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1 EDUCAÇÃO AMBIENTAL: CONCEITOS E VERTENTES Inês de Oliveira Noronha1 Arthur Ribas de Souza Sales2 Fabíola Gonçalves Gabriel Ferreira3 Renato Porto Ribeiro Mendes4 Resumo: A Educação Ambiental é um conceito que passou por diversas atualizações e revisões ao longo das últimas décadas, a partir de estudos e pesquisas e também de práticas e experiências vividas pelos profissionais que a aplicam no Brasil. Como se trata de algo muito complexo, gera diversas interpretações, além do fato de possuir inúmeras vertentes e frentes de abordagem. Com isto, este artigo introduzirá o leitor aos preceitos da Educação Ambiental, bem como suas formas de aplicação. Palavras-chave: Educação Ambiental; Conceito; Histórico; Pedagogia; Meio Ambiente. Abstract: Environmental Education is a concept that has undergone several updates and revisions over the past decades, based on studies and research and also on practices and experiences lived by professionals who apply it in Brazil. As it is something very complex, it generates several interpretations, in addition to the fact that it has numerous approaches. Thus, this article will introduce the reader to the precepts of Environmental Education, as well as its forms of application. Key words: Environmental Education; Concept; Historic; Pedagogy; Environment. Introdução Existe atualmente a necessidade de se implementar iniciativas que levem em conta a existência de interlocutores e participantes sociais relevantes e ativos, por meio de práticas educativas para que, seja reforçada a constituição de valores éticos. Essas práticas implicam em mudanças de percepção e de valores, gerando um saber solidário e um pensamento complexo, aberto à diversidade, à possibilidade de construir e reconstruir interpretações, configurando novas possibilidades de ação. Um diálogo de saberes que permita formar um pensamento crítico, criativo e sintonizado com a necessidade de propor respostas para o futuro, capaz de analisar as complexas relações entre os processos naturais e sociais e de atuar no ambiente 1 Doutora em Educação, Arqueóloga, Diplomado em Arqueologia e Patrimônio, Diretora Técnica da Socioambiental Projetos Ltda., em Belo Horizonte/MG – socioambientalprojetos@uol.com.br 2 Engenheiro Ambiental, Técnico em Meio Ambiente, Analista Ambiental da Socioambiental Projetos Ltda., em Belo Horizonte/MG – arthursales.socioambiental@gmail.com 3 Especialista em Educação Ambiental, Bacharel em Belas Artes – fabiolaggabriel@gmail.com 4 Mestre em Educação, Especialista em Educação Ambiental, Graduado em Ciências Biológicas - renatomendesimagem@gmail.com 2 em uma perspectiva global, respeitando as diversidades socioculturais. Práticas com o objetivo de propiciar novas atitudes e comportamentos face ao consumo na nossa sociedade e de estimular a mudança de valores individuais e coletivos (JACOBI, 1997; 2005). Toda a humanidade defronta-se com uma série de problemas globais que consequentemente afetam negativamente a biosfera e a vida humana. Conforme Capra (2007) no fim do século XX, as preocupações com o meio ambiente adquirem suprema importância. Um marco do início desta discussão, na década de 1960, foi a publicação do livro “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, em que a autora discute a qualidade de vida frente ao modelo de desenvolvimento que a humanidade ainda segue. A partir deste alerta, uma sequência de eventos, discussões e encontros, deram início a movimentos e reflexões ambientalistas (DIAS, 2001; MOURA, 2004). De acordo com Morin (1998) uma sociedade que vê somente o processo de produção e organização é cega para a realidade dos indivíduos e, naturalmente para a consciência e a subjetividade. Ainda segundo Capra (2007) em conformidade ao afirmar que quando estudamos os principais problemas, percebemos que estes não podem ser entendidos isoladamente, pois são problemas sistêmicos, o que significa que são interligados e interdependentes. Nesse sentido a Educação Ambiental é importante no processo de transformação estando entrelaçada a dois desafios vitais: a questão dos desequilíbrios ecológicos e a questão da educação. Assim, Reigota (1996) afirma que a educação contribui, pois se converte em um processo estratégico com o propósito de formar os valores, as habilidades e as capacidades para orientar a transição na direção da sustentabilidade. Embora os primeiros registros da utilização do termo “educação ambiental” tenham surgido no encontro da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) realizado em Paris (1948) (JACOBI, 2005), foi no ano de 1975, em Belgrado que se lançou o Programa Internacional de Educação Ambiental - PIEA que criou e formulou princípios norteadores futuros. O Congresso de Belgrado, promovido pela UNESCO (1975), definiu a Educação Ambiental como sendo um processo que visa: “(...) formar uma população mundial consciente e preocupada com o ambiente e com os problemas que lhe dizem respeito, uma população que tenha os conhecimentos, as competências, o estado de espírito, as motivações e o sentido de participação e engajamento que lhe permita trabalhar individualmente e coletivamente para resolver os problemas atuais e impedir que se repitam (...)” A Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio-92 concebeu o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global. O documento considera que a educação ambiental tem como propósito, uma sustentabilidade eqüitativa através de um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida. Trata-se de uma educação de valores e ações que contribuam para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Para tal, busca formar sociedades justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relações de interdependência e diversidade. 3 A Educação Ambiental no Brasil está regulamentada pela Lei n. 9.795 de 1999, que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental - PNEA, sendo compreendida como os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade (BRASIL, 1999) Já no Capítulo 36 da Agenda 21, a Educação Ambiental é definida como o processo que busca: “(...) desenvolver uma população que seja consciente e preocupada com o meio ambiente e com os problemas que lhes são associados. Uma população que tenha conhecimentos, habilidades, atitudes, motivações e compromissos para trabalhar, individual e coletivamente, na busca de soluções para os problemas existentes e para a prevenção dos novos (...)” Existem ainda, além destas, diversas formas de se definir a Educação Ambiental, dentre as quais pode-se destacar: • É a preparação de pessoas para sua vida enquanto membros da biosfera; • É o aprendizado para compreender, apreciar, saber lidar e manter os sistemas ambientais na sua totalidade; • É a aprendizagem de como gerenciar e melhorar as relações entre a sociedade humana e o ambiente, de modo integrado e sustentável; • Significa aprender a empregar novas tecnologias, aumentar a produtividade, evitar desastres ambientais, minorar os danos existentes, conhecer e utilizar novas oportunidades e tomar decisões acertadas. É papel essencialmente importante para a Educação ambiental, que preconize sistematizar e socializar o conhecimento, bem como possibilitar a formação de cidadãos informados, conscientes e atuantes, para que as questões ambientais possam não ser apenas discutidas, mas para que se busquem soluções para as mesmas (LUCATTO E TALAMONI, 2007). Em síntese, pode ser definida como um processo dinâmico, crítico permanente e participativo, e as pessoas envolvidas são agentes de transformação social, que devem participar tanto do diagnósticodos problemas, quanto da busca de soluções e que possibilite, sobretudo, a tomada de decisões transformadoras a partir do ambiente a que pertencem, em um processo educacional que supere dissociação entre sociedade e natureza (DOURADO; BELIZÁRIO; PAULINO, 2015). Trabalha, basicamente, com a formação de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes para o pleno exercício da cidadania no que diz respeito às questões socioambientais. 4 Características da Educação Ambiental De acordo com a Conferência de Tbilisi, ocorrida em 1977, na ex-União Soviética, Educação Ambiental tem como principais características ser um processo: • Dinâmico integrativo: é um processo permanente no qual os indivíduos e a comunidade tomam consciência do seu meio ambiente e adquirem o conhecimento, os valores, as habilidades, as experiências e a determinação que os tornam aptos a agir, individual e coletivamente e resolver os problemas ambientais. • Transformador: possibilita a aquisição de conhecimentos e habilidades capazes de induzir mudanças de atitudes. Objetiva a construção de uma nova visão das relações do ser humano com o seu meio e a adoção de novas posturas individuais e coletivas em relação ao meio ambiente. A consolidação de novos valores, conhecimentos, competências, habilidades e atitudes refletirá na implantação de uma nova ordem ambientalmente sustentável. • Participativo: atua na sensibilização e na conscientização do cidadão, estimulando-o a participar dos processos coletivos. • Abrangente: extrapola as atividades internas da escola tradicional, deve ser oferecida continuamente em todas as fases do ensino formal, envolvendo a família e toda a coletividade. A eficácia virá na medida em que sua abrangência atingir a totalidade dos grupos sociais. • Globalizador: considera o ambiente em seus múltiplos aspectos: natural, tecnológico, social, econômico, político, histórico, cultural, moral, ético e estético. Deve atuar com visão ampla de alcance local, regional e global. • Permanente: tem um caráter permanente, pois a evolução do senso crítico e a compreensão da complexidade dos aspectos que envolvem as questões ambientais se dão de um modo crescente e contínuo, não se justificando sua interrupção. Despertada a consciência, ganha-se um aliado para a melhoria das condições de vida do planeta. • Contextualizador: atua diretamente na realidade de cada comunidade, sem perder de vista a sua dimensão planetária. Além dessas sete características da Educação Ambiental definidas pela Conferência de Tbilisi, existe uma oitava, recentemente incorporada entre as características que a educação ambiental formal5 deve ter no Brasil: • Transversal: propõe-se que as questões ambientais não sejam tratadas como uma disciplina específica, mas sim que permeie os conteúdos, objetivos e orientações didáticas em todas as disciplinas. A educação ambiental é um dos temas transversais dos Parâmetros Curriculares 5 Considera-se Educação Ambiental Formal aquela que é ministrada dentro das instituições de ensino. 5 Nacionais do Ministério da Educação e Cultura. Princípios da Educação Ambiental Conforme proposto na Conferência de Tbilisi, os princípios que devem nortear programas e projetos de trabalho em educação ambiental são: • Considerar o ambiente em sua totalidade, ou seja, em seus aspectos naturais e artificiais, tecnológicos e sociais (econômico, político, técnico, histórico- cultural e estético); • Construir-se num processo contínuo e permanente, iniciando na educação infantil e continuando através de todas as fases do ensino formal e não formal; • Empregar o enfoque interdisciplinar, aproveitando o conteúdo específico de cada disciplina, para que se adquira uma perspectiva global e equilibrada; • Examinar as principais questões ambientais em escala pessoal, local, regional, nacional, internacional, de modo que os educandos tomem conhecimento das condições ambientais de outras regiões geográficas; • Concentrar-se nas situações ambientais atuais e futuras, tendo em conta também a perspectiva histórica; • Insistir no valor e na necessidade de cooperação local, nacional e internacional, para prevenir e resolver os problemas ambientais; • Considerar, de maneira clara, os aspectos ambientais nos planos de desenvolvimento e crescimento; • Fazer com que os alunos participem na organização de suas experiências de aprendizagem, proporcionando-lhes oportunidade de tomar decisões e de acatar suas consequências; • Estabelecer uma relação para os alunos de todas as idades, entre a sensibilização pelo ambiente, a aquisição de conhecimentos, a capacidade de resolver problemas e o esclarecimento dos valores, insistindo especialmente em sensibilizar os mais jovens sobre os problemas ambientais existentes em sua própria comunidade; • Contribuir para que os alunos descubram os efeitos e as causas reais dos problemas ambientais; • Salientar a complexidade dos problemas ambientais e, consequentemente a necessidade de desenvolver o sentido crítico e as aptidões necessárias para resolvê-los; • Utilizar diferentes ambientes educativos e uma ampla gama de métodos para 6 comunicar e adquirir conhecimentos sobre o meio ambiente, privilegiando as atividades práticas e as experiências pessoais (CZAPSKI, 1998). Ainda, segundo Reigota (1997), “a educação, seja formal, informal, familiar ou ambiental, só é completa quando a pessoa pode chegar nos principais momentos de sua vida a pensar por si próprio, agir conforme os seus princípios, viver segundo seus critérios” e aponta que a Educação Ambiental tem como prioridade a questão ‘por que fazer’ o que potencializa a conscientização do indivíduo, dando a ele, responsabilidades e autonomia, tanto para realização de suas ações, como para reivindicação de seus valores (REIGOTA, 1996). Ferraz (1995) complementa quando afirma que a questão ambiental está permeada de valores éticos e espirituais que são na essência, os princípios do espírito humano e da própria vida. Educação Ambiental Crítica x Educação Ambiental Conservadora Nos últimos anos, tem-se discutido acerca do modelo crítico e do modelo conservador da Educação Ambiental, e suas diferenças, vantagens e desvantagens. A tendência é que, cada vez mais, a Educação Ambiental crítica tome o lugar da conservadora, pois esta última, segundo Prasniski et al. (2013): “[...] está inserida nas práticas que abordam a preservação das plantas, dos animais e do meio ambiente como um todo, pois é dele que o homem obtém recursos. Essa linha mais tradicional simplifica ou reduz fenômenos complexos da realidade (GUIMARÃES, 2007b). Essa postura conservacionista resume-se a ações pontuais, desconectadas do todo, comprometendo sua eficácia (PRASNISKI, 2013).” Ou seja, a Educação Ambiental conservadora estabelece um foco na relação entre o cidadão e o meio ambiente, de uma forma em que os humanos não se reconhecem como parte da natureza, mas que reconhecem o meio ambiente como fonte de recursos a serem explorados para as necessidades humanas. Há a visão de que o homem, com esta exploração dos recursos naturais, agride o meio ambiente e, com isso, assume a culpa e a responsabilidade pela sua conservação. Segundo os autores mencionados anteriormente, esta visão não possibilita uma abordagem interdisciplinar da Educação Ambiental, pois acaba por colocar barreiras na interação entre as ciências sociais e ciências naturais, assim como dentro das próprias ciências (PRASNISKI et al., 2013). A visão conservacionista ainda abrange uma concepção de que a conscientização ecológica seria um instrumento capaz de solucionar a maior parte dos problemas ambientais, o que é contraposto pela visão de Guimarães (2007): “Essa educação não pode e/ou não quer perceber as redes de poder que estruturam as relações de dominação presentes na sociedade atual, tanto entre pessoas (relações de gênero, de minorias étnicas e culturais),entre classes sociais, quanto na relação “norte-sul” entre as nações, assim como também entre as relações de dominação que se construíram historicamente entre sociedade e natureza. São nessas relações de poder e dominação que podemos encontrar um dos pilares da crise ambiental dos dias de hoje (GUIMARÃES, 2007b, p.35).” 7 Já a Educação Ambiental crítica representa um contraponto à visão conservacionista, na medida em que leva em consideração as mudanças geradas pelo sistema capitalista e também a estruturação das sociedades responsáveis pelas atividades que degradam o meio ambiente, através do estímulo ao consumismo (PRASNISKI et al., 2013). Ou seja, traz uma nova abordagem que estimula o questionamento dos sistemas econômicos e políticas que, por vezes, buscam camuflar as reais causas da degradação ambiental. De acordo com Sauvé (2005, p. 30): “Esta corrente insiste, essencialmente, na análise das dinâmicas sociais que se encontram na base das realidades e problemáticas ambientais. (…) Esta postura crítica, com uma componente necessariamente política, aponta para a transformação de realidades. (…) dela emergem projetos de ação em uma perspectiva de emancipação, de libertação das alienações (SAUVÉ, 2005).” Ou seja, ao invés de responsabilizar a todos os indivíduos da mesma forma pela degradação ambiental, como faz a visão conservacionista, a Educação Ambiental crítica considera os padrões de consumo e questiona as desigualdades sociais, tendo em vista que a parcela mais carente da população é a mais prejudicada pela degradação do meio ambiente. Por fim, Prasniski et al. (2013) concluem: “Enfim, a EA Crítica questiona as raízes da degradação, não as formas que devem ser utilizadas para amenizar os efeitos da degradação, não comportando separações entre cultura-natureza, fazendo a Crítica ao modelo de sociedade vigente, sendo efetivamente autocrítica (LOUREIRO, 2007). Procura entender os reais motivos da poluição, do consumismo exagerado, das desigualdades sociais, e refletir sobre o papel da educação nesse contexto. Seu objetivo é buscar perspectivas e possibilidades que possam trazer mudanças à realidade atual (PRASNISKI et al., 2013)”. A Tabela abaixo sintetiza os preceitos de ambas as vertentes, crítica e conservadora, a partir de quatro características dos processos de Educação Ambiental. Tabela 1: Educação Ambiental Crítica x Conservadora Características Crítica Conservadora Visão de Homem Situado histórica e socialmente Abstrato, genérico Visão de Sociedade Conflituosa e desigual Conjunto de indivíduos Papel da Educação Problematizador e transformador Instrumental e viés comportamentalista Foco Compreensão e transformação da dinâmica social Mudanças de comportamentos, atitudes e valores morais individuais Fonte: Adaptado de Layrargues (In: Loureiro et al., 2006, p. 98); Loureiro, 2006, p. 111-112. 8 Pedagogia Ambiental A Pedagogia Ambiental é entendida por Luzzi (2012, p. 115), citado por Koppe & Boer (2016), como um processo que “surge de diálogos e tenta ‘significar a relação pedagógica como mediadora da relação do homem com a natureza, consigo mesmo e com os outros homens’. (LUZZI, 2012, p. 115)”. As mesmas autoras ainda citam Reigota (2010), que declara que “esta modalidade de ensino propõe a participação da sociedade em discussões sobre os assuntos ambientais, promovendo o laço entre a natureza e o homem”. Fonseca et al. (2012) ressalta que as crises ambientais atuais são reflexo das crises de racionalidade vividas pela civilização moderna. Citando Leff (2001), os autores demonstram que “os problemas ambientais são fundamentalmente problemas do conhecimento, tendo fortes implicações em toda a política ambiental e para a educação escolar”. Os mesmos autores ainda afirmam que a educação brasileira não aborda as questões ambientais de forma a estimular debates, reflexões e construções de conhecimento para a compreensão do meio ambiente. Ou seja, é necessário um efetivo engajamento na formação de um modelo sustentável de crescimento, com práticas pedagógicas que propiciem um desenvolvimento claro dos conceitos de conscientização e de cidadania. Importante salientar que os problemas ambientais não se restringem à problemas de informação e de conhecimento. Faz-se necessário acrescentar à esta complexidade, uma “deficiência” na percepção dos indivíduos. Capra (2006 apud PENTEADO, 2010) afirma que a crise ambiental é tambem uma crise de percepção: “(...) esses problemas [a crise ambiental] precisam ser vistos, exatamente, como diferentes facetas de uma única crise, que é, em grande medida, uma crise de percepção. Ela deriva do fato de que a maioria de nós, e em especial nossas grandes instituições sociais, concordam com os conceitos de uma visão de mundo obsoleta, uma percepção da realidade inadequada para lidarmos com nosso mundo superpovoado e globalmente interligado.” (CAPRA, 2006) Segundo DOURADO; BELIZÁRIO; PAULINO (2015), a escola é um ambiente importantíssimo para a formação do sujeito ecológico, mas, para isso, precisa também se inspirar nos mesmos valores, contra o conservacionismo e a favor da sustentabilidade. A Educação crítica vem ao encontro deste pensamento, visto que tem como premissa pensar na pesquisa-ação-reflexão de modos de ensinar/aprender que levem em conta as complexas questões da sustentabilidade, aliadas a estratégias que permitam aos sujeitos serem autores dessa transformação. Silva (2010), em sua análise da pedagogia ambiental, reforça que: “É necessário ressignificar os conteúdos, contextualizá-los, usá-los como aportes educativos para compreender a dimensão local e global dos problemas e a relação de mútua implicação entre ambos. É necessário, ainda, que os conhecimentos sejam ressignificados para oferecer respostas 9 condizentes com os contextos e com vistas à mudança do local para o global e do global para o local (SILVA, 2010).” Ou seja, a pedagogia ambiental demanda uma educação que faça uso dos conhecimentos das ciências humanas e da natureza, dos esquemas cognitivos emergentes, dos saberes populares das comunidades tradicionais, sem qualquer preterimento ou supervalorização de antemão de um ou de outro, sem qualquer hierarquização entre eles. É necessário reformar as lógicas de construção do conhecimento, os processos de formação humana e os seus currículos em todos os níveis, os objetivos pedagógicos, e as relações do homem com seu ambiente social e natural (SILVA, 2010). Sendo assim, a pedagogia ambiental está alinhada com o conceito de Educação Ambiental crítica, possibilita que o sujeito enxergue a complexidade das relações ambientais, sociais e culturais e, desta forma, possa agir em consonância (FARIAS & CARVALHO, 2007 apud FONSECA et al., 2012). O conhecimento adquirido direciona o sujeito para o entendimento do ser humano como parte do meio ambiente e co-dependente deste, servindo de ponto de partida para a desconstrução do modelo conservacionista (GAZZINELLI, 2002 apud FONSECA et al., 2012). Meio Ambiente, Sociedade e Interdisciplinaridade O método científico, desenvolvido por René Descartes (1596-1650) desencadeou a visão fragmentada dos seres e dos fenômenos naturais existentes. Com isso, os conhecimentos passaram a ser organizados e “armazenados” em compartimentos estanques que não se comunicam. Durante o processo educacional, ao longo dos séculos, fez com que os indivíduos se tornassem especialistas. Esta organização educacional fez com que perdêssemos a capacidade de compreender a complexidade dos organismos e do próprio planeta Terra. Caminho este que nos afastou da natureza e nos fez perder o entendimento da dependência existente entre o Homo sapiens e o ambiente. A constatação dos sérios problemas ambientais, gerados por esta visão fragmentada do mundo fez com que a humanidade busque refazer o caminho. Através da interdisciplinaridade, as instituiçõesse esforçam para esta reconexão dos conhecimentos e dos homens com o meio. Segundo Coimbra (2012), a interdisciplinaridade ocorre a partir do momento em que cada indivíduo interpreta o ambiente de acordo com os seus conhecimentos, contribuindo para a compreensão do todo e relacionando-se com outras observações feitas pelos demais. Há uma integração e promoção da interação de pessoas, áreas, disciplinas, produzindo conhecimentos mais amplos e coletivizados. As leituras e análises diferentes do mesmo aspecto permitem a elaboração de saberes que buscam um entendimento e uma compreensão do ambiente por inteiro. Nas últimas décadas os especialistas de variados campos do saber vêm falando intensamente em interdiciplinaridade. Este termo vem ganhando destaque e importância uma vez que o sistema educacional tradicional não cumpre com o seu 10 propósito original que deveria promover a participação dos discentes como sujeitos criticos e autonômos capacitados a tomar decisões eticamente responsáveis. Ao contrário disso, tem-se um sistema educacional em que os conhecimentos foram fragmentados e acondicionados em “gavetas” que não se interagem nem dialogam. Seguindo a lógica industrial em que cada setor possui um conjunto de funcionários. Cada servidor é treinado para desenvolver parte da fabricação, Assim se dá com os conhecimentos que não conversam entre si. Grande parte da crise socioambiental tem a sua origem nesta perda da capacidade de “costurar” conhecimentos e atitudes. A perda da compreensão de que tudo está interligado. Diante deste contexto, a interdicisciplinaridade faz-se urgente em nossas práticas educativas. Na Educação Ambiental, é dito que o fundamento para o desenvolvimento de qualquer prática é a sua característica interdisciplinar, o que se baseia na sua análise histórica, inclusive como ferramenta para a reconstrução das práticas educacionais conservadoras (COIMBRA, 2012). As práticas em Educação Ambiental necessitam de boa fundamentação conceitual, de forma que é necessário estender as análises conceituais, para que as propostas sejam efetivamente amplas, profundas e sofisticadas, tornando seus objetivos, e possíveis resultados, eventos sólidos, capazes de contrapor antigas leituras e conceitos, bem como transformá-los (COIMBRA, 2012). Boff (2004) enfatiza que hoje domina a ética utilitarista e antropocêntrica que considera o ser humano no auge da evolução e que ele pode ter tudo de acordo com seus desejos e preferências. Diante dessa realidade, a busca por sociedades sustentáveis envolve a transformação dos padrões de produção e consumo, dos valores associados às relações entre humanos e natureza e entre homens. Figura 1: Antropocentrismo Fonte: https://bit.ly/2XTpwwa. 11 Isso inclui uma mudança nos processos de tomada de decisão sobre o desenvolvimento humano, que deve ser democratizada, fortalecendo o atendimento às comunidades locais, onde as pessoas mais diretamente afetadas pelos danos ao meio ambiente vivem e trabalham. Leff (2006) considera que o enfrentamento dos problemas ambientais é resultado da produção de um conhecimento que tem racionalidade própria e que persegue a reapropriação social da natureza por parte dos indivíduos através de uma mudança de postura e da adoção de uma nova ética comportamental. Figura 2: Interdisciplinaridade na Educação Ambiental Fonte: https://bit.ly/2MUsfPr. Conrado & Silva (2017) afirmam que “especializar tanto nossa vida e a ciência, sem estarmos conectados ao meio em que vivemos, faz com que não percebamos a teia que o une e que nos mantêm conectados”. Os autores atribuem a este fato o surgimento de grande parte dos problemas socioambientais do planeta, citando as mudanças climáticas, a extinção de espécies nativas, além de problemas do próprio ser humano enquanto ser social. Os mesmos autores concluem ainda que na prática interdisciplinar o que se pretende não é acabar com as disciplinas, mas sim integrá-las de maneira que seus objetivos sejam alcançados, chegando-se a uma totalidade, a uma unicidade. Logo, são necessárias metodologias que tornem o ensino mais dinâmico, apontando para a solução de problemas, ou seja, o processo educativo interdisciplinar deve estar conectado a atitudes que façam parte do cotidiano dos alunos/seres humanos que estão em formação. A Política Nacional de Educação Ambiental estabelece ainda que os estudos, pesquisas e experimentações devem-se voltar para o desenvolvimento de instrumentos e metodologias destinadas à incorporação da dimensão ambiental nos diferentes níveis e modalidades de ensino, de forma interdisciplinar, apoiando as iniciativas de experiências locais e regionais (BERGMANN e PEDROZO, 2008). Desta forma, é necessário pensar a interdisciplinaridade na Educação Ambiental em termos de processo de formação completa do ser humano como agente ambiental, onde é preciso sempre partir de um referencial seguro, pautado no suporte teórico- prático (COIMBRA, 2012). Ao falarmos de formação completa, estamos trazendo 12 para cada indivíduo, a capacidade de perceber, analisar e conduzir de maneira mais plena e autônoma toda a sua potencialidade enquanto ser criativo e autor de sua vida. São estes indivíduos que podem exercer efetivamente a cidadania, contribuindo para uma coexistência integral e sustentável no planeta. Nesse contexto, a Educação Ambiental requer uma série de sistemas, modelos e esquemas didáticos capazes de formar e disseminar uma consciência ambiental na sociedade. Nesta busca, permeia espaços formais, não formais e informais de relações de ensino-aprendizagem, em um processo de criação, resgate, ensino e aplicação de diferentes metodologias que potencializem a criticidade. Referências BRASIL, Presidência da República. Lei Federal n. 9.795, 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. BERGMANN, M.; PEDROZO, C. S. 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