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CASOS CLÍNICOS CASO N ° 04 ENVENENAMENTO POR CHUMBO Caso: Um rapaz de 22 anos de idade, foi hospitalizado devido a uma série de sintomas, dentre os quais, a perda de peso, vômitos, fraqueza muscular, irritabilidade, anorexia e palidez eram os mais evidentes. Ele trabalhava em uma fábrica de tubos de ferro, era soldador e usava chumbo nas soldagens. Os exames laboratoriais revelaram uma grave anemia, denominada sideroblástica e o exame de urina de 24 horas, mostrou 0,24mg de chumbo, sendo que a análise de raios X, apresentou depósito do metal nas epífises. Questões: 1- Citar as principais fontes e formas de contaminação pelo chumbo e correlacioná-las com atividades profissionais. 2- Porque o chumbo é tóxico para o nosso organismo? 3- Explique os principais sintomas da intoxicação causada pelo chumbo. 4- Porque este metal deposita-se nos ossos? 5- Como é feito o tratamento da intoxicação pelo chumbo? Comentário: •As principais fontes onde o chumbo poderá ser encontrado são as tintas (usado como agente corante e estabilizador), a gasolina (aditivo antidetonante na forma de tetra etila de chumbo), ligas para soldas e baterias de automóveis. Nos grandes centros urbanos e em regiões siderúrgicas (Vale do aço, Cubatão, etc.), o ar e a água locais, apresentam concentrações de chumbo bem maiores que em outros locais (tolerância máxima é de 4 a 10 ppm de Pb2+ ). Sendo estas as fontes mais importantes, os trabalhadores que lidam diretamente com materiais que contém este metal, devem ser os principais alvos de contaminações agudas ou crônicas, podendo ser incluídas as crianças pequenas que se contaminam com o solo e a poeira doméstica. Também os locais de trânsito muito intenso, como nas grandes cidades, o chumbo que escapa da exaustão de automóveis movidos a gasolina, poderá ser facilmente absorvido pelos pulmões e afetar gradualmente os profissionais que diariamente ali permanecem. Deve-se mencionar que o chumbo é também absorvido pelo trato gastrointestinal, tendo a sua absorção aumentada pela deficiência de ferro e cálcio na alimentação. O caso deste rapaz é decorrente de uma intoxicação causada pela inalação gradual de sais de chumbo, que escapavam quando a liga do metal era fundida para ser utilizada nas suas diversas finalidades. O chumbo ao atingir a corrente sangüínea, irá depositar-se principalmente nos ossos longos (incorporação aos cristais de hidroxiapatita, onde são relativamente inertes), no cérebro, rins, fígado e pulmões. O seu efeito tóxico é devido a formação de ligações covalentes com grupos SH das cisteínas, presentes principalmente em sítios ativos das enzimas e caracterizando uma inibição enzimática irreversível. Em altas concentrações, poderá também ligar com cargas negativas presentes nas superfícies externas de proteínas intracelulares, precipitando-as e causando morte celular com resultante inflamação tecidual. •Uma das enzimas mais sensíveis é a ferroquelatase, a qual insere o ferro (Fe2+) no anel da protoporfirina, uma via de síntese do anel das porfirinas, um constituinte do grupo heme, presente nos eritrócitos. Uma das conseqüências do bloqueio enzimático é uma forte anemia, denominada sideroblástica. Também, o δ-aminolevulinato (δ-ALA), o substrato da enzima ferroquelatase, acumula-se e escapa para a corrente sangüínea, sendo que em níveis elevados atinge áreas do sistema nervoso central, provocando uma psicose que é típica do pulhismo. Isto, porque o δ-ALA é semelhante estruturalmente ao γ-aminobutirato (GABA), um inibidor das transmissões sinápticas, e por competição, toma o lugar deste, resultando numa psicose desconhecida até pouco tempo. Outras proteínas e enzimas importantes de vias metabólicas, poderão ser inibidas ou desnaturadas pelo chumbo através de mecanismos semelhantes e resultar numa sintomatologia bastante diversa. Anos anteriores, algumas bebidas eram contaminadas com o chumbo em suas manufaturas, e isto causava a gota saturnina nos seus consumidores. Isto porque os rins afetados pelo metal, não conseguiam excretar normalmente o ácido úrico que acumulava-se no sangue e depositava nas articulações principalmente dos dedos, causando a gota. •O chumbo deposita-se principalmente nos ossos, porque algumas de suas propriedades são muito semelhantes ao cálcio e o nosso organismo não consegue distinguí-los claramente. Por ser mais denso que o cálcio, as chapas de raios-X mostrarão os locais ósseos de maior contaminação pelo chumbo, sendo que, em jovens e crianças, o mais comum é a placa metafisária de ossos longos em crescimento nos quais ocorre a formação de uma linha, denominada “linha de chumbo”. 2 2 Este metal incorporado à hidroxiapatita poderá ser removido todas às vezes em que houver necessidade de remoção do cálcio dos ossos. Assim, dietas adequadas de vitaminas de cálcio, poderá minimizar a necessidade de reabsorção deste mineral, e daí, remover menos o chumbo. O tratamento essencial da intoxicação pelo chumbo, constitui primeiro na remoção da fonte de exposição; segundo, a retirada deste do organismo intoxicado através de agentes quelantes como a penicilamina, a qual forma um complexo estável com o chumbo (também com outros metais pesados ou íons de cálcio). Outros agentes quelantes (figura 1) poderão der utilizados, como o EDTA (ácido etilenodiamino tetraacético) ou o dimercaprol (BAL). Os complexos formados por estes, são não-iônicos, não tóxicos e mais solúveis, sendo que, os efeitos são mais pronunciados com as formas de chumbo circulantes. O problema é que, estes agentes quelantes não são absolutamente específicos e podem quelar vários íons essenciais; por isto, o acompanhamento de pacientes em tratamento, deve ser rigoroso para não induzir uma deficiência de cálcio. Um novo agente quelante oral, o ácido dimercaptosuccínico (DMSA) está em experiência clínica. Figura 1 – Estrutura de dois agentes quelantes. 3 3 CASO N ° 5 CÁRIE DENTÁRIA Caso: A.S.E., 22 anos, foi a um dentista e este constatou a ocorrência de vários dentes com cáries e doenças periodontais. O rapaz morava no interior de Minas Gerais, numa cidade em que a água consumida pela população local não era tratada. Além disso, constatou-se que o mesmo não tinha hábitos de higiene bucal e que o consumo de doces e sorvetes eram hábitos rotineiros. Questões: 1- As placas dentárias podem causar que tipos de doenças da boca? 2- Explique a relação entre alta incidência de destruição dos dentes em pessoas que consomem grandes quantidades de doces. 3- Explique o papel da sacarose (açúcar de cana) na adesão de bactérias nos dentes. 4- Porque limpar a língua é tão importante quanto escovar os dentes e usar fio dental? 5- O acréscimo de flúor (fluoreto de sódio) na água a uma concentração e 1 ppm reduz a incidência de cáries dentárias. Explique. 6- Em concentrações elevadas, o flúor poderá causar sérios danos ao nosso organismo. Por quê? Comentário: •As placas dentárias causam duas doenças da boca: cárie dentária e doença periodontal. A placa (constituída de microorganismos com cerca de 4 x 108 por miligrama de placa) tem uma atividade metabólica muito intensa. As bactérias dessa placa produzem diversas enzimas, sendo que muitas delas já foram isoladas, tais como: proteases, colagenases, hialuronidases, etc.. Vários são os produtos do catabolismo microbiano (ácido láctico, ácido cítrico, amônia, etc.) que juntamente com as enzimas produzidas, contribuem para a destruição dos tecidos orais, que são os epitélios, tecido conjuntivo, dentina e esmalte. Além 4 4 desses fatores de formação de placa dentária,diversos alimentos também têm a sua contribuição, sobretudo aqueles que contêm sacarose. O envolvimento desses alimentos, aumenta se o indivíduo não tiver hábitos de higiene bucal. •A cárie dentária é a doença de maior prevalência no globo, a qual atinge cerca de 98% da população mundial. Todas as formas de cáries são causadas por microorganismos, principalmente o Streptococcus mutans. A sacarose é utilizada na síntese de dextrano, um polissacarídeo de reserva bacteriano, que é semelhante com as dextrinas limites, sendo viscoso e pegajoso, o que facilita a adesão da placa. O alongamento das cadeias de dextrano é catalisado pela enzima dextrano-sacarase do S. mutans, específica para sacarose, a qual libera a frutose e liga à extremidade de uma cadeia de dextrano que assim fica acrescida de uma unidade. dextrano-sacarase (Glicose)n + sacarose (Glicose)n+1 + frutose Os dextranos são formados por unidades de glicose α ligadas em 1-6. Sobre esta cadeia principal enxertam-se (por ligação 1-4) cadeias mais curtas. Também vale ressaltar que o ácido lipoteicóico (polímero aniônico que tem alta afinidade pelo esmalte e por hidroxiapatita de cálcio) também é produzido pelos microorganismos e também age como um fixador de placa. Este polímero, e outros, formam uma verdadeira barreira na placa, impedindo a difusão de ácidos formados pelos microorganismos, os quais promoverão a deterioração do esmalte e da dentina, resultando em inflamação e descalcificação dos dentes. •As doenças periodontais, geralmente estão associadas a microorganismos, que na sua maioria são anaeróbios. A suspeita do envolvimento de microorganismos nessa doença se fundamenta nas respostas imunológicas do paciente, que sugerem infecção. Contudo, existem evidências de que a invasão das bolsas gengivais pela placa, favoreça o aparecimento de doenças periodontais. •Escovar a língua é tão importante quanto os dentes, devendo ser recomendado para adultos e crianças, tão logo comecem a escová-los. Encontra- se no comércio, limpadores de língua que são instrumentos manuais e simples como uma escova de dentes. São melhores para limpar porque são capazes de atuar em toda a região superior da língua e retiram restos de alimentos e bactérias, principalmente do dorso posterior onde as escovas não alcançam. Seu uso reduz a placa bacteriana, a incidência de cárie, tártaro, as infecções de garganta e gengiva, além de praticamente eliminar o mau hálito, um problema 5 5 que ocorre com elevada freqüência, sendo que, aproximadamente 90% destes casos, são devido à saburra na língua ou à instalação da placa e suas complicações. •O fluoreto de sódio, a uma concentração de 1 ppm, pode ser utilizado como coadjuvante em águas tratadas. O mineral cristalino insolúvel dos dentes e ossos é a hidroxiapatita de cálcio [(Ca3P208)3.Ca(OH)2]. Semelhante na carga e tamanho, o flúor pode substituir o hidróxido na hidroxiapatita, formando fluorapatita de cálcio. Estes cristais são mais duros e mais resistentes ao ataque dos ácidos bacterianos, o que faz com que as camadas externas do esmalte se tornem mais duras e resistentes à desmineralização. Não devemos deixar de levar em consideração que as ações farmacológicas do fluoreto sobre o organismo são tóxicas (exceto o efeito sobre ossos e dentes, se administrado em dose correta). Ele é um inibidor da enzima enolase da via glicolítica e portanto um inibidor da respiração tecidual, já que a glicose é a nossa principal fonte de energia •A dose letal de fluoreto de sódio para o homem é da ordem de 5g, sendo que em crianças é de 0,5g. O fluoreto liga-se ao cálcio livre circulante, sendo utilizado in vitro como anticoagulante. Esse seqüestro do cálcio livre leva ao quadro de hipocalcemia, tendo como conseqüência o aumento da excitabilidade neuronal, levando os indivíduos a uma maior irritabilidade do sistema nervoso central, chegando a provocar convulsões. Esse aumento da excitabilidade também provoca o quadro de tetania hipocalcêmica, que pode levar o indivíduo a uma contração permanente dos músculos respiratórios (parada respiratória) e/ou insuficiência cardíaca, o que acarreta a sua morte. Nos exames laboratoriais de indivíduos intoxicados com fluoreto, é comum observar a hipoglicemia e a hipocalcemia. Para tratá-los, administra solução salina glicosada intravenosamente e procede-se lavagem gástrica com solução de hidróxido de cálcio a 0,15% para precipitar o fluoreto nos casos de ingestão acidental. As fontes acidentais de fluoreto incluem a ingestão de raticidas e inseticidas que contem sais de fluoreto. A inalação de fluoreto presente em poeiras e gases, constitui a principal via de exposição industrial. No homem, as principais manifestações da ingestão crônica de quantidades excessivas de fluoreto consistem em osteosclerose e esmalte mosqueado. A osteosclerose é um fenômeno em que a densidade e a calcificação do osso aumentam, provavelmente pela substituição da hidroxiapatita pela fluorapatita, que é mais densa. O mosqueamento dos dentes consiste em pequenas áreas opacas de cor, espalhadas irregularmente pela superfície dos dentes. Isto é resultado de uma deficiência parcial das células formadoras de esmalte envolvidas na elaboração e depósito adequados do esmalte. Como o esmalte mosqueado é uma lesão de desenvolvimento, a profilaxia feita com 6 6 fluoreto após a erupção dos dentes não exerce qualquer efeito. É bom observar que uma água tratada com doses maiores de fluoreto de sódio, em torno de 4 a 6 ppm, já é o bastante para se caracterizar uma ingestão crônica excessiva de fluoreto e a incidência de mosqueamento em crianças poderá chegar a 100%. 7 7 CASO N ° 6 FIBRAS Caso: Um pós-graduando proveniente da área biológica observou em seus trabalhos que a incidência de câncer de cólon era menor entre os Africanos (Kampala – 3,5/100.000 habitantes/ano; Moçambique – 5,3/100.00 habitantes/ano do que entre os europeus e norte-americanos (Escócia – 51,5/100.000 habitantes/ano e Connecticut – 51,8/100.000 habitantes/ano). Esta possível correlação, muito provavelmente, está ligada aos hábitos alimentares destes povos. Desta maneira, fica evidenciado a importância da presença de fibras em nossa alimentação. Questões: 1)- O que são fibras? 2)- Quais são os principais tipos de fibras e relacione-as com seus benefícios em nossa alimentação. 3)- Qual a composição química das fibras? 4)- Existe relação significativa entre as fibras da dieta e algumas patologias? 5)- Existe uma quantidade adequada de fibra a ser ingerida diariamente? Comentário: •Fibra é a parte dos vegetais ingeridos na dieta e que são resistentes à digestão pelas secreções do trato gastrointestinal humano. O conceito atual está modificado ao englobar componentes vegetais que em alguns casos não são digeríveis, em outros, são apenas parcialmente, e por último, existem componentes que retardam a digestão e absorção dos nutrientes que acompanham o alimento. Assim, é incorreto assumir que fibras não são digeridas, uma vez que algumas fibras são, de fato, quebradas, pelo menos parcialmente, por bactérias intestinais. Nosso entendimento atual dos papéis metabólicos das fibras da dieta é baseado em três importantes observações: (1) há vários tipos diferentes de fibras da dieta; (2) cada uma tem propriedades químicas e físicas diferentes e (3) cadauma tem um papel diferente sobre o metabolismo humano, que pode ser entendido, em parte, a partir de suas propriedades particulares. •Os componentes das fibras da dieta compreendem um grupo heterogêneo de carboidratos, principalmente polissacarídeos que incluem celulose, hemicelulose, gomas, mucilagens, polissacarídeos algáceos e pectina, e uma substância não carboidrato chamada lignina. Os principais tipos de fibras e suas propriedades estão resumidas na tabela 1: 8 8 Polissacarídeos Celulose polímero de glicose --- principal componente estrutural da parede celular das plantas, não digerível e insolúvel em água Hemicelulose polímero de xilose, manose, galactose e glicose. cadeias secundárias de arabinose e ácido glucurônico. 15 a 30% da parede celular das plantas que se entrelaça com as fibras de celulose, sendo parcialmente digerida pelas bactérias do cólon. Pectina polímero de ácido galacturônico. cadeias secundárias de arabinose e xilose 1-4% dos poliss. das plantas; solúvel em água e muito digerida pelas bactérias do cólon. Mucilagens poliss. de galactose- manose, glicose- manose e arab.-xilose. cadeia secund. de galactose. associada a poliss. armazenados nas sementes das plantas. Propriedades emulsificantes. Gomas pol. de gal. e glucurônico xilose, frutose e galactose formam cadeias secun. produzidas pelas células secretoras nos locais de lesão. Poliss. algáceos manose, xilose, galactose e ácido glucurônico. cadeias secundárias de galactose. conteúdo de glucurônico e sulfato é variável; derivado das algas e plantas merinhas. Não polissacarídeos Lignina polímero de ácidos polifenólicos -- resistente à degradação bacteriana, constituinte da parte lenhosa dos vegetais. Não digerível, insolúvel em água e adsorve substâncias orgânicas. Subst. associadas saponinas, fitatos -- -- Tabela 1- Principais tipos de fibras e suas propriedades. 9 9 10 10 •Burkitt e col. demonstraram que nos países onde há pouca industrialização, ocorre maior ingesta de fibras, resultando em trânsito intestinal mais rápido. Por outro lado, as dietas pobres em fibras, dos países economicamente desenvolvidos, produzem fezes endurecidas e pequenas e têm trânsito intestinal mais lento. Estas modificações do comportamento do trato gastrointestinal poderiam, em parte, explicar a ocorrência de doenças como cardiopatia esquêmica, apendicite, doença diverticular, doenças da vesícula biliar, veias varicosas, trombose venosa profunda, hérnia de hiato e tumores do intestino grosso. Ingesta calórica, tempo de trânsito intestinal, tipos de bactérias, níveis de colesterol sérico e as mudanças do metabolismo de sais biliares também têm sido relacionados à quantidade de fibras consumidas na dieta. Em relação às funções fisiológicas exercidas pelas fibras da dieta pode ser correlacionado: peso, volume fecal e tempo de trânsito – uma dieta rica em fibras aumenta o volume e o peso das fezes. A hemicelulose e a pectina são mais eficientes em aumentar o peso das fezes, provavelmente pela formação de um gel com água; a celulose não é tão efetiva e os resíduos ricos em lignina, que é mais hidrofóbica, são constipantes. É certo que as fibras são perdidas quando ocorre o refinamento dos carboidratos, ou seja, quanto mais refinada for a dieta, menores serão as fezes e mais vagaroso é o tempo de trânsito, que é definido como o tempo decorrido pela passagem dos alimentos desde a boca até o ânus. Os africanos que vivem em área rural e que ingerem dieta rica em fibras, não só produzem um grande volume de fezes, mas também, têm um tempo de trânsito na ordem de 30 horas, ao passo que os europeus e norte-americanos têm um tempo de trânsito de 48 horas ou mais. Isto fica claro que os alimentos naturais contendo carboidratos não refinados com fibras devem assumir o lugar de carboidratos muito refinados que são pobres em fibras. Percebe-se a importância da indicação do uso de grãos inteiros, vegetais e frutas com cascas e sementes comestíveis. A correlação entre dieta rica em fibras e colesterolemia pode ser resumida da seguinte maneira: a habilidade de certas fibras, em particular as gelificadoras e micilaginosas, em seqüestrar os componentes micelares (agregados de sais biliares com material lipídico resultante da digestão, incluindo colesterol), sugerem que as fibras exerçam efeito significante sobre o metabolismo dos lipídeos pela interferência direta na sua absorção. Assim, o seqüestro, principalmente de sais biliares pelas fibras da dieta, não somente influencia a solubilização e difusibilidade do colesterol e gorduras, mas também, reduz a influência destes importantes detergentes sobre a barreira de difusão celular aos lipídeos. A resultante destas interações, é alguma diminuição na taxa de colesterol do sangue. Portanto, um indivíduo que estiver com os níveis de colesterol sangüíneo acima dos valores normais, deverá ser orientado pelos profissionais capacitados a ingerir mais fibras em sua alimentação. 11 11 •A relação documentada entre as fibras da dieta e algumas patologias poderá ser direcionada para o câncer de cólon, as colecistopatias, doença diverticular e aterosclerose. A maioria das evidências é epidemiológica, ao comparar a incidência de doenças entre países com grande ingesta de fibras e onde a ingesta de fibras é relativamente baixa, mas onde vários outros fatores são também diferentes. Assim, em reforço a estes dados, pesquisadores observaram que as fezes dos indivíduos ocidentais continham maiores concentrações de esteróides do que as fezes dos africanos e orientais. Da mesma forma, a flora bacteriana dos ocidentais apresentava uma maior contagem de bacteriódes e menor de enterococcus e outras bactérias aeróbicas do que as fezes das pessoas orientais. A hipótese observada é a de que o câncer se origina pela ação de carcinógenos formados no intestino grosso, por ação das bactérias sobre os ácidos biliares. A dieta pobre em fibras determina estase fecal, permitindo maior tempo para a proliferação bacteriana e sua ação sobre os ácidos biliares, aumentando o contato entre os carcinógenos formados e a mucosa intestinal. Quanto a colecistopatias, doenças causadas pelos cálculos de colesterol, foi postulado por Heaton, que o defeito metabólico causador da formação do cálculo, é determinado por uma bile supersaturada com colesterol, estando associada a uma ingesta de alimentos pobres em fibras e rica em açúcar. O argumento principal é que uma dieta mais artificial, rica em açúcar, é mais fácil, sendo a relação caloria/saciedade maior e de melhor paladar. Em relação à doença diverticular, que é a patologia mais comum do intestino grosso, as pesquisas nesse sentido têm mostrado que uma dieta pobre em resíduos causa diverticulose e isto deve estar relacionado à segmentação do cólon, que é o mecanismo responsável pela herniação da mucosa. Ademais, foi sugerido que dieta não refinada contendo fibras adequadas pode prevenir diverticulose por evitar a retenção de fezes no cólon, ficando assim, menos propenso a tornar-se “trabeculado” e com divertículos. Quanto à aterosclerose, Burkitt em uma excelente revisão, sugere que as dietas pobres em fibras possam ser importantes no desenvolvimento da doença isquêmica do coração. Entretanto, deve-se ter em mente que a aterosclerose é doença multifatorial envolvendo alémda hipercolesterolemia, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, fumo e obesidade, dentre outros fatores. As fibras da dieta podem atuar na diminuição da absorção de colesterol e com isto, diminuir a hipercolesterolemia. Em geral, as fibras mucilaginosas tais como a pectina e o farelo de aveia são mais efetivas do que as fibras do farelo de trigo em reduzir o colesterol plasmático. •Embora seja importante a ingesta de fibras na dieta, até o presente momento não foi possível determinar a quantidade adequada de fibra a ser ingerida. No entanto, Varo Duarte recomenda uma ingesta diária de 2 a 10 gramas de fibras integrais ou 0,5 grama de fibras para cada 100 kcal. 12 12 Concluindo, as fibras são componentes essenciais na dieta humana. Várias patologias como constipação, síndrome do cólon irritável e outras, têm seu curso modificado pela ação das fibras. Da mesma forma, atuam sobre o metabolismo dos lipídeos, podendo interferir na aterogênese e sobre o metabolismo dos carboidratos. Entretanto, os mecanismos bioquímicos devem ser melhor investigados, afim de trazer à tona, melhores evidências do papel das fibras na alimentação humana. CASO N ° 7 GALACTOSEMIA Caso: Um recém-nascido apresentou vômitos e diarréia freqüentes a partir do 4º dia de vida, o que causou uma perda de peso significativa. Foi constatado no 20º dia de vida, icterícia, hepatomegalia e ligeira opacificação do cristalino. Os exames laboratoriais revelaram aumento de bilirrubina conjugada e não conjugada, aumento de açúcares redutores na corrente sangüínea e presença de galactose na urina (galactosúria). O diagnóstico de galactosemia foi estabelecido e receitada uma dieta à base de soja. Gradativamente, os sintomas foram desaparecendo com esta dieta e a criança apresentou um desenvolvimento normal. Questões: 1- A galactosemia pode ser causada pela ausência ou deficiência de quais enzimas? 2- Quais os sintomas que aparecem em decorrência da galactosemia? 3- Quais as principais fontes alimentares que contem a galactose? 4- Explique os eventos bioquímicos responsáveis pelo aparecimento dos sintomas da galactosemia. 5- Como pode ser feito o diagnóstico da galactosemia? 6- Qual o tratamento mais adequado para os indivíduos galactosêmicos? 7- Algumas crianças com galactosemia, se tratadas convenientemente, poderão ingerir leite quando adultas. Por quê? 8- A galactose é um monossacarídeo constituinte de glicoproteínas de membranas plasmáticas. Como os indivíduos galactosêmicos poderão sintetizar galactose para as suas glicoproteínas, se suas dietas deverão ter um baixo teor de lactose? 13 13 9- Explique as diferenças clínicas e bioquímicas dos quadros de galactosemia e o de uma intolerância secundária à lactose. Comentário: •A galactosemia refere-se a qualquer um dos erros inatos do metabolismo da galactose, ambos de caráter autossômico recessivos. A galactosemia clássica deve-se à deficiência da enzima galactose-1-fosfato uridiltransferase e suas principais manifestações clínicas surgem dentro de poucos dias ou semanas após o nascimento e normalmente o recém-nascido tem vômitos e diarréia severos depois da ingestão de leite ou preparados do leite. Pode surgir icterícia, hepatomegalia, problemas renais e cataratas que se desenvolvem gradualmente durante semanas a meses. O retardo mental torna-se evidente após seis a doze meses. Calcula-se que a incidência desta deficiência enzimática esteja em torno de 1:18000 nascimentos (USA). A deficiência da 2ª enzima, a galactoquinase, leva primordialmente à formação de cataratas e estima-se que 1:40000 nascimentos apresenta o problema. •A principal fonte alimentar que contem a galactose é a lactose, um dissacarídeo presente no leite, formado por uma molécula de galactose e uma de glicose unidas por uma ligação do tipo beta (1→4). Este dissacarídeo é normalmente hidrolizado pela lactase intestinal, e a galactose absorvida é convertida em intermediários da via glicolítica ou em glicogênio pelo fígado. A deficiência da uridiltransferase causa o acúmulo de galactose-1-fosfato, principalmente nas células do tecido nervoso, fígado, rins e cristalino. O acúmulo de galactose-1-fosfato, além de ser responsável pelos danos teciduais locais (eventos bioquímicos ainda não totalmente esclarecidos), causa inibição da enzima galactoquinase. Parte da galactose retorna à corrente sangüínea, o que causa a hipergalactosemia com galactosúria. Parte da galactose pode ser reduzida em galactitol pela enzima aldose redutase, presente principalmente nas células hepáticas, epitélio do cristalino, células de Schwann dos nervos periféricos, papilas renais e vesículas seminais. Nas células do epitélio do cristalino, o acúmulo do galactitol causa um aumento da osmolaridade (devido a sua difícil difusão), o que resulta na retenção de água, além da diminuição da solubilidade das proteínas da lente. •A conseqüência é a inchação e opacificação do cristalino com formação da catarata. A deficiência da galactoquinase causa o mesmo problema. Danos hepáticos comprometem o metabolismo dos pigmentos porfirínicos; normalmente, a bilirrubina proveniente da degradação da hemoglobina nos tecidos hemocateréticos, é captada pelo fígado, conjugada com o ácido glucurônico e lançada na bile para ser excretada. Distúrbios hepáticos, 14 14 freqüentemente prejudicam a captação da bilirrubina, o que causa a sua elevação na corrente sangüínea. •Quanto ao diagnóstico, a galactosemia clássica pode ser considerada quando se encontra um ou mais dos aspectos clínicos descritos. O diagnóstico definitivo consiste na demonstração de ausência ou deficiência da uridiltransferase nas hemácias. Atualmente, utilizando técnicas mais sofisticadas, o diagnóstico também pode ser realizado no período pré-natal, pela demonstração de aumento do galactitol no líquido amniótico ou mediante estudos enzimáticos em células cultivadas obtidas por aminocentese. Vale lembrar, que estes testes são particularmente importantes em famílias com histórico da doença. O tratamento da galactosemia consiste na remoção dos alimentos que contém galactose da dieta, especialmente o leite, sendo que, freqüentemente pode ser substituído por preparações de soja (área de competência de nutricionistas). Ressaltamos que, se tratados convenientemente, os pacientes sobrevivem normalmente e alguns poderão ingerir leite quando adultos devido a síntese de uma outra enzima (galactose-1-fosfato pirofosforilase), a qual catalisa a mesma reação que a uridiltransferase. •A intolerância secundária à lactose é decorrente da deficiência da enzima lactase intestinal. Nesta deficiência, a lactose não é hidrolisada, e alcançando o intestino grosso, será utilizada pelas bactérias da flora normal. Glicose e galactose serão fermentadas por estas, e os produtos finais (lactato, acetato, gases, etc.) são lançados ao meio. A presença destes ácidos e mesmo da lactose no lúmen, causa fortes efeitos osmóticos, com muita saída de água das células do epitélio para a luz. O resultado é a diarréia que aparece de três a seis horas após a ingestão do leite. •Observando a via de utilização da galactose, vemos que as reações 3, 4 e 5 (figura 1) são livremente reversíveis. Isto possibilita às células sintetizarem a UDP-galactose a partir da glicose da dieta. Portanto, mesmo que a nossa alimentação não contenha a galactose, temos capacidade de sintetizá-la e daí ofertá-la às vias de síntese das glicoproteínase glicolipídios que necessitarem dela. O mesmo ocorrerá com as lactantes na síntese da lactose pelas glândulas mamarias. A figura 1 mostra a via de utilização da galactose pelas nossas células. Lactose, glicoproteínas e glicolipídeos Galactose galactose-1-P UDP-glicose PPi NADPH 1 6 2 4 NADP+ ARase UDP-galactose glicose-1-P UTP 3 15 15 galactitol UDP-glicose 4 glicose-1-P glicogênio 5 lactose glicose-6-P glicose via glicolítica Figura 1- Enzimas: ARase (aldose redutase) encontrada principalmente no fígado, cristalino, células de Schwann, papilas renais e vesículas seminais (fisiológicamente não importante a menos que a galactose esteja em concentrações elevadas); 1 = galactoquinase; 2 = galactose-1- fosfato uridiltransferase; 3 = UDP-hexose-4-epimerase; 4 = glicose-1-P-pirofosforilase; 5 = fosfoglucomutase e 6 = galactose-1-P-pirofosforilase. CASO N ° 8 DEFICIÊNCIA DA GLICOSE-6-FOSFATO DESIDROGENASE Caso: Um rapaz proveniente de uma região endêmica de malária, foi internado com sintomas desta doença. O diagnóstico laboratorial confirmou a suspeita e prontamente foi instituído o tratamento a base de antimaláricos. Dois dias depois, o paciente piorou e começou a apresentar urina escura e icterícia. Exames laboratoriais foram novamente realizados, sendo que, a hemoglobina mostrou uma queda acentuada juntamente com o número de hemácias. A dosagem de bilirrubina não-conjugada mostrou-se bastante elevada. A suspeita de uma deficiência da enzima glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) foi levantada e para comprovar, foi realizada a determinação quantitativa desta enzima nas hemácias, o que mostrou uma atividade catalítica muito baixa. Questões: 1- A enzima glicose-6-fosfato desidrogenase pertence a qual via metabólica? 2- Esta via metabólica ocorre em quais tecidos? 3- Os indivíduos que apresentarem a deficiência desta enzima, poderão ter sérias conseqüências em determinadas circunstâncias. Explique. 4- Quais os medicamentos que podem induzir anemia hemolítica em pessoas com deficiência da G6PD? 5- Existe alguma correlação entre anemia falciforme e deficiência da G6PD? 6- Em termos profiláticos, o que deverá ser feito para proteger os indivíduos deficientes na enzima G6PD? Comentário: 16 16 •A enzima glicose-6-P-desidrogenase é a primeira enzima da via das pentoses. Esta via, também chamada ciclo das pentoses ou via do fosfogluconato, ocorre principalmente nos tecidos que sintetizam ativamente ácidos graxos e esteróis, como é o caso do fígado, tecido adiposo, córtex da supra renal, testículos e glândulas mamarias. Ela pode ser dividida em duas fases: a primeira consiste em três reações irreversíveis e tem o propósito de sintetizar NADPH (Nicotinamida Adenina Dinucleotídeo Fosfato = transportador de energia química na forma de força redutora, essencial para a biossíntese de ácidos graxos e esteróis nos tecidos acima), e ribose-5-P (precursora de nucleotídeos e ácidos nucleícos); a segunda fase corresponde a uma série de interconversões reversíveis de açúcar fosfato (ligação reversível entre intermediários da via glicolítica e ciclo das pentoses). A figura 1 mostra as reações da via das pentoses: NADPH glicose G6PDH glicose-6-P 6-fosfogluconato frutose-6-P NADPH CO2 frutose-1,6-bifosfato ribulose-5-fosfato gliceraldeido-3-P + DHP xilulose-5-P + ribose-5-P sedoep.7-P + Gliceraldeido-3-P 1,3-Bifosfoglicerato eritrose-4-P frutose-6-P 3-fosfoglicerato 2-fosfoglicerato xilulose-5-P + eritrose-4-P PEP Frutose-6-P + gliceraldeido-3-P Piruvato lactato CK + CR 17 17 Figura 1- reações da via das pentoses e via glicolítica. No fígado, a via das pentoses, além de fornecer o NADPH para a biossíntese de ácidos graxos, abastece o sistema citocromo P450, que corresponde a principal via de hidroxilação de compostos aromáticos e alifáticos, tais como álcoois, esteróides e outras drogas. Estas hidroxilações têm como objetivo, a desintoxicação de drogas e compostos estranhos, os quais tornam-se mais solúveis, sendo facilmente excretados pelos rins. Calcula-se que cerca de 30% da glicose metabolisada pelo fígado, ocorra através desta via. •A via das pentoses é também muito ativa nos eritrócitos (é a única fonte de produção de NADPH). Aproximadamente 90% da glicose utilizada pelas hemácias é convertida em lactato através da glicólise (devido a ausência de organelas, a fermentação láctica é a única via de síntese de ATP, essencial para a manutenção da bomba Na+-K+, sendo que nestas células, a glicólise também é importante para a síntese do 2,3-difosfoglicerato, um regulador do transporte de oxigênio pelas moléculas de hemoglobina), e 10% é oxidada pela via das pentoses. Os produtos da via: a ribose-5-P é convertida em intermediários da via glicolítica através da segunda fase e o NADPH é um produto extremamente importante para a manutenção da integridade da membrana do eritrócito. Nestas células, o NADPH é requerido em duas reações enzimáticas de vital importância: redução do Fe+++ a Fe++ das moléculas de hemoglobina e redução da glutationa pela glutationa redutase. No curso normal do transporte de oxigênio pelas hemoglobinas das hemácias, ocorre formação de metahemoglobina (Hb-Fe+++) em aproximadamente 3% por dia. A Hb-Fe+++ é reduzida de volta a Hb-Fe++ pela enzima NADH-metahemoglobina redutase de acordo com a reação abaixo: Meta-Hb (Fe+++) + NADH Hb (Fe++) + NAD+ Outra enzima que requer NADPH realiza catálise semelhante. Portanto, os processos pelos quais a Hb é mantida no estado Fe++ dentro dos eritrócitos é de capital importância para a nossa saúde, uma vez que, somente a Hb (Fe++) é capaz de transportar o oxigênio. A segunda reação enzimática que requer o NADPH é catalisada pela glutationa redutase, uma enzima importante que reduz o tripeptídeo glutation, de acordo com a reação abaixo: Y – Glu – Cys – Gly S 18 18 S + NADPH + H → 2 Y-Glu-Cys-Gly + NADP+ Y – Glu – Cys – Gly SH (Glutation ox.) (Glutation red.) O tripeptídeo glutation reduzido funciona dentro das hemácias como um tampão de grupos sulfidrilos dos resíduos de cisteína da Hb e outras proteínas, sendo também importante para bloqueara H2O2 e os peróxidos orgânicos. A enzima glutationa peroxidase (requer Selenio) emprega o glutation reduzido para bloquear a H2O2 que normalmente é formada dentro dos eritrócitos através de vários mecanismos. A reação catalisada pela enzima é: 2 GSH + H2O2 → GS-SG + 2H2O glut.red. Glut.ox. O glutation reduzido também poderá ser utilizado para bloquear os peróxidos orgânicos: 2 GSH + R-O-OH → GSSG + H2O + ROH A água oxigenada pode danificar as hemácias por dois caminhos: 1o – a oxidação do Fe++ a Fe+++ de acordo com a reação: Hb(Fe++) + H2O2 → Hb (Fe+++) + H2O + H2O• 2o – é o ataque de duplas ligações dos ácidos graxos poliinsaturados dos fosfolipídeos das membranas celulares. Os hidroperóxidos dos ácidos graxos resultantes podem reagir posteriormente e ocorrer clivagens de ligações C-C e resultar em rupturas da membrana. Portanto, a via das pentoses nas hemácias é extremamente importante para a produção do NADPH. •Indivíduos com um defeito genético resultante da deficiência da enzima Glicose-6-P-Desidrogenase desenvolvem uma severa anemia hemolítica, principalmente quando tratados com drogas oxidantes como os antimaláricos (primaquina e pamaquina), anestésicos, sulfonamidas, aspirina, ácido acetilsalicílico, nitrofuranos, fenacetina, cloranfenicol, análogos da vitamina K e algumas substâncias vegetais encontradas no feijão fava (vicia fava) ou no pólen desta. Estas substâncias oxidam o NADPH, grupos sulfidrílicos livres da Hb e de outras proteínas. A água oxigenada também é gerada por tais drogas: Hemácia + agente oxidante → H2O2 19 19 Aí a glutationa peroxidase requer para bloqueá-la o glutation reduzido. O resultado da deficiência da G6PD é uma produção reduzida do NADPH e que na presença de tais drogas torna-se impossível a manutenção da glutationa reduzida. A conseqüência é a destruição de células vermelhas e a instalação de uma severa anemia hemolítica aguda. O interessante também é que na maioria dos outros órgãos, a G6PD é especificada por um gene diferente. Vale lembrar que mutações do gene para a G6PD pode gerar a produção de uma enzima alterada com diminuição da atividade catalítica, diminuição da estabilidade ou afinidade alterada para Glicose-6-P ou NADP+. Concluímos que a ausência da enzima é incompatível com a vida. Calcula-se que cerca de 200 milhões de pessoas são deficientes na enzima G6PD. A incidência maior ocorre nas áreas tropicais e do mediterrâneo. A elevada incidência nestas áreas sugere que a deficiência possa ser favorável debaixo de certas condições ambientais. De fato, a deficiência da G6PD nas hemácias, parece proteger o indivíduo da malária, uma vez que, os parasitos que produzem esta enfermidade requerem a via das pentoses e o glutation reduzido para um desenvolvimento ótimo. Portanto, a deficiência da G6PD e anemia falciforme, são mecanismos paralelos de proteção contra a malária, o que justifica suas altas freqüências genéticas nas regiões maláricas. Parece também que os heterozigotos para a G6PD têm a síntese da glutationa reduzida suficiente para suas necessidades, mas não o suficiente para os parasitos, o que irá dificultar a sua multiplicação. •Ressaltamos também que o gene para a enzima G6PD está localizado no cromossomo X, sendo daí a gravidade de hemólise induzida por drogas nas mulheres heterozigotas, quase sempre de grau intermediário. Portanto, a detecção precoce da deficiência enzimática pode constituir-se num verdadeiro salva-vidas, e é por isso recomendada para pessoas que devem se submeter a cirurgias (uso de anestésicos, metahemoglobinizantes, etc) ou tratamentos quimioterápicos. Também, caso for administrado a pacientes possivelmente sensíveis, a primaquina ou qualquer outra droga potencionalmente hemolítica, deve-se realizar hemogramas repetidos, e caso ocorrer queda súbita na concentração da hemoglobina ou escurecimento da urina, a suspensão imediata do medicamento. Caso contrário, o paciente poderá desenvolver anemia hemolítica aguda ou crônica, esplenomegalia, e às vezes até morte. Drogas Oxidantes (XH2) X 20 20 O2 H2O2 Hemoglobina (Fe2+) H2O•, H2O Metahemoblobina (Fe2+) Ácidos graxos insaturados ( C=C ) → ( C- OOH ) hidroperóxidos de ác.graxos de fosfolipídeos das membranas FIG. 2 – Danos celulares que podem ser causados pelo acúmulo da H2O2 H2O2 2GSH NADP+ Glicose-6-P Via das pentoses (G6 PD) 2H2O GS-SG NADPH 6-Fosfogluconato Ribose-5-P Meta-Hb (Fe3+) Hb(Fe2+) FIG.3 – Mecanismos celulares de bloqueio da água oxigenada, e funções do NADPH. Enzimas (1) Glutationa peroxidase ; (2) Glutationa redutase 21 21 CASO N ° 10 INTOXICAÇÃO POR CIANETO Caso: Um rapaz com aproximadamente 20 anos, foi hospitalizado em estado comatoso, com suspeita de envenenamento por alguma substância química. Após exame clínico e pericial, constatou-se tratar-se de intoxicação por cianeto de potássio, um potente inibidor da respiração mitocondrial. Questões: 1)- Citar as principais fontes e formas de intoxicação e envenenamento por cianeto. 2)- Explique as razões da toxicidade elevada do cianeto. 3)- Explique as bases do tratamento da intoxicação por cianeto. Comentário: •A intoxicação por cianeto pode resultar da inalação do gás (HCN) ou da ingestão do sal (KCN). Os caroços de alguns frutos (pêssego, cereja brava, damasco e amêndoa amarga), as raízes da mandioca brava e as folhas do sabugueiro, contém a amigdalina que libera cianeto à digestão. A combustão de plásticos que contém nitrogênio, pode provocar a liberação de HCN (incêndios a bordo de aviões mataram 119 passageiros em Paris em 1973 e 303 peregrinos na cidade de Riad em 1980, devido à combustão de material plástico que produziu HCN). Ele também é usado nas câmaras de gás, e foi utilizado por mais de 900 assassinatos suicidas religiosos na Guiana Inglesa em 1987. Os cianetos são também amplamente utilizados na indústria (principalmente na purificação do ouro e em outros processamentos de metais pela formação de complexos); ele chega às residências na forma de substâncias químicas fotográficas ou poluidores de prata. •O cianeto é o veneno mais potente e de ação mais rápida que se conhece. A extrema toxicidade decorre de sua rápida inibição do transporte de elétrons das cadeias respiratórias celulares. Ele liga-se ao Fe+3 do grupo heme do citocromo a3 (último aceptor de elétrons das cadeias respiratórias) e impede a reação do oxigênio com este citocromo. A respiração mitocondrial e a produção de energia são bloqueados e órgãos mais vascularizados como o cérebro e o coração podem ser rapidamente asfixiados, resultando em morte celular imediata. Lembremo-nos que os componentes das cadeias respiratórias não são consumidos durante o transporte de elétrons, e por isso, uma célula não necessita 22 22 tê-los em quantidades elevadas. Daí, uma pequena quantidade de cianeto é capaz de envenenar um tecido inteiro (calcula-se que 300 mg de KCN possa matar um adulto). •Se o envenenamento não for letal, o tratamento para ser eficaz, precisa ser instituído rapidamente. Este, consiste na administração de nitritos (inalação de amila, seguido da injeção intravenosa de 10 mL de nitrito de sódio a 3% ao longo de um período de 3 minutos), os quais convertem a oxihemoglobina em metahemoglobina (Fe+2 das hemáciasé oxidado a Fe3+). A metahemoglobina (Fe+3) compete com citocromo a3 (Fe+3) pelo cianeto e resulta na formação de um complexo metahemoglobina cianeto. A seguir, administra-se tiossulfato (50 mL de tiossulfato de sódio a 25%, via I.V. durante 10 minutos), o qual desloca o cianeto, reação catalisada pela enzima rodanase, e forma o tiocianato, que é relativamente atóxico e rapidamente excretado pela urina (figura 1). Medidas de apoio, especialmente respiração artificial com oxigênio a 100%, devem ser instituídas o mais cedo possível. Se o paciente sobreviver após cerca de quatro horas, a recuperação é provável, embora possam persistir sintomas cerebrais residuais. HbO2 (Fe++) NO2− Met.HbOH(Fe+++) NO3− CN− → citocromo a, a3 (Fe+++)-CN− citocromo a, a3 (Fe+++)-livre rodanase (tiossulfurase) Met.-HbOH(Fe+++)-CN− SCN (tiocianato) S2O32- SO32- Ciclo de Krebs Piruvato → NADH → FMN →Coenz.Q →cit.b →citc1 → cit.a →cit.a3 Glicerol-3-P Oxidação de ácidos graxos 1/2O2 → H2O Figura 1- Esquema do tratamento do envenenamento por cianeto. 23 23 CASO Nº 11 DOENÇA DE VON GIERKE´S Caso: Um menino de 11 anos de idade, foi hospitalizado devido a uma hepatomegalia acentuada, fraqueza e palidez que se exacerbavam principalmente durante os espaços entre as refeições. O exame clínico do paciente revelou um desenvolvimento físico e mental abaixo da expectativa mínima, ou seja, rendimento escolar insatisfatório, altura e peso abaixo do normal. Os exames laboratoriais realizados a partir de uma amostra de sangue colhida em jejum foram os seguintes: paciente valores normais Glicose (mg% ou mg/dL) 46,0 60,0 a 110,0 Piruvato (mmol/L) 0,40 0,05 a 0,10 Lactato (mmol/L) 6,40 0,56 a 2,0 Ácidos graxos livres (mmol/L) 1,40 0,30 a 0,80 Triglicerídeos (g/L) 3,05 1,50 Corpos cetônicos (mg/dL) 40,0 até 3,0 Ácido úrico (mg/dL) 9,50 6,0 a 7,0 pH 7,25 7,35 a 7,45 CO2 total (mmol/L) 14,0 24,0 a 30,0 A análise de um fragmento de fígado, mostrou células dilatadas e ausência de reações inflamatórias. Testes bioquímicos revelaram um glicogênio com estrutura normal (11g/100g de tecido hepático – normal = 8g/100g de tecido) e com teor de lipídeos de 20g/100g de tecido (normal = menos que 5%). A medida da atividade da enzima glicose-6-fosfatase mostrou apenas 20 unidades/g de nitrogênio hepático (normal = 214 ± 45 unidades/g). Questões: 1- A doença de Von Gierke's é causada pela deficiência de qual enzima? 2- Esta enzima é encontrada normalmente em quais tecidos? 3- Explique as razões da hepatomegalia, fraqueza, palidez, desenvolvimento físico e mental insatisfatório. 4- Explique os valores laboratoriais encontrados nos exames realizados. 5- Qual o tratamento indicado para a doença de Von Gierke's? 6- O diagnóstico desta doença pode ser baseado em quais observações? Comentário: 24 24 •Esta doença de armazenamento do glicogênio é a mais comum das 12 descritas, sendo causada pela deficiência da enzima glicose-6-fosfatase do fígado. O diagnóstico pode ser feito através de uma biópsia hepática. Esta anormalidade genética ocorre em aproximadamente 1:200.000 nascimentos e é transmitida por um gene autossômico recessivo. •As manifestações clínicas incluem hipoglicemia entre as refeições, acidemia láctica, hiperlipidemia, cetose e hiperuricemia com artrite gotosa. A hipoglicemia é explicada como conseqüência da deficiência da enzima glicose-6- fosfatase, necessária na liberação da glicose do glicogênio hepático e da neoglicogênese. O fígado destes pacientes pode liberar pequena quantidade de glicose através da ação da enzima desramificante do glicogênio (cerca de 8% do total da glicose normalmente liberada pelo fígado, através da glicogenólise ou neoglicogênese). A hipoglicemia persistente nos primeiros meses de vida, compromete o desenvolvimento do sistema nervoso central, levando aos problemas relacionados ao desenvolvimento mental insatisfatório. Os outros sintomas como fraqueza, palidez e desenvolvimento físico inferior, provavelmente são causados pela hipoglicemia constante nestes indivíduos. •A acidemia láctica ocorre porque o fígado não pode usar efetivamente o lactato para a síntese de glicose. O glucagon ativa a glicogenólise hepática, daí a concentração de glicose-6-fosfato torna-se elevada (isto devido a deficiência da enzima glicose-6-fosfatase) e sendo um efetor positivo da enzima glicogênio sintase (fosforilada), retorna para o estoque de glicogênio, causando gradualmente o aumento do fígado (hepatomegalia). Também, esta concentração elevada da glicose-6-P resulta numa reativação da via glicolítica, ocasionando uma concentração elevada de piruvato, daí acetil-CoA, os quais são deslocados para a síntese de ácidos graxos, triglicerídeos, culminando na hiperlipidemia, juntamente com a cetogênese (responsável pelo abaixamento do pH sangüíneo e queda do CO2, uma vez que, os corpos cetônicos são ácidos, cujo pKa está em torno de 4,7, ou seja, liberam H+ para a corrente sangüínea. •A via das pentoses também torna-se ativada (consumo de NADPH pela síntese elevada de ácidos graxos), com produção excessiva de ribose-5-P que ativa a síntese de purinas, resultando numa degradação muito elevada destas bases, culminando numa produção concomitante alta de ácido úrico (hiperuricemia com artrite gotosa). A concentração elevada de ácidos graxos na corrente sangüínea é decorrente da mobilização destes do tecido adiposo pelo glucagon (lembre-se que a hipoglicemia causa a liberação deste hormônio pelo pâncreas). •Os tratamentos desta doença têm incluído a indução, por drogas, da inibição da captação de glicose pelo fígado (para aumentar a concentração de 25 25 glicose do sangue), a alimentação intragástrica contínua durante a noite (novamente, para aumentar a concentração de glicose no sangue), a transposição cirúrgica da veia porta, que comumente supre o fígado diretamente dos intestinos (para permitir que esse sangue rico em glicose alcance tecidos periféricos antes de chegar ao fígado), e o transplante hepático. •O diagnóstico desta doença pode ser concluído através das observações clínicas e dos valores laboratoriais alterados como retratado pelo quadro acima e das biópsias hepáticas. 26 26 CASO Nº 12 COMA ALCOÓLICO/CIRROSE HEPÁTICA Caso: Um senhor de 45 anos, comerciante e com história pregressa de alcoolismo crônico, após ser encontrado desmaiado na rua, foi transportado imediatamente para um pronto socorro. No exame físico, foi constatado um estado semi-comatoso, hálito alcoólico, desidratação, debilidade física, edema de membros inferiores e fígado aumentado. A dosagem de álcool no plasma, revelou um valor de 395 mg% (86 mmol/L)e as seguintes alterações: Álcool = 86 mmol/L (nível máximo permitido = 17,4 mmol/L) Glicose = 3,1 mmol/L (normal = 3,3 a 8,4) Lactato = 2,8 mmol/L (normal = 0,7 a 2,0) Urato = 0,6 mmol/L (normal = 0,2 a 0,5) TGO (transaminase glutamica oxaloacética = 100 U/mL (normal = 5,0 a 50,0) TGP (transaminase glutamica pirúvica = 470 U/mL (normal = 5,0 a 35,0) Amilase = 800 U/mL (normal = 50,0 a 150,0) Bilirrubina total = 4,8 mg% (normal = 0,2 a 1,0) Uréia = 10,0 mg% (normal = 14,0 a 18,0) Proteínas totais = 4,5 mg% (normal = 6,0 a 8,0) K+ = 3,1 mmol/L (normal = 3,5 a 5,0) Na+ = 152 mmol/L (normal = 136 a 145) Cl– = 91 mmol/L (normal = 100 a 106) CO2 total = 29 mmol/L (normal = 24 a 30). O paciente recebeu líquido endovenoso (contendo KCl e glicose) para re- hidratação e 20 horas depois, respondia a estímulos e conversava normalmente. Queixava-se de dores abdominais e apresentava tremores. Questões: 1- O comprometimento hepático deste paciente estava bastante avançado. Explique as possíveis causas que geralmente conduzem ao quadro cirrótico característico do alcoolismo crônico. 2- Explique as alterações das dosagens bioquímicas plasmáticas do paciente. 3- Provavelmente o paciente apresenta um quadro de anemia sideroblástica, juntamente com alguns sintomas nervosos como irritabilidade, nervosismo e neuropatia periférica. Por quê? 4- O alcoólatra passa de uma fase de maior tolerância ao álcool para nos estágios mais avançados do alcoolismo, uma tolerância bem menor. Explique. 27 27 5- Sabendo-se que o valor calórico do álcool é de 7,1 kcal/g e sua densidade 0,8 g/L e que o teor alcoólico é de 40% (na pinga), quantos mL de bebida o paciente deveria tomar por dia para manter as suas necessidades basais. Necessidade calórica basal = 24 Kcal/Kg/peso/dia. 6- Por que o álcool, embora fornecendo 7,1 Kcal/g não é considerado um bom alimento? 7- A ingestão do medicamento Antabuse (dissulfiram) causa uma aversão às bebidas alcoólicas. Por quê? 8- A administração intravenosa de glicose nesta situação e em casos de intoxicação alcoólica é essencial para restituir a glicemia do paciente. Sabe- se também que a glicose aumenta a metabolização hepática do álcool. Entretanto, a frutose é mais eficiente. Explique. Comentário: •O alcoolismo crônico, causado pelo consumo de bebidas alcoólicas por longos períodos, além de gerar problemas sociais e econômicos para as famílias, normalmente resulta em problemas de saúde para o alcoólatra. Geralmente, um dos órgãos mais afetados, é o fígado, principal sítio de metabolização do álcool, mas pâncreas, estomago e intestinos também inflamam, resultando em problemas na digestão e absorção de nutrientes. Problemas secundários no sistema nervoso central, associados com o baixo consumo de proteínas e de vitaminas é outra resultante do alcoolismo. •A figura 1, mostra um desenho esquemático da via de oxidação do álcool e enzimas envolvidas. Na primeira reação, o etanol é convertido em acetaldeído, uma substância tóxica que pode escapar para a corrente sangüínea e provocar desde um rubor facial, até náuseas e vômitos intensos. A segunda reação é uma conversão do acetaldeído em acetato, o qual poderá ser transformado em acetil- CoA, um precursor da síntese de ácidos graxos no citossol hepático. Observamos que as duas primeiras reações elevam os níveis citossólicos da coenzima NADH, a qual poderá reduzir a velocidade do ciclo de Krebs e diminuir a oxidação de ácidos graxos que normalmente ocorre no interior das mitocondrias. Também, este excesso de NADH poderá deslocar a reação diidroxiacetona fosfato a glicerol-3-fosfato catalisada pela enzima glicerol-3-P desidrogenase, um produto que é esqueleto chave para a síntese de triglicerídeos. Portanto, a síntese de triglicerídeos poderá ser acelerada e associada a uma baixa produção de apoproteínas hepáticas, resultar em acúmulo de lipídeos no interior dos hepatócitos, originando um fígado gorduroso. Portanto, a produção de hepatopatia gordurosa parece resultar da combinação de vários fatores: ação de poupança da oxidação do etanol sobre a utilização de triacilgliceróis do fígado, mobilização excessiva de triacilgliceróis do tecido adiposo para o fígado, 28 28 ocasionada em parte, pela ação do etanol, que estimula a liberação dos hormônios lipolíticos, e a incapacidade de sintetizar lipoproteínas suficientes para o transporte de triacilgliceróis, devido a alterações na disponibilidade de aminoácidos. O fígado gorduroso caracteriza-se por células parenquimatosas intensamente infiltradas de triacilgliceróis que podem ser substituídas e o órgão perder gradualmente o parênquima, sendo substituído por um tecido cicatricial, caracterizando o quadro de cirrose hepática (calcula-se que aproximadamente 10% dos pacientes com alcoolismo severo desenvolvem cirrose, segundo OMS. •As funções hepáticas normais tornam-se comprometidas: a síntese de proteínas é reduzida (várias proteínas plasmáticas são sintetizadas pelo fígado e lançadas na corrente sangüínea), a concentração de bilirrubina está elevada no plasma, reflexo da redução da captação e conjugação desta substância pelos hepatócitos (normalmente a bilirrubina é captada e conjugada com ácido glucurônico pelo fígado e excretada pela bile). A concentração de uréia está baixa, o que mostra um comprometimento hepático perigoso, uma vez que, a amônia (substância tóxica para o cérebro, o que será visto no capítulo de metabolismo de aminoácidos), proveniente do catabolismo de aminoácidos, é normalmente convertida em uréia através de cinco reações enzimáticas conhecidas como ciclo da uréia, localizado no fígado. Por isto, os pacientes portadores de cirrose deverão ter uma dieta especial, principalmente pobre em proteínas, além de outras restrições alimentares que deverão ser vistas dentro da área específica do curso de Nutrição. •As duas transaminases (TGO e TGP) estão elevadas, um reflexo do dano celular com escape destas e outras enzimas intracelulares para a corrente sangüínea, caracterizando o quadro cirrótico do paciente. A concentração de ácido úrico está elevada, porque a excreção de ácidos orgânicos (lactato, malato, corpos cetônicos, etc.) pelos rins é competitiva. Como o ácido úrico é menos solúvel, os outros são excretados preferencialmente pelos rins. O fígado cirrótico contribui para as anormalidades eletrolíticas, onde K+ e Cl– estão baixos, o Na+ e o CO2 elevados. Parte do desequilíbrio dos cátions é resultante do edema; a baixa concentração de albumina, reduz a pressão osmótica, causando acúmulo de água nos espaços tissulares e redução do fluxo sangüíneo nos rins. Isto causa a liberação de aldosterona e aí, o Na+ é conservado às expensas do K+. Poderá haver retenção de água na cavidade abdominal (ascite ou barriga d'água) e nas extremidades inferiores (edema). A baixa do K+ poderá também provocar distúrbios neurotransmissores. •O alcoolismo crônico apresenta um risco considerável de deficiências nutricionais. Os problemas mais comuns são os sintomas neurológicos, como irritabilidade, nervosismo, neuropatia periférica e psicose de Wernicke-korsakoff 29 29 (caracterizada por apatia, perda de memória e um movimento rítmico dos globos oculares), associados com deficiências das vitaminas B1 e B6. Disfunções hematológicas também podem ser associadas com carências de ácido fólico e de vitamina B6. Estas três vitaminas fazem parte de coenzimas, importantes para o funcionamento de algumas enzimas. A vitamina B1 (tiamina) é convertida na coenzima tiamina pirofosfatopelas nossas células e atua como um cofator de três complexos enzimáticos que catalisam reações de descarboxilações oxidativas de alfa-cetoácidos, além de ser cofator da transcetolase da via das pentoses. As três reações básicas do metabolismo que envolvem a participação da tiamina são: conversão de piruvato em acetil-CoA pelo complexo piruvato desidrogenase, uma reação que ocorre dentro das mitocondrias, muito importante para as células nervosas, as quais utilizam a glicose como combustível primordial; conversão de alfa-cetoglutarato em succinil-CoA, outra reação mitocondrial pertencente ao ciclo de Krebs e a descarboxilação de alfa-cetoácidos de cadeia ramificada. Assim, as células nervosas serão afetadas pela deficiência da vitamina B1, resultando em baixa atividade das duas primeiras reações das desidrogenases, e daí, numa baixa produção de ATP e função celular diminuída, causando com isto, os transtornos nervosos citados acima. A vitamina B6 (piridoxal ou piridoxamina) é convertida em piridoxal fosfato, uma coenzima de várias enzimas, particularmente daquelas que catalisam reações envolvendo aminoácidos como as transaminases, desaminases e descarboxilases. Os problemas nervosos envolvidos com a deficiência são decorrentes do bloqueio da síntese de biomoléculas como a dopamina (neurotransmissor de algumas áreas cerebrais associadas à locomoção e γ- aminobutirato ou Gaba (inibidor de transmissões sinápticas). Veja as reações abaixo: Enzima-coenzima-B6 Glutamato Gaba (γ-aminobutirato) H+ CO2 Enzima-coenzima-B6 Tirosina L-dopa dopamina NE E H+ CO2 O problema hematológico (anemia sideroblástica) associado com a deficiência desta coenzima é decorrente do bloqueio da síntese do grupo heme nas células da medula vermelha. A segunda reação de formação do anel das porfirinas, é uma descarboxilação enzimática da succinil-glicina, a qual requer a coenzima B6. Observe a via de síntese deste anel: 30 30 Enz.-coenz. B6 Gly + succinil-CoA succinil-Gly δ-aminolevulinato heme porphibilinogenio Aproximadamente 30% dos alcoólatras hospitalizados apresentam anemia sideroblástica caracterizada por deficiência da piridoxamina. Outra disfunção hematológica está associada à deficiência do ácido fólico. Cerca de 40% dos alcoólatras hospitalizados apresentam eritropoiese megaloblástica devido a deficiência do folato. Esta vitamina é convertida em coenzimas do ácido fólico, importantes para algumas enzimas da via de síntese do anel das purinas e da timina, precursores de DNA e RNA. Portanto, a deficiência do folato interfere indiretamente com a multiplicação celular, causando com isto, transtornos nos tecidos de multiplicação rápida, como o hematopoiético e o trato gastrointestinal. As deficiências de vitaminas vistas nos alcoólatras não são necessariamente devidas a dietas apenas, embora na maioria das vezes, seja um fator contribuinte. O álcool e seus metabólitos, causam algumas alterações patológicas no trato gastrointestinal, as quais na maioria das vezes, interfere diretamente na absorção de certos nutrientes. O fígado é o órgão responsável pela ativação e armazenamento de muitas vitaminas e um dano hepático severo associado com o alcoolismo crônico, poderá interferir diretamente com estas funções. •Antes do estado cirrótico, o alcoólatra apresenta uma tolerância maior às bebidas alcoólicas, devido a uma maior síntese e ativação das enzimas que metabolizam o etanol. Depois de instalado o quadro cirrótico, a área funcional do fígado torna-se bem menor, e aí, a tolerância ao álcool, também será menor. Uma combinação perigosa entre bebidas alcoólicas e substâncias depressoras do sistema nervoso central (barbitúricos, etc.) deverá ser considerada. A oxidação hepática do etanol causa inibição da metabolização dos barbitúricos, prolongando a meia vida destas substâncias, uma vez que, são hidroxiladas no retículo endoplasmático numa reação catalisada pelo sistema NADPH-citocromo P450, que também participa da oxidação do etanol. Portanto, os níveis sangüíneos dos barbitúricos permanecem elevados quando o etanol está presente, prolongando com isto, os efeitos depressores no Sistema Nervoso Central, podendo resultar numa depressão respiratória e morte. •Apesar do álcool fornecer 7,1 kcal/g (a glicose fornece 4,2 kcal/g), do ponto de vista nutricional, é pobre em calorias, uma vez que, a bebida destilada 31 31 não contém vitaminas, aminoácidos ou ácidos graxos. Para satisfazer as necessidades basais, um alcoólatra deverá ingerir cerca de 740mL de pinga por dia. Veja os cálculos abaixo: 1g de álcool 7,1 kcal d = m/v ⇐ v = m/d ⇐ v = 237/0,8 = x 24kcal x 70kg 296mL de álcool x = 273g 100 mL de pinga 40 mL é álcool x 296mL de álcool x = 740 mL de pinga. •No tratamento do alcoolismo crônico, utiliza-se o medicamento Antabuse (dissulfiram), que complexa com os grupos SH essenciais da enzima acetaldeído desidrogenase, provocando inibição irreversível desta enzima. Desta maneira, ocorrerá o acúmulo do acetaldeído quando o indivíduo ingerir bebidas alcoólicas, o qual escapará em quantidades elevadas para a corrente sangüínea. As conseqüências são as náuseas e vômitos intensos que causarão uma aversão às bebidas alcoólicas. Entretanto, deve-se tomar precauções com esta medicação, porque outras enzimas poderão ser inibidas pelo dissulfiram, como a dopamina beta-hidroxilase envolvida na síntese das catecolaminas, podendo causar transtornos cerebrais. •A concentração de glicose na corrente sangüínea (glicemia) normalmente é mantida pelo fígado (durante o sono e entre as refeições) através da glicogenólise (degradação do glicogênio) e da neoglicogênese (biossíntese da glicose a partir de fontes não-carboidratadas pelo fígado, tendo como precursores, o piruvato, glicerol, lactato e a maioria dos aminoácidos). O consumo de bebidas alcoólicas, principalmente por uma pessoa em jejum ou após a realização de exercícios físicos intensos, poderá resultar numa hipoglicemia severa, uma vez que, o estoque de glicogênio hepático é depletado nestas circunstâncias, passando a neoglicogênese a exercer papel fundamental na manutenção da glicemia. •Podemos observar pela figura 1, que a metabolização de etanol, bloqueia a neoglicogênese, isto porque as coenzimas NADH geradas através das duas primeirasreações, propiciarão o deslocamento no sentido piruvato a lactato e oxaloacetato a malato, fundamentais no sentido contrário para a biossíntese da glicose. As conseqüências são a queda da glicemia (hipoglicemia) e escape do lactato e malato para a corrente sangüínea (acidemia láctica e málica respectivamente). Devido a disponibilidade reduzida de glicose no hepatócito, 32 32 ocorre excessiva produção de corpos cetônicos em alguns alcoólatras, mimetizando a cetose em diabéticos com conseqüências previstas nestes casos. Vale lembrar que altas doses de álcool, têm efeito depressor sobre o SNC, e que juntamente aos baixos níveis de glicose do sangue, poderá ser fatal ou resultar em danos cerebrais irreversíveis, uma vez que, este órgão utiliza a glicose como seu principal combustível. Nestas situações, é imprescindível a administração de glicose através da veia, para restabelecer a glicemia do paciente afim de preservar as áreas cerebrais. •Observa-se também, que a glicose melhora a metabolização do etanol, isto porque, a via glicolítica dentro do hepatócito torna-se ativada, daí, aumenta- se a concentração de DHP (diidroxiacetona fosfato), a qual é convertida pela enzima glicerol-P-desidrogenase em glicerol-3-P-fosfato, reciclando com isto, a coenzima NAD+. Veja as reações: Glicose glicose-6-P frutose-6-P frutose-1,6-BF DHP + Gliceraldeído-3-P NADH + H+ Acil-CoAs graxos NAD+ TG(triglicerídeos) Glicerol-3-P A frutose é a mais eficaz neste mecanismo, uma vez que, o fígado sendo o principal sítio de metabolização desta hexose, pode reciclar mais rapidamente a coenzima NADH, através das seguintes reações: NADH NAD+ Frutose frutose-1-P gliceraldeído glicerol ATP ADP DHP glicerol-3-P NADH + NAD+ TG Portanto, estas reações consomem a coenzima NADH, tornando-a na forma NAD+, prontamente disponível para as enzimas álcool desidrogenase e acetaldeído desidrogenase envolvidas na metabolização do etanol. 33 33 Relação entre concentração alcoólica e intoxicação Estado Concentração alcoólica Efeitos Equivalência de doses Normal 1-3mmol/L (5-15mg%) sangue ou urina. Nenhum ------------------------- Social Até 11mmol/L ou (50mg%) no sangue; 2-13 mmol/L (10- 60mg%) na urina. Ligeira euforia, mas sóbrio 1 a 2 garrafas de cerveja ou uma dose de whisque. Pré- intoxicação 11-33mmol/L (50-150mg%) no sangue; 13-43 mmol/L (60- 200mg%) na urina. Limite para direção de veículos = 22 mmol/L. Liberação da inibição e alguns sinais de instabilidade. Um em cada três continua sóbrio. 3 a 6 cervejas ou 2 a 6 doses de whisque. Intoxicação 33-65 mmol/L(150-300mg%)-S 43-87mmol/L(375-500mg%)-U Não tem mais sobriedade. Coordenação motora descoordenada 6 ou mais cervejas ou 6 ou mais doses de whisque. Pré-comatoso 65-87mmol/L(300-400mg%)-S 82-109mmol/L(375-500mg%)-U Resposta somente a fortes estímulos Cerca de 0,5L de whisque Comatoso 87-130 mmol/L (400-600mg%) ou mais Depressão de reflexos, não se levanta facilmente, hipotermia e respiração irregular. Pode resultar em morte. -------------- 34 34 HEPATÓCITO CH3CH2OH CH3CH2OH etanol lactato malato Etanol NAD+ NAD+ NAD+ NADH NADH NADH CH3CHO acetaldeído piruvato OAA NAD+ NADH malato CH3COO- acetato ATP, CoA-SH AMP + PPi CH3CO-ScoA acetil-CoA PEP piruvato aacs Acetil-CoA Ácido graxo OAA citrato Malato Ciclo de isocit. Krebs TG glicose-6-P glicose-6-P fumarato alfa-cetogl Apo-B100 succinato VLDL glicose Glicogênio glicose-1-P Figura 1- Esquema da via de metabolização do etanol no fígado. 35 35 CASO Nº 13 ESTEATORRÉIA Caso: Um indivíduo de 40 anos de idade, alcoólatra, foi hospitalizado devido a fortes dores abdominais, febre, náuseas e vômitos. Após uma série de exames clínicos e laboratoriais, foi constatado tratar-se de uma pancreatite, uma vez que, o paciente apresentava esteatorréia e concentrações plasmáticas de amilase e lipase, bastante elevadas. Questões: 1- A esteatorréia é caracterizada por uma excessiva quantidade de lipídeos
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