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AVALIAÇÃO NUTRICIONAL APLICADA Rafaela da Silveira Corrêa Catalogação na publicação: Poliana Sanchez de Araujo – CRB 10/2094 A945 Av aliação nutricional aplicada [recurso eletrônico] / Organizadora, Rafaela da Silveira Corrêa. – Porto Alegre : SAGAH, 2016. Editado como livro impresso em 2016. ISBN 978-85-69726-70-8 1. Nutrição. 2. Avaliação nutricional. 3. Semiologia nutricional. I. Corrêa, Rafaela da Silveira. CDU 612.39 Avaliação bioquímica do estado nutricional Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Identificar os indicadores bioquímicos utilizados na avaliação do estado nutricional. � Relacionar as medidas bioquímicas ao estado nutricional e clínico do paciente. � Analisar exames bioquímicos relacionados ao estado nutricional e estabelecer o diagnostico nutricional do paciente, de forma com- plementar as técnicas de antropometria e avaliação clínica. Introdução O estado nutricional é resultado do equilíbrio entre o consumo de nu- trientes, as necessidades nutricionais e o gasto energético. Existem di- versos métodos para a avaliação do estado nutricional, dentre os quais se destaca a utilização de exames bioquímicos. O uso desses indica- dores na prática clínica possibilita a detecção de desequilíbrios do es- tado nutricional, visto que tais parâmetros estão relacionados com a ingestão e o metabolismo dos componentes presentes nos alimentos. Neste texto, você verá as principais medidas bioquímicas relaciona- das ao estado nutricional e a relação destes indicadores com o estado clínico e nutricional, além de conhecer as intervenções dietoterápicas utilizadas na prática. Importância da avaliação bioquímica do estado nutricional Você sabia que o estado nutricional é resultado do equilíbrio entre o consumo de nutrientes, as necessidades nutricionais e o gasto energético? A avaliação do estado nutricional busca identificar distúrbios e riscos nutricionais visando ao planejamento de condutas adequadas à recuperação ou manutenção desse estado. Quando ocorre carência de nutrientes, seja pelo consumo inadequado, por necessidades aumentadas ou pela depleção exacerbada, podem ocorrer do- enças como desnutrição, anemias e hipovitaminoses. Quando o desequilíbrio ocorre pelo consumo exagerado de um ou mais nutrientes, manifestações de agravos crônicos não transmissíveis podem ocorrer, como hipertensão, dia- betes e obesidade. Há diversos métodos para a realização da avaliação do estado nutricional, sendo com- plementares entre si. Nenhum método isolado é capaz de determinar com exatidão o estado nutricional de um indivíduo, sendo desejável a associação entre diferentes técnicas. Portanto, a avaliação do estado nutricional é um importante passo no trata- mento de qualquer alteração nutricional, na medida em que fornece ao profissional de saúde subsídios para a decisão da conduta a ser adotada. Indicadores bioquímicos úteis para o diagnóstico nutricional na prática clínica Esteja atento à divisão que pode ser feita com relação aos métodos de ava- liação nutricional! Eles podem ser divididos em diretos (avaliação antropomé- trica, exames laboratoriais/bioquímicos e inquéritos alimentares) ou indiretos (avaliação subjetiva global e exame clínico físico). Como método direto, a avaliação de indicadores bioquímicos na prática clínica possibilita a detecção de desequilíbrios do estado nutricional, visto que estes parâmetros estão relacionados com a ingestão e com o metabolismo dos componentes presentes nos alimentos. No entanto, embora seja verificada uma boa correlação desses indicadores com o consumo dos nutrientes e com o estado nutricional, é importante você saber que os resultados laboratoriais devem ser utilizados como método complementar na avaliação do estado nu- tricional. Outros fatores –como os estados patológicos (sejam estes agudos ou crô- nicos) – irão impactar na composição corporal e bioquímica do sujeito, po- Avaliação nutricional aplicada2 dendo influenciar nos marcadores laboratoriais tradicionalmente conhecidos como avaliadores do estado nutricional. Conhecer as alterações fisiopatoló- gicas de cada condição clínica e a repercussão no estado nutricional é funda- mental para nortear a interpretação dos resultados bioquímicos. Os exames laboratoriais devem ser utilizados em conjunto com os dados obtidos nas avaliações clínica, física e alimentar. A associação de dados an- tropométricos, com inquéritos alimentares e indicadores bioquímicos, forma a combinação mais apropriada para obtenção do diagnóstico nutricional e para a avaliação e o acompanhamento de intervenções dietoterápicas utili- zadas na prática clínica. Diferentemente da avaliação do consumo alimentar, que é realizada por meio de inquéritos alimentares, os indicadores bioquímicos são medidas ob- jetivas do estado nutricional que não estão sujeitos a vieses de entrevista ou de obtenção de dados. A escolha do melhor método de avaliação dependerá das questões específicas a serem respondidas e do nutriente cuja exposição será avaliada. É importante que você tenha em mente que para cada nutriente pode haver diferentes indicadores bioquímicos relacionados tanto ao metabolismo quanto ao uso em particular pelo organismo, sendo imprescindível a interpretação deste resultado em conjunto com os dados clínicos e dietéticos do paciente. Fatores que podem influenciar os indicadores bioquímicos Você sabia que diversos fatores podem afetar os indicadores bioquímicos? Por isso, é importante a investigação destes para a avaliação e a interpretação do estado nutricional do indivíduo. Além das condições clínicas, crônicas ou agudas, descritas anteriormente, fatores fi- siológicos e ambientais/comportamentais também podem interferir nos resultados. Como fatores fisiológicos, podemos destacar: idade, sexo, raça e características gené- ticas do indivíduo. Já como fatores ambientais e comportamentais descritos pela litera- tura, podem ser citados alcoolismo, tabagismo, uso de drogas e medicamentos, prática de atividade física e condições socioeconômicas. 3Avaliação bioquímica do estado nutricional Para avaliar o resultado obtido a partir de um exame bioquímico, são ne- cessários valores de referência, os quais são, por definição, as faixas de nor- malidade ou os pontos de corte para um determinado teste. Os valores de referência são específicos para cada população, isto é, podem estar disponíveis referências para homens e mulheres, para as di- ferentes faixas etárias e também para as fases específicas da vida, como a gestação, por exemplo. A definição destes valores tem por base estudos po- pulacionais, sendo que estes dados são muito úteis para a comparação dos resultados obtidos. Outro fator importante a ser considerado na avaliação bioquímica é a pa- dronização da coleta deste dado. O período do dia, por exemplo, pode in- fluenciar no resultado do teste. Para marcadores bioquímicos cujas concentra- ções no sangue e na urina variam ao longo do dia, recomenda-se a coleta da amostra pela manhã, após o jejum noturno. Em outros casos, pode-se indicar a coleta do volume total da urina produzida em um período de 24 horas. Indicadores bioquímicos de rotina Alguns exames laboratoriais são utilizados na rotina do aconselhamento nu- tricional, como os níveis de colesterol e suas frações, triglicerídeos, glicemia e hemograma. Outros, mais específicos, são empregados para avaliar especi- ficidades dos sintomas clínicos, como a albumina, a transferrina, a ureia, a creatinina e o acido úrico. Você verá a seguir a descrição dos exames laboratoriais de uso mais fre- quente na pratica clinica, suas aplicações e seus valores de referência. Hemograma O hemograma é um dos exames laboratoriais mais utilizados na prática clí- nica e no atendimento ambulatorial. Como um dos objetivos desta análise, podemos citar a investigação da anemia ferropriva. A maior parte do ferro corporal está ligada em proteínas que carregamo grupamento heme, envol- vidas no transporte de oxigênio, como a hemoglobina e a mioglobina. Al- gumas populações em específico estão mais suscetíveis à deficiência de ferro, como as mulheres em idade fértil e as crianças. No hemograma são avaliadas as células brancas (leucócitos) e as verme- lhas (hemácias ou eritrócitos). O eritrograma é o estudo da série vermelha. Avaliação nutricional aplicada4 Nessa série são avaliados os valores de hematócrito (Ht), hemoglobina (Hb) e também os valores hematimétricos, os quais refletem as características dos eritrócitos quanto ao volume e ao conteúdo de hemoglobina. Os parâmetros hematimétricos são: volume corpuscular médio (VCM), hemoglobina cor- puscular média (HCM), concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) e Red Cell Distribution Width (RDW). O hematócrito é um índice calculado em percentual, que representa a massa total de células sanguíneas na unidade de volume. Como a massa pre- dominante é de hemácias, o valor do hematócrito depende praticamente do volume ocupado por estas células. Este parâmetro encontra-se baixo em todas as anemias. As situações que afetam o volume plasmático podem alterar o hematócrito, como gravidez, desidratação, sangramento intenso e grandes queimaduras. A hemoglobina é uma proteína intracelular contida dentro da hemácia. Ela exerce papel fundamental no transporte de oxigênio (O2) do pulmão aos tecidos e de gás carbônico (CO2) dos tecidos ao pulmão. Por ser intracelular, apresenta menor sensibilidade no processo de desnutrição. Assim, sua dimi- nuição ocorre mais tardiamente na depleção proteica. Porém, quando está em valores inferiores aos normais, é sugestiva de desnutrição. Conforme já referimos aqui, a hemoglobina está relacionada com a anemia, a qual pode ocorrer tanto pela diminuição na produção das hemácias quanto pelo aumento na velocidade de destruição destas células. Há diversas causas envolvidas com a anemia, e tanto o valor da hemoglobina quanto os parâme- tros hematimétricos são importantes na compreensão de tal situação clínica. Quando os estoques de ferro são exauridos, ocorre também a redução do número das células vermelhas em razão da diminuição da sua produção pela medula. Neste caso, a anemia caracteriza-se por ser normocítica e normocrô- mica, ou seja, os valores de hemoglobina estão reduzidos, mas o tamanho das células, determinado pelo VCM, e a quantidade de heme por célula, repre- sentado pelo CHCM, permanecem normais. Na anemia ferropriva mais avan- çada, há diminuição do tamanho da célula e da coloração, sendo a anemia, então, denominada hipocrômica e microcítica, sendo traduzida laboratorial- mente pela diminuição dos valores de VCM e CHCM. Há também anemias macrocíticas e megaloblásticas, que ocorrem quando o VCM apresenta-se com valores acima dos normais. Esta anemia pode ser causada por deficiências de folato e vitamina B12. 5Avaliação bioquímica do estado nutricional Os valores de referência para hematócrito e hemoglobina e para os parâ- metros hematimétricos variam conforme sexo e idade do indivíduo. Confira na Tabela 1 os valores propostos para adultos. Fonte: Programa Nacional de Controle de Qualidade (c2015). Idade/ sexo Hb (g/dL) (± 2dp) Ht (%) (± 2dp) VCM (fl) (± 2dp) HCM (pg) (± 2dp) CHCM (g/dL) (± 2dp) 18 a 49 anos Mulheres 14 41 90 30 34 (12-16) (36-46) (80-100) (26-34) (31-37) Homens 15,5 47 90 30 34 (13,5-17,5) (41-53) (80-100) (26-34) (31-37) Tabela 1. Valores normais de série vermelha (± 2dp) Glicose O diabetes melito (DM) representa um grave problema de saúde pública, sendo considerado uma epidemia mundial. Atualmente, estima-se que a po- pulação mundial com diabetes seja de cerca de 387 milhões, sendo que 80% se encontra em países em desenvolvimento. Alguns fatores estão associados ao aumento do número de indivíduos com diabetes, como o envelhecimento da população, a urbanização e, sobretudo, a elevação nas prevalências de obesidade e sedentarismo. Avaliação nutricional aplicada6 O DM não é uma única doença, mas um grupo de distúrbios metabólicos que apre- senta em comum a hiperglicemia, resultante de defeitos na ação da insulina, na se- creção de insulina ou em ambas. Conforme as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Dia- betes, a doença é dividida em quatro tipos: DM tipo 1 (DM1), DM tipo 2 (DM2), outros tipos específicos de DM e DM gestacional. Há ainda duas categorias, referidas como pré-diabetes, que são a glicemia de jejum alterada e a tolerância à glicose diminuída. Essas categorias não são entidades clínicas, mas fatores de risco para o desenvolvi- mento de DM e doenças cardiovasculares (MILECH et al., 2016). Atualmente, são três os critérios aceitos para o diagnóstico do DM com utilização da glicemia. Confira-os no Quadro 1. Fonte: Milech et al. (2016, p. 11). Categoria Jejum* 2h após 75g de glicose Casual** Glicemia normal < 100 < 140 Tolerância à glicose diminuída ≥ 100 a < 126 ≥ 140 a < 200 Diabetes mellitus ≥ 126 ≥ 200 ≥ 200 (com sintomas clás- sicos)*** *O jejum é definido como a falta de ingestão calórica por no mínimo 8h. **Glicemia plasmática casual é aquela realizada a qualquer hora do dia, sem se observar o intervalo desde a última refeição. ***Os sintomas clássicos do DM incluem poliúria, po- lidipsia e perda não explicada de peso. Nota: o diagnóstico do DM deve sempre ser confirmado pela repe- tição do teste em outro dia, a menos que haja hiperglicemia inequívoca com decomposição metabólica aguda ou sintomas óbvios de DM. Quadro 1. Valores de glicose plasmática (em mg/d), diagnóstico de diabetes e seus estágios pré-clínicos. 7Avaliação bioquímica do estado nutricional O acompanhamento do parâmetro na prática clínica pode auxiliar na pre- venção primária do DM, podendo impactar na redução da prevalência e no retardo do desenvolvimento da doença. Nesse sentido, a Sociedade Brasileira de Diabetes faz as seguintes reco- mendações: realizar intervenções no estilo de vida, com ênfase em alimen- tação saudável e prática regular de atividade física, mudanças que reduzem a incidência de diabetes tipo 2; fazer também intervenções no controle da obesidade, na hipertensão arterial, na dislipidemia e no sedentarismo. Além disso, deve-se focar no bom controle metabólico do diabetes, o qual previne o surgimento ou retarda a progressão de suas complicações crônicas, particu- larmente as microangiopáticas (MILECH et al., 2016). Colesterol e suas frações As dislipidemias são definidas como distúrbios no metabolismo lipídico, os quais se manifestam pela alteração dos níveis de lipoproteínas na circulação sanguínea. Tais alterações são de grande importância na saúde pública, tendo em vista sua relação com o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. As dosagens de colesterol total, triglicerídeos e HDL-colesterol ou da de- terminação do LDL-colesterol são muito importantes na avaliação do estado nutricional. O risco de doenças cardiovasculares aumenta conforme são supe- rados os valores limítrofes do colesterol total e do LDL-colesterol. Já a relação com o HDL-colesterol é inversa, isto é, conforme seus valores diminuem, o risco aumenta. Confira na Tabela 2 os valores referenciais do perfil lipídico para adultos maiores de 20 anos. Para avaliação dos parâmetros bioquímicos, a coleta de sangue deve ser realizada após o indivíduo realizar jejum de 12 horas. Recomenda-se que, para determinação do perfil lipídico, o paciente esteja com dieta habitual, estado metabólico e peso estáveis por, pelo menos, duas semanas antes da realização do exame. Além disso, devem-se evitar ingestão de álcool e ati- vidade física vigorosa nas 72 e 24 horas que antecedem a coleta de sangue, respectivamente. É reconhecida a relação do consumo dietético sobre os lipídios plasmá- ticos. O consumo aumentado de colesterol, carboidratos, ácidos graxos satu- rados e ácidos graxos trans, além do excesso de calorias, está associado com o aumento nos níveis séricos de colesterole triglicerídeos. Nesse sentido, a terapia nutricional e as mudanças no estilo de vida – como perda de peso e Avaliação nutricional aplicada8 realização de atividades físicas – são indicadas como abordagem terapêutica nas dislipidemias. Fonte: Xavier et al. (2013, p. 3). Lípideos Valores (mg/dL) Categoria CT < 200 Desejável 200-239 Limítrofe ≥ 240 Alto LDL-C < 100 Ótimo 100-129 Desejável 130-159 Limítrofe 160-189 Alto ≥ 190 Muito alto HDL-C > 60 Desejável < 40 Baixo TG < 150 Desejável 150-200 Limítrofe 200-499 Alto ≥ 500 Muito alto Colesterol não HDL < 130 Ótimo 130-159 Desejável 160-189 Alto ≥ 190 Muito alto Tabela 2. Valores referenciais do perfil lipídico para adultos maiores de 20 anos. Indicadores bioquímicos de aplicação clínica Além dos indicadores que estudamos na seção anterior, utilizados na rotina do aconselhamento nutricional, outros parâmetros bioquímicos podem ser muito importantes e úteis na avaliação do estado nutricional. Eles serão descritos 9Avaliação bioquímica do estado nutricional a seguir, com os objetivos de auxiliar na análise global do quadro clínico e nutricional dos pacientes assistidos e também de ajudar na compreensão da reposta à prescrição nutricional adotada. Dosagem de proteínas plasmáticas A avaliação da massa muscular é um importante fator na determinação do estado nutricional de um indivíduo, tendo em vista a proporção que a massa magra representa no corpo de um adulto. Um indivíduo jovem, com índice de massa corporal dentro dos parâmetros normais, com atividade física mínima, apresenta, basicamente, 25% da massa do seu organismo de gordura, e os 75% restantes de massa corporal magra. Esta, por sua vez, é composta por proteínas (20%), água (70%) e minerais (10%). A atuação dos hormônios anabólicos e a manutenção dos estoques pro- teicos determinam a quantidade de massa corporal magra do corpo. No en- tanto, situações de estresse podem gerar desequilíbrio, aumentando o catabo- lismo proteico e resultando na perda de massa magra. Há relação direta entre a perda de massa magra e a mortalidade, sendo este indicador de grande relevância do ponto de vista clínico. De acordo com a porcentagem de massa magra perdida, é possível predizer o risco de mor- talidade e de alterações clínicas associadas. Perdas de 10% da massa magra estão associadas a alterações imunológicas, aumentando o risco de infecção. Perdas de 20% comprometem a cicatrização, causam fraqueza generalizada e aumentam o risco de infecção em um índice significativo. Mais de 30% de massa magra perdida gera grande prejuízo na cicatrização e alterações fun- cionais significativas nas musculatura esquelética. Índice creatinina-altura Conforme você leu neste capítulo, a massa magra representa uma importante reserva de proteínas no corpo humano. Avaliação nutricional aplicada10 A creatina é uma proteína sintetizada pelo fígado e que se acumula no músculo, apresentando uma quantidade relativamente constante. Até 5% da creatina transforma-se em creatinina, uma proteína não reutilizável que acaba sendo eliminada pelo rim. Como a creatinina é quase inteiramente eliminada pelo rim, a excreção urinária de creatinina em 24 horas pode ser considerada proporcional à massa muscular. Na desnutrição ou em estados de hipercatabolismo, há degradação intensa do mús- culo esquelético. A creatinina, por ser um metabólito derivado da creatina, apresenta- -se aumentada na urina nestas situações, sendo um importante indicativo de depleção da massa muscular. A combinação da excreção urinária de creatinina com a altura do indi- víduo, categorizada por sexo e idade, forma o índice creatinina-altura (ICA). Essa relação tem sido utilizada como um método indireto para o cálculo da massa muscular. O índice, quando entre 60 e 80%, é um indicativo de de- pleção moderada da massa muscular; valores abaixo de 60% são indicativos de depleção grave. A dosagem da creatinina é feita na urina de 24 horas, e o índice é calcu- lado a partir da seguinte fórmula: ICA = creatinina urinária de 24h x 100 creatinina urinária ideal Você deve reparar que algumas limitações devem ser levadas em consi- deração. O método não é indicado para a avaliação de indivíduos com nefro- patia, tendo em vista que esses pacientes apresentam elevação da eliminação de creatinina. Nos idosos, devido à depleção da massa magra característica da idade, pode haver excreção urinária de creatinina diferente do padrão. Em vegetarianos estritos, observam-se alterações da dosagem deste índice, pois a ingestão diária de carne exerce influência direta no teor urinário de creati- nina. 11Avaliação bioquímica do estado nutricional Proteínas de fase aguda Em situações mórbida agudas, como traumas, queimadura, infecções, sepse e lesões de tecido em geral, ocorre o aumento da produção hepática das pro- teínas de fase aguda. O aumento da produção dessas proteínas é uma reposta metabólica a eventos lesivos agudos. Nessas circunstâncias, o fígado prioriza a produção de tais proteínas em detrimento à produção de outras proteínas viscerais. Algumas proteínas tradicionalmente conhecidas como marcadoras do es- tado nutricional, como a albumina, a pré-albumina, a proteína carreadora de retinol e a transferrina, estão correlacionadas negativamente com aquelas de fase aguda. Albumina A albumina é a proteína mais abundante no plasma e nos líquidos extracelu- lares. Destacam-se como suas funções o transporte de cálcio, cobre, ácidos graxos de cadeia longa, esteroides e drogas, além de outros compostos. A massa de albumina circulante é de cerca de 120 g e, a cada dia, são sin- tetizadas de 10 a 12 g de albumina pelas células hepáticas. A concentração de albumina reflete a soma de diversos fatores, incluindo sua produção pelo fígado, perdas corporais e fornecimento de substrato. Em resumo, a hipoalbuminemia (redução da concentração da albumina) ocorre pela ingestão e absorção inadequada de substratos e pela diminuição da sín- tese hepática, perda renais, intestinais e cutâneas, além de outros processos. Por ter meia-vida longa, entre 18 e 20 dias, e uma grande reserva corporal, a albumina não é indicada para avaliar a desnutrição aguda. Por outro lado, é um marcador confi- ável nos pacientes com desnutrição crônica, correlacionando-se com a circunferência do braço, a perda da força muscular e o risco aumentado de infecção e mortalidade. Muitos estudos encontraram relação entre hipoalbuminemia e complica- ções nos pacientes hospitalizados. Sendo assim, a albumina tem sido apon- tada como o melhor teste isolado para predizer a evolução do indivíduo. A Avaliação nutricional aplicada12 avaliação desta proteína em âmbito hospitalar é rotineira, tendo em vista a sua importância e, principalmente, porque não requer metodologia sofisticada, sendo uma análise de baixo custo. Transferrina A transferrina é uma proteína do grupo das globulinas. É sintetizada pelo fígado e responsável pelo transporte do ferro no plasma. Por apresentar meia- -vida menor, em torno de oito dias, é considerada um marcador mais sensível do estado nutricional, quando comparada à albumina. A transferrina aumenta na carência de ferro. Em situações como gravidez, fases precoces de hepatites agudas, perdas crônicas de sangue, anemia, infec- ções crônicas, doenças hepáticas crônicas, neoplasias e sobrecarga de ferro, a transferrina também está aumentada. Portanto, nem sempre é um índice específico do estado de nutrição proteica. Pré-albumina A pré-albumina é a proteína responsável pelo transporte dos hormônios ti- reoidianos. Também participa no metabolismo da vitamina A, sendo carre- adora da proteína fixadora do retinol. Essa ligação é muito importante, pois evita a eliminação renal desta proteína, que tem pequeno tamanho molecular. Assim como a transferrina e a albumina, é uma proteína sintetizada pelo fígado, de rápido turnover, isto é, sua vida média é relativamente curta: dois dias. Em condições de desnutriçãoproteica energética, a pré-albumina en- contra-se diminuída, mas também há redução de seus níveis nas doenças he- páticas, na restrição calórica e em situações nas quais há aumento das prote- ínas de fase aguda. Proteína carreadora do retinol Como o seu nome indica, a proteína carreadora do retinol é a responsável pelo transporte do retinol no plasma. Sua vida média é de 10 a 12 horas, sendo, por- tanto, um índice muito sensível da restrição proteica e/ou energética. Embora seja a proteína visceral mais sensível ao diagnóstico precoce da desnutrição, 13Avaliação bioquímica do estado nutricional é justamente a sua meia-vida muito curta que dificulta a aplicação na prática clínica. Os níveis plasmáticos da proteína carreadora do retinol reduzem-se nas doenças hepáticas, na carência de vitamina A e zinco e também no hiperti- reoidismo. Em recém-nascidos de muito baixo peso, a dosagem de pré-albu- mina e da proteína carreadora do retinol mostram-se como bons marcadores de repleção proteica. O padrão de normalidade para a proteína carreadora do retinol encontra- -se entre 3 e 5 mEq/dL. Proteína C-reativa É uma das principais proteínas da fase aguda. A proteína C-reativa encontra- -se de 10 a 100 vezes aumentada diante de situações de infecção e inflamação. Sua dosagem pode ser utilizada para diferenciar processos infecciosos por bactérias de processos virais. Isso ocorre porque a concentração de proteína C-reativa está elevada em processos de infecção por bactérias e inalterada em processos virais. Os valores de referência de normalidade para a proteína C-reativa são abaixo de 0,8 mg/dL. Balanço nitrogenado O cálculo da diferença entre o nitrogênio ingerido e o nitrogênio eliminado ou excretado é o balanço nitrogenado. O balanço nitrogenado não resulta em diagnóstico do estado nutricional (eutrófico nutrido, desnutrido, etc.), mas fornece informações sobre a dinâ- mica entre o consumo e as perdas de nitrogênio, podendo ser utilizado para avaliar a adequação da prescrição nutricional. Para chegar ao valor de nitrogênio ingerido e excretado, é necessário re- alizar um cálculo. O nitrogênio ingerido é obtido dividindo-se o valor (em gramas) das proteínas ingeridas em determinado período por uma constante de 6,25. Essa constante é o valor de nitrogênio contido na proteína (cada 100 g de proteína tem 16% de nitrogênio, logo, 100/16 é igual a 6,25). O nitrogênio excretado é calculado por meio do nitrogênio eliminado na urina na forma de ureia. Avaliação nutricional aplicada14 A avaliação deste parâmetro é bastante complexa, tendo em vista as di- versas variáveis envolvidas na relação. Além disso, o estado hipercatabólico e os mediadores inflamatórios envolvidos em situações de infecção e infla- mação sistêmica elevam a excreção urinária de ureia. Assim, o produto final da excreção não é resultante somente da prescrição nutricional, mas também do estado de catabolismo proteico determinado pelos mediadores inflamató- rios. Apesar das limitações do balanço nitrogenado, este ainda é o método quantitativo indicado para avaliar a terapêutica nutricional. No entanto, a in- terpretação do parâmetro deve ser realizada à luz do contexto clínico e consi- derando-se outras medidas clínicas disponíveis. Considerações finais Conforme você aprendeu neste capítulo, os exames laboratoriais assumem importante papel na avaliação nutricional e no monitoramento da terapia nu- tricional, tanto na prática clínica quanto no atendimento ambulatorial. O constante monitoramento dos parâmetros, em conformidade com a situ- ação clínica do paciente e em associação com outros métodos de avaliação nu- tricional, auxilia no diagnóstico e no acompanhamento do estado nutricional. 15Avaliação bioquímica do estado nutricional 1. A avaliação do estado nutricional por meio de indicadores bioquímicos in- clui a medida de um nutriente ou de seu metabólito, principalmente no sangue e na urina. Sobre a utilização do índice creatinina-altura (ICA) para avaliação do estado nutricional de um paciente grave, com redução do débito urinário, assinale a alternativa INCORRETA. a) A dosagem da creatinina é feita na urina de 24 horas, e este indi- cador apresenta-se aumentado em situações de depleção da massa muscular. b) Sua utilização seria imprescin- dível para a definição do estado nutricional e do planejamento da terapia nutricional. c) Seu resultado pode ser influen- ciado pelo estado de estresse metabólico e por instabilidade hemodinâmica. d) Muitas variáveis podem interferir na creatinina excretada na urina e, portanto, sua dosagem não se aplicaria neste momento para definição do estado nutricional do paciente. e) O comprometimento da função renal poderia causar creatinina baixa, resultando em um ICA falsamente reduzido. 2. A albumina é a proteína mais abun- dante no plasma e nos líquidos extracelulares. Sobre ela, assinale a alternativa correta. a) A concentração sérica da albu- mina reflete sua produção no fígado. b) A hipoalbuminemia (redução da concentração da albumina) é re- sultante da ingestão inadequada de proteínas. c) Por ter uma meia-vida longa, entre 18 e 20 dias, e uma grande reserva corporal, a albumina não é indicada para avaliar a desnu- trição aguda. d) A dosagem de albumina em pacientes hospitalizados não é rotineira, pois o método é sofisti- cado e caro. e) A albumina é a proteína respon- sável pelo transporte de oxigênio no sangue. 3. Sobre o hemograma e seus parâ- metros, assinale a alternativa que apresenta a relação correta entre o nome e a descrição. a) Hematócrito: é a medida direta do quantitativo de hemoglobina no sangue. b) Anemia: doença carencial relacio- nada somente ao baixo consumo de ferro. c) Os valores de referência para he- matócrito e hemoglobina e para os parâmetros hematimétricos são únicos para toda a população adulta. d) Parâmetro hematimétrico: índice calculado em percentual, que representa a massa total de células sanguíneas na unidade de volume. e) Hemoglobina: proteína intrace- lular contida dentro da hemácia. 4. Na triagem nutricional é muito importante avaliar o colesterol e suas Avaliação nutricional aplicada16 frações, pois alterações nos lipídeos plasmáticos estão associadas a muitas doenças. Sobre estes indicadores, assinale a alternativa INCORRETA. a) As dislipidemias são definidas como distúrbios no metabolismo lipídico, as quais se manifestam pela alteração dos níveis de lipoproteínas na circulação sanguínea. b) As dosagens do colesterol total, dos triglicerídeos e do HDL- -colesterol ou da determinação do LDL-colesterol são de grande importância na avaliação do estado nutricional. c) O risco de doenças cardiovascu- lares aumenta conforme elevam- -se os níveis de HDL-colesterol. d) O risco de doenças cardiovas- culares aumenta conforme são superados os valores limítrofes do colesterol total e do LDL- -colesterol. e) É reconhecida a relação do con- sumo dietético sobre os lipídios plasmáticos – consumo aumen- tado de colesterol, carboidratos, ácidos graxos saturados e ácidos graxos trans. 5. Sobre o balanço nitrogenado, qual alternativa NÃO está correta? a) É obtido pelo cálculo da diferença entre o nitrogênio ingerido e o ni- trogênio eliminado ou excretado. b) Os valores de ureia urinária são afetados pela insuficiência renal, tornando o cálculo do balanço nitrogenado irreal e passível de interpretações equivocadas. c) Em pacientes gravemente enfermos, a excreção urinária de ureia, produto da mobilização das proteínas, será proporcional à gravidade do caso. d) O balanço nitrogenado costuma ser negativo para pacientes graves, como indivíduos com sepse ou traumatizados. e) Todas as informações estão corretas. 17Avaliação bioquímica do estado nutricional MILECH, A. et al.. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes (2015-2016). São Paulo: A.C. Farmacêutica, 2016. PROGRAMA NACIONAL DE CONTROLE DE QUALIDADE. Site. Rio de Janeiro:PNCQ, c2015. Disponível em: <https://www.pncq.org.br/>. Acesso em: 7 ago. 2016. XAVIER, H. T. et al. V Diretriz Brasileira de Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, São Pasulo, v. 101, n. 4 supl. 1, out. 2013. Leituras recomendadas DUARTE, A. C. G. Avaliação nutricional: aspectos clínicos e laboratoriais. São Paulo: Athe- neu, 2007. KAC, G.; SICHIERI, R.; GIGANTE, D. P. Epidemiologia nutricional. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2007. LAMEU, E. Clínica nutricional. Rio de Janeiro: Revinter, 2005. VÍTOLO, M. R. Nutrição: da gestação ao envelhecimento. Rio de Janeiro: Rubio, 2008. WAITZBERG, D. L. Nutrição oral, enteral e parenteral na prática clínica. 4. ed. São Paulo: Atheneu, 2009. Avaliação nutricional aplicada18 Conteúdo:
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