1º o objetivo ali pretendido, in verbis, “art. 1º Fica instituído o Grupo de Trabalho Interministerial com a finalidade de elaborar proposta de medidas para coibir a violência doméstica contra a mulher”.56 Como resultado desse grupo de trabalho surge, dois anos depois, a Lei 11.340 que passou a ser intitulada, de forma proposital, de Lei Maria da Penha, que foi uma conquista dos movimentos feministas, que só possível devido a uma pressão internacional exercida pela CIDH. Importante ressaltar que o Brasil não era totalmente negligente, os casos eram julgados 53 SANTOS, Cecília MacDowell. Da Delegacia da Mulher à Lei Maria da Penha: lutas feministas e políticas públicas sobre violência contra mulheres no Brasil. Centro de Estudos Sociais, Coimbra, 2008, p. 28. 54 IMP. QUEM É MARIA DA PENHA?. Disponível em: <https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e- maria-da-penha.html>, 22 de setembro de 2020. 55 Ibid. 56 BRASIL. DECRETO Nº 5.030, DE 31 DE MARÇO DE 2004. Art. 1º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5030.htm>, acesso em 22 de setembro de 2020. pela Lei 9.099/95, mas em se tratando do tipo de violência aqui estudado, fazia-se necessário o instrumento legal aqui citado, que já em seu art. 1º trazia o seguinte, in verbis: Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.57 A lei em questão surge como um forte instrumento legal que busca proteger os indivíduos do sexo feminino, em razão do estado vulnerável em que se encontravam diante de uma sociedade patriarcal que tinha, e ainda tem índices altos de homicídio e agressão contra mulheres. A mesma ferramenta legal também propiciou uma aplicabilidade real do princípio da dignidade da pessoa humana e também a igualdade de gênero, amparando as mulheres que se encontram em situação de violência.58 Passando a tratar sobre algumas características especiais, ou inovadoras, da Lei Maria da Penha, pode ser citando primeiramente a não mais aplicabilidade da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais (9.099/95), uma vez que a violência doméstica necessita de uma olhar com mais cuidado e também multidisciplinar por parte do judiciário, que passou a ser exercida pela Lei Maria da Penha.59 Podendo ser citado o artigo 41 da lei aqui estudada, onde assevera que, in verbis, “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena 57 BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Art. 1º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>, acesso em 22 de setembro de 2020. 58 DORIGON, Alessandro. SILVÉRIO, Brena Cristina. A violência contra mulher e a aplicação da Lei Maria da Penha e do feminicídio. Âmbito Jurídico, 2018. Disponível em: < https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-169/a-violencia-contra-mulher-e-a-aplicacao-da-lei-maria-da- penha-e-do-feminicidio/>, acesso em 22 de setembro de 2020. 59 CAMPOS, Carmen Hein de. CARVALHO, Salo de. Tensões Atuais entre a Criminologia Feminista e a Criminologia Crítica: a experiência Brasileira. 2011, p. 147. Disponível em: <https://assets- compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2014/02/1_8_tensoes-atuais.pdf>, acesso em 22 de setembro de 2020. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art226%C2%A78 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art226%C2%A78 prevista, não se aplica a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995”60, afastando assim a possibilidade que medidas não penalizadoras possam vir a ser aplicadas. Outra característica está relacionada com a terminologia utilizada pela Lei, que não utiliza o termo vitima, mas sim “situação de violência”, Carmen Hein e Salo de Carvalho61 ensinam que tal alteração não é simples detalhe, mas uma forma do legislador respeitar o movimento feminista e expressar a complexidade que envolve a violência sofrida pelas mulheres. Ser uma lei que tutela especificamente as mulheres, é uma característica inovadora do referido instituto normativo, que trouxe em sua redação a violência de gênero e em seu artigo 7º os tipos de violência reconhecidos pela Lei, não criando novos tipos penais, mas esclarecendo quais seriam as situações em que se encontrariam a violência doméstica.62 Outro ponto importante a ser destacado, diz respeito a preocupação do legislador, frente aos pedidos dos movimentos feministas, propiciar também uma proteção que alcançasse as mulheres que se encontram em relações homoafetivas, determinando em seu artigo 5º, parágrafo único, in verbis, que “as relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual”63, reconhecendo ser irrelevante o tipo de relação, seja ela heteroafetiva ou homoafetiva, alcançando também as relações que são marcadas, ou definidas, pela convivência ou afinidade. Não desconsiderando todas as características citadas, um dos grandes acertos da Lei Maria da Penha esta com aplicação, por ela proposta, de medidas protetivas de urgência que estão elencadas entre os artigos 18 a 21, uma vez que, estando a mulher envolvida em um risco 60 BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Art. 41º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>, acesso em 22 de setembro de 2020. 61 CAMPOS, Carmen Hein de. CARVALHO, Salo de. Tensões Atuais entre a Criminologia Feminista e a Criminologia Crítica: a experiência Brasileira. 2011, p. 147. Disponível em: <https://assets- compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2014/02/1_8_tensoes-atuais.pdf>,acesso em 22 de setembro de 2020. 62 BRUNO, Cecilia Roxo. LEI MARIA DA PENHA: um estudo sobre os mecanismos de proteção à mulher em situação de violência. Universidade Federal Fluminense, 2016, p. 30. Disponível em: < https://app.uff.br/riuff/bitstream/1/2497/1/MONOGRAFIA%20CECILIA%20BRUNO%20FICHA%20FINAL.p df>, acesso em 22 de setembro de 2020. 63 BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Art. 5º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>, acesso em 22 de setembro de 2020. eminente, existe a possibilidade de terem a sua integridade resguardada já no primeiro contato com a delegacia. A lei, em seu artigo 18 determina que o magistrado, dentro de um prazo de 48horas contadas do recebimento do pedido da mulher em situação de violência, possa decidir sobre a aplicação das medidas protetivas de urgência, as formas de propiciar a proteção da mulher, podem terminar em uma prisão preventiva, se essa for a melhor maneira de exercer a proteção.64 Thiago Andre Ávila explica em seu artigo intitulado de “Lei Maria da Penha. Uma análise dos novos instrumentos de proteção às mulheres”65, que não há por parte da doutrina uma definição quanto a natureza jurídica das medidas protetivas que são aplicadas pela Lei Maria da Penha que atingem não somente uma esfera, cível, criminal ou mesmo híbridas. Tendo como entendimento majoritário de que as medidas elencadas na lei devem sempre ser interpretadas de forma expansiva, para que se tenha uma maior proteção dos direitos femininos. O legislador aplicou as medidas protetivas de urgência em duas frentes, primeiro as que obrigam o agressor, e outra que dizem respeito à ofendida. Estando nos artigos 22 e 23 elencadas quais são as medidas a serem adotadas, sendo um rol exemplificativo, ocasionando assim a possibilidade do magistrado se valer de medidas diversas que possam atender, de forma mais efetiva, a proteção da mulher que se encontra em situação de violência.66 Outra inovação da Lei Maria da Penha é a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar frente a mulher, tendo uma competência hibrida, tanto no campo cível e criminal, sendo este juizado responsável por todas lides envolvendo a violência contra a mulher, afastando assim, pelo menos teoricamente, um processo carregado de burocracia.67 64 Ibid., art. 18. 65 ÁVILA, Thiago André Pierobom de. Lei Maria da Penha. Uma análise dos novos instrumentos de proteção às mulheres. 2017, p. 7. Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/13477-13478-1-PB.pdf>, acesso em 24 de setembro de 2020. 66 BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Art. 22º - 23º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>, acesso em 22 de setembro de 2020. 67 CAMPOS, Carmen Hein de. CARVALHO, Salo de. Tensões Atuais entre a Criminologia Feminista e a Criminologia Crítica: a experiência Brasileira. 2011, p. 149. Disponível em: <https://assets- compromissoeatitude-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2014/02/1_8_tensoes-atuais.pdf>, acesso em 22 de setembro de 2020. Apesar do referido instituto, surgindo em 2006, à sociedade ainda continuava apresentando altos índices de violência perpetrada contra as mulheres, e essa violência por muitas vezes atentava, e atenta, contra um dos direitos basilares de todo ser humano, o direito à vida, fazendo com que o Estado tivesse que intervir, e implementar mais medidas para proteger as mulheres, ocasionando o surgimento do Feminicídio. 2.1.2. Lei nº 13.104 de 2015, o feminicídio como uma qualificadora do crime de homicídio O instituto legal estudado no tópico anterior foi fundamental para que se tivesse a criação da lei que fez surgir o Feminicídio, alterando o paradigma quanto ao reconhecimento da violência contra a mulher, ou de gênero, no Brasil. No ano de 2013 ocorre no Brasil uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito), que tinha por finalidade realizar uma investigação em todo o País averiguando a situação da violência praticada contra as mulheres, apurando também denúncias que tratavam sobre a omissão do poder público em protegê-las.68 Uma vez que a Lei Maria da Penha amparou as mulheres e educou as mesmas para que buscassem seus direitos, garantidos constitucionalemente, frente ao Poder Público, preocupante era a negligência do mesmo em lidar com essas situações. O relatório final da CPMI constatou que havia um número alto de mortes de mulheres, ocorrendo, inclusive, de forma brutal e cruel, sendo crimes cometidos pelos seus parceiros, o relatório chegou a afirmar, com base no estudo realizado em 17 cidades, que a cada duas horas uma mulher era morta no País.69 Ao final do relatório foram propostas inúmeras recomendações que indicavam ao Estado a urgência de implementar mais medidas, além das já criadas e com pouca eficácia vista em prática, para proteger o sexo feminino do elevado índice de violência sofrido por elas. Desta feita, passa a tramitar no Senado Federal o projeto de lei nº 8.305 no ano de 2014, que foi 68 SENADO FEDERAL. COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO, RELATÓRIO FINAL. 2013, p. 1. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/relatorio- final-da-comissao-parlamentar-mista-de-inquerito-sobre-a-violencia-contra-as-mulheres>, acesso em 23 de setembro de 2020. 69 SENADO FEDERAL. COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO, RELATÓRIO FINAL. 2013, p. 117. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a- violencia/pdfs/relatorio-final-da-comissao-parlamentar-mista-de-inquerito-sobre-a-violencia-contra-as- mulheres>, acesso em 23 de setembro de 2020. convertido posteriormente na lei nº 13.104 de 2015 que alterou o art. 121 do Código Penal Brasileiro, trazendo para a realidade do país a qualificadora do Feminicídio. A conduta delituosa estava ligada de forma direta com a condição de ser do sexo feminino, onde os mais variados sentimentos levam alguém a matar uma mulher, pelo fato de ser mulher, sendo esta uma característica subjetiva, mas com finalidade precípua de tentar reduzir os números de óbitos de mulheres, sendo também incluída, tal prática no rol de crimes hediondos.70 Nesse sentido, Nucci apresenta os seguintes apontamentos em sua obra: Viu-se o legislador conduzido a fundamentar a opção normativa de uma nova qualificadora na esteira nítida de conferir maior proteção à mulher, por ser do sexo feminino, vale dizer, a pessoa que, em virtude de sua inferioridade de força física, de sua subjugação cultural, de sua dependência econômica, de sua redução à condição de serviçal do homem (seja marido, companheiro, namorado), é a parte fraca do relacionamento doméstico ou familiar. Esse é o prisma do feminicídio: matar a mulher por razões da condição de sexo feminino. Matar o mais fraco, algo francamente objetivo. Voltamos ao argumento anterior. O homem mata ou lesiona a mulher porque se sente (e é, na maioria imensa dos casos) mais forte. Mas seu motivo não é esse: mata porque acha que ela o traiu; mata porque quer livrar-se do relacionamento; mata porque é extremamente ciumento; mata até porque foi injustamente provocado.71 Importante destacar que, não são todos os crimes que tem como resultado morte violenta de mulheres que serão abarcados pela qualificadora do feminicídio, ou seja, uma morte que foi ocasionada por um acidente automobilístico ou mesmo como resultado de um roubo, não se caracterizam com condutas delituosas que atentem contra a mulher pelo fato de serem mulheres.72 Por mais que se entenda que os Feminicídio visa punir homens que pratiquem atos cruéis contra mulheres, o instituto legal não faz distinção de sexo de quem irá praticar a conduta. Ou seja, se em um relacionamento homoafetivo, entre duas mulheres, houver a prática da conduta 70ALVES, Cleide Aparecida. FEMINICÍDIO, PODERÁ SER UMA CONSEQUÊNCIA DA INEFICÁCIA DA LEI MARIA DA PENHA?. 2017, p. 12. Disponível em: <http://faculdadesabara.com.br/media/attachments/monografias/MONOGRAFIA-CLEIDE-COM- CORRE%80%E5ES-PDF.pdf>, acesso em 23 de setembro de 2020. 71 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. – 16 ed. – Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020, p. 852-853. 72 SILVA, Maria Isabele da. ALBERTON, Mario Henrique. A LEI DO FEMINICÍDIO 13.104/2015 E SEUS IMPACTOS NO ESTADO DO PARANÁ. 2019, p. 10. Disponível em: <file:///C:/Users/Administrador/Downloads/135-411-1-PB.pdf>, acesso em 21 de setembro de 2020. aqui descrita por parte de outra mulher, incidira sobre ela a mesma qualificadora, não estando restrita a sua aplicabilidade ao sexo masculino.73 Tanto a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio sofreram com alguns debates que passavam pela sua constitucionalidade, onde havia uma certa resistência quanto aos instrumentos legais aqui estudados por serem formas do Estado dar uma maior proteção as mulheres, do que aos homens, mas Nucci assevera em sua obra que a corrente majoritária, nota-se que não é unânime ainda, entende que o Estado está “tutelando desigualmente os desiguais”74. Sendo este fundamento a base precípua de diversos outros institutos legais, como por exemplo, leis que protegem deficientes físicos ou mentais, ou mesmo que protegem os idosos, dessa forma, a lei em questão não é formada por exceções, mas sim de regras gerais, conforme leciona Nucci.75 Destaca-se também que, quanto ao perfil do agente feminicida não há uma especificidade, uma vez que por vezes o mesmo sequer é um criminoso, ou seja, não possui antecedentes.76 Nas condutas criminosas em que se visualiza a prática aqui estudada, tem-se por parte do agente uma construção de relacionamento baseado na posse da vitima, dessa forma, mais de 70%77 dos feminicídios cometidos no Brasil tem como motivação o rompimento do relacionamento. Ou seja, o ato da mulher não querer mais se relacionar com indivíduo pode ter como resultado a sua morte. Em reportagem realizada por Paula Bittar, tem-se constatado que, por mais que exista institutos legais que protejam as mulheres, o número de mortes por elas sofridos segue o caminho contrário de outras condutas criminosas, como por exemplo, homicídio doloso e 73 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. – 16 ed. – Rio de Janeiro: Editora Forense, 2020, p. 853. 74 Ibid., p. 853. 75 Ibid., p. 853. 76 CUNHA, Rogério Sanches. MANUAL DE DIREITO PENAL, parte especial (arts. 121 ao 361). Volume Único. 8 ed., rev., ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPODIVM, 2016, p. 64. 77 SILVA, Maria Isabele da. ALBERTON, Mario Henrique. A LEI DO FEMINICÍDIO 13.104/2015 E SEUS IMPACTOS NO ESTADO DO PARANÁ. 2019, p. 10. Disponível em: <file:///C:/Users/Administrador/Downloads/135-411-1-PB.pdf>, acesso em 21 de setembro de 2020. latrocínio, que diminuíram de 2018 para 2019. O Feminicídio aumento 7,2% nesse mesmo intervalo de tempo.78 O fato dos índices não alterarem de forma positiva, acaba asseverando a necessidade de se endurecer a legislação existente. Mas também propicia o questionamento, foco central do trabalho, sobre a eficácia das medidas implementadas pelo Estado frente a essa dura realidade das mulheres, o que o mesmo pode fazer para mudar esse cenário? Questionamentos que serão tratados mais a frente no presente estudo. 2.2. Das espécies de violência contra as mulheres, conforme a legislação pátria Como estudado até, é possível compreender que a Lei Maria da Penha e do Feminicídio se complementam, ou tentam preencher uma a lacuna da outra, importante compreender que para ocorra a aplicação dos instrumentos legais aqui mencionados, alguns requisitos necessitam ser preenchidos, dessa forma, neste tópico serão apresentados alguns requisitos que devem ser observados, que giram em torno das espécies de violência contra a mulher. Primeiro ponto a ser levado em consideração é o que trata o art. 5º da Lei Maria da Penha, onde o mesmo define que a violência praticada contra a mulher será abarcada pela lei, aqui destacada, quando se tratar de uma violência de gênero.79 Não sendo praticado dentro desse contexto não há de falar na aplicação da lei Maria da penha. Valendo o destaque do texto do artigo 5º, in verbis, “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.80 Quanto as espécies, ou tipos, de violência exercidas contra a mulher, tem-se como base o artigo 7 da Lei 11.340 onde estão apresentadas cinco tipos, quais sejam, a violência física, a violência psicológica, violência moral, violência sexual e a patrimonial.81 Ao tratar sobre o 78 BITTAR, Paula. Lei do Feminicídio faz cinco anos. Câmara dos Deputados, 2020. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/643729-lei-do-feminicidio-faz-cinco-anos/>, acesso em 25 de setembro de 2020. 79 BIANCHINI, Aline. GOMES, Luiz Flavio. LEI MARIA DA PENHA: aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero. 3ª ed. – São Paulo: Editora Saraiva, 2016, p. 31. 80 BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Art. 5º. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>, acesso em 22 de setembro de 2020. 81 Ibid., art. 7º. assunto aqui estudado, o Instituto Maria da Penha destaca que as formas de agressão sofridas são perversas e ao mesmo são complexas, não ocorrendo isoladamente uma das outras, e tendo como resultado graves consequências para as mulheres.82 A violência física deve ser compreendida como toda aquela conduta que atente contra integridade física ou saúde corporal da vítima, importante destacar que podem deixar, ou não, cicatrizes.83 A prática aqui apresentada é a terceira mais utilizada contra as mulheres dentre os anos 2011 a 2017, representando mais de 30%.84 Essa conduta pode ser entendida como o “espancamento, atirar objetos, sacudir e apertar os braços, estrangulamento ou sufocamento, lesões com objetos cortantes ou perfurantes, ferimentos causados por queimaduras ou armas de fogo e tortura”. Importante destacar que não houve a criação de novas condutas criminosas, ele apenas valeu- se de condutas já existentes e tipificadas no Código Penal. O segundo tipo de violência apresentado pela legislação diz respeito a violência psicológica, que diz respeito a toda conduta que cause dano emocional, prejudicando o seu desenvolvimento e a sua autoestima, uma vez que se encontra vitimada de ameaças, constrangimento ou mesmo chantagem.85 A doutrinadora Maria Berenice Dias86 ensina em sua obra que esse é tipo de violência que apresenta maior dificuldade em ser identificada, uma vez que as sequelas, por serem psicológicas, não são visíveis fisicamente, sendo complicada a sua comprovação, sendo importante destacar que dependendo da forma que se realiza, ou até mesmo pelo tempo, ela é mais danosa que violência física. 82 INSTITUTO MARIA DA PENHA. TIPOS DE VIOLÊNCIA. IMP. Disponível em: <https://www.institutomariadapenha.org.br/lei-11340/tipos-de-violencia.html>, acesso em 20 de setembro de 2020. 83 CNJ. Formas de violência contra a Mulher. CNJ 15 anos. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/violencia-contra-a-mulher/formas-de-violencia-contra-a-mulher/>, acesso em 23 de setembro de 2020. 84 SENADO FEDERAL. COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUÉRITO, RELATÓRIO FINAL. 2013, p. 117. Disponível em: < https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a- violencia/pdfs/relatorio-final-da-comissao-parlamentar-mista-de-inquerito-sobre-a-violencia-contra-as- mulheres>, acesso em 23 de setembro de 2020. 85 DIAS, Aline Fernandes. A APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA E DO FEMINICÍDIO COMOMECANISMO PARA COIBIR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. Conteúdo Jurídico, 2017, p. 23. Disponível em: < file:///C:/Users/Administrador/Desktop/cj591133.pdf>, acesso em 23 de setembro de 2020. 86 DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha na Justiça. Salvador: Editora JusPODIVM, 2019, p. 91-92. Por sua vez, a violência sexual, conforme determinação legal é compreendida como toda e qualquer ação que ocasione em constrangimento da mulher ao presenciar, manter ou mesmo participar de uma relação sexual não consentida ou mesmo desejada, realizada em detrimento de uma intimidação, ameaça, coação ou mesmo com o uso da força.87 Além das citadas, a violência aqui estudada também diz respeito ao ato de forçar o casamento, gravidez, ou mesmo a prática de prostituição, se caracteriza também pelo impedimento da utilização de métodos contraceptivos, ou ocorrer o aborto de forma forçosa. Sendo assim, a violência sexual não trata somente do ato sexual não consentido por parte da vítima, mas abarca tudo que esteja envolvido com a anulação dos direitos sexuais e reprodutivos.88 Quanto a essa conduta, Dias assevera que culturalmente há no país o entendimento de que a realização do ato sexual é um dos deveres do casamento, sendo tratado como “débito conjugal”, obrigando a mulher a realizar as satisfações sexuais do seu par.89 Essa entendimento da sociedade, patriarcal, acabou ocasionando, conforme a doutrinadora, o não reconhecimento de crimes sexuais na constância do casamento, ou mesmo em relacionamentos amorosos, uma vez que era um direito do par o ato sexual. Havendo uma forte resistência em se aceitar que existisse a possibilidade de violência sexual nos relacionamentos, tornando assim, a comprovação dos atos no âmbito doméstico de difícil comprovação, ou mesmo de virem a tona, uma vez que existe o vínculo entre o indivíduo que comete o crime, e a vítima, por vezes, a própria vitima abre mão de pleitear seu direito e fugir de tal incidência de atos violentos.90 A violência patrimonial encontra-se demonstrada em qualquer conduta do indivíduo que possa configurar uma retenção, subtração, destruição parcial ou total de objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoas, bens, valores e direitos, ou mesmo recursos econômicos, 87 BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Art. 7, inciso III. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>, acesso em 22 de setembro de 2020. 88 DIAS, Aline Fernandes. A APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA E DO FEMINICÍDIO COMO MECANISMO PARA COIBIR A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER. Conteúdo Jurídico, 2017, p. 23. Disponível em: < file:///C:/Users/Administrador/Desktop/cj591133.pdf>, acesso em 23 de setembro de 2020. 89 DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha na Justiça. Salvador: Editora JusPODIVM, 2019, p. 96. 90 DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha na Justiça. Salvador: Editora JusPODIVM, 2019, p. 98. conforme prevê o art. 7º, inciso IV.91 Tal conduta encontra sua especificação na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, tendo como objetivo proteger todo o patrimônio da vítima.92 Por fim, há a menção dos crimes de violência moral, sendo está aquele que se associa com as práticas de calunia, difamação ou mesmo injúria.93 Reiterando assim que a Lei Maria da Penha não cria novos crimes, ela se vale de já existentes no Código Penal, mas direciona a sua aplicação para a defesa e proteção das mulheres em se tratando de violência de gênero. O capitulo em questão é de suma importância para se atingir mais a frente uma discussão quanto a problemática central do tema, tendo sido propiciando, durante a sua construção, conhecimentos dos instrumentos legais, no caso Lei Maria da Penha e Feminicídio, que são conhecidamente as medidas mais notáveis de enfrentamento da violência de gênero no Brasil, o que não reflete ainda se as medidas são ou não eficazes. 91 BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Art. 7, inciso IV. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>, acesso em 22 de setembro de 2020. 92 DALBOSCO, Susanna Vieira. MECANISMOS DE PROTEÇÃO PREVISTOS NA LEI MARIA DA PENHA PARA COIBIR A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER. Universidade Federal de Santa Catarina, 2019, p. 33. Disponível em: < https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/197755/TCC%20Susanna%20.pdf?sequence=1&isAllo wed=y>, acesso em 24 de setembro de 2020. 93 BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Art. 7, inciso IV. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>, acesso em 22 de setembro de 2020. ATUAÇÃO DO BRASIL FRENTE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA EM MEIO A PANDEMIA DA COVID-19 Neste tópico será discutido quais os procedimentos o Brasil vem adotando para lidar com a violência contra as mulheres, ou doméstica, frente a um momento de pandemia por causa do coronavírus que vem assolando o país. Analisando as medidas que visam proteger, combater e auxiliar, valendo-se também de medidas adotadas no ambiente internacional, propiciando uma discussão quanto ao se aplica no Brasil, e se está sendo suficiente. Antes de falar especificamente sobre as medidas, é importante destacar que no país existem algumas entidades que fazem um trabalho relevante de mapeamento dos índices de violência, e as mesmas demonstraram suas preocupações com a possibilidade de um aumento dessas taxas de violência contra a mulher no âmbito do isolamento social. Atualmente a sociedade mundial vive uma rotina com fortes alterações na vida de grande parte das pessoas, tudo isso tendo como causa o SARS-CoV2 – novo coronavírus, que causa a doença COVID-19. Após o primeiro causo, ainda em dezembro de 2019, na China em uma cidade chamada Wuhan a doença se alastrou pelo mundo, chegando no Brasil e tendo seu primeiro caso no início do ano de 2020.1 De dezembro de 2019 até o dia 10 de outubro de 2020 já se contabiliza no mundo mais de 37 milhões de casos da doença, tendo atingido também 1.081.295 mortes ao todo, países como Estado Unidos da América, Índia e Brasil, lideram as estatísticas tanto em número de infectados, como de falecimentos.2 Com base nos números acima apresentados, é notório que há um avanço muito significativo da doença em diversos países, algo que é justificado pela presença de uma transmissão comunitária. Importante destacar que assim que fora decretada a pandemia, alguns países alinhados a determinações da OMS - Organização Mundial da Saúde-, passaram a adotar algumas medidas de contenção social, incluindo o Brasil.3 Dentre as medidas implementadas foi o isolamento das pessoas que estivem sob suspeita da doença, ou mesmo infectados por elas e também a medida mais drástica e que sofreu, e ainda sofre, resistência que é o distanciamento social. Ambas estratégias foram fundamentais para que pudesse ser contido o crescimento significativo dos casos de covid-19 no país e no mundo, conforme ensina Verônica Accioly Vasconcelos4. As recomendações acima destacadas sofreram no momento de sua implementação, até o seu vigor no presente momento, com críticas dos mais variados setores do Estado, haja vista que o setor econômico acabou sendo afetado diretamente, mesmo havendo uma demanda gigantesca na área de saúde, ainda há uma resistência quanto as medidas necessárias5. Nesse sentido: O momento para torná-las imperativas tem sido alvo de discussões e tensões entre pesquisadores, setor produtivo e governantes. Nesse cenário de disputas entre as medidas a serem adotadas e com uma tímida política pública de apoio financeiro para as populações mais pobres, grande parcela desta população segue sua rotina de trabalho em busca de sustento, sem poder se beneficiar das medidas protetivas
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