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o s Padres da Igreja edificam os tópicos fundamentais da vida cristã, para crer, celebrar e viver. Para renovar a comunidade cristã, os cristãos hão de voltar sempre à sua primeira juventude e assim evitar o perene perigo do "envelhecimento" da Igreja. O Concílio Vaticano II inaugurou uma época de fidelidade mais decidida e mais esclarecida à tradição, em sua expressão patrística. A pontou à Igreja atual os caminhos da colegialidade, do diálogo, da partilha e da comunhão da graça do Espírito, bem como da valorização dos carismas e dos ministérios, na diversidade dos serviços e das vocações. São esses os "caminhos da tradição cristã" de que este livro, em boa hora, quer ser o manual, leve e simples, mas rico e seguro em informações, estimulando a aprofundar a reflexão e a pesquisa, e, por que não, a promover a contemplação, na convivência com os Santos Padres da Igreja. Frei Carlos Josaphat EM V A SO S DE BA RRO , U M T E SO U R O PRECIO SO O s cristãos professam a cada dia sua fé no Deus único, que enviou seu Filho ao mundo para os santificar,- no Filho eterno, que realizou sua missão e enviou o Espírito de sabedoria e de entendimento. E procuram viver no amor a Deus e no amor recíproco entre os irmãos. N o início da pregação do Evangelho aos povos, os apóstolos foram as testemunhas qualificadas de Jesus Cristo,- por meio deles recebemos as verdades que Jesus Cristo anunciou, como uma herança transmitida de geração em geração. H oje somos herdeiros de um tesouro precioso, que conservamos ao longo dos séculos: a herança apostólica da fé professada pela Igreja. O título deste trabalho já indica o seu conteúdo: Patrística, caminhos da tradição cristã. Ele mostra a importância do itinerário de fé dos primeiros cristãos em Jesus Cristo, o Filho do Deus vivo, explicitando os fundamentos, as perspectivas e os objetivos da vida eclesial. Seus autores, Pe. Antônio Sagrado Bogaz, Frei M árcio Alexandre Couto e o Professor João Henrique Hansen, ajudam-nos a coligar nossa prática cristã atual às raízes de nossa mais antiga tradição cristã. Esta publicação sobre a Patrística nasceu da experiência pastoral, do aprofundamento das pesquisas teológicas, do magistério incansável de seus autores e do seu desejo de partilhar suas reflexões com os demais irmãos de fé. Que o livro seja uma ajuda a todos aqueles que se interessam por conhecer melhor as fontes da pregação e da catequese cristã. Dom Odílo Pedro Scherer Cardeal Arcebispo de São Paulo A n t ô n io S a ç r a d o Bo q a z , formado em Teologia Sistemática pela Universidade Qregoríana e em Teologia Lítúrgica pelo Pontifício Instituto de Liturgia Santo Anselmo, de Roma, é professor de Teologia Patrística no Instituto Teológico de São Paulo (ITESP) e na Escola Dominicana de Teologia (EDT) em São Paulo. M á r c io A lex a n d r e C o u t o , formado pela Universidade de Friburgo (Suíça), é co-autor da coleção de vídeos "Patrística: caminhos da fé cristã" (Paulus) e professor de Teologia Moral e História da Teologia. Atualmente, em Roma, é assistente do mestre da Ordem dos Dominicanos para os estudos. J o ã o H en riq ue H a n s e n , professor de Ética Filosófica e Cristã e de Literatura, formado pela Universidade de São Paulo (USP) em Letras e Literatura, dedicou sua pesquisa e escritos à literatura cristã, primitiva e hodierna. Atualmente atua no departamento de programação e avaliação da Universidade São Camilo e nos meios de comunicação, contribuindo com a formação ética e literária de nossa sociedade. PATRÍSTICA CAMINHOS DA TRADIÇÃO CRISTÃ TEXTOS, CONTEXTOS E ESPIRITUALIDADE DA TRADIÇÃO DOS PADRES DA IGREJA ANTIGA, NOS CAMINHOS DE JESUS DE NAZARÉ PATRÍSTICA CAMINHOS DA TRADIÇÃO CRISTÃ TEXTOS, CONTEXTOS E ESPIRITUALIDADE DA TRADIÇÃO DOS PADRES DA IGREJA ANTIGA, NOS CAMINHOS DE JESUS DE NAZARÉ í;3£0* Antônio S. Bogaz Márcio A. Couto João H. Hansen PATRÍSTICA CAM INHOS DA TRADIÇÃO CRISTÃ TEXTOS, CONTEXTOS E ESPIRITUALIDADE DA TRADIÇÃO DOS PADRES DA IGREJA ANTIGA, NOS C AM IN H O S DE JESUS DE NAZARÉ PAULUS Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Bogaz, Antônio S. Patrística: caminhos da tradição cristã: textos, contextos e espiritualidade da tradição dos padres da Igreja antiga, nos caminhos de Jesus de Nazaré / Antônio S. Bogaz, Márcio A. Couto, João H. Hansen. — São Paulo: Paulus, 2008. ISBN 978-85-349-2927-1 1. Padres da Igreja primitiva 2. Tradição (Teologia) I. Couto, Márcio A. II. Hansen, João H. III. Título. 08-00863 CDD-270 índices para catálogo sistemático: 1. Patrística: História da Igreja 270 2. Patrística: Literatura cristã primitiva 270 Capa Marcelo Campanhã Editoração, impressão e acabamento PAULUS Seja um leitor preferencial PAULUS. Cadastre-se e receba informações sobre nossos lançamentos e nossas promoções: paulus.com.br/cadastro Televenda: (11) 3789-4000 / 0800 16 40 11 MISTO P ap el produzido a partir da fontes resp on sáve isp ç r ^ FSC* C108975 1* edição, 2008 5a reimpressão, 2017 © PAULUS - 2008 Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 - São Paulo (Brasil) Tel.: (11) 5087-3700 • Fax: (11) 5579-3627 paulus.com.br • editorial@paulus.com.br ISBN 978-85-349-2927-1 mailto:editorial@paulus.com.br Com em oção e gra tidão, dedicam os esta obra a Dom André W. Suski, que nos o rien tou na pesquisa e nos estim ulou a garim par os tesouros da Patrística. A p r e se n ta ç ã o Em v a s o s d e b a r r o , um t e s o u r o p r e c io s o Os cristãos professam a cada dia sua fé no Deus único, que en viou seu Filho ao mundo para os santificar; no Filho eterno, que realizou sua missão e enviou o Espírito de sabedoria e de enten dimento. E procuram viver no amor a Deus e no amor recíproco entre os irmãos. No início da pregação do Evangelho aos povos, os apóstolos foram as testemunhas qualificadas de Jesus Cristo; por meio de les recebemos as verdades que Jesus Cristo anunciou, como uma herança transmitida de geração em geração. Hoje somos herdei ros de um tesouro precioso, que conservamos ao longo dos sécu los: a herança apostólica da fé professada pela Igreja. O título deste trabalho já indica o seu conteúdo: PA TRÍSTICA, CAMINHOS DA TRADIÇÃO CRISTÃ. Ele mostra a importância do itinerário de fé dos primeiros cristãos em Jesus Cristo, o Filho do Deus vivo, explicitando os fundamentos, as perspectivas e os objetivos da vida eclesial. Seus autores, Pe. Antônio Sagrado Bogaz, Frei Márcio Alexandre Couto e o Professor João Henrique Hansen, ajudam- nos a coligar nossa prática cristã atual às raízes de nossa mais antiga tradição cristã. Trata-se sempre de fazer aquilo que São Paulo também já fez: “o que recebi do Senhor, eu vos transmito: t que o Senhor Jesus deu a vida por todos nós, por nós padeceu na cruz e morreu e por nós ressuscitou” (cf. ICor 15,3). Esta mensagem é a bela e alegre novidade a ser comunicada e testemunhada a cada fiel, em todos os tempos. A fidelidade à herança apostólica nos dá a certeza de estarmos na fé da Igreja e que nossas raízes estão plantadas na história dos apóstolos e de seus sucessores. O conhecimento da teologia e da mística dos Padres da Igreja primitiva nos permite atualizar seus ensinamentos para as nossas comunidades na catequese e nos novos púlpitos de nossas pregações. No conjunto de nossas tradições doutrinais, litúrgicas, morais e eclesiais, está presente a riqueza dos ensinamentos dos Santos Padres. De fato, nós não criamos a cada passo as verdades da nossa fé, mas as acolhemos e explicitamos junta mente com a comunidade eclesial, também com aquela que nos precedeu. A Tradição cristã dos primeiros séculos e dos demais pe ríodos contém imensas riquezas, que passamos de geração em geração como relíquias preciosas de família; elas dão unidade à profissão de fé e à vida eclesial, solidificam e fazem crescer nossacerteza de que somos herdeiros da mensagem do Divino Verbo, que continua a anunciar seus oráculos no coração do mundo. O conhecimento dos escritos primitivos nos dá a cons ciência de não crermos sozinhos; fazemos parte de um povo que crê e professa a mesma fé, com a Virgem Maria, Mãe de Deus e os apóstolos, com uma multidão de mártires, de sábios e santos, missionários e teólogos, gente simples e homens ilustres, que nos precederam na fé e já fazem parte da Igreja celeste. Cremos com eles e como eles creram; como eles no passado, somos chamados hoje a ser discípulos e missionários de Jesus Cristo. Nossos tempos são marcados pela onda avassaladora da mundialização e da virtualização das crenças e valores; é for te a tendência a sujeitar tudo à lógica do mercado, até mesmo as propostas religiosas e crenças; os arquétipos sociais e cultu rais contemporâneos sofrem constantes transformações para se adaptarem às exigências fugazes da moda e das conveniências do pensamento dominante. Para nós, é tempo de formar comunidades de fé viva, onde os cristãos sintam a Igreja como seu lar e sua família. A referên cia às raízes profundas da Patrística nos dá identidade, estabili dade e serenidade para vivermos e anunciarmos a mensagem de Jesus Cristo, Filho de Deus, nosso Salvador. Esta publicação sobre a Patrística nasceu da experiência pastoral, do aprofundamento das pesquisas teológicas, do magis tério incansável de seus autores e do seu desejo de compartilhar suas reflexões com os demais irmãos de fé. Que o livro seja uma ajuda a todos aqueles que se interessam por conhecer melhor as fontes da pregação e da catequese cristã. Dom Odilo Pedro Scherer Cardeal-Arcebispo de São Paulo P r efá c io S e m p r e q u e r id o s e in d is p e n s á v e is S a n t o s P a d r e s . É de admirar o quanto os Santos Padres foram não apenas vene rados, mas queridos e bem-amados. Estiveram sempre no cora ção e no pensamento daqueles e daquelas que se empenharam em construir a Igreja e o mundo no decorrer dos séculos. A grande e graciosa santa Teresa de Ávila encontrava seu Mestre interior no Espírito de Amor que habitava o centro de sua alma. Buscava a orientação de sua caminhada e de suas funda ções antes de tudo e essencialmente nas palavras e nos exemplos de Jesus. Mas como gostava de ser ajudada nesse encontro ínti mo e direto com Deus, lendo S. Jerônimo e Santo Agostinho! Pode até haver certa surpresa, quando alguém tenta acompa nhar um missionário, como frei Bartolomeu de Las Casas, todo en tregue à evangelização, à libertação e à promoção dos ameríndios. Nas suas idas e vindas pelos caminhos ou pelos descaminhos da América, trazia sua biblioteca ambulante, carinhosamente trans- portada pelos índios, que sabiam que aqueles livros eram instru mentos para a defesa deles. Pois bem, em meio a seus calhamaços, lá estavam os Evangelhos, as Cartas do Apóstolo Paulo, a Suma de Tomás de Aquino. Mas, bem em relevo os escritos de S. João Crisóstomo, o predileto de Las Casas ao lado de Santo Agostinho, de S. Gregório, e de tantos outros Padres da Igreja de Deus e dos f pobres.Vinham ajudar a plantar a Igreja no Novo Mundo, como a haviam implantado na Ásia, na Europa e na África. Aliás, já no momento em que surge na Igreja a teologia em moldes universitários, com Santo Alberto, São Boaventura, Santo Tomás, ela vinha como umíèlã|da inteligência e do coração, por que esses doutores começavam, é claro, por ser bons comentado res das Escrituras divinas. No entanto, seus primeiros manuais eram as Sumas sentenciárias, as antologias bem completas e or denadas dos Padres da Igreja. E dada a imensa dificuldade e o alto preço dos livros ma nuscritos de então, era de ver como os mestres, doutores e es tudantes estimavam o que podiam encontrar de Agostinho, de Ambrósio, de Jerônimo, de um dos Clementes, de Roma, de Alexandria ou de Jerusalém. As histórias e até as lendas dão testemunho. Quando um confrade, apontando para Paris, per guntou a Tomás de Aquino se não gostaria de ser dono desta já admirada metrópole, o santo Doutor respondeu, revelando o que trazia no coração: “Seria melhor que me oferecessem um pergaminho de São João Crisóstomo com seus comentários às Epístolas de Paulo”. Os textos patrísticos inspiraram e iluminaram a teologia na Idade Média, até a alvorada do mundo moderno. Guiaram as lei turas, os estudos e as pesquisas até que, a partir do século XVI, os Padres foram cedendo lugar aos manuais que vinham facilitar o trabalho de formação do clero. Essas compilações tornaram-se de fato um caminho de facilidade concorrendo para esvaziar a Sagrada Doutrina de sua densidade bíblica, a que concorriam de maneira decisiva os grandes mestres dos primeiros séculos cristãos. E deveras bendito esse amanhecer da Igreja, no qual os Santos Padres foram os corajosos e luminosos pioneiros da di fusão do Evangelho, da sua apresentação como luz e alimento para os fiéis e as comunidades e da sua primeira e bem-sucedida inculturação'. Pois souberam conduzir o confronto da mensagem cristã com as formas de pensar, de viver, de organizar e comu nicar, próprias ao mundo antigo, judaico, grego e romano, não hesitando em ir ao encontro dos chamados povoslbárbaros, ger mânicos, gauleses, ibéricos ou eslavos. Assim se realizava a implantação da Igreja na fidelidade cria tiva ao seu divino Fundador e na docilidade ao Espírito de Amor e de Santidade. No seu tempo e nas épocas sucessivas,.para as gerações dos cristãos, sobretudo dos santos, dos místicos, dos ba- talhadores pelo Reino de Deus, os Santos Padres foram mesmo os pais que os formaram na fé. Eles os levavam a priorizar e a prati car o essencial, a acolher os dons divinos e a se deixar transformar pela forte e suave energia da graça salvadora e santificadora. Graças ao trabalho lúcido e carinhoso de uma equipe com petente, este livro vem brindar nossa cultura com uma valiosa contribuição de pedagogia, de teologia e de espiritualidade. É bem mais do que um feixe de boas informações sobre os Santos Padres, que prolongaram o labor dos Apóstolos, implan tando a Igreja e realizando a primeira evangelização do mundo greco-romano. Aqui se encontra uma iniciação à doutrina, ao modo de viver, de orar, de pregar dos mestres e das comunidades dos primeiros séculos cristãos, que, em uma incansável fidelida de criativa, levaram a cabo a primeira inculturação mundial da mensagem de Cristo. É toda essa riqueza que quer sugerir o título simples e auda cioso: “Caminhos da tradição cristã”. A um primeiro olhar, esses caminhos já apontam para uma primeira globalização, que nada tem de uma invasão pela espada ou dominação pelo dinheiro. É o reino da inteligência e do amor, contando com os guias espirituais que se dão quais mestres pací ficos do pensar, orar e bem fazer, surgindo de todos os recantos do mundo e marcando as etapas importantes da maior virada qualitativa da história. A pregação de Jesus de Nazaré se univer saliza, suscitando uma rede de comunidades, que são outras tan tas escolas de perfeição. O Evangelho se insere em novas formas ( de linguagem e de cultura, que, para além do perfil judaico, lhe dão novos rostos, fazendo surgir bem unida uma humanidade multicor, multirracial e multicultural. É o belo e difícil labor de desfazer discriminações entre civilizados e bárbaros, homens e mulheres, escravos e livres, tendendo a estabelecer a nova criatu ra na verdade de Cristo e de seu Espírito (cf. G13,27). A unidade já tão plural, inaugurada pelo judaísmo da diás- pora, se afirma com mais força e também mais harmonia na multiplicidade das comunidades cristãs, pois formam a imensa comunidade global da Igreja, que plantou suas tendas por toda a extensão do mundo greco-romano. A novidade deste livro não está apenas em se dar como um guia seguro e convidativo, tecendo um desenho preciso e gra cioso das alamedas, dos amplos e graciosos jardins da cultura e espiritualidadepatrísticas. Sem dúvida, ele realiza, sim, esta proeza de nos oferecer em um mínimo de páginas o máximo de conteúdo histórico e dou trinal. O que é sem dúvida de grande utilidade para os leitores e sobretudo para os estudiosos da patrologia. Mas a originalidade e, portanto, o valor da síntese, aqui discretamente sugeridos pelos autores, merecem, no entanto, especial atenção. Pois, pela disposição mesma das matérias e dos textos, pelo realce dado a certas figuras e à marcha da his tória, revela-se o propósito de mostrar como a Igreja de Cristo, em todos os seus elementos, como presença mística de Cristo, como sacramento universal da salvação e como sociedade bem organizada, tomou corpo no mundo e na cultura dos primeiros séculos. Pode-se assim acompanhar, sob todos os seus aspectos e em toda a sua riqueza divina e humana, aquele processo pa- cífico, mas por vezes acidentado, que chamamos a inculturação do Evangelho. Dessa forma, o empenho dos autores de nos iniciar no co nhecimento da história, das doutrinas, das figuras mais eminentes da patrística, não apenas obedece a um belo trabalho pedagógico e a uma segura disposição cronológica, mas ainda e sobretudo se esmera em pôr em relevo como se foi formando e desenvolven do a jm e n sa ^ admirável arquitetura da Igreja a partir daquela pequenina, fecunda e graciosa comunidade apostólica, unida e animada pelo Sopro divino de Pentecostes. Assim, à medida que vamos percorrendo as páginas deste livro, como que desabrocha e cresce aos nossos olhos o encan tador jardim de Deus, desdobrando-se no tempo e no espaço. A Igreja vai surgindo e mostrando-se semeada, plantada, cultivada por esses grandes agricultores da Palavra, da Graça e da comu nhão do Amor. De maneira concreta, a gente vai contemplando e admiran do o surgir e a evolução, harmoniosa, porque cuidadosamente estimulada e vigiada, das doutrinas, dos costumes, do culto e do conjunto das instituições. No centro, está a liturgia, a expressão primeira da vida da Igreja, de suas comunidades e de seus fiéis. Que preciosidade de doutrina e de graça não resplandece nos ritos dos sacramentos da iniciação cristã, inaugurada e aprimorada nas grandes comu nidades patrísticas! No coração da Igreja, qual força primordial de seu crescimento, a Eucaristia é celebrada de maneira fiel e participativa. O Dia do Senhor refulge como o núcleo transfor mador de todo o ciclo litúrgico, que se vai constituindo e am pliando pela fecundidade da palavra, dos sacramentos, do martí rio e de outros modelos de santidade dos fiéis de Cristo e de seus Pastores, guias e mestres de perfeição. Vamos folheando e vamos vendo, na Didaqué, na Tradição Apostólica de Hipólito Romano, na discreta sabedoria de S. Justino, na catequese dos grandes bispos como S. Cipriano, Santo Irineu, Santo Ambrósio, Santo Agostinho, S. Leão Magno, S. Basílio, S. João Crisóstomo, S. Cirilo de Jerusalém a inspiração de uma formação dos “neófitos”, das jovens plantas, enraizadas em Cristo, estimuladas a acolher e a cultivar o Dom inefável da filiação divina. ( Um dos aspectos mais visíveis, de importância decisiva e duradoura na inculturação do Evangelho realizada na época pa trística vem a ser a elaboração e proclamação dos dogmas funda mentais da fé cristã. É a obra dos primeiros e grandes concílios, reunindo e empenhando a autoridade do conjunto dos bispos em comunhão de fé com toda a Igreja. A revelação divina e a tradição apostólica haviam transmiti do a mensagem desta fé em termos concretos, dentro do processo da história da salvação e da experiência de vida das comunidades e dos fiéis. O que estava em jogo era, portanto, a vida mesma da Igreja, consciente de ser a comunidade trinitária. Pois tudo anunciava, fazia, abençoava, consagrava, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, estabelecendo, entre o céu e a terra, a comunhão dos santos toda voltada para a Comunhão Trinitária. Essa forma de pensar, de viver, de conviver com Deus, reco nhecido na perfeita unidade e na perfeita comunhão de ser, de conhecer, de amar, estava a exigir uma expressão, uma formu lação precisa e rigorosa dentro da nova perspectiva da cultura, da compreensão e da linguagem greco-romanas. Semelhante exi gência da vida interna da própria Igreja foi despertada e urgida pelos hereges, que reduziam o mistério divino aos limites de seus conceitos racionais, projetando, de maneira desajustada, sobre a mensagem bíblica suas representações e noções tomadas à expe riência comum ou aos sistemas filosóficos de então. Por um esforço concertado e difícil, a dogmática, finalmente estabelecida e definida pelos primeiros concílios da época patrís tica, realizava como que a mais difícil das traduções, pois trans punha em conceitos, quase sempre filosóficos e sempre bem ela borados, aquela mensagem primitiva da revelação que nos foi dada na linguagem comum, concreta e histórica do povo bíblico. Era um trabalho exemplar de hermenêutica da Palavra divina, que continuava e era sempre exaltada em sua expressão primeira e fundadora que são as Sagradas Escrituras. E a maravilhosa li ção da fidelidade lúcida e dinâmica, de sabedoria acolhedora da Palavra divina em todas as formas de linguagem humana através dos tempos. No decorrer da história e nos dias de hoje, toda reforma da Igreja começa por ser um reviver da palavra e da graça de Deus, reencontrada nessa primavera do Espírito que são as comunida des e as figuras dos Santos Padres, os Pais por excelência, educa dores de nossa fé. A partir do Evangelho, a evolução da liturgia é acompanhada e envolvida pelo desenvolvimento das doutrinas, dos ministérios, da hierarquia. A Igreja há de voltar sempre a esta sua primeira juventude. Já um escrito como o Pastor de Hermas advertia sobre o perigo do “envelhecimento” da Igreja. É verdade que alguns pontos importantes e mesmo essen ciais são desafios que se estendem pelos séculos. Foram enfren tados com lucidez, coragem e bastante discernimento. Mas não puderam ser levados a bom termo na época patrística. Que se pense no intrincado problema do poder. Como encontrar, como inventar ou criar formas adequadas de poder político para os “reis cristãos”, que antes estavam afeitos ao modelo do poder absoluto, e mesmo divinizado dos impera dores pagãos? E - questão mais delicada - como constituir mo delos eficazes para a autoridade apostólica que Cristo confiou à sua Igreja, cuja hierarquia, mais do que um poder sagrado, fosse deveras um serviço evangélico, uma consagração efetiva e total ao bem espiritual da comunidade? Não era Ejüiméricõlo risco de res- valar em um estilo de poder absoluto, excessivamente centraliza do, à maneira dos poderes profanos herdados do mundo pagão. Esses e outros problemas similares foram transmitidos da era patrística às etapas ulteriores da vida da Igreja. Mas a inspi ração, o rumo certo, indicado ou pelo menos buscado, lá estão na vida, nos escritos, nas lutas dos Padres da Igreja, fiéis muitas vezes até o martírio. E preciso retomar, ter o sentido da histó ria, empenhar-se em prolongá-lo e por vezes redirecionar-lhe as opções e orientações assumidas em contextos de conflitos ou de concessões menos ajustadas. O Concílio Vaticano II inaugurou uma época de fidelida de mais decidida e mais esclarecida à tradição em sua expressão patrística. Apontou à Igreja atual os caminhos da colegialidade, do diálogo, da partilha e da comunhão da graça do Espírito, bem como da valorização dos carismas e dos ministérios, na diversi dade dos serviços e das vocações. Lembrou, sobretudo, o grande tema da pregação patrística, que jamais se contentou em impor uma simples moral, mas propôs e enalteceu: “a vocação universal dos fiéis de Cristo à santidade”, para a plena realização da Igreja e felicidade de toda a humanidade. São estes os “caminhos da tradição cristã” de que este livro em boa hora quer ser o manual, leve e simples, mas rico e seguro em informações, estimulandoa aprofundar a reflexão e a pes quisa, e, por que não, promover a contemplação, na convivência com os Santos Padres da Igreja. Frei Carlos Josaphat, OP In t r o d u ç ã o P o r t a l d a g r a n d e t r a d iç ã o c r is t ã Com o advento de Jesus Cristo, Deus encarnado e Redentor da Humanidade, os povos inauguram novos tempos. Com sua volta ao Pai, envia o Espírito Santo, luz para iluminar as nações. É um novo projeto de vida para a humanidade, onde Deus busca o ser humano e se insere em sua história, para transformar seus cami nhos e, igualmente, seu destino. A revelação de Jesus Cristo, sua vida, seus ensinamentos e suas ações cotidianas nos é transmitida num primeiro momento. Seguem-se textos escritos por seus primeiros seguidores, que por sua vez inserem suas próprias experiências e o crescimento das comunidades onde atuam. Depois de décadas de elaboração, do conteúdo revelado, e mesmo antes de chegar ao termo desse tempo, grandes santos, teólogos e pastores edificam a comunidade, escrevem hinos, re fletem os ensinamentos da mensagem cristã para novos povos. Vamos conhecer estes grandes protagonistas da Igreja Antiga, para entendermos o texto e o contexto da tradição cristã. Os séculos foram fecundos. A fecundidade da mensagem cristã se inseriu em novas culturas e novos povos, permitindo a conti nuidade do anúncio da mensagem evangélica, com grande fideli dade e, ao mesmo tempo, inserindo-se nas comunidades. Tocaremos os vários séculos de edificação dos ritos e da vida sacramental da Igreja, bem como os seus sujeitos, que viveram e apontaram caminhos da fé e da tradição que servirão de modelo para as gerações futuras. Naturalmente, os escritos são mais cur tos e simples nas primeiras décadas e tornam-se mais complexos e abundantes nos séculos seguintes. Por esta razão, os primeiros autores são analisados de forma mais profunda, pois dão as bases fundamentais dos grandes tratados que se seguem. Em circunstâncias bem divergentes, como o período de perseguição e cristandade, os Padres da Igreja elaboraram um vastíssimo e precioso corpo doutrinal de nossa fé cristã que vai perdurar pelos séculos. Entre concílios, disputas, experiências, aprenderemos o que significa ser cristão na mente, no coração e na vida. Os Padres da Igreja e seus escritos inspirados e profun dos tecem o alicerce de nossa tradição que, desde sempre até os nossos dias, fundamentam a vida cristã em sua mística, sua or ganização eclesial, seus ritos litúrgicos e sacramentais e o modo de se inserir na realidade histórica. Como a Patrística é o alicerce de toda a vida da Igreja e luz para as sínteses futuras da fé, acreditamos que o conhecimento profundo deste período da Igreja é fundamental para compreen der melhor todos os demais períodos da vida da Igreja. Os autores Antônio S. Bogaz - Mareio A. Couto - João H. Hansen I - In t r o d u ç ã o a o P e r ío d o Patr ístic o I - P a trística C r istã : T e x t o e c o n t e x t o Estamos para entrar num oceano profundo da vida cristã. Depois do testemunho dos apóstolos e seguidores mais próximos de Jesus Cristo, a comunidade cristã inicia sua caminhada de fé. Os discípulos seguem as pegadas do Mestre de Nazaré. Formam comunidades entre os judeus convertidos da Palestina. Seguem depois para os espaços judaizantes da diáspora, que são as comunidades judaicas na bacia do mar Mediterrâneo. Vão ain da mais longe, traçando itinerários que atingiam o continente eu ropeu e asiático. Esta exortação de Paulo, o missionário dos gen tios, foi assumida com seriedade pelos missionários e seguidores do Nazareno. Este período de expansão encontra seus registros nos textos bíblicos do Novo Testamento. Entre as narrativas dos fatos, as crônicas dos apóstolos e das comunidades, as explicações teológicas, as transcrições das experiências e as exortações para a vida cotidiana, desvelamos a vida, o pensamento, as obras e a fé dos primeiros fiéis, denominados, muito cedo, cristãos. Nas pegadas dos apóstolos, vieram seus seguidores. Ao iniciar, esboçamos os caminhos da tradição cristão que, por séculos, vão delineando os fundamentos teóricos e práticos do cristianismo nascente. Falamos de uma comunidade de fé que segue a revelação de Jesus Cristo, a partir de sua pregação e suas proposições para nos unificar ao Pai e unir os povos como comunidade universal. í Neste período, a comunidade dá seus primeiros passos, edi fica seus rituais, organiza sua vida eclesial, define suas verdades doutrinais e descobre seu caminho ético de santificação. Quem peregrinar neste itinerário da Igreja, certamente co lherá testemunhos fundamentais e descobrirá a genuína grande za de seguir o Mestre Jesus, que revela o Pai. Abordaremos os primeiros momentos deste período, seus principais conceitos e títulos, seus períodos históricos e a sua for mação. Este é o período do desbravamento, das trilhas do cristia nismo, tendo como instrumento a revelação de Jesus Cristo e o testemunho de seus primeiros seguidores. 1 - M is s ã o d o s P a d r e s a n t ig o s d a Ig r e j a As tradições anteriores e os contextos dos novos seguidores do Nazareno são básicos na Patrística, mas os caminhos da fé cris tã estão para ser traçados. A fidelidade aos princípios cristãos está no coração dos fiéis, mas tudo está para ser elaborado. A comunidade deve encontrar meios rituais para celebrar seus sa cramentos e suas festas. Deve encontrar conceitos e expressões para codificar seus dogmas. Os líderes espirituais e os fiéis devem traçar os seus valores e determinar as normas de seu agir. Mesmo o governo, os líderes e os ministérios devem ser definidos e or denados para o sustento, o crescimento e a expansão dos con vertidos. Todos estes bens devem ser coerentes com a proposta original da pregação apostólica, bem como adequada aos novos tempos, lugares e culturas por onde a mão da Providência vai semeando a fé cristã. 2 - O s s é c u lo s p a t r ís t ic o s Nossa primeira preocupação é delimitarmos o período patrísti- co, que se insere numa definição mais global da vida e da história da tradição eclesial. Se considerarmos os vários períodos da ca minhada do povo de Deus, podemos colocar a teologia patrística como o primeiro destes períodos. O início da Patrística não é definido como um marco cro nológico, mas como um período de passagem. Se considerarmos que os textos bíblicos estão inscritos no período da segunda me tade do Século I, consideramos que nesta passagem inicia-se o período dos “Padres e Mães da Igreja primitiva”. Esta passagem está no final do primeiro século da era cristã. Podemos apresen tar a Instrução “Didaqué” como o marco inicial deste período, datada, aproximadamente, do ano 90. Consideramos ainda que temos textos bíblicos canônicos posteriores a esta data. Isso nos faz pensar que, além do tempo histórico, outros elementos ca racterizam estes escritos que estudamos. Para delimitar a finalização deste período, consideramos duas áreas - geográficas, culturais e eclesiásticas - da Igreja na queles séculos: Oriente e Ocidente cristãos. Os estudiosos definem o fechamento deste período, no Oci dente, com Gregório Magno (ou Isidoro de Sevilha), no século VII, e, no Oriente, com João Damasceno, no século VIII. P e r ío d o s d a h is tó r ia d a Ig r eja Por razões acadêmicas e didáticas, os historiadores e teólogos sepa ram a História da Igreja nestes períodos: 1- ANTIGUIDADE - do tempo dos Apóstolos até a Invasão dos Bárbaros (séc. VI), com uma subdivisão (perseguição e martí rio até 313, com o Edito de Milão, e início da cristandade). 2- MEDIEVAL - da invasão dos bárbaros (séc. VI) até o Concílio de Trento (séc. XVI), com uma subdivisão entre alta e baixa escolástica, levando em conta a evolução teológica ou cisma do Oriente/Ocidente, considerando os fatores históricos. 3- MODERNO - desde o Concílio de Trento até a Revolução Francesa (séc. XVIII), que é o períodoque abrange o Renas cimento Cultural e a Filosofia Moderna. 4- CONTEMPORÂNEO - desde a Revolução Francesa até o Con cílio Vaticano II (1962-1965), com algumas subdivisões como o Iluminismo, a Restauração, o Modernismo e o Movimento Litúrgico. 5- PÓS-CONTEMPORÂNEO - considerando as últimas déca das da vida eclesial, sobretudo as Conferências Episcopais, o Ecumenismo e o Diálogo Religioso e a nova Inculturação do Cristianismo. 3 - C o n c e it o s f u n d a m e n t a is Patrística é o conjunto de escritos primitivos da era cristã, regis trando suas experiências, seus ensinamentos, seus rituais e a vida eclesial. Esta denominação é cunhada por João Gerhard, teólogo luterano, em 1653. Esta denominação quer distinguir os escritos do período da Antiguidade cristã. Seus escritores são intitulados Padres da Igreja. Assim, temos a Patrística para distinguir outros modelos de teologia como: bíblica, canônica, moral ou pastoral, embora a teologia patrística incorra em todas estas áreas dos estudos ecle siásticos. “Patrologia” designa o estudo deste período, sua evolução histórica, seus protagonistas e, sobretudo, seu conteúdo litúrgi co, místico e teológico vivenciados na sequência dos textos da Sagrada Escritura. 4 - Id e n t id a d e d o s P a d r e s d a Ig r e j a Os Padres da Igreja são teólogos e místicos da Igreja nos seus primeiros séculos. Muitos eram epíscopos, presbíteros, diáconos, outros eram leigos. Entre eles temos muitos monges e mártires. São considerados cristãos de grande santidade. Os Padres sentiram necessidade de aprofundar, refletir, re gistrar e intercomunicar os ensinamentos e os rituais das comu nidades cristãs. Outra função importante era o testemunho cris tão diante de autoridades e mesmo o confronto e o combate dos heréticos e dos adversários das comunidades cristãs. Consideramos São Jerônimo como autor do primeiro estu do histórico deste grupo de teólogos, embora a distinção entre heréticos e ortodoxos seja posterior a ele, uma vez que esta dis tinção é atribuída ao autor dos escritos, após a consagração ou condenação de suas afirmações. A variedade e a criatividade eram louváveis na composição dos textos, orações e fórmulas rituais, mas era inaceitável a con tradição entre elas, devido ao espírito lógico do pensamento gre go que permeava o espírito dos Padres da Igreja. 5 - C a r a c t e r iz a ç ã o d o s Pa d r e s Os Padres da Igreja se integram em quatro condições funda mentais: 1 - DOUTRINA ORTODOXA Os textos devem ser considerados verdadeira doutrina, isen tos de heresia e de desvios da doutrina cristã. Aceitam-se inexati dões na doutrina, uma vez que ainda não tinham sido definidos seus termos e seu conteúdo definitivos. 2 - SANTIDADE DE VIDA Os Padres da Igreja são exemplos de vida, sejam leigos pro fissionais, presbíteros ou pastores, monges ou monjas, contem plativos ou ativos. Nãoestão isentos de pecado, mas devem ser considerados verdadeiros santos de conduta exemplar, seja na virtude, na penitência e na obediência à Igreja. 3 - ANTIGUIDADE NA HISTÓRIA DA IGREJA A Igreja tem teólogos, místicos e escritores de textos dou trinais e litúrgicos ao longo dos séculos, mas os Padres da Igreja estão inseridos no período da Patrística. Padres e Mães da Igreja são os escritores da doutrina, de orações, de hinos e de ensina mentos cristãos que se inscrevem neste período histórico do cris tianismo. 4 - APROVAÇÃO DA IGREJA O título é aplicado aos escritores como se fosse um título honorífico da Igreja. Como os títulos de “canonização” nos pri- meiros séculos, a Igreja elabora, por assim dizer, o “cânon” dos Padres e Mães da Igreja. Considerando sua santidade, sua or todoxia e seu período histórico, seus nomes são inscritos como “Padres da Igreja” primitiva. 5 - COLEGIALIDADE E DIÁLOGO Os Padres estão em comunhão e a serviço das comunidades e dos fiéis. Alguns têm abrangência limitada à sua cidade, seu mosteiro ou diocese, mas alguns atravessam fronteiras, com in fluência, diríamos, universais no seu tempo. Há entre eles comu nhão, integração e complementaridade do patrimônio doutrinal da Igreja. 6 - D iv is ã o d o p e r ío d o p a t r ís t ic o Para a divisão do período patrístico, devem-se considerar alguns elementos históricos e os próprios conteúdos. São divisões didá ticas, elaboradas posteriormente em vista de estudos e compara ções. Os períodos são denominados épocas. Ia Época: DAS ORIGENS Consideram-se os escritos que vão da passagem da Revelação à Tradição, terminando com o Concílio de Niceia (325). São tex tos com grande originalidade que trazem assistematicamente os ensinamentos da tradição. 2a Época: DE OURO É o período mais fecundo e denso da tradição patrística. Compreende o período desde o Concílio de Niceia até o Concílio de Calcedônia (451). Neste período, as discussões tocam os trata dos e temas nucleares da tradição. Seu conteúdo, como o símbo lo apostólico, organização eclesiástica, rituais e dogmas canôni cos são elaborados e aprovados pelos pastores da Igreja, e, muito especialmente, pelos Concílios Ecumênicos. 3a Época - DO DECLÍNIO Engloba o período entre o Concílio de Calcedônia e o final da Patrística, com Isidoro de Sevilha (636) ou Gregório Magno (604), no Ocidente, e João Damasceno (730), no Oriente. Este período trata de questões secundárias da tradição, corno a dis puta iconoclasta e questões políticas, entre a sociedade civil e a comunidade eclesiástica. A lIn g u a d o s escritos Vivemos num período de grande esfacelamento étnico, onde os grupos humanos se comportam como tribos, com histórias, costu mes, culturas e línguas próprias. Com a conversão ao cristianismo, pela pregação dos apóstolos ou missionários, tornam-se cristãos. Não havendo imposição de uma língua ou cultura, pois os ritos, doutrinas e ensinamentos cristãos transcendem todas as culturas. São escritos nas línguas autóctones. Destacam-se, sobretudo, o gre go e o latim, mas encontramos obras em siríaco, copta e aramaico, armênio etc. F o n t e s d o s escritos patrIstico s Trataremos como fontes dos escritos patrísticos algumas coleções importantes, onde existe uma compilação considerável de obras para pesquisa. 1 - Migne: Trata-se de uma coleção valiosa, que traz dois grandes grupos: a Patrologia Latina (PL ou ML: Migne Latim) com 211 volumes, e a Patrologia Grega (PG ou MG: Migne Greco), com textos em duas colunas. É a maior e mais preciosa fonte dos textos originais. 2 - CSEL: uma obra de coletânea de escritos: Corpus Scriptorum Ecclesiasticorum Latinorum. ( 3 - Sources Chrétiénnes: Esta é uma preciosa edição dos textos, com tradução em francês. Apresentações dos textos e estudos críticos. Esta coleção está em fase de elaboração e ainda tem muitas obras a serem publicadas. 4 - Fontes da Catequese: Coleção de textos, pela editora Vozes, com algumas obras, apresentando sempre uma apresentação críti ca dos textos. São apenas os textos mais antigos e simples da Patrística. 5 - Patrística: É uma coleção em fase de edição, muito importante para a pesquisa dos textos na sua íntegra pela editora Paulus. Cada volume apresenta breves introduções e histórico dos tex tos e dos seus autores. 7 - C a r a c t e r ís t ic a s d a p a t r ís t ic a A fé cristã parte de uma narrativa histórica, mas não se resume a um fato histórico ou ideologia, como conjunto de ideias e de proposições existenciais. Embora encerre uma verdade espiri tual, é um dom de Deus que nos é entregue e espera uma opção pessoal. Embora se expresse também por conceitos, o cristianis mo significa uma aliança entre Deus e o ser humano, mediada por Jesus Cristo. A literatura cristã tem valor oficial, mas não tem o mesmo nível das Sagradas Escrituras. A literatura cristã é de responsabi lidade eclesiástica e usa categorias da cultura greco-romana. Há a inserção nas línguas e nas mentalidades dos povos cristianizados. Os escritos assimilam as línguase as culturas onde a fé se encarna. Eles são eminentemente cristãos e dão testemunho da conversão dos fiéis e expõem as verdades fundamentais dos ensinamentos cristãos. A literatura patrística é oficial por sua ortodoxia e proxi midade das fontes. Tem por função clarificar os dogmas cristãos, particularmente relacionados com a Trindade e a Cristologia, mas também com as outras áreas da doutrina cristã. Os Padres partiram do discurso greco-romano e da filosofia social, da antropologia, da linguística e das teorias humanistas de seu tempo. Apesar de toda a riqueza de conteúdo, os Padres não fizeram uma teologia sistemática nem mesmo uma exposi ção metódica e racionalista da doutrina. Foram apresentando^s verdades da fé e os ensinamentos da tradição, na medida em que urgiam explanação e definição diante das comunidades. A base da reflexão da fé dos Padres é a palavra de Deus; como ela se insere na vida e na história. Todos os seus esforços eram dirigidos para a formação dos catecúmenos. 8 - T e o l o g ia b íb l ic a n o s Pa d r e s Os Padres elaboram uma teologia bíblica e, por meio dos exem plos dos místicos, dos santos e dos mártires, os Padres entendem a revelação bíblica. Há um grande esforço para que a teologia bí blica seja a expressão da Revelação, e a Tradição se torne a atua lização e a concretização da mensagem evangélica na vida das comunidades. Um dos temas agradáveis aos Padres é a Criação, suas ori gens e a ação do Criador na história da Igreja e do mundo. Com base na filosofia grega, no direito romano e na filologia clássi ca, os Padres elaboram os principais tratados que sustentam a fé cristã. Os escritores da Patrística entendem que a fé é a síntese da conversão ao Deus vivo, revelado em Jesus Cristo. A fé exige con fiança e fidelidade, mas também caridade. A caridade é a inter secção entre fé e vida, pois se unificam na história pessoal dos fiéis. 9 - S o c ie d a d e n a Ig r e j a a n t ig a Apesar de não terem tratados sistemáticos de doutrina social e política, os Padres têm um discurso social que eleva a caridade e a justiça. A força destes valores está na misericórdia e na partilha. A fé é a sustentação de toda a vida moral. Criticando duramente os poderes dominadores, todas as suas obras realizadas são con cretas, em favor dos irmãos pobres e infelizes. Dos ensinamentos doutrinários, emerge a moral cristã, que se certifica da presença de Deus na comunidade dos fiéis e na forma de viver profundamente a mensagem bíblica. Vejamos algumas características do período patrístico para enquadrar seus ensinamentos. 1 - Uma sociedade complexa: Na Palestina, encontramos muitos grupos sociais e religiosos entre os judeus. Os povos são dominados pelo Império Romano, onde houve grande persegui ção aos cristãos e a outras confissões religiosas. Mais tarde, há a tolerância e a oficialização do cristianismo. 2 - Ascensão e queda: O Império Romano, durante o cristia nismo, conhece seu apogeu e seu declínio. Em meio às estruturas imperiais, no tempo da cristandade, o cristianismo se expande; com a queda do Império, os povos bárbaros se cristianizam e a Igreja cristã continua sua expansão. 3 - Moral e costumes: Do ponto de vista moral, a sociedade tem graves problemas, como o escravagismo, a libertinagem dos costumes e uma diversificação de classes sociais e de grupos de poder. Havia grande luxo entre as castas políticas e dominadoras. Havia necessidade de invadir novos povos, para conquistar es cravos e servos, para sustentar a riqueza e o poder romano, com seus exércitos. 4 - Religiosidade e religiões: A religião era livre, mas havia perseguição às religiões instituídas. Nota-se grande politeísmo e religiões mistéricas. Na primeira fase, os imperadores notaram que o cristianismo era nocivo ao seu domínio e depois viram em suas estruturas meios de homogeneização do poder. 5 - Unidade e conflito entre Oriente e Ocidente: Apesar de unificado e centralizado em Roma, cada vez mais os Impérios do Oriente e do Ocidente vão se distanciando. Tanto é assim que, na queda do Império Romano do Ocidente, a sede oriental, em Constantinopla, segue por mais quase mil anos. 6 - Ciências e pensamento na Igreja Antiga: Da influência grega, conhecemos a formulação do pensamento ocidental. Da influência romana, colhemos a formulação do direito e da orga nização dos Estados modernos. Sem dúvida a organização ecle siástica advém destas estruturas temporais. 1 0 - Im p o r t â n c ia d a P a t r ís t ic a Destacamos alguns pontos sobre as razões da Patrística: 1 - Compondo uma parte da História da Igreja, a primeira fase nos insere no pensamento cristão, como se partilhássemos a experiência dos primeiros seguidores do Nazareno. 2 - Os escritos patrísticos são importantes na literatura gre- co-romana e ocupam espaço privilegiado na literatura cristã e universal. 3 - Os Padres da Igreja respondem às questões referentes à fé cristã, mas tocam e respondem a questões referentes à condição humana, tanto temporal quanto transcendental. 4 - Eleva-se a capacidade e a liberdade dos Padres da Igreja de atualizar, encarnar e inculturar a fé cristã. 5 - A proximidade das fontes e a liberdade nas discussões permitem o aprofundamento dos temas doutrinais. 6 - Como todos os Padres e as escolas teológicas têm liberdade de reflexão, os temas atingem grande profundidade nas discussões. 7 - Nos tempos do martírio, os testemunhos são fundamentais para definir a santidade cristã. É um tempo kairológico muito forte. 8 - Apesar das discussões filológicas e filosóficas, os Padres têm grande sentido pragmático e procuram definir normas mo rais, ritos litúrgicos e sacramentais. 9 - Os escritos patrísticos têm valor existencial, permitindo aprofundamento do evento salvífico naquele tempo e em nossos dias. 10 - A teologia bíblica e a sistemática se aproximam da vida, ao mesmo tempo que garantem a unanimidade da fé, sem des- t respeitar a pluralidade cultural dos povos. A ortodoxia se realiza como ortopráxis. A teologia patrística é um modelo para a metodologia teoló gica e bíblica de todos os séculos. 11 - P o s s ib il id a d e s e l im it e s d a P a t r ís t ic a O período patrístico tem grande densidade teológica e eclesial. Este longo processo é perpassado por algumas limitações. Destacamos: 1 - Os Padres são inseridos numa época específica, com cul turas e meios limitados. Embora a cultura greco-romana tenha perpassado a história, seus métodos não são imperecíveis, exi gindo reformulações nos conceitos e nas metodologias. 2 - Alguns temas são muito bem aprofundados, outros foram encerrados sem maiores incursões filosóficas e teoló gicas. 3 - Como os conceitos básicos da fé estão em fase de defini ção ou são trazidos da tradição filosófica grega, há imprecisão na linguagem e indefinição de alguns termos. 4 - Os Padres vivem limitados por seus contextos, produzin do uma teologia condicionada a estas realidades onde vivem e atuam pastoralmente. 5 - A filosofia dos Padres é eclética, tocando muitas verten tes das culturas do Oriente Médio. No entanto, por influência acadêmica, valorizam o platonismo e o neoplatonismo. Por esta incursão filosófica, favorecem o maniqueísmo e o dualismo. 6 - Pela influência do pensamento grego, a cosmovisão dos Padres é primordialmente antropológica. Esta visão “insere” a vida cristã - conversão e vivência - na pessoa, seus sentimentos, seu espírito e sua vida pessoal. 7 - As verdades da fé tocam o espírito humano, centralizan do sua extensão à pessoa, o que limitou a percepção das implica ções sociais, cosmológicas e ideológicas da revelação. 8 - A epistemologia teológica é indefinida. Os Padres não elaboram tratados, apenas desenvolvem temas conforme as cir cunstâncias e exigências das comunidades e das próprias escolas teológicas. 1 2 - C o n h e c e r o u n iv e r s o d a Pa t r ís t ic a Para fazer um estudo valioso da Patrologia, épreciso aprofundar a cultura bíblica e os conceitos filosóficos, bem como conhecer a evolução histórica do cristianismo. Percebemos a passagem, com vantagens e desvantagens de uma Igreja carismática a uma Igreja institucional, bem como a passagem dos tempos de martí rio para a cristandade. A Igreja vai evoluindo da ministerialidade laical para a hierarquização dos ministérios. Com a Patrologia, denotamos o significado dos mistérios cristãos, relacionados com a vida, no modelo mais genuíno de ser cristão. A teologia é instrumento de compreensão e anúncio da mensagem de Jesus Cristo, sendo expressão teórica da revela ção como autocomunicação do amor divino em Jesus Cristo. A grande missão da Patrística é a elaboração do patrimônio cristão, a partir das fontes bíblicas. Para constituir uma comu nidade eclesial de fé, devem edificar a doutrina, a eclesiologia, a ética e a vida litúrgica dos seguidores de Jesus de Nazaré. Representam um tempo forte da fé cristã, com ensinamen tos práticos para viver e celebrar a fé, aproximando os dogmas da práxis cristã, sendo um modelo para comunidades atuais. II - Pa s sa g e m d o u n iv er so bíb l ic o À TRADIÇÃO CRISTÃ Os primeiros seguidores do Nazareno anunciaram o querig- ma e iniciaram novas comunidades, para viver o projeto de seu Senhor. Jesus deixou uma comunidade de eleitos para perpetuar suas palavras e seus exemplos. Seus escritores, como jornalistas, assumiram a missão de re gistrar os fatos e propagar os acontecimentos. Tinham ainda o objetivo de proteger os acontecimentos e seus ensinamentos. Pedro, entre os apóstolos, escolhido para a primazia, tem uma visão mais “ad intra” . Esforça-se muito para que a comuni dade judaica assuma o novo Messias e renove a vida. Paulo, por sua vez, lança suas redes entre os gentios e os pagãos. É conside rado o pai da Patrística. 1 - fW j l o , in s p ir a d o r d o s s a n t o s P a d r e s Para entender^òrigens das Igrejas dos gentios, é imprescindí vel conhecer a figura e o itinerário de Paulo, que transpassou as fronteiras do judaísmo. Com a mesma personalidade e voracidade com que perse guia os cristãos, tornar-se-á pregador e batalhador dos cristãos. ( Não teve medo de assumir o Cristo como Messias e autor da salvação. E esta proposta se dirige a todos os povos (At 9,1-30). Por esta razão prega até os confins da terra, registrando várias viagens e tantas comunidades. Paulo sente-se chamado por Jesus Cristo, pessoalmente. Tanto é convicto desta postura que se auto-intitula “apóstolo”, como os 12 apóstolos chamados diretamente por Cristo (ICor 1,1). Considera-se um “obreiro do Evangelho” e por sua con vicção de pregador se considera “apóstolo de todas as gentes”. Fortalecendo-se na adesão ao querigma, faz das verdades sobre Cristo o alicerce de suas pregações (At 2,22). Paulo é um aprendiz dos apóstolos, dos quais recebeu a he rança da mensagem dos Evangelhos. No entanto, partindo dos eventos da vida de Cristo, interpreta sua mensagem para os no vos convertidos. Depois de partir das comunidades que fundara, escreve-lhes epístolas, que se tornaram o patrimônio mais precioso da teo logia cristã. Suas pregações e seus escritos nos fazem perceber que Paulo argumenta com a lógica dos mestres de Israel e, como exegeta, ultrapassa a herança tradicional judaica e se insere no universo religioso dos pagãos. Mesmo sendo um pregador com grande especulação filosófica e teológica, demonstra a verdadei ra mística dos cristãos: viver o ideal de Jesus Cristo. Seus escritos são circunstanciais, conforme as necessidades das comunidades e as situações concretas. Nota-se, por suas pro posições e conceitos, que seus escritos têm formação na filosofia grega e nas religiões dos mistérios, que são dois elementos co muns na cultura de seu tempo. As explanações de sua mensagem transcendem os eventos conhecidos através dos apóstolos. Ele procura encontrar e de finir o significado destes fatos, apresentando sua compreensão da pessoa de Jesus Cristo, bem como de todos os seus gestos, palavras e atitudes. Paulo transpõe, geográfica, cultural e religio samente, as fronteiras do judaísmo. A soma destas duas habilidades de Paulo: a interpretação teológica do evento Jesus Cristo e a extrapolação das fronteiras da tradição hebraica merecem-lhe o título de “pai da Patrística”. 2 - A m b ie n t e c u l t u r a l e r e l ig io s o O cristianismo inicia sua epopeia circunscrito ao Império Romano, às bordas do mar Mediterrâneo. A força imperial é tão prepotente que se impõe como religião de Estado. Mesmo assim, os povos conquistados na política de expansão do poder intro duzem os mais diversificados cultos e divindades, desde a África até os países nórdicos, atravessando os povos europeus. Por outro lado, o cristianismo se insere na cultura grega, exercendo grande influência no pensamento dos cristãos. As comunidades eram dirigidas pelos presbíteros ou conse lho de anciãos, semelhantes à tradição judaica; com o passar dos tempos, elas organizam seus ministérios. Consideramos, nesta perspectiva, que o cristianismo é uma revelação divina, que se insere no contexto religioso e social do judaísmo, integrando o pensamento filosófico grego e queimais tardiamente, assume as estruturas jurídicas do governo impe rial, assumindo seus títulos, seus ritos e sua organização institu cional. O Im pér io Ro m a n o n o c r is tia n is m o Caracterizamos como Império Romano o Estado constituído nos séculos posteriores ao primeiro imperador César Augusto. Antes desse período, as colônias e províncias constituíam a República Romana. Quando era um Estado republicano, havia maior partici pação dos cidadãos. Com a formação imperial, o governo inspira- se numa “descendência divina” e normalmente governa em caráter vitalício ou perde o poder em golpes militares ou assassinato. É considerado um dos impérios mais longos e poderosos de toda a história da humanidade e que deixou importantes legados arqui- l tetônicos. A língua oficial é o latim e Roma é capital permanente. Sua população chegou a 1.200.000 habitantes, no século II. Tendo se iniciado como monarquia, mais tarde se torna república e final mente assume as características governamentais de império. Seu chefe de Estado é um Imperador, com plenos poderes; um cônsul é chefe de governo e tem um corpo legislativo, que é o senado roma no. Sua área atingiu 5.900.000 km2 e sua população variou entre 55 e 120 milhões de habitantes. 3 - G ê n e s e d a s p o l ê m ic a s d o u t r in a is Quando atravessamos o período patrístico, deparamos com vá rios grupos religiosos ou adeptos de algumas doutrinas, as quais foram caracterizadas como heresias, após longas discussões e concílios. No século I, grandes tensões levaram à formação de núcleos de cristãos, adeptos de “seitas”. Desde os tempos dos Apóstolos e da formação das comunidades primitivas, esses grupos despon tam e se propagam. Ao escrever aos cristãos da Galácia, Paulo acusa certos pregadores que anunciam um falso evangelho (G1 1,6). Ele se refere a pregadores que se desviam das pregações her dadas e propagadas pelos apóstolos e de seus primeiros sucesso res. Paulo não os classifica como “hereges”, mas pede que os fiéis se afastem deles (2Cor 11,1-4). Paulo elogia as comunidades, mas alerta os fiéis contra os falsos mestres. Na Igreja de Éfeso (Ap 2,2.6) despontam os “ni- colaítas”, que são libertinos e permissivos. Na Igreja de Pérgamo (Ap 2,15) alguns seguem a doutrina dos “nicolaítas” e outros se guem a “doutrina de Balaão”. Nota-se que os dois grupos têm grande afinidade, se entregam a práticas pagãs e participam de cultos sacrificais pagãos. Na Igreja de Tiatira, por sua vez, nota-se a influência de uma falsa doutrina, liderada por Jezabel, a “men sageira de Deus”. Acredita-se que estas doutrinas formaram a base filosófica e teólogica do gnosticismo. 4 - F a l s a s e x p e r iê n c ia s g n ó st ic a s No testemunho de outros livros das cartas paulinas e apostólicas, encontramos estas falsas doutrinas que desembocam no gnosti- cismo. Notam-se estas tendências nas cartas apostólicas. Nas cartas de João, seu autor mostra que Jesus é o único Filho de Deus e, como seus herdeiros, conquistamos a vida eter na ( l jo 5,13). João, nas suas cartas, acusa aqueles que se acreditavam no gozo pleno da luz, como se fossem diferentes dos cristãos das co munidades apostólicas ( l jo 1,5-10). Igualmente, Paulo denuncia estes fiéis que se julgavam superiores, pois afirmavam fazer expe riências místicas, como se fossem ressuscitado^ (1 Cor4^7-8J?) 5 - G ê n e s e d o d o c e t is m o e o u t r a s d o u t r in a s A humanidade de Jesus Cristo é um mistério da fé cristã, como a sua divindade. Nas cartas de João ( l jo 2,22-23; 4,1-3), encon tramos traços do docetismo, que se imporá como uma heresia nos séculos posteriores. Os “falsos profetas” negam a messia- nidade de Jesus, bem como sua filiação divina. Eles professam que Jesus não é verdadeiro ser humano. Esta teoria possibilitava aos fiéis viver experiências místicas mais excitantes. Os docetis- tas afirmam que Jesus tem aparência de Messias ou de Filho de Deus. O grande defensor desta doutrina é Cerinto, que afirma que “a divina essência”, ou seja o “Cristo”, tomou posse do corpo humano de Jesus. Esta possessão se concreitizou no batismo de Jesus e no momento da crucifixão o “ser divino” o abandona. Os estudiosos acreditam que a Primeira Epístola de João seja uma resposta a Cerinto. Judas não fala diretamente de gnósticos, mas “de fiéis psíquicos”, que são dominados por seus desejos naturais (Jd 19). As cartas apostólicas são respostas veladas às doutrinas des tes falsos profetas. Ao mesmo tempo que denuncia suas crenças, ( apresentam uma mensagem para os fiéis, para que se protejam contra estes pregadores. Os cristãos devem estar unidos às comu nidades dos Apóstolos e seus sucessores. Os cristãos devem viver como Jesus, o que se manifesta no amor ao próximo. Sem aceitar a própria condição humana de pecadores, ninguém é discípulo de Jesus. 6 - R o s t o d o s s e g u id o r e s d o N a z a r e n o O século I, sobretudo a segunda metade, merece particular aten ção. As comunidades estão se formando, definindo suas caracte rísticas, e os ministérios são exercidos de forma espontânea. A região que circunda o mar Mediterrâneo é o primeiro campo vital do cristianismo. Neste ambiente, pululam inúmeras comunidades raciais e étnicas, unificadas pelo poder imperial romano. Todas estas comunidades têm suas próprias práticas re ligiosas, hábitos morais e organização eclesiástica. O primeiro grupo é de origem judaico-cristã. Esta proximi dade os aproxima de sua literatura, de seus costumes e de suas práticas cultuais. Estes elementos herdados do judaísmo influen ciam a identidade do cristianismo primitivo. O segundo grupo é oriundo do contexto pagão-cristão. Estes cristãos têm outras composições religiosas, sobretudo na linguagem e na mentalidade. Destaca-se sobretudo a influência da filosofia grega. Na origem, a figura dos anciãos e presbíteros é mais evidente. Com a aproximação das comunidades paulinas, evidenciam-se as figuras do bispo e dos diáconos para o governo e para a expansão da Igreja. A expansão do cristianismo se deve aos próprios fiéis convertidos, que, no seu cotidiano, promovem o conhecimento da própria fé, por testemunhos e exemplos, incorporando sem pre mais fiéis, vindos de todas as raças e povos. III - V ida ec lesia l na P atrística Colaboração: Prof. Ivanir Signorini Trataremos sinteticamente de alguns dos principais aconteci mentos da história da Igreja em seus primórdios. O objetivo deste capítulo é situar a Patrística, seus teólogos, obras, concílios e definições doutrinárias a serem desenvolvidas nos próximos capítulos. O cristianismo surge no e do interior do Judaísmo. Nas origens é compreendido como um movimento de renovação do Judaísmo. Assim, os cristãos frequentavam as sinagogas quando houve a des truição do templo judaico algumas décadas mais tarde. O TEMPLO JUDAICO O Templo foi construído pelo rei Salomão entre 965 e 922 a.C. e destruído no ano de 587 a.C. quando Nabucodonosor, rei da Babilônia, invade Jerusalém exilando os líderes políticos e religio sos do judaísmo. Com o fim do Exílio na Babilônia promovido por Ciro, rei persa, em 539 a.C., tem início sua reconstrução. Em 70 d.C., o imperador romano Tito invade Jerusalém, reprime uma revolta judaica e o destrói novamente, o qual não será mais re construído. A partir deste acontecimento, os judeus se reúnem nas muralhas do Templo (muro das lamentações) para rezar. 1 - O Im p é r io R o m a n o Jesus era judeu, e o judaísmo situava-se em terras dominadas pelo Império Romano. O Império de Roma dominava grande parte da atual Europa, todos os povos do Mediterrâneo, todo o norte da atual África e parte da Ásia atual. Caracterizava-se por uma unidade política, jurídica, econômica e cultural. Esta unidade subdividia-se em cidades, províncias e dioceses; cada qual governada por admi nistradores e juristas submetidos a Roma. O Direito Romano era o grande responsável pela solidificação deste império. Todos os povos submetidos a Roma seguiam a lei romana, mas tinha liber dade de manter sua própria cultura, costumes, festas e a própria religião. O imperador Augusto (27 a.C.-14 d.C.), no tempo de Jesus, levou a pax romana (paz do direito) a todos os recantos do im pério, construiu estradas para facilitar o deslocamento dos exér citos, a movimentação comercial e a circulação de pessoas. A facilidade de locomoção é propícia para o cristianismo se expan dir para além do judaísmo e, mais tarde, atingir todo o Império Romano. Jesus prega para os judeus, chama apóstolos para continuar a pregação do Reino; nasce no governo do imperador Augusto e morre sob o governo do imperador Tibério (14-37 d.C.). 2 - P r im e ir a s c o m u n id a d e s Lucas, nos Atos dos Apóstolos, narra os primeiros momentos da vida dos seguidores de Jesus após sua morte e ressurreição. Os Apóstolos continuaram anunciando que Jesus era o Messias en viado por Deus, a ressurreição dos mortos e o Reino de Deus. Este anúncio começa com o acontecimento de Pentecostes (At 2,11-13), a partir do qual passaram a formar comunidades de seguidores de Jesus. As primeiras comunidades ficaram restritas a Jerusalém. Depois começaram a se espalhar para outras regiões do Império Romano. Significa que começava a haver um grande número de novos seguidores desta religião. Entre o número dos seguidores contava-se: a) os judeus-cristãos (judeus provenientes das comu nidades judaicas em torno de Jerusalém); b) cristãos-helenistas, também judeus, mas pertencentes à diáspora, para os não-ju- deus, ou seja, cristãos provenientes do paganismo. D iáspo ra Considerada a dispersão e a formação de comunidades judai cas fora da Palestina. Esta dispersão foi forçada e teve início com Nabucodonosor quando invade Jerusalém, deportando os ju deus. A segunda diáspora ocorre em 70 d.C. com a destruição de Jerusalém e do Templo pelos romanos, obrigando muitos judeus a fugirem para regiões longínquas do Império Romano. Este afluxo de novos seguidores ao cristianismo gerou ten sões na igreja primitiva. Entre elas podemos citar: a) A queixa dos helenistas de que suas viúvas não eram sufi cientemente atendidas pelos Apóstolos (At 6,1-7,60). b) Os cristãos judeus exigiam que os cristãos provenientes do paganismo fossem circuncidados, submetendo-se, assim, às doutrinas mosaicas. Estas tensões levaram o cristianismo a repensar-se como Igreja. Após o Concílio de Jerusalém (At 15,1-33; G12,1-10), Paulo prega o cristianismo a todos os povos, fundando comunidades em várias regiões do Império Romano. Entre perseguições e via gens, Paulo é martirizado (64 d.C.), durante as perseguições aos cristãos promovidaspelo imperador Nero. No início, Pedro resistiu à universalização do cristianismo, colocando-se em choque com Paulo (G1 2,1-11). Porém, mais tarde, aderiu à universalização. t Após as tensões iniciais internas, a Igreja define-se como portadora universal da mensagem evangélica e professa que Jesus Cristo é o único Deus-Senhor. A definição de identidade do cristianismo vai gerar constantes atritos com vários impera dores romanos, desencadeando uma série de perseguições aos cristãos. 3 - T e m p o d o s m á r t ir e s O culto a Jesus Cristo desencadeou perseguições aos cristãos, as quais provêm tanto de imperadores romanos quanto de autori dades judaicas. T e m p lo e S in a g o g a Com o exílio na Babilônia, os judeus estavam longe do Templo para fazer suas orações e estudar a Torá. Assim, edificam constru ções com a finalidade de reunir judeus para o ensino da Torá, da doutrina judaica e para fazer suas orações. As sinagogas serão fun damentais para os judeus distantes de Israel e do Templo, permi tindo a difusão do Judaísmo por todo o mundo. Com a destruição do segundo Templo em 70 d.C. até os dias de hoje o judaísmo man tém sua identidade em torno das sinagogas. O conflito maior com os judeus ocorre em torno do Messias. Jesus, para os cristãos, é o Messias esperado pela Bíblia Hebraica (Antigo Testamento), mas não é reconhecido entre os judeus. Assim, começa um distanciamento dos cristãos em relação ao judaísmo, distanciamento de suas normas, práticas, fé e crença messiânica. Nesta perspectiva, os judeus “...incluíram os cristãos como minim (hereges) no Shemone Esre, sua oração cotidiana, e insti garam contra eles a opinião pública”. Estas acusações geram perseguições mútuas. Os cristãos desenvolveram uma polêmica antijudaica “como se pode ver na ‘Carta de Barnabé’ ou no ‘Diálogo com Trifão’, de Justino. Inácio de Antioquia ainda opõe o cristianismo ao judaísmo como uma nova forma de vida (Magn. 10,13; Rm 3,3); em Militão de Sarde (morre antes de 190 d.C.) já aparece a palavra maligna ‘assassínio de Deus’ (Homilia sobre a Páscoa 94-97)...” Esta polêmica anti- judaica gerou embates e foi retomada ao longo da história como um dos motivos para perseguir os judeus. Por outro lado, os judeus perseguem os hereges cristãos. Estêvão será lapidado pelos judeus e após a lapidação desenca- deia-se uma perseguição judaica a um grupo de cristãos que se rão obrigados a deixar Jerusalém em direção às regiões da Judeia e da Samaria (At 6,1-8,4). Ocorreu a revolta judaica contra Roma liderada por Bar-Kokhba (132 a 135); este, após a luta contra os romanos, passa a perseguir e a castigar os seguidores de Jesus em Jerusalém por terem se afastado da tradição mosaica. Quando os cristãos já constituíram um grupo numeroso, suas práticas passaram a apresentar perigos para os romanos, gerando perseguições. Num primeiro momento, caracteriza-se por perseguições localizadas. Num segundo momento, ocorre a perseguição universal em todas as regiões do Império Romano. 3.1 - Mártires Pioneiros As primeiras perseguições foram protagonizadas pela es pontaneidade de populações ou por órgãos estatais específicos de determinada administração romana. Estas perseguições ocor reram entre os anos de 50 d.C. (governo do Imperador Cláudio - 41-54 d.C.) até 192 d.C. (governo de Cômodo, 180-192 d.C.). Este período é marcado pela alternância de intensas perseguições e mortes sangrentas e por certa tolerância à fé cristã. A primeira perseguição cristã (50 d.C.) é protagonizada pelo Imperador Cláudio (41-54 d.C.). Cláudio expulsa os ju deus de Roma acusando-os de distúrbios sociais. Neste período, os cristãos e os judeus, em algumas regiões, ainda mantinham estreitos relacionamentos, e os próprios cristãos, em algumas ( comunidades, eram constituídos por judeus que se tornaram seguidores de Jesus. Restringiu-se a expulsá-los para longe da cidade de Roma. A segunda perseguição aos cristãos ocorre no verão de 64 d.C., sob o comando do Imperador Nero (54-68 d.C.). Esta é a primeira perseguição romana que tem como objeto somente cristãos e decorre de grande incêndio na cidade de Roma. Nero teria planos para reformar Roma e realizar novas construções. Diante disso, incendeia a cidade e acusa os cristãos de serem os responsáveis. Acontece uma perseguição aos cristãos sob os domínios do imperador Domiciano (81-96 d.C.). Domiciano intitula- se Dominus et Deus (Senhor e Deus), instituindo um culto e o juramento pelo imperador, o que, inevitavelmente, chocou-se com a fé cristã. O imperador executou cristãos acusando-os de ateísmo. Nesta perseguição, o Evangelista João teve de exilar-se para Patmos. “É bem provável que a execução do Cônsul Flávio Clemente, por causa de seu ‘ateísmo’, bem como o exílio de sua mulher, Flávia Domitila (Cássio Dio, Hist. Rom. LXVII, 14,s), te nha ocorrido por causa de sua profissão da fé cristã”. Sob o governo de Trajano (98-117 d.C.), temos duas perse- guições. A primeira, acontece em torno do ano 110 d.C.; os cris tãos de Antioquia são perseguidos, e o bispo desta cidade, Inácio, foi levado para Roma e jogado às feras da arena para divertir o povo. A segunda acontece em torno de 112 d.C., quando Trajano decreta que, se alguém se confessar cristão, deve ser punido. Em Jerusalém, sob Adriano, os judeus-cristãos são perse guidos após a revolta judaica (132-135 d.C.) liderada por Bar- Kokhba. O imperador Adriano esmaga a revolta, enche Jerusalém de templos gregos, troca o nome da cidade para Aelia Capitolina, e proíbe os judeus de entrarem na cidade sob pena de morte. As perseguições não se estendiam aos gentios-cristãos. Sob o governo do imperador Antonino (138-161 d.C.), Policarpo de Esmirna é sacrificado na arena de Roma (156). No governo de Marco Aurélio (161-180 d.C.)> ocorre, em Lião, um levante popular contra os cristãos. Aproximadamente cinquenta cristãos são torturados e devorados pelos animais. 3.2 - M artírio universal Sob o governo de Sétimo Severo (193 d.C. até 311 d.C.), o imperador proclama oficialmente perseguições aos cristãos em todo o Império. Mesmo neste período, as perseguições sofrem alternâncias entre perseguições, punições e mortes sangrentas. Sétimo Severo (202 d.C.), edita uma lei proibindo a conver são ao judaísmo e ao cristianismo. Com esta lei temos a primeira perseguição universal aos cristãos. De Sétimo Severo até Décio (249) os cristãos são tolerados. Décio, para reforçar sua autoridade e garantir a unidade do im pério, reforça e exige a veneração aos deuses do império e o culto ao imperador, ordena a prisão dos bispos cristãos das principais comunidades. Valeriano (253-260 d.C.) inflamou-se uma nova persegui ção (258 d.C.), que obrigava o clero a sacrificar aos deuses e lhe proibia todo e qualquer culto cristão, mesmo nos cemitérios. Seu sucessor, Galieno (260-268 d.C.), inaugurou um período de paz que durou quarenta anos, devolvendo os bens e os lugares de culto aos cristãos. O imperador Aureliano (270-275 d.C.), após lutas contra os germanos, busca uma unificação do império. Ele introduz um culto comum no império: ao “Sol invictus”. Atribui-se o título de “Dominus et deus” . A recusa dos cristãos gera no império uma perseguição aos cristãos. Com Diocleciano (284-305 d.C.), produz-se uma série de perseguições e assassinatos de cristãos. Os cristãos eram nume rosos e se recusavam a servir no exército, a fazer sacrifícios pú blicos e a cultuar o imperador. O imperador proíbe as reuniões e os cultos dos cristãos, recolhe seus livros litúrgicos e demole suas igrejas. Com isso, Diocleciano torturou, matou e derramou san- ( gue de cristãos como nunca se viu na história. Com a abdicação de Diocleciano, temos o fim da perseguição. Inicia-se uma fase de aproximação ao Estado romano. 4 - T e m p o s d e c r is t a n d a d e Diocleciano abdica e assume Galério (305-311 d.C.), que pro mulga o Edito de Tolerância reconhecendo o fracasso da políticade Diocleciano, reconhecendo o cristianismo como religião, per mitindo a liberdade de culto. Constantino (312-337 d.C.) assume o império após uma batalha vencedora e sob a égide de símbolos cristãos em suas insígnias, contra seu opositor Maxêncio. Percebendo que o apoio de cristãos seria fundamental para o governo do império, Constantino, em 313, proclama o Edito de Milão, reconhecendo o cristianismo e mesmo concedendo privilégios à religião cristã, com a construção de igrejas, dispensa dos impostos e a prestação de serviços públicos, para os clérigos, equiparação dos bispos com os altos funcionários e a doação de propriedades de terras. Constantino passa a intervir diretamente na organização cristã e na solução de controvérsias teológicas, como no Concílio em Aries (325 d.C.) e convoca o Concílio de Niceia (325). Após Constantino, seus sucessores continuaram a política de aproximação. Teodósio (379-395 d.C.), em 380 d.C., pelo Edito De Fide Catholica, torna a fé cristã lei oficial do Império. C ar ta de C o n s t a n t in o a o g o v e r n a d o r d a B it ín ia (E d it o de M ilã o - 3 1 3 ) Eu, Constantino Augusto e, como eu, Licínio Augusto, reunidos fe lizmente em Milão para discutir todos os problemas relativos à se gurança e ao bem público, julgamos de nosso dever regulamentar, em primeiro lugar, entre outras disposições da natureza a assegu rar, segundo nós, o bem da maioria, aquelas sobre as quais repousa o respeito da divindade, isto é, dar aos cristãos, bem como a todos, a liberdade e a possibilidade de seguir a religião de sua escolha, a fim de que tudo o que há de divino na celeste morada possa ser benevolente e propício a nós e a todos aqueles que se acham sob a nossa autoridade. Por isso, num desígnio salutar e muito reto, julgamos dever tomar a decisão de não recusar essa possibilidade a quem quer que seja, tenha ele ligado sua alma à religião dos cris tãos ou à que julgar mais conveniente para si, a fim de que a di vindade suprema, à qual prestamos uma homenagem espontânea, nos testemunhe em todas as coisas a seu favor e sua benevolência habituais. (...) Convém, pois, que a tua excelência saiba que, su prindo completamente as restrições contida nos escritos enviados anteriormente à tua administração a respeito do nome dos cristãos, nós decidimos abolir as estipulações que nos pareciam totalmente inadequadas e estranhas à nossa mansidão, e permitir, daqui para a frente, a todos aqueles que têm a determinação de seguir a religião dos cristãos que o façam livre e completamente, sem ser inquieta dos nem molestados. (Sources Chrétiennes, 39, pp. 132-133) 4.1 - Nova realidade dos cristãos Com o Edito de Milão, as regras de conduta dos cidadãos sofrem grandes transformações. Em consequência, a realidade dos cristãos também é muito diversa dos tempos do martírio. As leis do Império não atacam e não perseguem os cristãos, antes os protegem e lhes dão benefícios. Algumas determinações mere cem ser destacadas: - Em relação aos condenados, proíbe-se a marca da ignomí nia no rosto dos condenados, bem como a crucifixão e a ruptura dos ossos; - Quanto à moral, fica proibida a exposição de crianças, es petáculos imorais e luta de gladiadores; - No tocante à religião, são proibidas as penas corporais no período quaresmal e pascal, bem como a elaboração de normas para o matrimônio e a organização da família; - As leis eclesiásticas são acolhidas pelo poder civil e as leis do Estado se tornam leis da Igreja; Exigência de 30 dias, no mínimo, entre as sentenças e as execuções, sejam pena de morte ou confisco de bens. Com o Edito de Milão, inicia-se o período da cristandade na vida da Igreja. Com a tranquilidade nas comunidades, a Igreja organiza suas estruturas de forma sistemática, em dioceses, paró quias, e os ministérios são ordenados para custodiar estas estru turas. Certamente, o catecumenato perde sua força e as comuni dades lutam para viver a fidelidade evangélica.Uma das respostas a esta situação é o crescimento da vida monástica, como forma de garantir a fidelidade dos primeiros cristãos. Com isso, o Ano Litúrgico é bem organizado, bem como o culto dos mártires e os livros litúrgicos. 4.2 - Cristandade e poder A partir do imperador Teodósio, a única religião no Império é a cristã, que se fortifica cada vez mais e dedica-se a questões teológicas e doutrinais. Com a morte de Teodósio (395), o império romano divi- de-se em Império Romano do Ocidente e Império Romano do Oriente. O Império Romano do Ocidente tem como último impera dor Rômulo Augústulo, deposto pelo germano Odoacro (476). Até a queda do império do Ocidente a Igreja viveu harmôni ca com o Estado. Após a queda do império, não havia mais um poder político central, mas vários domínios de conquistadores germânicos com os quais teve de negociar e depender de favores e até mesmo cristianizá-los. O Império Romano do Oriente desapareceu quando Constantinopla é tomada pelos turcos (1.453). O cristianismo segue seu curso na história da humanidade, como um rio que atravessa a floresta. II - E scritos P io n e ir o s I - P rim eiras T r a d iç õ e s Voltemos no tempo. Há algumas décadas, os apóstolos testemu nharam os últimos acontecimentos da passagem histórica de Jesus de Nazaré. Eles contaram a história muitas vezes e criaram uma tradição oral. Esta tradição oral circulou entre os segui dores do Nazareno, que muito cedo, em Antioquia, passaram a ser chamados de “cristãos” (IC or 12,2). As tradições foram ordenando-se e tornando-se uma história narrativa. Os após tolos e seus discípulos escreveram estas histórias, compondo os nossos evangelhos. Simultaneamente, mas de forma muito espontânea, cartas eram escritas para as comunidades, para orientar, corrigir, ensinar e evangelizar. Aos poucos foi sendo composto o livro cristão mais importante de todos os tempos, o Novo Testamento. Ao longo da história, recebemos esta herança, que perpassou os séculos e foi a referência e a estrela-guia da co munidade cristã por todos estes séculos do cristianismo. Muitas tradições eram, porém, orais - narrativas não escritas, mas con tadas de fiéis para fiéis. Algumas foram depois registradas como livros da tradição, outras, perderam-se na história. Ainda mais, algumas destas tradições foram inscritas em livros décadas ou séculos mais tarde. Este precioso período da tradição cristã registra a passagem da tradição bíblica para a tradição patrística. O objeto de nosso estudo é a gênese da tradição patrísti ca, que conheceremos em dois modos distintos: uma tradição oral, que é o CREDO APOSTÓLICO, e uma tradição escrita, a DIDAQUÉ. 1 - C r e d o a p o s t ó l ic o Quando um neófito pedia o batismo para a comunidade, ele deveria ser instruído na fé e entender a mensagem de Jesus de Nazaré. A comunidade tinha alguns elementos que deveriam ser co nhecidos, professados e vividos pelos iniciantes. H is tó r ic o d o c r e d o a p o s t ó l ic o Este compêndio oral das primeiras comunidades é um testemunho da iniciação dos primeiros cristãos. Por ser uma tradição oral, era contada nas formações catequéticas. O texto escrito, que recupera, como uma espécie de anamnesis dos antepassados, o seu conteúdo, é datado do século VI. Este texto recupera os principais ensinamen tos da fé cristã, como era ensinada pelos mestres aos novos adep tos do cristianismo. Sua fórmula apresenta 12 artigos, em forma sucinta. Acredita-se que era usado na instrução dos catecúmenos, com o nome de “Symbolum Apostolicum”. Diz uma lenda que os apóstolos, depois de Pentecostes, antes de se separarem para pregar o evangelho, definiram um breve sumário da doutrina. Este for mulário é a base comum para as pregações apostólicas. Este símbolo apostólico é uma síntese das principais verda des do cristianismo, a partir da revelação de Jesus Cristo. Mais que normas éticas ou comunitárias, encontramos verdades dou trinais. Estas verdades