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FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Ana Maria Soek E d u ca çã o F U N D A M E N T O S E M E T O D O L O G IA D A E D U C A Ç Ã O D E J O V E N S E A D U LT O S A na M ar ia S oe k 2ª Edição Curitiba 2017 Fundamentos e Metodologia da Educacao de Jovens e Adultos çã Ana Maria Soek Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cassiana Souza CRB9/1501 S681f Soek, Ana Maria Fundamentos e metodologia da educação de jovens e adultos / Ana Maria Soek. – 2. ed. Curitiba: Fael, 2017. 176 p.: il. ISBN 978-85-60531-83-7 1. Educação de adultos I. Título CDD 374 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. FAEL Direção Acadêmica Francisco Carlos Sardo Coordenação Editorial Raquel Andrade Lorenz Revisão Editora Coletânea Projeto Gráfico Sandro Niemicz Capa Vitor Bernardo Backes Lopes Imagem da Capa Shutterstock.com/Rawpixel.com Arte-Final Evelyn Caroline dos Santos Betim Dedico esta obra à minha filha Helena Maria e às pessoas que amo. O amor é essencial à vida. [...] Mas, desde o começo da civilização, as pessoas tentam entender a ordem fundamental do mundo. Deve haver algo muito especial sobre os limites do universo. E o que deve ser mais especial do que não haver limites? [...] Não deve haver limites para o esforço humano. Somos todos diferentes! Por pior que a vida possa parecer, sempre há algo que podemos fazer em que podemos obter sucesso! Enquanto houver vida, haverá esperanças! Stephen Hawking Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possi- bilidades para sua produção e construção. Paulo Freire A tarefa de falar da obra da professora Ana Maria Soek nos permite fazer uma retomada de sua trajetória de pesquisa, na qual se percebe a responsabilidade acadêmica e científica aliada a uma sensibilidade social com aqueles que, por diferentes fatores, não tiveram a oportunidade de escolarização. Fundamentos e metodologia da Educação de Jovens e Adultos permite não somente a ampliação dos conhecimentos, de maneira prazerosa e significativa, acerca da história da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil e suas diferentes políticas e encaminhamen- tos, mas também contribui para uma reflexão sobre o educando da EJA, que, muitas vezes, é visto como um trabalhador pobre, opri- mido e excluído, mas que, no entanto, possui um papel atuante na sociedade, sendo responsável pela produção social. Apresentação – 8 – Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos A autora traz diferentes metodologias que podem ser empregadas na busca incansável de se enfrentar e superar os desafios da alfabetização, do letramento, do desenvolvimento da oralidade e do raciocínio lógico, funda- mentais para o indivíduo enfrentar o mundo moderno e construir a consci- ência de sua condição na sociedade. Esta produção didática busca, ainda, analisar a influência da mediação sociocultural na aprendizagem, bem como o contexto em que se articulam as experiências dos educandos da EJA na construção do conhecimento. Assim, as especificidades do trabalho pedagógico são apresentadas de modo a valori- zar os interesses individuais e o ritmo de aprendizagem do educando, levando em consideração seus saberes e experiências adquiridos. Para encerrar sua trajetória crítica, o livro dá destaque a um dos pontos fundamentais no trabalho com a EJA: a formação do educador, ressaltando que, além da necessidade de uma formação contínua, os educadores devem perceber a realidade social e a condição de seus educandos, proporcionando- -lhes um ensino que possibilite reflexão e criticidade, de modo que possam compreender os múltiplos mecanismos sociais. Sinto-me incorporado a esse trabalho, pois eu e Ana Maria Soek vivemos ricas experiências educacionais durante o mestrado, no qual pudemos discutir os diferentes encaminhamentos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Assim, além de recomendar a obra, fico à vontade para dizer que ela contri- buirá de maneira significativa para a formação dos profissionais que irão atuar com jovens e adultos e que devem ter responsabilidade, comprometimento e consciência de suas condições como educadores. Francisco Carlos Pierin Mendes1 1 Mestre em Educação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atua na rede pública de ensino e é professor do Curso de Pedagogia da FAEL nas modalidades presencial e a distância. Sumário Apresentação | 7 1. Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil | 11 2. Sistema Organizacional da EJA no Brasil | 37 3. Especificidades do Trabalho Pedagógico Frente ao Perfil do Educando da EJA | 55 4. Metodologia: mediação Pedagógica na EJA | 73 5. Relações de Ensino e Aprendizagem na EJA | 91 6. Função Social da Leitura e da Escrita | 103 7. Desenvolvimento da Oralidade e do Raciocínio Lógico | 119 8. Desenvolvimento Cognitivo e Social dos Educandos da EJA | 135 9. Teoria e Prática nas Relações Fundamentais do Trabalho Docente | 145 Gabarito | 159 Referências | 167 1 Aspectos Sócio- Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 12 – Nesse capítulo, você conhecerá: 2 as primeiras iniciativas de Educação de Jovens e Adultos no Brasil, desde a chegada dos Jesuítas; 2 a primeira grande campanha de Educação de Adultos proposta por Lourenço Filho; 2 o modelo de alfabetização de adultos proposto por Paulo Freire; 2 o Plano Nacional de Alfabetização de 1964 e o porquê de ter sido interrompido antes mesmo de começar; 2 o impacto do Golpe Militar nas políticas de Alfabetização de Adultos; 2 a implantação e a importância do Movimento Brasileiro de Alfa- betização (Mobral), como também as marcas sociais deixadas por esse movimento; 2 um pouco mais do modelo de alfabetização de adultos em parcerias com ONGs; 2 as dimensões contextuais atuais do analfabetismo nacional, bem como as principais ações executadas no período. Neste capítulo, será enfocada a história da Educação de Jovens e Adultos (EJA), desde as primeiras iniciativas de educação da nação brasileira, até a cons- tituição da EJA como uma modalidade educativa com especificidades próprias. Para melhor compreender a trajetória histórica das lutas pela educação de uma nação, é necessário estabelecer paralelos com a própria história do país. Por isso, durante este capítulo, apresentaremos as principais iniciativas da Educação de Jovens e Adultos no decorrer da história do Brasil, situando os aspectos sociopolíticos e filosóficos que permearam as mais relevantes cam- panhas educativas para essa faixa etária. – 13 – Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 1.1 Primeiras iniciativas de Educação de Jovens e Adultos1 Pode-se dizer que os primeiros educadores foram os jesuítas, que che- garam ao Brasil com a pretensão de catequisar a população a partir de prin- cípios religiosos, transmitindo normas de comportamento e ensinando ofí- cios necessários ao funcionamento da economia colonial. Como a maioria da população era analfabeta, o método de ensino dos jesuítas consistia em um conjunto de regras e preceitos religiosos, denominado Ratio Studiorium, transmitido, basicamente, pela oralidade. As primeiras escolas apareceram bem mais tarde, ainda sobre influência dos jesuítas, que se encarregaram de organizar escolas de humanidades, que eram baseadas em princípios cristãos. De acordo com os estudos de Paiva (1987, p. 58), aose analisar os registros históricos, percebe-se que, no Brasil, durante quase quatro séculos, prevaleceu o domínio da cultura branca, cristã, masculina e alfabetizada sobre a cultura de índios, negros, mulheres e não alfabetizados, o que gerou uma educação seletiva, discriminatória e exclu- dente, que mantém similaridades até os dias atuais. Reflita Como vimos, o conceito de educação está fortemente atrelado ao contexto e ao momento histórico vivenciado. Fazendo um paralelo entre esse primeiro momento histórico do Brasil e o que você já sabe sobre a Educação de Jovens e Adultos, que comparações podem ser estabelecidas? O que podemos analisar, por exemplo, sobre a situação que durou quase quatro séculos na história do Brasil de “domínio da cultura branca, cristã, masculina e alfabetizada sobre a cultura de índios, negros, mulheres e analfabetos”, o que gerou uma “educação sele- tiva, discriminatória e excludente”, conforme citado dos estudos de Paiva (1987)?. 1 As principais ideias aqui apresentadas foram originalmente construídas para a dis- sertação de mestrado de Ana Maria Soek (2009). Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 14 – Na primeira Constituição Brasileira (1824), encontramos registros sobre a instrução primária gratuita para todos os cidadãos; no entanto, sabe-se que, durante um longo período da história do Brasil, essa educação foi destinada somente às elites, uma pequena parcela da população. Em consequência disso, pouco a pouco, foi aumentando o percentual de pessoas não alfabetizadas. De acordo com o censo do ano de 1920, havia um índice de 72% da população com idade acima de cinco anos que nunca havia ido à escola. A Revolução de 1930 deu início ao processo de reformulação da função do setor público no Brasil, e a sociedade brasileira passou por grandes trans- formações decorrentes do processo de industrialização. Com a promulgação da Constituição de 1934, foi previsto o ensino obrigatório, tanto para crianças, quanto para adultos, sendo a primeira vez em que se apontou a necessidade de oferecer educação básica também para jovens e adultos que não haviam frequentado a escola quando crianças, rompendo com a ideia, predominante até então, de que a escola era necessária somente a crianças. Foi mencionado, ainda, o direito de o estudante ter acesso ao livro didático e ao dicionário de língua portuguesa. No recenseamento geral de 1940, a divulgação de que 55% dos brasi- leiros com mais de 18 anos não haviam sido alfabetizados despertou o país para o combate nacional ao analfabetismo. Essa iniciativa, ligada às campa- nhas de alfabetização propostas aos países com grandes desigualdades sociais pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) impulsionou o projeto de implantação, no Brasil, de uma rede de ensino primário supletivo para adultos não alfabetizados. 1.1.1 Primeira grande campanha de educação de adultos A partir de 1945, com o fim da ditadura de Getúlio Vargas, o Brasil viveu a efervescência política da redemocratização. Era urgente a necessidade de aumentar as bases eleitorais para a sustentação do governo central, integrar as massas populacionais de imigração recente e, sobretudo, incrementar a produção. Para tanto, era necessário oferecer instrução mínima à população. – 15 – Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil Em 1947, foi lançado um projeto nacional intitulado Campanha de Educação de Adultos, idealizado por Lourenço Filho e inspirado no método de Laubach, que se fundamentava nos estudos de psicologia experimental realizados nos Estados Unidos, nas décadas de 20 e 30 do mesmo século. Saiba mais Manuel Lourenço Filho nasceu em Porto Ferreira, São Paulo, em 1897, e faleceu em 1970. Educador do magistério público, foi res- ponsável pela reforma do ensino público no Ceará e, em 1935, foi nomeado professor de Psicologia Educacional e diretor da Escola de Educação da Universidade do Distrito Federal. Em 1938, a pedido do ministro Gustavo Capanema, organizou o Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos que, em 1944, lançou a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Lourenço Filho defendeu a necessidade da ele- vação dos níveis de instrução de toda a população como condição para o desenvolvimento econômico da nação e foi protagonista da Campanha de Educação de Adultos, em 1940, que visava instituir políticas globais para solucionar os problemas da esfera educacional. Em 1949, organizou e dirigiu o Seminário Interamericano de Alfabe- tização e Educação de Adultos, realizado no Rio de Janeiro, sob os auspícios da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da Unesco. Nessa ocasião, recebeu o título de Maestro de las Américas. Saiba mais Frank Charles Laubach nasceu na cidade de Benton, Pensilvânia, nos Estados Unidos. Formou-se na Universidade de Princeton, especia- lizou-se em Letras, Pedagogia e Teologia e doutorou-se em Sociolo- gia, na Universidade de Columbia. Iniciou um trabalho de assistência humanitária nas Filipinas, em 1915, e, em 1928, formulou um método baseado no conhecimento prévio dos adultos, alfabetizando 60% do total da população nativa. Seu método foi adaptado para os 17 dialetos falados nas Filipinas. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 16 – As experiências de Laubach chamaram a atenção de vários governos no mundo, e ele próprio chegou a preparar lições e treinar pessoas em mais de cem países. Em 1945, a convite de Lourenço Filho, Laubach esteve no Brasil proferindo palestras e cursos sobre seu método de ensino. A metodologia proposta por Laubach apresenta os seguintes princípios (BRASIL, 2005, p. 36): 2 oferecer oportunidades e incentivos aos alfabetizandos, por- que todos são capazes de aprender; 2 construir a educação de jovens e adultos a partir dos conheci- mentos já existentes, cabendo ao educador a tarefa de ajudá- -los a construir novos conhecimentos; 2 despertar no alfabetizando o interesse por assuntos que fazem parte de seu cotidiano, para que ele possa estabelecer relações entre o conhecido e o novo; 2 incentivar o alfabetizando sempre, mesmo que erre, obser- vando que as correções devem ser feitas de modo a motivá-lo a novas tentativas; 2 elogiar com palavras de ânimo e conscientização; 2 manter entre o educador e o alfabetizando, antes de tudo, uma relação de amizade, na qual a confiança e o preparo façam uma grande diferença; 2 propor um caminho para a escrita e a leitura sem grandes dificuldades e abstrações, para que o alfabetizando sinta-se capaz diante dos desafios, já que conseguirá ler palavras e até um pequeno texto na primeira aula; 2 utilizar material de apoio com adaptações necessárias às atividades que serão propostas em sala de aula; – 17 – Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil 2 orientar o processo de construção e compreensão da lingua- gem oral e escrita, veiculando o significado e a representação do objeto, além do domínio dos mecanismos do ler e do escrever, evidenciando, dessa forma, que se deve trabalhar, primeiramente, o significado do conhecimento; 2 criar condições para o reconhecimento do caminho mais lógico da leitura, para, a partir deste estágio, ser possível a elaboração de outros caminhos; 2 partir, sempre, do conhecido para o desconhecido, do geral para o particular; 2 respeitar as diferenças individuais e o ritmo próprio de apren- dizagem de cada alfabetizando; 2 ensinar os alfabetizandos em diferentes estágios, o que con- siste em um ganho e não um problema; 2 oferecer o melhor para os alfabetizandos em todos os aspec- tos; porém, se não houver material didático ou instalações disponíveis, deve-se alfabetizarcom os recursos existentes, em qualquer lugar ou circunstância; 2 lembrar que a idade não importa, pois todos alfabetizandos podem aprender. Para Laubach, o adulto não alfabetizado não deixa de ser uma pes- soa instruída pelo fato de não saber ler e escrever. Ele só não teve acesso ao conhecimento formal. Para esse educador, promover a alfabetização é mudar a consciência da pessoa, reintegrando-a ao meio em que vive e colocando-a no mesmo plano de conhecimento de direitos humanos fundamentais. No Brasil, a primeira Campanha de Educação de Adultos, inspirada nos princípios do método Laubach, consistiu em um processo que contemplava desde a alfabetização intensiva, com duração de três meses, passando pelo curso primário, que era dividido em dois períodos de sete meses, e culmi- Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 18 – nando na etapa final, denominada ação em profundidade, voltada à capacita- ção profissional e ao desenvolvimento comunitário. Em um curto período de tempo, foram criadas várias escolas supletivas, mobilizando esforços das esferas administrativas e de diversos profissionais e voluntários. Além disso, foi criado, pela primeira vez, um material didático específico para o ensino da leitura e da escrita para os adultos. O Primeiro guia de leitura, distribuído pelo ministério em larga escala para as escolas supletivas do país, orientava o ensino pelo método silábico. Consistia no uso de uma cartilha padronizada, com lições de ênfase na organização fonética das palavras. As lições partiam de palavras-chave selecionadas e organizadas segundo as características fonéticas. A função dessas palavras era remeter aos padrões silábicos, como foco de estudo. As sílabas deveriam ser memorizadas e remon- tadas para formar outras palavras. As primeiras lições também conti- nham pequenas frases montadas com as mesmas sílabas. Nas lições finais, as frases compunham pequenos textos contendo orientações sobre preservação da saúde, técnicas simples de trabalho e mensagens de moral e civismo (RIBEIRO, 1997, p. 29). Dessa forma, a educação de adultos desenvolveu-se a partir de atividades de alfabetização, que forneciam, além dos códigos linguísticos, os valores cul- turais que permitiam a participação social, pois essa alfabetização era orien- tada para integrar os adultos iletrados ao meio em que viviam, ensinando-lhes, fundamentalmente, a leitura, a escrita e o cálculo matemático. O educador, em grande parte, era leigo, e o ensino resumia-se nas orientações da cartilha. A avaliação da Campanha de Educação de Adultos mostrou-se vitoriosa em sua primeira década, pois, além da ampliação das classes e escolas, possibi- litou a elevação da taxa de alfabetização. No entanto, a execução da campanha foi sendo cada vez mais descentralizada, e, com a mudança de governo, foram se extinguindo as verbas, ficando as ações da campanha cada vez mais depen- dentes de doações e dos trabalhos de voluntários da base popular. Com o tempo, outras campanhas foram organizadas pelo Ministério da Educação (MEC): em 1952, a Campanha Nacional de Educação Rural e, em 1958, a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo. Ambas tive- ram vida curta e pouco realizaram, pois a preocupação, mesmo que inserida dentro da vertente da Educação Popular, era muito mais em diminuir índices – 19 – Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil de analfabetismo, do que com a qualidade da educação e a emancipação polí- tica e cultural da população. 1.1.2 Alfabetização de adultos proposto por Paulo Freire No final da década de 50 do século XX, as críticas à Campanha de Educação de Adultos dirigiam-se tanto às suas deficiências administrativas e financeiras quanto à sua orientação pedagógica. Denunciava-se o caráter superficial do aprendizado, que se efetivava no curto período da alfabetização, a inadequação do método para a população adulta e o uso do mesmo material didático (cartilha) para as diferentes regiões do país. Todas essas críticas convergiram para uma nova visão sobre o problema do analfabetismo e para a consolidação de um novo paradigma pedagógico para a educação de adultos, cuja referência principal foi o educador per- nambucano Paulo Freire voltado, sobretudo, para uma proposta de Edu- cação Popular. Saiba mais Paulo Reglus Neves Freire, grande educador brasileiro, nasceu em 19 de setembro de 1921, em Recife, Pernambuco. Inspirador da Educação Popular, tornou-se referência para as gerações de edu- cadores, especialmente na América Latina e na África. Sofreu a perseguição do Regime Militar no Brasil (1964-1985), sendo preso e forçado ao exílio. Com a experiência em Angicos (Rio Grande do Norte), Freire alfa- betizou trezentos trabalhadores em 45 dias, sem usar a tradicional cartilha e com uma perspectiva de educação para a libertação dos oprimidos, transcendendo as técnicas e centrando o processo de alfabetização em elementos de conscientização. O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua pro- posta para a alfabetização de adultos, inspirou os principais programas Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 20 – de alfabetização e de Educação Popular realizados no país no início dos anos 60 do século XX e que trabalhavam com uma perspectiva político-cultural, envolvendo Igreja, partidos políticos de esquerda, estudantes e outros setores. Em 1980, depois de 16 anos de exílio, Freire retornou ao Brasil, onde escreveu dois livros tidos como fundamentais em sua obra: Pedagogia da esperança (1992) e À sombra desta mangueira (1995). Entre suas maiores obras está Pedagogia da autonomia, publicada em diversos países. Os programas de Educação Popular foram empreendidos em grande parte por educadores leigos, estudantes e católicos engajados em uma ação política junto aos grupos de vertentes populares. Esses diversos grupos de educadores articularam-se e passaram a pressionar o governo federal para que os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional para as iniciativas da sociedade civil. 1.1.3 Plano Nacional de Alfabetização Em janeiro do ano de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfa- betização, que previa a disseminação de programas de educação de adultos, orientados pela proposta de Paulo Freire, por todo Brasil. Contando, em grande parte, com educadores populares, a preparação do plano, com forte engajamento de estudantes, sindicatos e diversos grupos estimulados pela efervescência política da época, foi interrompida, alguns meses depois, pelo Golpe Militar. Reflita Imagine como estaria o Brasil hoje se o Plano Nacional de Alfabe- tização proposto por Paulo Freire não tivesse sido interrompido no Golpe Militar? – 21 – Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil O paradigma pedagógico proposto por Freire baseava-se em um novo entendimento da relação entre as problemáticas educacional e a social. “Antes apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabetismo pas- sou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária” (PAIVA, 1987, p. 216). Freire (1996) criticou a chamada “educação bancária”, que considerava o analfabeto como alguém que não possui cultura ou conhecimento, uma espécie de banco onde o educador deveria depositar o conhecimento. Como contraponto a esse modelo, Freire fez referência à educação problematiza- dora. A educação apregoada por Freire não se caracteriza pela transmissão de conhecimentos, como se o processo de ensino e de aprendizagem circulasse em uma rua de mão única. Tomando o alfabetizando como sujeito de sua aprendizagem, ele propunha uma ação educativa que não negasse a cultura, mas que fosse transformando-a por meio de umdiálogo ancorado no tripé educador–alfabetizando–objeto do conhecimento. Com uma proposta conscientizadora de alfabetização de adultos, pres- cindindo da utilização de cartilhas, valorizando os saberes dos alfabetizandos, dos quais se originavam os conteúdos de ensino, e considerando que “a leitura do mundo precede a leitura da palavra”, Freire (1996) desenvolveu um con- junto de ações pedagógicas, amplamente divulgadas e conhecidas. A proposta de Freire previa uma pesquisa que deveria ser realizada pelo educador, acerca da realidade existencial do grupo junto ao qual iria atuar. Concomitantemente, deve- ria ser feito um levantamento do universo vocabular, ou seja, das palavras utilizadas por esse grupo para expressar sua realidade, com o objetivo de levar o alfabetizando a assumir-se como sujeito de sua aprendizagem, valorizando a cultura local. Desse universo, o educador deveria sele- cionar as palavras com maior sentido, que expressassem as situações existenciais mais importantes para o grupo. Depois, seria necessário selecionar um conjunto que conti- vesse os diversos padrões silábicos da língua, organizando- Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 22 – -o segundo seus graus de complexidade. Essas seriam as “palavras geradoras”, a partir das quais se realizaria tanto o estudo da realidade, quanto a leitura e a escrita, ou seja, a leitura de mundo e a leitura da palavra. Tratava-se tam- bém de ultrapassar a visão ingênua da realidade e desmis- tificar a cultura letrada, na qual o alfabetizando estaria se iniciando, passando a uma visão crítica de mundo. Utilizando a exposição escrita aliada a uma ilustração, o educador deveria dirigir a discussão na qual fosse sendo evidenciado o papel ativo dos seres humanos como produ- tores de diferentes formas de cultura. A partir da situação- -problema ou da “palavra geradora”, desencadeava-se um debate dirigido e, em seguida, a palavra escrita era analisada em suas partes componentes: as sílabas. Na sequência, era apresentado um quadro com as famílias silábicas com as quais os alfabetizandos deveriam construir novas palavras. Com um elenco de dez a vinte “palavras geradoras”, mantendo-se a seleção gradual das dificuldades fonéti- cas, acreditava-se conseguir alfabetizar, ainda que em um nível rudimentar. Em uma etapa posterior, as “palavras geradoras” seriam substituídas por “temas geradores”, a partir dos quais os alfabetizandos aprofundariam as aná- lises dos problemas comunitários e sociais, sempre em uma visão crítica do contexto em que estavam inseridos. Nesse período, foram produzidos diversos materiais orientados por prin- cípios freirianos para a alfabetização de adultos. Esses materiais, normalmente elaborados regional ou localmente, procuravam expressar o universo vivencial dos alfabetizandos. Para contextualizar esse universo, os materiais continham as “palavras geradoras”, que eram acompanhadas de imagens relacionadas a temas para debates, e os quadros de descoberta, com as sílabas derivadas das palavras, acrescidas de pequenas frases para leitura. O que caracterizava esses – 23 – Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil materiais não era apenas a referência à realidade imediata dos adultos, mas, principalmente, a intenção de problematizar essa realidade. 1.1.4 Golpe Militar e seu impacto na alfabetização de adultos Com o reordenamento político para proporcionar condições de desen- volvimento do modelo capitalista, a educação básica para jovens e adultos ficou nas mãos de governos autoritários, a partir do ano de 1964, havendo repressão direta aos trabalhos envolvidos com a Educação Popular proposta por Paulo Freire. Nesse momento, houve várias mudanças no campo das políticas sociais, e, em especial, na educação de adultos. Pessoas e grupos que estavam, até então, voltados para os trabalhos com a Educação Popular foram reprimidos, e os responsáveis, expulsos do país, entre eles Paulo Freire. A multiplicação dos programas de alfabetização de adultos, secun- dada pela organização política das massas, aparecia como algo espe- cialmente ameaçador aos grupos direitistas; já não parecia haver mais esperança de conquistar o novo eleitorado [...] a alfabetização e educação das massas adultas pelos programas promovidos a partir dos anos 60 aparecia como um perigo para a estabilidade do regime, para a preservação da ordem capitalista. Difundindo novas ideias sociais, tais programas poderiam tornar o processo político incon- trolável por parte dos tradicionais detentores do poder e a ampliação dos mesmos poderia até provocar uma reação popular importante a qualquer tentativa mais tardia de golpe das forças conservadoras (PAIVA, 1987, p. 259). Com o Golpe Militar de 1964, os movimentos de alfabetização foram proibidos, e alguns livros, utilizados nesses programas, foram confiscados por serem classificados como de teor comunista e uma ameaça à ordem instalada pelo Poder Militar. Em 1966, o programa de alfabetização encerrou-se em alguns estados devido à pressão exercida pelo governo militar, que só permitia a realização de programas de alfabetização de adultos com caráter assistencialista e con- servador, até que, em 1967, assumiu o controle dessa atividade, lançando o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral). Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 24 – 1.1.5 Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) O Mobral foi a resposta do regime militar à grave situação de analfabe- tismo no país. Criado em dezembro de 1967, com o objetivo geral de erradi- car o analfabetismo e possibilitar a educação continuada aos jovens e adultos, esse programa demonstrou a necessidade de dar continuidade à escolarização. De acordo com Paiva (1987), com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 5.692, de 1971, que foi, sem dúvidas, o evento de maior destaque para a reinserção escolar daqueles que não tiveram oportu- nidade de estudar na época certa, expandiu-se a necessidade de criação do ensino supletivo. Nesse contexto, passou-se a entender a política educacional de adul- tos como a incorporação das práticas de temas ligados ao desenvolvimento, como educação e investimento, teleducação e tecnologia educacional, eviden- ciando que a educação deveria estar alinhada ao modelo global que buscava racionalizar recursos e estabelecer metas. No decorrer desse mesmo período, foram criados os Centros de Estudos Supletivos (CES), nos quais as ativida- des desenvolvidas baseavam-se nos princípios do ensino personalizado, com metodologia própria, que recomendava a adoção de estudo dirigido, a orien- tação individual ou em pequenos grupos, a instrução programada e o uso de rádio, televisão e multimeios. No modelo de alfabetização proposto pelo Mobral, as técnicas utili- zadas consistiam em codificações de palavras preestabelecidas, escritas em cartazes com as famílias fonéticas, quadros ou fichas de descoberta, muito próximos das metodologias anteriormente utilizadas no modelo de Paulo Freire. No entanto, havia uma diferença fundamental: as “palavras”, tanto quanto as fichas de codificações eram elaboradas da mesma forma para todo o Brasil, a partir de problemáticas sociais particulares do povo. Tratava-se fundamentalmente de ensinar a ler, a escrever e a contar, deixando de lado a autonomia e a conscientização crítica e transformadora da linha iniciada por Paulo Freire. Para se atingir os objetivos do programa, foram criados materiais didáti- cos constituídos de livro-texto, livro-glossário, livro para exercitar o cálculo, livro do educador e um conjunto de cartazes. Esse material foi modificado em 1977 e passou a ser chamado de Conjunto Didático Básico. – 25 – Aspectos Sócio-Históricose Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil A capacitação dos educadores (também chamados de monitores ou edu- cadores não profissionais) pautava-se na ideia de que o recurso da utilização de pessoas da comunidade em geral para ensinar aos que sabiam menos era válido, legítimo, natural e, também, uma grande opção para os países ou regiões que possuíam escassez de recursos humanos qualificados para realizar tal função (PAIVA, 1987). E o que se faz, então, para eliminar os proble- mas decorrentes dessa decisão? O entendimento era de que um bom mate- rial didático, acompanhado de um manual-guia para o educador, que tivesse um “treinamento” e seguisse as recomendações didáticas, bastariam para a qualidade do trabalho pedagógico vinculado ao processo de alfabetização. Essa concepção deriva do modelo tecnicista, influência recebida dos Estados Unidos e das pesquisas behavioristas baseadas nos mecanismos de estímulo- -resposta propostos por Skinner. No modelo tecnicista, o ensino é representado por padrões de comportamento, que podem ser mudados por meio de treinamentos. A aprendizagem consiste em um arranjo e planejamento de continências de reforços (elogios, graus, notas, prêmios, reconhecimento do mestre e dos cole- gas, prestígios). É o educador quem deve dirigir o ensino para assegurar a aquisição dos padrões da leitura, da escrita e do cálculo e prever o repertório final desejado. O behaviorismo refere-se a um conjunto de pressupostos baseado nos padrões de comportamento, sendo Skinner um dos principais representantes dessa corrente. Para os behavioristas, o comportamento pode ser moldado. Dessa forma, o método do Mobral não partia do diálogo e da reali- dade existencial, mas de lições preestabelecidas pelo contexto militar. Con- siderando as similaridades das propostas, podemos afirmar que o método de Paulo Freire foi refuncionalizado com princípios metodológicos que não respeitavam a conquista da autonomia e o desenvolvimento da consciência crítica do alfabetizando. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 26 – Com a emergência dos movimentos sociais e o início da abertura polí- tica na década de 80 do século XX, as pequenas experiências de alfabetização foram se ampliando, construindo canais de trocas de vivências e reflexões e a articulação de novas ações pedagógicas. Projetos de alfabetização se desdobra- ram em turmas de pós-alfabetização, em que se avançava no trabalho com a língua escrita, além das operações matemáticas básicas. Também as administrações de alguns estados e municípios maiores pas- saram a ganhar autonomia com relação ao Mobral, acolhendo educadores que se esforçaram na reorientação de seus programas de educação básica de adultos. Desacreditado nos meios políticos e educacionais, pois, além de não conseguir manter os programas educativos, propunha uma metodologia con- siderada ultrapassada, o Mobral foi extinto em 1985. Seu lugar foi ocupado pela Fundação Nacional para Educação de Jovens e Adultos (Fundação Edu- car), que abriu mão de executar diretamente os programas, passando a apoiar financeira e tecnicamente as iniciativas não governamentais (ONGs), entida- des civis e empresas conveniadas. O Mobral esteve presente por um longo período na história recente do nosso país e ainda hoje encontramos alunos e professores que vivenciaram esse período da história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. 1.1.6 Movimento de alfabetização em parcerias A Fundação Educar foi criada em 1985, substituindo o Mobral. Subs- tancialmente, a Fundação Educar promovia a execução dos programas de alfabetização por meio do apoio financeiro e técnico às ações de outros níveis de organizações não governamentais e de empresas, não havendo uma unidade de esforços do governo para a alfabetização de jovens e adul- tos. Havia, portanto, uma retirada das ações do Estado em relação a essa modalidade de educação. Com a Constituição de 1988, o dever do Estado com a Educação de Jovens e Adultos foi ampliado ao se determinar a garantia de “Ensino Funda- mental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria” (BRASIL, 1988). – 27 – Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil Contudo, a partir de 1988, com as políticas de descentralização de poder e descentralização administrativa, viabilizaram-se parcerias entre organizações da sociedade civil e o Estado, nos mais diversos níveis, visando à definição e execução das políticas sociais e municipalização das ações do Estado nas diversas áreas, como saúde, educação e assistência social. Nas campanhas de alfabetização de jovens e adultos, essas medidas refletiram nas iniciativas privadas e não governamentais que, durante a década de 90 do século XX, foram as maiores responsáveis pela atuação nesse setor. Mesmo assim, a taxa de analfabetismo da população rural situava-se em um patamar bastante alto. Em 1990, foi realizado em Jomtiem, na Tailândia, a Conferência Mundial de Educação para Todos, que explicitou a dramática realidade mundial de analfa- betismo de pessoas jovens e adultas e propôs maior equidade social nos países mais pobres e populo- sos do mundo. Esse mesmo ano foi considerado pela Unesco como Ano Internacional da Alfabetização. A partir de então, têm-se intensificado em todo o mundo as discussões em torno da alfabetização e da necessi- dade de progressiva escolarização de pessoas adultas, assim como uma série de ações tem chamado a aten- ção do mundo sobre problemas internacionais cru- ciais das áreas de alimentação, saúde e educação. Adentrando a década de 90, no limiar do século XXI, o Brasil apresen- tava um quadro com 20% da população total com 15 anos ou mais em estado de analfabetismo. Esse quadro revela-se ainda mais severo considerando-se o contingente de analfabetismo funcional, ou seja, aqueles, dessa faixa etária, com escolaridade média inferior a quatro anos de estudos, ou que “não con- seguem ler e escrever um bilhete simples”, conforme definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2000). Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 28 – Ainda na década de 90, foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96, na qual a EJA passou a ser considerada uma modalidade da educação básica nas etapas dos ensinos Fundamental e Médio, usufruindo de uma especificidade própria. Na segunda metade dessa mesma década, evidenciou-se, também, um processo de articulação de outros segmentos sociais, como Organizações Não Governamentais (ONGs), Movimentos Sociais, Organizações Empresariais, “Sistema S”, Alfabetização Solidária, Universidade, entre outros, buscando deba- ter e propor políticas públicas para EJA. Nesse período, passaram a se articular movimentos que deram origem aos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos, denominados Enejas (Encontros Nacionais de Educação de Jovens e Adultos). No Paraná, houve os Epejas (Encontros Paranaenses de Educação de Jovens e Adultos), assim como outros estados passaram a articular seus próprios fóruns. No final de 1990, foi implantado o Programa Nacional de Alfabetização e Cidadania (PNAC), no governo do então presidente Fernando Collor de Melo, com o objetivo de reduzir o índice de analfabetismo em 70%, em um período de cinco anos. No entanto, o PNAC não durou nem um ano sequer. Com a transição de governo, a atuação que mais se sobressaiu, no cenário da alfabetização, foi a do Programa Alfabetização Solidária (PAS), que contava com parcerias firmadas entre o governo e instituições públicas e privadas, como as instituições de Ensino Superior. O PAS foi implan- tado em janeiro de 1997 como uma meta governamental do presidente Fer- nando Henrique Cardoso.O programa tinha como proposta inicial atuar na alfabetização de jovens e adultos nas regiões Norte e Nordeste do país, porém conseguiu abranger as regiões Centro-Oeste e Sudeste, inclusive alguns países da África. O PAS foi concebido em parceria entre o Conselho da Comunidade Solidária e o Ministério da Educação. Quando de sua criação, o PAS tinha como objetivo [...] desencadear um movimento nacional no combate ao analfabetismo no Brasil. Diferentemente de outros programas já desenvolvidos, o Pro- grama Alfabetização Solidária tem, desde o seu nascedouro, a clareza de que não pode resolver os problemas sozinho. Nesse sentido, incentiva a parceria entre governo, a iniciativa privada, as universidades públicas e privadas e as prefeituras para, no conjunto, somar esforços com vistas à – 29 – Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil redução dos índices de desigualdades e de condições subumanas, espe- cialmente, nas regiões e populações mais necessitadas (PAS, 1997, p. 11). O formato de parcerias proposto pelo programa é baseado em um modelo solidário, em que “o empenho da sociedade como um todo é funda- mental, quando se enfrenta um problema social tão grave quanto o analfabe- tismo” (PAS, 1997, p. 11). A efetivação do programa ocorre na realização de atividades educadoras nos municípios parceiros, sendo essas atividades orga- nizadas em módulos, com duração de seis meses. O primeiro mês é destinado ao curso de capacitação dos educadores, e os outros cinco meses são destina- dos ao processo de alfabetização em sala de aula. Na concepção do PAS, para se iniciar o processo de alfabetização é necessário, inicialmente, “capacitar” o educador com cursos preparatórios. Cabe ressaltar que nesse programa não há unicidade na recomendação nem quanto à capacitação do educador, nem quanto à metodologia e recursos didáticos que podem ser utilizados. Dessa forma, o modelo de alfabetização e de “capacitação” ficava a cargo da instituição responsável por esse processo, no caso, as universidades, às quais cabia o papel de selecionar e capacitar os educadores e de realizar visitas mensais às turmas em andamento, para acom- panhamento e orientação do trabalho. Sobre o curso de capacitação de educadores, o documento do PAS destaca: A fase de capacitação dos educadores é, sem dúvida, uma etapa muito importante do Programa; pode-se mesmo afirmar que é nesse momento que o sucesso ou fracasso da alfabetização se inicia, pois muitas vezes, mesmo tendo concluído o curso de magistério, os pro- fessores dos municípios apresentam carências de conteúdo bem rele- vantes (PAS, 1997, p. 13). Cabe ressaltar que, para uma atuação eficaz na alfabetização de jovens e adultos, é necessário mais do que somente cursos de capacitação. São necessá- rios projetos de formação inicial e, também, formação continuada. Ainda no modelo de gestão do PAS, havia um coordenador municipal, normalmente indicado pelo prefeito, e um assessor pedagógico, função criada em 1999, com o intuito de auxiliar o coordenador municipal, que além do acompanhamento às turmas e do gerenciamento de distribuição de merenda, era responsável por todos os aspectos infraestruturais para execução do PAS em seu município. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 30 – À empresa parceira, cabia a “adoção” de um ou mais municípios e, ao fazê-lo, responsabilizava-se por despesas que se teria durante os módulos, como alimenta- ção, transporte, hospedagem, merenda dos alunos e bolsas dos educadores. Cada educador ficava encarregado por uma turma, com no mínimo 12 alunos e no máximo 25. Já o Conselho da Comunidade Solidária, por inter- médio da coordenação executiva do PAS, definia os municípios, articulando as entidades envolvidas e mobilizando novos parceiros. À coordenação cabia o gerenciamento de todo o processo e o encaminhamento para o repasse dos recursos obtidos junto às empresas parceiras. Uma das publicações oficiais sintetiza o modelo de parceria adotado pelo PAS: Um modelo simples de atuação, desenvolvido a partir do Conselho da Comunidade Solidária, permite que o custo mensal para a manuten- ção de um aluno do Programa Alfabetização Solidária seja de somente R$ 34,00, ao longo de um semestre. Esse valor é dividido entre os parceiros, empresas ou pessoas físicas, e o MEC. Cada parte contribui com apenas R$ 17,00 por mês, o equivalente a cerca de dois ingressos em cinemas das grandes capitais brasileiras (PAS, 2003, p. 4). O PAS previa a realização periódica de avaliações das atividades desen- volvidas nos municípios a partir da mediação das instituições de Ensino Supe- rior envolvidas no processo. As informações obtidas eram, posteriormente, tabuladas pela coordenação executiva do programa, responsável também pela divulgação desses dados. As avaliações apresentavam dados sobre os alunos do programa, como gênero, faixa etária, aprendizagem, e o número de alunos atendidos, entre outros. Até o ano de 2002 o Programa Alfabetização Solidária desenvolveu, entre outros, os seguintes projetos: Projeto Ver (1999) visava “reduzir uma das principais razões da evasão dos alunos: os problemas de visão dos quais se queixam mais de 18% dos alunos que abandonam a sala de aula”; Projeto Grandes Centros Urbanos (1999) “para atender jovens e adultos nas regiões metropolitanas, onde o índice percentual de analfabetismo não é tão elevado, mas a concentração de pessoas não alfabetizadas é grande; Projeto Rádio Escola: – 31 – Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil melhorando o trabalho em sala de aula, criado em 2001 a partir de parceria com a Secretaria de Educação a Distância do Ministério da Educação, baseava-se na utilização, tanto na capacitação dos educadores quanto nas salas de aulas, de programas radiofônicos que visavam “enriquecer as aulas de alfabetização e estimular o interesse da participa- ção de alunos e educadores”; Projeto Alfabetização Digital (2001), atendeu a 20 municípios em projeto-piloto com a finalidade de propiciar, aos municípios, computadores para que os educadores tivessem contato com a tecnolo- gia e estreitassem contatos com as instituições de Ensino Superior; Projeto Promoção da Saúde (2001) desenvolvido em parceria com o Ministério da Saúde, consistia na distri- buição de cartilhas com as quais o Programa “não somente melhora a qualidade de vida de seus alunos e educadores, mas também agrega valor à aprendizagem da leitura e da escrita, inserindo-a em um processo maior de introdução social e exercício pleno da cidadania” (PAS, 2003, p. 6). Com a mudança de governo, em 2002, assumindo o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o PAS passou a se chamar Alfabetização Solidária (Alfa- sol), uma organização não governamental (ONG) que continua a atender os alfabetizandos por meio de recursos provindos de parceiros, entre eles o Programa Brasil Alfabetizado, programa oficial de alfabetização de jovens e adultos no Governo Lula. 1.2 Dimensões contextuais do analfabetismo nacional Na virada do século XX para o XXI, o Brasil ainda contava com cerca de 13% da população não alfabetizada. Além disso, existia um contingente de 33 milhões de brasileiros em estado de analfabetismo funcional. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 32 – Na tabela a seguir, observa-se a evolução histórica dos índices de anal- fabetismo de jovens e adultos no Brasil no último século e entre os últimos anos da década de 90, em que é denotada uma relativa estagnação nas taxas de analfabetismo. Figura 1.1 – Tendência do analfabetismo no Brasil Fonte: IBGE (2010). Na tentativa de reduzir as taxas de analfabetismo, foi lançado no ano 2000 o Programa Brasil Alfabetizado, organizado em ediçõesanuais, cada uma com duração de aproximadamente sete meses. Os educadores são con- tratados por meio do sistema de bolsas e não mantêm vínculos empregatícios. Em grande parte, as pessoas contratadas são educadores populares e não pro- fessores, pois não é exigida uma formação específica para atuar no Programa. A gestão do Programa Brasil Alfabetizado é descentralizada, cada insti- tuição parceira é responsável pela gestão de recursos, bem como pela seleção e pelo acompanhamento dos educadores, que, por sua vez, são responsáveis pela composição das turmas. Contudo, há a necessidade de prestação de con- tas, e os dados do Programa são acompanhados pelo MEC por meio de um “mapa do analfabetismo”, em que os dados cadastrais de alfabetizandos, educadores e dos locais de alfabetização são compilados em um sistema ele- trônico aberto para consulta dos parceiros e da comunidade. – 33 – Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil Na virada do século, além do redesenho do próprio Programa Brasil Alfabetizado, um importante avanço diz respeito à incorporação da EJA no Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o que garante recursos próprios para oferta de EJA, e, com isso, há um estímulo à expansão dessa oferta e de matrículas. Contudo, mesmo com os avanços perceptíveis, ainda há muito que avançar, considerando que existe um grande contingente de educandos a serem atendidos. Dica de filme Narradores de Javé (2003) Os moradores de um pequeno vilarejo de Javé se deparam com o anúncio de que a cidade poderia desaparecer sob as águas de uma enorme usina hidrelétrica. Essa ameaça à própria exis- tência pode mudar a rotina dos habitantes. Em resposta à notícia devastadora, a comunidade adota uma ousada estratégia: decide preparar um documento contando todos os grandes aconteci- mentos heroicos de sua história, para que Javé possa escapar da destruição. Como a maioria dos moradores é analfabeta, a primeira tarefa é encontrar alguém que pudesse escrever essas histórias. O único habitante alfabetizado de Javé é Antônio Biá, um fun- cionário do correio local que, para manter seu emprego, passou a escrever cartas para várias pessoas de outros lugares, contando as fofocas das principais figuras locais, fato que lhe rendeu incontáveis inimigos. Porém, não restou outra opção ao povo de Javé senão exigir que Antônio Biá escrevesse de “forma científica” o documento que demonstrasse a importância histórica da região. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 34 – O filme Narradores de Javé retrata o perfil de muitas comunidades carentes do Brasil e as dificuldades de suas lutas. De modo hilariante, o filme nos mostra a dinâmica de transição da tradição oral para a tradição escrita, e a graça reside no fato de a memória oral privilegiar alguns detalhes em detrimento de outros. Como diz o próprio Biá: “uma coisa é o fato acontecido, outra é o fato escrito”. Por isso, o filme nos leva a refletir sobre a importância da leitura e escrita para o desenvolvimento social do país e, consequentemente, para o exercí- cio da cidadania. No universo da Educação de Jovens e Adultos, ressalta-se a impor- tância de que as histórias individuais e coletivas dos moradores de tantas outras Javés que existem pelo Brasil sejam valorizadas e não tenham as suas memórias esquecidas e destruídas. Isso demonstra o quanto a história pessoal está intimamente ligada à história e ao momento histórico do país. NARRADORES de Javé. Direção de Eliane Caffé. Brasil: Bananeira Filmes; Gullane Filmes; Laterit Productions: Dist. Riofilme, 2003. 1 filme (100 min.), sonoro, color. Da teoria para a prática Uma sugestão de atividades para se realizar com os educandos da EJA é organizar uma roda de prosa, em que cada um relate os principais fatos da história de suas vidas. Uma sugestão é que educandos tragam fotos ou recortem figuras que representem esses acontecimentos, o que irá facilitar a apresentação para os colegas. Oriente os educandos a sentarem em forma de roda e inicie a conversa deixando-os à vontade para falar. Você, como educador, pode começar a exposição. Lembre-se de que o objetivo dessa atividade é conhecer melhor seus educandos e possibilitar a interação entre eles. Por isso, é importante criar um clima de confiança e respeito, destacando o quanto a história de vida de cada um está relacionada a outras histórias e à história da comunidade, do – 35 – Aspectos Sócio-Históricos e Filosóficos da Educação de Jovens e Adultos no Brasil município, do estado e da nação a que pertencem. Se possível, relacione os fatos apresentados com pontos da história do país. Com as fotos e figuras trazidas pelos educandos, crie um painel denomi- nado “Imagens da vida” para deixar no mural da sala. Atividades 1. Pesquise mais informações sobre o educador brasileiro Paulo Freire, ícone da alfabetização de jovens e adultos no Brasil, destacando as etapas da metodologia proposta por ele a partir de “palavras gera- doras”. Faça o registro escrito da pesquisa. 2. No estudo desse capítulo, foi possível perceber que o conceito de educação está fortemente atrelado ao contexto político e ao momento histórico do país. Fazendo um paralelo entre o histórico da EJA e analisando a história recente do Brasil, explique que com- parações podem ser estabelecidas. 3. Analisando o cenário político das últimas décadas, como você ana- lisa a participação de Comunidades Solidárias e das ONGs na edu- cação brasileira? Argumente sua resposta. 4. Investigue mais sobre a incorporação da EJA ao Fundo de Desen- volvimento da Educação Básica (Fundeb), relacionando os avan- ços e as perspectivas atuais dessa modalidade educativa. Registre as informações encontradas. Síntese Ao estudar a história da Educação de Jovens e Adultos no Brasil, percebe- -se que o conceito de educação está fortemente atrelado ao contexto político e aos momentos históricos vivenciados. Fazendo um paralelo entre o histórico da EJA e analisando a própria história do Brasil, é possível fazer comparações de acordo com os meandros sociopolíticos, que acabaram tomando corpo nas questões culturais do país. Por isso, é importante conhecer tanto a história Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 36 – do país a que pertencemos, como, também, enquanto profissionais da área, conhecer a trajetória histórica da alfabetização do povo brasileiro, refletindo sobre as influências que permearam e ainda permeiam todo esse processo. Ao estudar esse capítulo, você obteve as seguintes informações: 2 os Jesuítas foram os primeiros professores de Jovens e Adultos da nação brasileira e foram responsáveis também pelas primeiras esco- las no Brasil; 2 a primeira grande Campanha de Educação de Adultos foi proposta por Lourenço Filho, em 1947, baseada num modelo americano de educação, fundamentado pela psicologia experimental difundido por Frank Charles Laubach; 2 o modelo de alfabetização de adultos proposto por Paulo Freire foi interrompido pelo Golpe Militar e, em decorrência disso, Paulo Freire exilou-se do Brasil; 2 o Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral) foi implantado durante a Ditadura Militar e deixou profundas marcas sociais a quem o vivenciou; 2 durante um bom período da história recente do Brasil, a Alfabeti- zação de Adultos esteve a cargo de ONGs; 2 no ano de 2010, o Brasil ainda tinha quase 10% da sua população adulta analfabeta; 2 existem filmes brasileiros que retratam essa triste realidade do analfabetismo, como “Narradores de Javé” (2003) e “Central do Brasil” (1998); 2 como educadores, podemos fazer a diferença na vida dos educan- dos jovens e adultos que buscam na alfabetização uma forma de inserção no mundo da leitura e daescrita. 2 Sistema Organizacional da EJA no Brasil Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 38 – Nesse capítulo, você conhecerá: 2 a legislação e os fundamentos da modalidade EJA no Brasil; 2 as orientações e as diretrizes gerais para a EJA; 2 as funções da Educação de Jovens e Adultos; 2 as recomendações internacionais para as políticas de EJA; 2 os principais princípios da Educação de Jovens e Adultos; 2 alguns fatores estratégicos para a formação humana defendido pelos Pilares da Educação do Futuro. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n. 9.394/96, a Educação de Jovens e Adultos é uma modalidade da educação básica, nas etapas dos ensinos Fundamental e Médio, que usufrui de uma especificidade própria que, como tal, deve receber um tratamento conse- quente. Para tanto, além de adequações nas questões curriculares, deve-se considerar a forma como os conteúdos/conceitos devem ser tratados e as aspi- rações e interesses dos educandos. No processo de seleção de conteúdos, o desafio que se apresenta é identifi- car, dentro de cada um dos vastos campos de conhecimento das diferentes áreas, quais são socialmente relevantes e em que medida contribuem para o desenvol- vimento intelectual do educando. Em outras palavras, o desafio é identificar que conteúdos permitem a construção do raciocínio, o desenvolvimento da criati- vidade, da intuição, da capacidade de análise e de crítica, e a constituição de esquemas lógicos de referência para interpretar fatos e fenômenos da sociedade. Neste capítulo, serão apresentadas as orientações e diretrizes gerais para a EJA, quanto à seleção de conteúdos, às funções e aos aspectos legais que regem as políticas dessa modalidade de ensino, no Brasil. 2.1 Legislação e fundamentos da modalidade EJA A EJA, enquanto modalidade da educação básica, não pode ser pen- sada como uma oferta melhor, pior, ou menos importante, mas sim como – 39 – Sistema Organizacional da EJA no Brasil uma modalidade educativa, um modo próprio de conceber a educação básica determinado pelas especificidades e interesses dos sujeitos envolvidos. Em termos de legislação, as recomendações são claras e direcionam para a necessidade de se buscar condições, alternativas e currículos adequados à realidade desses sujeitos, ou seja, uma prática educativa que leve em conta os saberes, os conhecimentos até então produzidos e as experiências de vida dos educandos, considerando as características do alunado, seus interesses, condições de vida e de trabalho. A EJA é direcionada a todos àqueles que não tiveram acesso ou não com- pletaram o processo de escolarização básica. Para ingresso nos cursos de EJA, de acordo com a LDB n. 9.394/96, é necessário que o educando tenha mais de 15 anos, para concluir o Ensino Fundamental, e mais de 18 anos, para o nível de conclusão do Ensino Médio. De modo geral, a EJA é dividida nas fases de alfabetização, geralmente concebida em programas de curta duração – 1º e 2º segmento, correspon- dentes respectivamente aos anos iniciais e finais dos Ensinos Fundamental e Médio. Cada sistema de ensino, seja municipal, estadual, federal ou parti- cular, pode usar diferentes nomenclaturas para a organização dos sistemas de EJA, mas todos devem cumprir a carga horária mínima recomendada para cada etapa educativa e observar os fundamentos e princípios dessa modali- dade, descritos nos documentos oficiais e nas propostas pedagógicas. Nas Diretrizes Curriculares de EJA (BRASIL, 2000), formuladas pelo MEC, os conteúdos estão dimensionados não só em conceitos, mas também em procedimentos e atitudes, apresentados em blocos de conteúdo ou em eixos temáticos, de acordo com as áreas. Os conteúdos de natureza conceitual envolvem a abordagem de con- ceitos, fatos e princípios e referem-se à construção ativa das capacidades inte- lectuais, para operar com símbolos, signos, ideias e imagens capazes de repre- sentar a realidade. Para concretizar essa aprendizagem, o educando precisa adquirir infor- mações e vivenciar situações e generalizações que, mesmo sendo análises e sínteses parciais, permitem verificar se o conceito está sendo aprendido. A formulação dessas generalizações permitirá que o educando atinja conceitua- Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 40 – lizações cada vez mais abrangentes que o levarão à compreensão de noções no plano da abstração e da aprendizagem significativa. A aprendizagem ocorre, em um primeiro momento, de maneira memo- rizada. No entanto, a memorização não deve ser entendida como um pro- cesso mecânico de representar as informações, mas sim como um estímulo significativo, para que o educando se empenhe em estabelecer relações entre o que já sabe (conhecimentos prévios) e os conteúdos que estão sendo sistema- tizados pela escola. A abordagem dessas relações está diretamente relacionada ao conteúdo procedimental. Os conteúdos de natureza procedimental expressam um “saber fazer”, que envolve a tomada de decisões e a realização de uma série de ações, de maneira ordenada e não aleatória, para que se atinja uma meta. Os conteúdos procedimentais sempre estão presentes nos projetos de ensino, pois realizar uma pesquisa, desenvolver um experimento, fazer um resumo e construir uma maquete são proposições de ações presentes nas salas de aula. Na organização de uma pesquisa, por exemplo, é necessário planejar os procedimentos, ou seja, pesquisar em mais de uma fonte, fazer entrevistas, comparar os dados obtidos, registrar o que for relevante e organizar as infor- mações obtidas para produzir um texto de pesquisa e, depois, apresentá-lo à classe, elaborar a síntese do tema pesquisado. No planejamento e na realização desses procedimentos, o educando necessita da mediação do educador, pois a aprendizagem de um conteúdo procedimental não é espontânea nem depende somente das habilidades indi- viduais. Analisar, compreender e criar estratégias para comprovar hipóteses e “saber fazer” são conteúdos procedimentais que devem ser mobilizados em sala de aula pela mediação do professor. No processo educativo, devem ser incluídos, também, os conteúdos de natureza atitudinal, que incluem normas, valores e atitudes e permeiam todo o conhecimento escolar. A escola é um contexto socializador, gerador de atitudes relativas ao conhecimento, ao professor, aos colegas, às disciplinas, às tarefas e à sociedade. Atitudes são bastante complexas, pois envolvem tanto a cognição (conhecimentos e crenças) quanto os afetos (sentimentos e preferências) e as – 41 – Sistema Organizacional da EJA no Brasil condutas (ações e declarações de intenção). Por isso, é imprescindível que o educador adote, em sala de aula, uma posição crítica em relação às atitudes e aos valores éticos e culturais da sociedade em geral. É preciso lembrar, no entanto, que nas relações interpessoais vivenciadas no contexto escolar o grande desafio é conseguir se colocar no lugar do outro, compreender seus pontos de vista e motivações e desenvolver a capacidade de conviver com as diferenças. Nesse sentido, somente as informações do dia a dia, apesar de necessárias para concretizar uma atitude de modo eficaz, não são suficientes para o ensino de valores, atitudes e normas em sala de aula. Na abordagem didática dos conteúdos atitudinais é necessário que a equipe escolar vivencie essas práticas por meio de atitudes cotidianas, para que o educando possa observá-las e incorporá-las em seu convívio social. Com essa percepção, os conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais devem ser contemplados de maneira integrada no processo de ensino e aprendizagem. Saiba mais Para saber mais sobre as diretrizes da EJA, você pode ler os documen- tos oficias disponíveis no site do Ministérioda Educação (<http:// www.mec.gov.br/>), no link sobre essa modalidade educativa, ou procurar conhecer as propostas pedagógicas do seu município ou do seu estado para os programas de EJA. Os desafios da EJA exigem do educador um olhar cuidadoso sobre as questões que norteiam a relação entre professor, aluno e conhecimento e que podem interferir no sucesso escolar. Essas questões implicam a consideração de fatores importantes no processo de ensino e aprendizagem, como o con- trato didático, a gestão do tempo, a organização do espaço, os recursos didáti- cos, a interação e a cooperação, e a interação da escola com as práticas sociais. Saiba mais O contrato didático refere-se aos “combinados” feitos entre professor e aluno. Parte de uma metodologia de trabalho, são os combinados didáticos que vão garantir uma boa organização da aula, envolvendo Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 42 – desde o processo disciplinar até mesmo a seleção e o modo de passar os conteúdos. [...] a inovação curricular não consiste apenas em mudar, ou tentar mudar, o que se ensina e se aprende na escola. Tão importante quanto o que se ensina e se aprende é como se ensina e como se aprende. Na verdade, hoje sabemos que ambos os aspectos são indissociáveis. O que finalmente os alunos aprendem na escola depende em boa medida de como o aprendem; e o que finalmente nós professores conseguimos ensinar aos nossos alunos é indissociável de como lhes ensinamos. (COLL SALVADOR, 1999, p. 30). Nesse sentido, o processo educativo não se caracteriza pelo recebimento, por parte dos educandos, de conhecimentos prontos e acabados, mas pela reflexão sobre os conhecimentos que circulam e que estão em constante trans- formação. Educadores e educandos são produtores de cultura; todos apren- dem e todos ensinam, são sujeitos da educação e estão permanentemente em processo de aprendizagem. 2.2 Funções da Educação de Jovens e Adultos As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adul- tos (BRASIL, 2000, p. 15) destacam que a EJA, como modalidade da Edu- cação Básica, deve considerar o perfil e a faixa etária de seus alunos ao propor um modelo pedagógico, de modo a assegurar: 2 equidade – distribuição específica dos componentes curriculares, a fim de propiciar um patamar igualitário de formação e resta- belecer a igualdade de direitos e de oportunidades em face do direito à educação; 2 diferença – identificação e reconhecimento da alteridade própria e inseparável dos jovens e dos adultos em seu processo formativo, da valorização do mérito de cada um e do desenvolvimento de seus conhecimentos e valores. – 43 – Sistema Organizacional da EJA no Brasil Reflita Para você, qual deveria ser a real função da Educação de Jovens e Adultos em um país como o Brasil? As Diretrizes Curriculares da EJA (BRASIL, 2000, p. 18) determi- nam, ainda, que essa modalidade educacional deve desempenhar as seguin- tes funções: 2 função reparadora – preocupa-se em propiciar não só a entrada dos jovens e adultos no âmbito dos direitos civis, pela restauração de um direito a eles negado – o direito a uma escola de qualidade –, mas também o reconhecimento da igualdade ontológica de todo ser humano de ter acesso a um bem real, social e simbolicamente impor- tante. Contudo, não se pode confundir a noção de reparação com a de suprimento. Para tanto, é indispensável um modelo educacional que crie situações pedagógicas satisfatórias para atender às necessida- des de aprendizagem específicas de alunos jovens e adultos; 2 função equalizadora – diz respeito à igualdade de oportunidades, que possibilita aos indivíduos novas inserções no mundo do tra- balho, na vida social, nos espaços culturais e nos canais de parti- cipação social. A equidade é a forma pela qual os bens sociais são distribuídos, tendo em vista uma maior igualdade dentro de situ- ações específicas. Nessa linha, a EJA representa uma possibilidade de construir um caminho de desenvolvimento em todas as pes- soas, de todas as idades, permitindo que jovens e adultos atualizem seus conhecimentos, mostrem habilidades, troquem experiências e tenham acesso a novas formas de trabalho e cultura; 2 função qualificadora – refere-se à educação permanente, com base no caráter incompleto do ser humano, cujo potencial de desenvol- vimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 44 – não escolares. Mais que uma função, é o próprio sentido da Educa- ção de Jovens e Adultos. 2.3 Recomendações internacionais para as políticas de EJA A Conferência Internacional da Unesco sobre Educação de Jovens e Adul- tos (Confintea), realizada em julho de 1997, em Hamburgo, na Alemanha, orientou sobre determinados parâmetros, conforme apresentados a seguir: 2 seus objetivos visavam manifestar a importância da aprendizagem de jovens e adultos e conceber compromissos regionais, em uma perspectiva de educação ao longo da vida, que objetivasse facili- tar a participação de todos no desenvolvimento sustentável e equi- tativo, a promoção de uma cultura de paz baseada na liberdade, na justiça e no respeito mútuo e a construção de uma relação sinérgica entre a educação formal e a não formal; 2 os documentos produzidos na Confintea demonstram que, devido às transformações socioeconômicas e culturais vivenciadas a partir das últimas décadas do século XX, a EJA deve seguir novas orien- tações, levando em conta que o desenvolvimento das sociedades exige de seus membros a capacidade de descobrir e potencializar os conhecimentos e aprendizagens de maneira global e permanente. Saiba mais A Conferência Internacional de Educação de Jovens e Adultos (Confintea) é um evento mundial promovido pela Unesco para dis- cutir os rumos da Educação de Jovens e Adultos no mundo. A Confintea ocorreu pela primeira vez na América Latina, especifica- mente em Belém do Pará (Brasil), no ano de 2009, quando já estava em sua 6ª edição. Para saber mais sobre a Confintea acesse <http:// www.unesco.org/pt/confinteavi/background/>. – 45 – Sistema Organizacional da EJA no Brasil Segundo as recomendações da Confintea, a Educação de Jovens e Adul- tos deve: 2 priorizar a formação integral voltada para o desenvolvimento de capacidades e competências adequadas ao enfrentamento, no marco do desenvolvimento sustentável, das novas transformações científicas e tecnológicas e de seu impacto na vida social e cultural; 2 contribuir para a formação de cidadãos democráticos, mediante o ensino dos direitos humanos, o incentivo à participação social ativa e crítica, o estímulo à obtenção de solução pacífica de conflitos e à erradicação dos preconceitos culturais e da discriminação, por meio de uma educação intercultural; 2 promover a compreensão e a apropriação dos avanços científicos, tecnológicos e técnicos, no contexto de uma formação de quali- dade, fundamentada em valores solidários e críticos, tendo em vista o consumismo e o individualismo; 2 elaborar e implementar currículos flexíveis, diversificados e partici- pativos, que sejam definidos a partir das necessidades e interesses do grupo, de modo a levar em consideração sua realidade sociocul- tural, científica e tecnológica e reconhecer o seu saber; 2 garantir a criação de uma cultura de questionamento nos espaços ou centros educacionais, contando com mecanismos de reconheci- mento da validade da experiência; 2 incentivar educadores e educandos a desenvolver diversificados recursos de aprendizagem, utilizar os meios de comunicação de massa e promover a aprendizagem dos valores de justiça, solidarie- dade e tolerância, para que se desenvolva a autonomia intelectual e moral dos alunos envolvidos na Educação de Jovens e Adultos. 2.3.1Princípios da Educação de Jovens e Adultos A Confintea considera como princípios da EJA: 2 a inserção em um modelo educacional inovador e de qualidade, orientado para a formação de cidadãos democráticos e sujeitos de Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 46 – sua ação, valendo-se de educadores que tenham formação perma- nente para respaldar a qualidade de sua atuação; 2 um currículo variado, que respeite a diversidade de etnias, de mani- festações regionais e da cultura popular, em que o conhecimento seja concebido como uma construção social, fundada na interação entre a teoria e a prática, e o processo de ensino e aprendizagem, como uma relação de ampliação de saberes; 2 a abordagem de conteúdos básicos, disponibilizando os bens socio- culturais acumulados pela humanidade; 2 o acesso às modernas tecnologias de comunicação existentes, para a melhoria da atuação dos educadores; 2 a articulação com a formação profissional: no atual estágio de glo- balização da economia, marcada por paradigmas de organização do trabalho, essa articulação não pode ser vista de modo instrumen- tal, pois exige um modelo educacional voltado para a formação do cidadão e do ser humano em todas suas dimensões; 2 o respeito aos conhecimentos construídos pelos jovens e adultos em sua vida cotidiana. 2.4 Fatores estratégicos para a formação humana A produção de conhecimento e a aprendizagem permanente constituem elementos essenciais na mudança educacional requerida pelas transformações globais. Dessa forma, a Unesco, por intermédio do Relatório Educação para o Século XXI (DELORS, 1998), recomenda fatores estratégicos para a formação dos cidadãos, tendo por princípio quatro pilares básicos: 1. aprender a conhecer; 2. aprender a fazer; 3. aprender a conviver; 4. aprender a ser. – 47 – Sistema Organizacional da EJA no Brasil De acordo com o relatório, para poder dar resposta ao conjunto de suas missões, a educação deve se organizar em torno dessas quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo da vida, serão, de acordo com cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é, adquirir os instru- mentos da compreensão; aprender a fazer, que possibilita exercer ação sobre o meio envolvente; aprender a conviver, a fim de participar e cooperar com os outros, em todas as atividades humanas; e, finalmente, aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. Essas quatro vias do saber se consti- tuem em apenas uma, tendo em vista que há, entre elas, múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta. Desse modo, de acordo com o relatório, aprender a conhecer visa não tanto a aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes o domí- nio dos próprios instrumentos de conhecimento, que podem ser considerado, simultaneamente, como um meio e como uma finalidade da vida humana. Meio, porque se pretende que cada um aprenda a compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida em que isso lhe é necessário para viver digna- mente, para desenvolver as suas capacidades profissionais e para comunicar. Finalidade, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer e de descobrir. Aprender a fazer de modo que se possa adquirir não somente uma qua- lificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla, as competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em equipe. Envolve, também, um aprender a fazer, no âmbito das diversas experiências sociais ou de trabalho que se oferecem aos jovens e adultos, quer espontane- amente, fruto do contexto local ou nacional, quer formalmente, graças ao desenvolvimento do ensino alternado com o trabalho. Aprender a conviver, sem dúvidas, é uma aprendizagem que repre- senta, atualmente, um dos maiores desafios da educação. O mundo atual é, muitas vezes, um mundo de violência que se opõe à esperança posta por alguns no progresso da humanidade. A história humana sempre foi con- flituosa, mas há elementos novos que acentuam o perigo e, especialmente, o extraordinário potencial de autodestruição criado pela humanidade, no decorrer do século XX. Fundamentos e Metodologia da Educação de Jovens e Adultos – 48 – Quanto à aprendizagem aprender a ser, a Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI adere plenamente ao postulado do relatório de que “O desenvolvimento tem por objeto a realização completa do homem, em toda a sua riqueza e na complexidade das suas expressões e dos seus com- promissos: indivíduo, membro de uma família e de uma coletividade, cidadão e produtor, inventor de técnicas e criador de sonhos”. Esse desenvolvimento do ser humano, que se desenrola desde o nascimento até à morte, é um pro- cesso dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo, para se abrir, em seguida, à relação com o outro. Nesse sentido, a educação é, antes de tudo, uma viagem interior, cujas etapas correspondem às da maturação contínua da personalidade. Na hipótese de uma experiência profissional de sucesso, a educação como meio para tal realização é, ao mesmo tempo, um processo individualizado e uma construção social interativa. É, dessa forma, aprender a ser para melhor desenvolver a personalidade e estar à altura de agir cada vez mais, com maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsa- bilidade pessoal. Para isso, não se deve negligenciar, na educação, nenhuma das potencialidades de cada indivíduo: memória, raciocínio, sentido estético, capacidades físicas, aptidão para comunicar-se. Assim, a educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pes- soa – espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético e responsa- bilidade pessoal. Todo ser humano deve ser preparado, especialmente graças à educação que irá receber, para elaborar pensamentos autônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como deverá agir nas diferentes circunstâncias da vida. Saiba mais Você pode acessar o relatório Educação para o Século XXI, que contém o capítulo completo sobre os quatro Pilares da Educação (capítulo 4), no link: <http://www.domibniopublico.gov.br/down- load/texto/ue000009.pdf>. Em geral, os sistemas educativos formais tendem a privilegiar o acesso ao conhecimento em detrimento de outras formas de aprendizagem. Na EJA, para uma educação comprometida, importa conceber o processo como um – 49 – Sistema Organizacional da EJA no Brasil todo. Essa perspectiva deve inspirar e orientar a criação de reformas educati- vas, tanto com relação à elaboração de programas quanto à definição de novas políticas pedagógicas. Dessa maneira, os tempos e as áreas da educação devem ser repensados, completar-se e interpenetrar-se, de maneira que cada pessoa, ao longo de toda a sua vida, possa tirar o melhor proveito de um ambiente educativo em constante ampliação. Por fim, deve-se considerar que é fundamental que os envolvidos com a EJA conheçam, discutam e aprofundem essas orientações, estabelecendo princípios para que haja uma atuação coerente com sua realidade. Da mesma forma, o conhecimento das especificidades de Educação de Jovens e Adultos e o registro das ações desenvolvidas por essa modalidade da educação básica precisam se constituir em uma preocupação das diferentes instâncias do sis- tema educacional. Dica de filme Escritores da Liberdade (2007) Erin Gruwell é uma educadora inexperiente que assume uma turma considerada “problemática”, em uma pequena escola de um bairro peri- férico dos EUA. Com muito empenho e carinho e por meio da leitura de livros que relatam guerras racistas e separatistas e entre gangues, con- segue ensinar a seus educandos valores como tolerância e disciplina, além de fazer de sua turma uma grande e unida família. Escritores da
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