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EA D O Matrimônio I 6 1. OBJETIVOS • Analisar a teoria geral do matrimônio. • Conhecer a normativa a respeito do que deve anteceder a celebração do matrimônio. • Compreender os impedimentos dirimentes em geral, bem como os impedimentos dirimentes em especial. 2. CONTEÚDOS • Teoria geral do matrimônio (cânn. 1055-1062). • Do cuidado pastoral e do que deve anteceder a celebra- ção do matrimônio (cânn. 1063-1072). • Os impedimentos dirimentes em geral (cânn. 1073-1082). • Os impedimentos dirimentes em especial (cânn. 1083- 1094). © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 200 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) É importante ter presente que a relacionalidade não é simplesmente fruto de interesses pragmáticos, mas, sim, uma característica da essência humana. É um erro assumir a relação com os outros como um fato inevitável devido aos nossos interesses. Na verdade o ser huma- no possui uma estrutura relacional, estrutura esta que é participativa e se exprime no dar e no receber, comuni- cando sua riqueza aos outros e deles recebendo riqueza, construindo, a partir desta relação, a própria identidade, aperfeiçoando-se e crescendo como pessoa. 2) Na compreensão do matrimônio se parte da premissa de que o ser humano naturalmente tende e deseja ser reconhecido pelos outros. Vive para que os outros lhe digam: "É um bem que você exista e esteja aqui". Neste amor está implicada a incondicionalidade que se choca contra os seus próprios limites. A acolhida incondicio- nada do outro ser humano torna-se realidade apenas na fidelidade. É justamente através da fidelidade que a mais profunda vontade de amar é liberada da incons- tância dos sentidos e do arbítrio. É na fidelidade que o amor conhece a sua estabilidade. Este amor fiel torna-se possível a quem é capaz de esperar, alimentado pela fé. 3) Se o matrimônio é uma comunhão de amor, que co- -envolve inteiramente o ser humano e está além das oscilações dos sentimentos e do arbítrio, então é uma realidade que engloba a boa e a má sorte, a alegria e a tristeza, a saúde e a doença, não podendo ser compatí- vel com qualquer visão que exclua esta integralidade e incondicionalidade. E esta visão a respeito do significado do amor e do matrimônio está presente na normativa que agora estudaremos. 201© O Matrimônio I 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Nesta unidade, vamos nos ocupar de um primeiro grupo de cânones que se ocupam dos seguintes temas: • teoria geral do matrimônio canônico (cânn. 1055-1062); • orientações que o legislador nos oferece em relação ao cuidado pastoral e do que deve anteceder a celebração do matrimônio (cânn. 1063-1072); • os impedimentos dirimentes em geral (cân. 1073-1082) e os impedimentos dirimentes em especial (cânn. 1083- 1084). Portanto, esta unidade tem por finalidade inseri-lo no estu- do do direito matrimonial da Igreja, por meio de uma abordagem que lhe permita conhecer uma série de aspectos normativos fun- damentais para uma adequada práxis pastoral relativa a este sa- cramento. Desse modo, ao final desta unidade você estará em condi- ção de compreender que o matrimônio é uma realidade que trans- cende os interesses privados daqueles que o assumem, possuindo uma dimensão social e eclesial, sendo, por isso mesmo, disciplina- do pela Igreja. 5. PREMISSAS O ordenamento jurídico do matrimônio canônico no título VII do livro IV está centrado em dois pólos fundamentais: a cele- bração válida do matrimônio e a atenção a possíveis situações de conflito ou de tensão de um matrimônio celebrado. O primeiro pólo engloba a maior parte dos cânones e a ele se referem os capítulos relativos à preparação para o matrimô- nio, aos impedimentos, ao consentimento, à forma canônica, aos matrimônios mistos e ao matrimônio secreto (cânn. 1063-1133). © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 202 Toda esta ampla normativa cumpre a sua missão no momento em que nasce um matrimônio válido e lícito. Depois disso, para o casal concreto que acabou de se casar esta normativa não possui mais qualquer influência. Restam, somente, algumas normas sobre os efeitos do matrimônio válido (cânn. 1134-1140). O segundo pólo refere-se aos capítulos da separação dos cônjuges e da convalidação de um matrimônio nulo (1141-1165). Seria o que alguns chamam de "patologia do matrimônio". Tudo isso, porém, é precedido por alguns cânones que re- colhem conceitos fundamentais que compõem a assim chamada teoria geral do direito matrimonial canônico (cânn. 1055-1062). São eles: a) a noção de matrimônio; b) o matrimônio sacramento; c) as propriedades essenciais do matrimônio; d) o ato constitutivo do matrimônio; e) o direito ao matrimônio; f) o favor do direito do qual goza o matrimônio; g) a jurisdição sobre o matrimônio; h) o esclarecimento de alguns termos. Nesta unidade nos ocuparemos dos cânones relativos à te- oria geral do direito matrimonial canônico e dos que tratam do primeiro pólo ao qual nos referimos. Isso significa que, na prática, nossas atenções se voltarão para os seguintes temas: a) teoria geral do matrimônio canônico (cânn. 1055-1062); b) orientações que o legislador nos oferece em relação ao cuidado pastoral e do que deve anteceder a celebração do matrimônio (cânn. 1063-1072); c) os impedimentos dirimentes em geral (cân. 1073-1082); d) os impedimentos dirimentes em especial (cânn. 1083- 1084). 203© O Matrimônio I Na próxima e última unidade daremos continuidade a nosso estu- do, ocupando-nos dos demais temas ligados a este primeiro pólo: o consentimento matrimonial; a forma canônica e os matrimônios mistos (cânn. 1063-1129). Infelizmente não será possível o estudo dos cânones relativos à celebração secreta do matrimônio e ao se- gundo pólo, mas, caso se interesse pelo assunto, veja a seguinte bibliografia: BIANCHI, P. Quando o matrimônio é nulo? São Paulo: Paulinas, 2003; CAPPARELLI, J.C. Manual sobre o matrimônio no direito canônico. São Paulo: Paulinas, 2004, pp. 211-233; LLANO CIFUENTES, Novo direito matrimonial canônico. Rio de Janeiro: Marques Saraiva, 1988, pp. 449-504; HORTAL, J. O que Deus uniu. São Paulo: Loyola, 1986, pp. 151-179; PUJOL, E. P. Orien- tações canônicas matrimoniais: o que é preciso saber sobre casa- mento e nulidade matrimonial na Igreja Católica. Rio de Janeiro: APartilha, pp. 135-150. 6. TEORIA GERAL DO MATRIMÔNIO (CÂNN. 1055- 1062) Nos primeiros cânones do tratado sobre o matrimônio são expressos alguns conceitos fundamentais do ordenamento ma- trimonial canônico. É necessário esclarecer que tal ordenamento julga que simplesmente pode e deve declarar alguns preceitos de natureza jurídica ancorados no direito natural. Isso significa que o direito canônico possui a convicção de que é possível chegar à estrutura ontológica do matrimônio através de uma reflexão ra- cional, iluminada pela Revelação. Desta estrutura derivam exigên- cias que se impõe como obrigações morais e jurídicas para toda e qualquer pessoa que queira retamente contrair o matrimônio. Em outras palavras: a Igreja sustenta que em sua estrutura fundamen- tal existe um único tipo de matrimônio, válido para todos, cabendo ao ordenamento positivo (seja ele canônico ou civil), apenas, es- tabelecer aqueles elementos ulteriores que possam simplesmen- te regulá-lo. Neste sentido, o matrimônio dos fiéis não seria algo diferente, em seus elementos essenciais, do matrimônio natural, salvo as normas positivas que Igreja estabelece para a sua realiza- ção e aperfeiçoamento e, sobretudo, sua dignidade sacramental. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 204 Os cânones preliminares que precedem os capítulos subse- quentes recolhem aqueles pontos essenciais da concepção que se tem do matrimônio e formam a assimchamada teoria geral do direito matrimonial canônico. Esta compreende dois grupos clara- mente distintos de questões: 1) No primeiro grupo encontramos as questões substanti- vas, ou seja, aquelas que se referem aos pontos funda- mentais que determinam a matéria: a noção ou conceito do matrimônio, o consórcio de toda a vida, um instituto jurídico natural e social. Aparece, também, o tema da sacramentalidade, dos fins e bens do matrimônio e do consentimento matrimonial, visto, aqui, em seu aspecto estático e constitutivo. 2) No segundo grupo encontramos as questões gerais e contingentes, de natureza mais jurídica: a competência sobre o matrimônio, o princípio do favor do direito do qual goza o matrimônio e alguns esclarecimentos ter- minológicos para evitar confusões. Vejamos com mais atenção os dois grupos de questões, começando pelas substantivas. Noção de matrimônio e suas finalidades (cân. 1055) A maior parte das noções existentes refere-se ao matrimô- nio enquanto realidade permanente (in facto esse) ou, então, em seu duplo aspecto (in fieri e in facto esse). Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– O matrimônio em sua dimensão jurídica pode ser considerado a partir de uma dupla ótica: ou no momento em que nasce, mediante um ato de vontade colo- cado pelas partes (conhecido por matrimônio in fieri = na sua elaboração, no momento de ser produzido), ou como uma realidade permanente, ou seja, como um vínculo que se segue a este ato de vontade, dando origem a um estado de vida conhecido por matrimônio in facto esse = enquanto produzido, realizado). Sobre a distinção entre matrimônio "in fieri" e matrimônio "in facto esse" veja: LLANO CIFUENTES, R., Novo direito matrimonial canônico. Rio de Janeiro: Sa- raiva, 1988, p. 6-7. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 205© O Matrimônio I O cân. 1055 §1 oferece-nos uma boa descrição do matrimônio: O pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, entre batiza- dos foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Para conhecer os comentários que alguns autores fazem desta noção contida no cân. 1055 você pode consultar as seguintes obras: LLANO CIFUENTES, R., Novo direito matrimonial canônico. Rio de Janeiro: Saraiva, 1988, p. 6-9; HOR- TAL, J. O que Deus uniu. São Paulo: Loyola, p. 16-18; PUJOL, E. P. Orientações canônicas matrimoniais: o que é preciso saber sobre casamento e nulidade ma- trimonial na Igreja Católica. Rio de Janeiro: APartilha, p. 15-17. Para esclarecer o significado etimológico da palavra matrimônio veja: CAPPARELLI, J.C. Manual sobre o matrimônio no direito canônico. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 06-08. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O texto mencionado utiliza uma linguagem usada pelo Con- cílio Vaticano II em sua Constituição Pastoral Gaudium et Spes nos números 48 e 50. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A principal fonte para a compreensão deste cânon é a Constituição Pastoral Gau- dium et Spes. Ivo Müller faz uma breve apresentação da parte do documento que se ocupa do matrimônio. Cf. MÜLLER, I. Direitos e deveres do Povo de Deus. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 195-201. Seria mais adequado ir diretamente à fonte. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O conceito "aliança" (pacto - foedus) destaca que o matrimô- nio é algo maior do que uma simples relação jurídica entre homem e mulher. O termo aliança engloba certamente o aspecto jurídico do matrimônio, porém, coloca em evidência que o matrimônio é uma realidade pessoal e espiritual. As características contratuais aparecerão explicitadas no cân. 1057. Aqui se ressalta mais a na- tureza do matrimônio como aliança mediante a qual se constitui a relação pessoal matrimonial. Deste modo, tentou-se superar a discussão sobre a natureza jurídica do matrimônio: contrato ou instituição. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 206 Na verdade, nenhum destes dois conceitos é adequado para expressar plenamente a complexa natureza do matrimônio que participa das características tanto de um quanto de outro. O ma- trimônio não depende em tudo da vontade das partes, pois está determinado em distintos aspectos de seu ser (instituição), mas, também, não se pode dar origem a um matrimônio concreto sem uma eficaz declaração de vontade das partes (contrato). Voltando ao texto do cânon 1055 §1, vemos que ele indica os elementos essenciais da relação conjugal constituída pela alian- ça matrimonial e as finalidades que a caracterizam como tal. O matrimônio é descrito como uma instituição natural, derivada da ordem da criação, baseado na natureza sexuada do ser humano. Considera-se que a natureza mesma impulsiona o homem a um consórcio de toda a vida. Por trás desta ideia de consórcio está a doutrina conciliar da comunidade íntima de vida e amor conjugal (GS 48). Este consórcio de vida não é uma simples união de fato ou uma mera convivência como esposos, nem uma relação temporal ou de prova, é uma união estável, com um projeto de vida comum formal, sancionado e tutelado pela lei. Uma vez afirmado que o matrimônio é um consórcio de toda a vida indica-se no texto qual é a relação entre o que o constitui e suas finalidades específicas, mediante a expressão "consórcio de toda a vida ordenado a...". Estes fins são elementos constitutivos e pertencem ao matrimônio por sua mesma natureza enquanto o diferenciam de qualquer outro tipo de união existente. Os fins expressam as duas vertentes da união entre homem e mulher pre- sentes no relato da criação: a perfeição e o bem dos cônjuges (Gn 2,18) e a geração e educação da prole (Gn 1,28). Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Homem e mulher se dão e se aceitam a si mesmos e, sem perder a própria per- sonalidade e dignidade, criam um projeto comum de vida, possível e explicável desde a realidade diferenciada de ambos como homem e mulher. Já não são dois, mas uma só carne. Nesta unidade, cada um encontra uma plenitude pes- soal e assim o matrimônio está ordenado em seu conjunto ao bem e à plenitude dos esposos (bonum coniugum). Além disso, esta doação e aceitação mútua 207© O Matrimônio I encontram uma realização e expressão espiritual e corporal na união sexual dos esposos que possui como lugar legítimo o matrimônio, conforme a GS 49. Ao superar uma hierarquia nos fins, o cânon se manteve fiel ao ensinamento do Concílio Vaticano II. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O cân. 1055 possui, contudo, duas afirmações de grande al- cance e não isentas de polêmica. Vejamos: 1) O §1 afirma o princípio da identidade entre contrato ma- trimonial válido de dois batizados e sacramento, embora de um modo indireto. De fato, o cânon sustenta que o pacto matrimonial, pelo qual o homem e a mulher cons- tituem entre si o consórcio de toda a vida, entre batiza- dos foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacra- mento. Convém, porém, observar que o sujeito do verbo passivo "foi elevado" é o substantivo "pacto matrimo- nial". Portanto, o que foi elevado por Cristo à dignidade de sacramento é o ato de vontade juridicamente eficaz (consentimento jurídico e não apenas natural) com o qual o homem e a mulher batizados constituem entre si o matrimônio. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Convém advertir que os sacramentos, e também o matrimônio, consistem em si- nais realizados pelos ministros que por sua própria natureza são transitórios, não permanentes. Aquilo que permanece são os efeitos do sacramento segundo a ín- dole própria de cada um deles. Esta distinção é importante, pois se o sacramento não fosse o mesmo pacto conjugal elevado, transformado, assumido à dignidade de sacramento, mas fossealguma coisa que se acrescenta, extrínseca ao pacto, a competência da Igreja sobre o matrimônio seria limitada à regulamentação do sacramento enquanto realidade extrínseca e ontologicamente distinta do pacto ou contrato. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 2) O §2, por sua vez, sendo coerente com o parágrafo an- terior, afirma a inseparabilidade entre contrato e sacra- mento, utilizando a seguinte fórmula: "entre batizados não pode haver contrato matrimonial válido, que não seja por isso mesmo sacramento". Portanto, o cânon insiste na ideia de que entre batizados o contrato ma- trimonial e o sacramento formam uma só e única reali- © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 208 dade com duas dimensões (a natural que é o contrato e a sobrenatural que é o sacramento), como uma lâmpada que é uma só realidade, apesar de que tenha simultane- amente duas dimensões distintas: a luz e o calor. Sugestão de leitura ––––––––––––––––––––––––––––––––––– Em relação à inseparabilidade entre "contrato" e "sacramento" sugerimos a leitu- ra do seguinte texto: HORTAL, J. O que Deus uniu. São Paulo: Loyola, p. 29-32. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– As "propriedades essenciais" do matrimônio (cân. 1056) Com tal expressão o legislador nos mostra que tais proprie- dades constituem não a essência do matrimônio (entendido como consortio totius vitae), mas, sim, suas características, seus predi- cados, suas notas distintivas, ou seja, suas propriedades. Em ou- tras palavras, propriedades essenciais são aqueles predicados que não constituem estritamente a essência, mas que dela dimanam naturalmente. Com a qualificação de essenciais a norma entende afirmar que tais características não são facultativas, mas sim, em linha de princípio, necessárias para compreender o matrimônio na maneira mais adequada, em sua perfeição conceitual e moral. Deste modo se afirma que o matrimônio não é tal enquanto único e indissolúvel, mas, sim, que ele só pode ser adequadamente com- preendido quando colhidas suas características essenciais. No caso do matrimônio as propriedades essenciais são a uni- dade e a indissolubilidade que, no matrimônio cristão, recebem firmeza especial em virtude do sacramento. Caracterizar a unida- de e a indissolubilidade como propriedades essenciais significa que, sem ser a essência, as exige a natureza do matrimônio como comunidade pessoal e íntima dos esposos. A íntima união como, também, o bem dos filhos, exigem plena fidelidade conjugal e ur- gem a indissolubilidade. A unidade significa que a união é de um homem e uma mu- lher, excluindo-se, sem exceção, dois vínculos conjugais simultâne- os. Portanto, é sinônimo de vínculo único e requer a fidelidade. 209© O Matrimônio I Opõe-se a unidade as distintas formas de poligamia e poliandria, assim como o adultério. A exclusividade da relação e a mútua fide- lidade são um reflexo da igual dignidade e da igualdade de direitos entre homens e mulheres. Por isso o matrimônio tende a existir como monogâmico, pois na exclusividade está o seu modo de exis- tir mais perfeito. A indissolubilidade significa que o matrimônio válido per- dura por toda a vida dos esposos (é perpétuo), excluindo-se em todo caso uma dissolução por vontade dos mesmos (indissolubili- dade intrínseca), como, também, toda dissolução por vontade de uma autoridade pública (indissolubilidade extrínseca). À indissolu- bilidade se opõe o divórcio e ao repúdio. A consequência disso é que um matrimônio celebrado validamente jamais pode ser anu- lado. A afirmação de que "o matrimônio jamais pode ser anulado" é uma exceção à norma geral dos cânones 125-126, segundo a qual alguns negócios jurídicos podem ser rescindidos quando foram realizados por temor, dolo, ignorância e erro. Estas quatro reali- dades são consideradas pelo legislador eclesiástico como "vícios" do consentimento matrimonial nos cânn. 1096, 1097, 1098, 1103, mas não como capítulo de anulação. Os "vícios" de consentimen- to, portanto, tornam o matrimônio inválido, mas não anulável. Às propriedades essenciais do matrimônio correspondem dois dos chamados bens do matrimônio: "bonum fidei" (unidade/ fidelidade) e "bonum sacramenti" (indissolubilidade), que, junta- mente com o "bonum prolis" (os filhos) constituem os chamados três bens do matrimônio. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– A doutrina dos três bens foi desenvolvida por Santo Agostinho para justificar a bondade do matrimônio frente às correntes pessimistas do seu tempo. Seria in- teressante observar que a visão personalista do Concílio Vaticano II destacou um quarto bem: o "bonum coniugum", ou seja, o bem dos cônjuges que, deste modo, completa com acerto a trilogia agostiniana, pois constitui junto com a prole o fim do matrimônio à norma do cân. 1055. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 210 Convém ter presente que o vínculo exclusivo (unidade) e perpétuo (indissolubi- lidade) que surge em todo verdadeiro matrimônio, tratando-se de um matrimô- nio entre cristãos é mais firme que o matrimônio não sacramental que pode ser dissolvido pelo privilégio da fé (cân. 1143-1148). Contudo, o matrimônio cristão alcança a indissolubilidade absoluta, de modo que unicamente possa ser dissol- vido pela morte, somente quando é consumado (cânn. 1061 §1, 1141 e 1142). –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– É importante, ainda, revelar o fundamento das propriedades essenciais. O ordenamento canônico as entende como pertencen- tes à estrutura ontológica do matrimônio e, portanto, derivantes do direito natural ao qual já nos referimos. De um ponto de vista antropológico as propriedades essenciais podem ser consideradas como exigências intrínsecas do conceito próprio e autêntico de amor conjugal, pois o amor conjugal se for realmente conjugal não pode deixar de ser único, fiel e para sempre. Isto posto, não pode- mos afirmar que tais propriedades pertençam, apenas, ao matri- mônio cristão ou católico, mas, sim, a todo e qualquer matrimônio celebrado validamente por qualquer pessoa, mesmo não batizada. O caráter sacramental não fundamenta, portanto, tais característi- cas, mas, somente, confere a elas uma peculiar firmeza. O consentimento matrimonial: valor jurídico, qualidades, objeto (cân. 1057) O fim e as propriedades essenciais constituem o matrimônio em sua realidade objetiva. Todavia, para se ter uma ideia completa do mesmo matrimônio em sua realidade subjetiva é necessário considerar o consentimento das partes que, sem dúvida, é um dos princípios cardeais de todo o sistema. Deste modo, acreditamos ser fundamental, como ponto de partida, que tenhamos clareza a respeito do que caracteriza o consentimento matrimonial: a) É a causa originária (eficiente) e a causa formal (elemen- to constitutivo) do matrimônio: o consentimento não é apenas a causa externa do matrimônio, mas, também, identifica-se com este. Em outras palavras, o consenti- mento não apenas produz o matrimônio, mas pertence à mesma essência do matrimônio, pois, uma vez dado, não pode ser retirado. 211© O Matrimônio I b) É um ato de vontade que, porém, pressupõe um ato do intelecto: o ato humano de consentir, que em si mes- mo é um ato de vontade, pressupõe um ato de intelecto ou razão. De fato, ninguém quer, decide, consente, se, antes, não sabe, não conhece, não adverte o que deve consentir. c) É um ato personalíssimo e, por esta razão, não pode ser suprido por ninguém: exatamente porque o consenti- mento é um ato de vontade que é um ato personalís- simo. Na vontade humana ninguém, além do próprio sujeito, pode intervir diretamente. d) Sendo um ato de vontade, é deliberado e livre: um ato deliberado significa que um consentimento verdadeiro é o fruto de uma deliberação, de uma avaliação dos "prós" e "contras", de um juízo da razão prática. Mas isso não é tudo,pois, além da deliberação necessária para que um ato seja verdadeiramente humano, o ato de consen- tir deve ser também um ato livre. Portanto, o consen- timento matrimonial deve ser manifestado livremente, ou seja, sem qualquer coerção ou constrição seja ela in- terna (da própria pessoa) ou externa (de outros ou do ambiente). Faltando a liberdade o consentimento é "vi- ciado" e, portanto, produz um matrimônio inválido. e) Trata-se de um ato interno (da vontade) que, porém, deve ser manifestado: o consentimento é sempre um ato que pertence ao íntimo da pessoa, sendo um ato in- terno de vontade que no matrimônio deve ser manifes- tado. Esta manifestação é qualificada no cân. 1057 §1 com o advérbio "legítimo", ou seja, em conformidade com a forma canônica. A razão desta exigência é que o matrimônio é um contrato bilateral e, por isso, requer, por sua própria natureza, que as partes conheçam a von- tade uma da outra. Isto não pode ocorrer se as partes não manifestam uma à outra a própria vontade de con- trair matrimônio. Além disso, o matrimônio é uma rea- lidade pública e exige a intervenção de uma autoridade pública que irá solicitar a manifestação do consentimen- to dos contraentes e a receberá em nome da Igreja (cân. 1108 §2); © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 212 f) O consentimento recai sobre um único objeto: o obje- to formal é sempre jurídico e no caso do matrimônio é aquilo que o constitui, ou seja, uma aliança irrevogável (cân. 1057 §2). O objeto material é o matrimônio em sua totalidade, ou seja, o consortium totius vitae do cân. 1055 §1. Tendo presente os elementos que caracterizam o consenti- mento matrimonial podemos, agora, brevemente comentar o sig- nificado do cân. 1057 em seus dois parágrafos. Inicialmente, afirma-se no §1 que o consentimento é a causa eficiente do matrimônio (o faz) e não pode ser suprido por ne- nhum poder humano. Todavia, não basta a existência do consenti- mento, pois o cân. 1057 §1 requer que o mesmo seja legitimamen- te manifestado por pessoas juridicamente hábeis. Vamos, então, esclarecer alguns pontos: a) pessoas hábeis – Em sentido próprio se refere a quem está livre dos impedimentos matrimoniais (cânn. 1083- 1094). Na prática o consentimento pressupõe nas partes uma capacidade para contrair matrimônio tanto natural quanto jurídica; b) distinção entre consentimento e sua manifestação – O consentimento é uma disposição interna. Para o direi- to canônico, especialmente em relação aos sacramen- tos, esta disposição interna é absolutamente necessária. No caso do matrimônio, enquanto direito humano, este princípio tutela e expressa um elemento constitutivo es- sencial do mesmo: ninguém poderá ser obrigado a se casar, se não o quer; aceitar o contrário seria um aten- tado contra a liberdade e a dignidade fundamental das pessoas, da família e da ordem social. Portanto, sem uma vontade interna não poderá existir um matrimônio, mesmo que haja uma manifestação externa do consen- timento. Contudo, este ato interno necessita ser mani- festado para ter uma entidade social de modo que a ma- nifestação externa, na forma prescrita pelo direito, é a condição necessária para que esta vontade interna seja eficaz no mundo do direito (cânn. 1108, 1116, 1127); 213© O Matrimônio I c) o valor jurídico do consentimento – O consentimen- to das partes é o elemento fundamental do matrimô- nio, sendo absolutamente necessário e insubstituível. Assim, nenhuma lei ou autoridade é competente para dar por válido um matrimônio se falta o consentimento (cânn. 1101 §2, 1159 §1, 1162 §1) e, muito menos, para dispensá-lo. Qualquer que seja a razão pela qual o con- sentimento falte o esteja "viciado" substancialmente, o matrimônio será nulo. Convém ter presente que uma vez prestado o consentimento se presume que perdura (cân. 1107). No §2 do cânon se define o consentimento válido determi- nando as condições ou qualidades internas que deve cumprir e, ao mesmo tempo, o objeto ou conteúdo do mesmo. Enquanto ato de vontade é uma resolução deliberada e livre. Como deliberado, supõe, como dito, avaliar adequadamente a conveniência do ma- trimônio e as implicações práticas do mesmo. Como livre, supõe aceitar o matrimônio sem determinismos psicológicos ou pressões externas que impelem o sujeito a atuar de um modo determina- do. Pelo caráter bilateral do matrimônio, para que se produza um acordo constitutivo é necessário que haja o consentimento em ambas as partes. Como todo ato de vontade o consentimento ma- trimonial se especifica por seu objeto. Este não pode ser diferente daquilo que constitui a substância mesma do matrimônio: um con- sórcio de toda a vida ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole. Este objeto é inerente ao consentimento ma- trimonial. A exclusão do mesmo levaria à nulidade do matrimônio. O direito ao matrimônio – "ius connubii" (cân. 1058) Todos aqueles que não estão impedidos pelo direito podem contrair matrimônio. Trata-se de um direito fundamental de toda pessoa humana, afirmado tanto pela Igreja quanto pelo Estado. Assim, nenhuma autoridade pode privar a pessoa deste direito sem uma causa. Mas, o exercício do mesmo é livre, ou seja, nin- guém está obrigado a se casar e, por esta razão, trata-se de algo © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 214 renunciável. Nesse sentido, mais do que um direito, poderia até ser qualificado como uma liberdade, sendo uma especificação do direito à configuração da própria vida e de escolha do próprio es- tado de vida. Convém ter presente que o matrimônio não é um direito ab- soluto ou arbitrário em seu exercício. 1) Em primeiro lugar, por sua própria índole: o seu exercí- cio não depende unicamente e exclusivamente daquele que o possui, pois a liberdade é requerida para ambas as partes e, portanto, se está condicionado à liberdade do outro. 2) Em segundo lugar, porque o matrimônio pode estar li- mitado por requisitos e pressupostos de direito divino, seja ele natural ou positivo (se derivam da mesma na- tureza do matrimônio) ou de direito humano, seja ele eclesiástico ou civil (se derivam de exigências imediatas ou mediatas do bem comum no sentido de proteger os fins do matrimônio e as implicações sociais do mesmo). Portanto, o caráter público do matrimônio exige que o exer- cício deste direito seja regulado pela autoridade pública para ga- rantir o seu correto exercício e evitar fraudes e injustiças. É por esta razão que as formulações deste direito são sempre matizadas: se reconhece o direito e se constata que é limitado. A competência da Igreja sobre o matrimônio dos católicos (cân. 1059) A sacramentalidade do matrimônio fundamenta a com- petência da Igreja sobre o mesmo. O matrimônio dos católicos, mesmo quando apenas uma das partes seja católica, rege-se pelas normas do direito canônico. Contudo, o cânon precisa quem está sujeito à legislação canônica. Influenciado pelo espírito ecumênico, o legislador afirma que a legislação matrimonial da Igreja afeta não aos batizados, mas apenas aos católicos. O termo "católico" não deixa de ter os seus problemas, mas parece-nos que deva ser entendido em coe- 215© O Matrimônio I rência com o cân. 11, ou seja: todo batizado na Igreja católica ou nela recebido, já que por princípio somente estes estão sujeitos às leis eclesiásticas, ainda que posteriormente tenham abandonado a Igreja. Portanto, a Igreja afirma, pois, a sua competência exclusiva no matrimônio entre católicos, entre um católico e um batizado não católico e entre um católico e um não batizado. No caso do não batizado, no que se refere à sua capacidade para o matrimô- nio, se deverá ter presente o direito civil próprio. O matrimônio goza do favor do direito (cân. 1060) No ordenamento canônico o matrimônio goza em geral de uma tutelaespecial e ampla. Esta tutela aparece, especialmente, na proteção do matrimônio celebrado: todo matrimônio celebra- do é considerado válido. Trata-se de uma específica aplicação do princípio geral que afirma que não se deve dar por nulos os atos realizados a não ser que conste a nulidade dos mesmos. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Para alguns autores tal princípio procederia do direito natural, sendo fundado na experiência humana, pois, ordinariamente, qualquer pessoa que realiza um ato jurídico em conformidade com o direito, particularmente se este ato seja de gran- de importância, como é o caso da celebração do matrimônio, quer que produza os seus efeitos e, para que seja válido, procura realizá-lo legitimamente. Nesta linha seria o próprio direito natural que tutelaria o matrimônio e por esta razão este princípio recebido pelo CIC seria uma norma transcendente ou meta-jurídica e não uma realidade meramente positiva. Sobre a questão do "favor matrimonii" leia a seguinte obra: LLANO CIFUENTES, op. cit., 140-146. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Particularmente, o favor ao matrimônio celebrado está fina- lizado a proteger a sua segurança e estabilidade a fim de garantir o cumprimento de seus fins, tanto em relação ao bem dos indiví- duos quanto em relação aos interesses sociais e públicos. Desse modo, convém ter presente que o que se protege é o matrimônio celebrado e não o matrimônio futuro. Por isso, a sua celebração, na forma correspondente, é a base e o pressuposto do favor do direito: a celebração, portanto, não se presume. Deverá sempre © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 216 constar e ser demonstrada. Este princípio possui uma aplicação prática no direito processual, pois quando se tenta impugnar a va- lidade do matrimônio, não é ela que deve ser provada, mas sim a nulidade. Diversos tipos de matrimônio (cân. 1061) No CIC são considerados vários tipos de matrimônio. Neste cânon, porém, o legislador se fixou em três tipos: ratificado (ra- tum); ratificado e consumado (ratum et consumatum); putativo (putativum). Vejamos cada um deles: 1) Matrimonium ratum – Matrimônio ratificado é o matri- mônio válido entre dois batizados e antes da consuma- ção. Portanto, são três os requisitos para que um matri- mônio seja considerado ratificado: a) que tenha sido celebrado validamente; b) que seja celebrado entre duas pessoas batizadas; c) que não tenha sido consumado. 2) Matrimonium ratum et consumatum – Este tipo de ma- trimônio é, em primeiro lugar, ratificado, tendo duas das três características vistas anteriormente. Além disso, acrescenta-se o fato da consumação e é nisto que se dis- tingue do matrimônio ratificado. 3) Matrimonium putativum – Para que um matrimônio seja considerado putativo se requer as seguintes condições: a) que seja inválido; b) que tenha sido celebrado, em boa fé por, ao menos, uma das partes. Para um aprofundamento a respeito desses três conceitos você poderá ler o seguinte texto: LLANO CIFUENTES, R. Novo direito matrimonial canônico. Rio de Janeiro: Marques Saraiva, 1988, pp. 155-166. 217© O Matrimônio I 7. DO CUIDADO PASTORAL E DO QUE DEVE ANTECE- DER A CELEBRAÇÃO DO MATRIMÔNIO (CÂNN. 1063- 1072) Este primeiro capítulo do título VII do livro IV do CIC atu- al contém diretrizes pastorais e normas diferenciadas, mas inte- gradas em uma unidade normativa muito louvável. É um capítulo complementar à disciplina básica, pois, na prática, será preciso observar se as exigências e todos os requisitos necessários para a celebração válida e lícita de um concreto matrimônio se verificam de fato. Procura-se, assim, garantir que toda a comunidade cristã esteja consciente da transcendência do sacramento para a santi- ficação dos cônjuges e para a manutenção do espírito cristão no povo de Deus. A atenção pastoral àqueles que querem se casar (cân. 1063) Este cânon recolhe e resume a obrigação e os diversos as- pectos da pastoral matrimonial pela qual são responsáveis os pas- tores e toda a comunidade cristã. Tarefa do bispo e do pároco é animar e garantir esta assistência ao matrimônio. O texto é como se fosse um esquema para a elaboração de um diretório e nele se enumeram os seguintes elementos: a) os deveres dos responsáveis pela pastoral; b) os deveres e responsabilidades de toda a comunidade eclesial; c) a finalidade da assistência aos fiéis; d) as distintas fases de uma preparação: remota, próxima e imediata; e) a ajuda aos casados e os meios com os quais se prestará esta ajuda. A mesma celebração deve ser objeto de atenção, permitindo que os cônjuges captem o significado profundo de sua união. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 218 Competências do Ordinário local (cân. 1064) A complexa e importante pastoral matrimonial requer orien- tação e ordenação para que sua eficácia não se dilua na anarquia e na dispersão de esforços. O cânon atribui ao Ordinário local a res- ponsabilidade de dar a devida orientação e ordenação à pastoral matrimonial. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Na prática já encontramos em muitas dioceses diretórios de pastoral matrimonial, contendo orientações práticas sobre o matrimônio e sua preparação. É preciso que se evite transformar determinadas orientações em uma espécie de impedi- mento para o matrimônio, buscando-se um equilíbrio nas exigências de prepara- ção, pois, se de um lado não podemos banalizar o sacramento, de outro lado não podemos elitizado, reservando-o a poucos. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– É um direito que lhe corresponde, mas, também, é um dever. É importante observar que o cânon traz uma orientação não muito frequente quando diz: "[...] ouvindo, se parecer oportuno, homens e mulheres de comprovada reputação e competência". Isto indica que esta é uma atividade pastoral peculiar, que exige conhecimen- tos complexos nas ciências antropológicas e, também, experiên- cia, sendo, ainda, uma insinuação de que este seria um assunto a ser tratado no Conselho de Pastoral (cân. 511 e 512), embora não exclusivamente. É certo que o cânon não obriga o Bispo a fazer tais consultas, porém, não se poderia deixar de reconhecer que tal cooperação é oportuna. Recomendações (cân. 1065) O cânon recomenda a recepção do sacramento da confirma- ção para aqueles que ainda não a receberam antes do matrimônio, se isto for possível e não causar um grave incômodo. Portanto, não se trata de uma imposição absoluta, pois poderá haver um grave in- cômodo que impeça a recepção da confirmação. Em contrapartida, é importante ter presente que a confirmação pertence aos sacramen- tos de iniciação cristã e seria importante que fosse realizada, sem, contudo, ser motivo para se impedir a celebração do matrimônio. 219© O Matrimônio I Para uma frutuosa recepção do sacramento o cânon reco- menda, ainda, que os noivos se aproximem da penitência e, tam- bém, da eucaristia. Trata-se, de novo, de uma recomendação, pois a recepção de um sacramento é e deve ser livre. Preparação ao matrimônio: princípio fundamental (cân. 1066) O texto é uma expressão de um postulado de prudência apli- cado à celebração do matrimônio e, também, à sua convalidação: para proceder a um matrimônio deve constar que nada se opõe à sua válida e lícita celebração. Dado seu caráter geral o cânon afeta a todos aqueles que têm responsabilidade na celebração do matrimônio. Em primeiro lugar deve constar aos próprios interessados que nada se opõe à celebração lícita e válida do sacramento. Este dever não significa apenas o cumprimento de algumas formalidades externas, mas, suposto o conhecimento dos requisitos necessários, a eliminação de eventuais obstáculos e o cumprimento de tudo aquilo que a celebração exige. Isto também se aplica aos outros responsáveis pela celebração. Se o obstáculo nãofor eliminável deve-se aconse- lhar os interessados a desistirem ou, mesmo, impedi-los de casar, se for o caso. Competência da Conferência Episcopal (cân. 1067) Está nas mãos da Conferência Episcopal a tarefa de estabe- lecer normas sobre o exame dos noivos, sobre os proclamas ma- trimoniais e outros meios para fazer as investigações necessárias antes do matrimônio. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Quanto ao exame dos noivos o sentido da norma é óbvio, pois estamos diante de um assunto tão personalíssimo como o é o matrimônio. Caberá à Conferência Episcopal estabelecer o modo, a extensão e o conteúdo deste exame. Basica- mente serão questões a respeito da existência de impedimentos, da liberdade ou outras circunstâncias do consentimento, como, também, sobre a instrução cristã dos noivos. Você poderá conferir no final do CIC, na edição brasileira, a normati- va da CNBB a este respeito. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 220 A situação de perigo de morte (cân. 1068) Em perigo de morte, não sendo possível obter outras provas e não havendo indícios em contrário, é suficiente a afirmação dos nubentes, mesmo sob juramento, se for o caso, de que são bati- zados e não existe qualquer impedimento. Isto significa que todos os trâmites necessários estabelecidos pela Conferência Episcopal podem não ser observados quando exista perigo de morte para, ao menos, um dos contraentes. O que justifica a exceção, portan- to, é o perigo de morte, e não qualquer outra causa (tranquilizar a consciência, legitimação dos filhos etc.). Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Por perigo de morte se entende uma circunstância qualquer que traga uma real possibilidade de produzir a morte de alguém, podendo advir de distintas causas (enfermidade, operação cirúrgica, ataques bélicos, acidentes, catástrofes etc.). Convém destacar que neste caso basta a declaração dos contraentes (com ou sem juramento) que pode ser reforçada sempre e quando houver condições de obter outras provas. Caberá ao pároco, ou ao sacerdote ou diácono presente (cânn. 1079, 1116 §2), decidir sobre a questão. Aparece muito clara a responsa- bilidade dos contraentes, pois a validade e liceidade do matrimônio dependerão exclusivamente de sua declaração. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A intervenção dos fiéis (cân. 1069) Os fiéis têm a obrigação de manifestar ao pároco ou ao Or- dinário do lugar, antes da celebração de um matrimônio, os im- pedimentos de que tenham conhecimento. Obviamente que a existência de tal obrigação está condicionada ao conhecimento do projetado matrimônio e por isso é que existem os proclamas. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Por impedimento se entende qualquer circunstância que possa afetar a válida e lícita celebração do matrimônio. A obrigação de oferecer denúncia se estende a todos os impedimentos públicos ou ocultos e surgirá somente quando conste com certeza a existência ou, ao menos, uma suspeita seriamente fundada de sua existência. A gravidade da obrigação dependerá das consequências da omissão que, em geral, são muitas e sempre graves, pois se trata de danos ao próximo e uma injúria ao sacramento. A obrigação cessa quando conste que o impedimento chegou ao conhecimento do Ordinário do lugar ou, então, do pároco responsável 221© O Matrimônio I pelo expediente (cân. 1115). A obrigação não urge quando sua manifestação supõe uma infâmia ou grave mal para o denunciante. Estão, também, livres dela os que são escusados pelo segredo profissional. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Cooperação entre os párocos (cân. 1070) Se as investigações pré-matrimoniais foram feitas por outra pessoa e não pelo pároco a quem compete assistir ao matrimônio, caberá a quem fez tais investigações informar ao pároco compe- tente, o quanto antes, mediante um documento autêntico, o resul- tado das investigações. O objetivo desta norma é o de garantir que todas as providências necessárias para a realização do matrimônio foram tomadas e que o pároco responsável pela assistência possa proceder com segurança. Casos em que o "assistente" necessita de uma licença do Ordinário do lugar (cân. 1071) Acertadamente o cânon recolhe sete casos em que se exi- ge uma licença do Ordinário do lugar para que se possa assistir licitamente a um determinado matrimônio, sem, contudo, afetar a validade do mesmo. Convém recordar que tal licença não urge em "caso de necessidade". O CIC não esclarece o que significa con- cretamente isso, mas exclui-se, aqui, o perigo de morte, pois já foi tratado separadamente no cân. 1068. A razão da exigência de uma licença está no fato que os casos tipificados podem dar origem a abusos sutis ou, então, a escândalos. No caso do matrimônio de vagantes (nº. 1) e por procurador (nº. 7) o motivo é técnico, pois é difícil chegar à constatação de que nada se opõe à sua celebração (ver cân. 100 e 1105). No caso do matrimônio que não possa ser reconhecido ou ce- lebrado civilmente (nº. 2) o teor da norma deixa transparecer que não se reconhece nenhuma superioridade da lei civil sobre a canô- nica quando se trata de matrimônio dos que estão sujeitos às leis eclesiásticas. Porém, a Igreja também está disposta, se necessário, a permitir o matrimônio canônico quando, pela legislação civil, os © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 222 contraentes estão impedidos ou proibidos de casar. Esta situação cria um risco para os fiéis e pode repercutir na Igreja. Diante da di- versidade de circunstâncias que podem ir desde discriminações ra- ciais ou religiosas até simples discrepâncias de idade, o Ordinário ponderará, ao dar a licença, a finalidade da Igreja, a proteção dos direitos das pessoas e o bem comum da comunidade cristã. No caso do matrimônio de quem está sujeito a obrigações naturais nascidas de uma união precedente para com outra parte ou para com filhos (nº. 3) o cânon deixa bem claro que está se referindo a uma união de pessoas que, sem ser legal ou válida ca- nonicamente, o seja, ou não, civilmente, é capaz de produzir, pela própria natureza da união, aquelas obrigações que produzem as uniões canonicamente verdadeiras. A existência ou não de uma aparência legal, eclesiástica ou civil, que constitui a relação não é relevante juridicamente. O escândalo que pode produzir uma situ- ação do gênero é o motivo pelo qual se pede uma vigilância espe- cial do Ordinário do lugar. Caberá a ele exigir dentro do possível a eliminação das causas do escândalo, ao menos com a garantia do cumprimento das obrigações, antes de dar a licença. O nº. 4 trata do abandono notório da fé católica. Quem está na realidade afastado da fé católica não pode receber um sacra- mento e a Igreja não o pode dar (cân. 844 §4). No caso do matri- mônio, se ambos contraentes estiverem nesta situação não será possível permitir o matrimônio canônico. Portanto, aqui se trata apenas dos casos em que apenas um dos contraentes abandonou a fé católica sem aderir a outra comunidade cristã. Quando o afas- tamento vai acompanhado da adscrição a outra comunidade cris- tã, nos encontramos diante do matrimônio misto regulado pelo cân. 1124ss. O matrimônio de alguém que esteja nesta situação requer em si e devido ao escândalo que possa gerar uma vigilância e, por precaução, se requer as cautelas fixadas pelo cân. 1125. 223© O Matrimônio I Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O abandono é notório quando existe uma opinião de fato divulgada e comum do afastamento da fé de uma pessoa. A notoriedade pode ser explícita (confissão, sentença) ou implícita, como é o caso da adesão da pessoa a uma religião não cristã ou a entidades cuja finalidade é a profissão e propagação do ateísmo ou agnosticismo, ou mesmo, quando há manifestações, por meio das quais se re- chaça a fé, acompanhadasde uma exclusão de toda prática católica. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O nº. 5 trata de quem está sob censura. Seria o caso da ex- comunhão e do interdito. Evidentemente a razão da norma está no efeito destas penas que impedem que se celebre e receba os sacramentos. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Como se trata de penas medicinais, a cessação da pena depende apenas do censurado e, portanto, não faz muito sentido conceder a licença enquanto per- manece a pena, pois esta seria um sinal de contumácia por parte do censurado. A única razão para se conceder a licença seria em casos excepcionais a atenção ao cônjuge não censurado. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O nº. 6 trata do matrimônio de menores de idade sem o co- nhecimento ou contra a vontade razoável dos pais. O cânon quer evitar a falta de reverência devida aos pais, o desprezo por eles como naturais conselheiros e possíveis conflitos com a lei civil. Contudo, a oposição baseada apenas em diferenças sociais ou cul- turais não poderá ser considerada racional, como, também, não o é apenas o bem dos pais ou da família. O juízo sobre tal racionali- dade caberá ao pároco, pois somente quando esta se faça presen- te é que se irá recorrer ao Ordinário do lugar. Recomendação sobre a idade (cân. 1072) O capítulo encerra-se com uma recomendação pastoral: os pastores devem procurar dissuadir os jovens de contrair o matri- mônio antes da idade em que se usa contrair o matrimônio confor- me o costume de cada região. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 224 8. OS IMPEDIMENTOS DIRIMENTES EM GERAL (CÂNN. 1073-1082) O tema dos impedimentos ocupa um papel importante e não indiferente no nascimento do matrimônio. Por esta razão, iremos dele nos ocupar nesta parte do curso. É importante ter presente que os impedimentos ocupam dois capítulos (II e III) do título VII (Do matrimônio) do livro IV. O primeiro trata de questões gerais e o segundo especifica cada um dos doze impedimentos, indicando as características e circunstâncias peculiares de cada um deles. Num primeiro momento, nos fixaremos nos impedimentos dirimentes em geral para, no momento seguinte, tratarmos dos impedimen- tos dirimentes em especial. Vamos lá, então? Natureza, função e sujeitos passivos (cânn. 1073-1074) Natureza - Inicialmente, é fundamental que se esclareça o significado da palavra impedimento. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– No CIC atual a palavra impedimento é acompanhada de um qualificativo: diri- mente. Na verdade, a divisão dos impedimentos em dirimentes (com sanção de nulidade) e impedientes (sem sanção de nulidade) desapareceu do código atual. Portanto, todo impedimento é sempre dirimente de modo que falar estrita e tecnicamente hoje em impedimento matrimonial equivale a dizer impedimento dirimente. Assim, o qualificativo vigente no CIC não tem precisamente a função de diferenciar e classificar, mas, sim, de clarificar o conceito. A este respeito veja, também, HORTAL, J. O que Deus uniu. São Paulo: Loyola, 1986, p. 66-67. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Trata-se de uma palavra genérica que significa obstáculo. Pode ser aplicada a qualquer obstáculo legal que impeça a válida celebração do matrimônio. Contudo, em um sentido técnico e es- trito, o impedimento é sempre uma proibição legal e permanente de contrair matrimônio validamente, fundada em uma qualidade ou circunstância física da pessoa ou em uma relação pessoal. Esta proibição é exigida ou pela mesma natureza do matrimônio ou, então, por bens sociais que dele derivam. 225© O Matrimônio I Quanto ao termo "dirimente", utilizado pelo cân. 1073 para clarificar o conceito de impedimento, podemos afirmar que signi- fica duas coisas: 1) tais impedimentos proíbem a celebração do matrimô- nio; 2) impedem que se contraia validamente o matrimônio. Trata-se de uma lei que, inicialmente, proíbe a uma determi- nada pessoa a celebração do matrimônio. Além disso, é uma lei ina- bilitante, ou seja, torna a pessoa inábil para contrair matrimônio. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Existem leis que para tutelar determinados valores estabelecem a nulidade do ato jurídico quando não for realizado em conformidade com a lei. Esta nulidade poderá derivar ou da falta de um elemento que constitui o ato jurídico como tal, ou da incapacidade da pessoa para colocar um determinado ato jurídico. No pri- meiro caso, temos uma lei irritante e, no segundo, uma lei inabilitante. No caso dos impedimentos matrimoniais nos encontramos diante de uma lei inabilitante. Assim, do impedimento-lei que torna a pessoa inábil, surge necessariamente o efeito de dirimir o matrimônio caso este seja realizado. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Do que foi dito anteriormente podemos extrair as seguintes consequências: 1) os impedimentos matrimoniais não se presumem – Se- gundo o cân. 10, somente podem ser consideradas irri- tantes ou inabilitantes unicamente as leis pelas quais se estabelece expressamente que um ato é nulo ou uma pessoa é inábil. Assim, os impedimentos matrimoniais são apenas e tão somente os doze estabelecidos pelos cânn. 1083-1094 e dentro dos limites fixados e definidos pelo legislador. Não existe, portanto, qualquer possibili- dade de estender a qualificação de verdadeiro impedi- mento a outras leis; 2) o impedimento duvidoso não obriga – Aplicando a nor- ma geral do cân. 14 aos impedimentos podemos afirmar que o impedimento duvidoso, em caso de dúvida de direito não obriga e, portanto, o matrimônio celebrado com tal impedimento será sempre válido. Evidentemen- te será necessário verificar se se trata de uma dúvida po- sitiva, ou seja, que não é privada de fundamento e que © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 226 foi ponderada com a devida atenção. Quando o impedi- mento é duvidoso de fato, existe o recurso da dispensa por parte da autoridade eclesiástica competente; 3) a ignorância ou o erro a respeito dos impedimentos não impede o efeito dos mesmos – A ignorância ou o erro a respeito de leis irritantes ou inabilitantes não impedem o efeito delas, salvo determinação expressa em contrá- rio (cân. 15 §1). Como em nenhuma parte do CIC se es- tabelece expressamente que os impedimentos ou, ao menos, algum deles não tornariam a pessoa inábil para contrair matrimônio em caso de ignorância ou erro, per- manece de pé o princípio do cân. 15. 4) os impedimentos devem ser interpretados estritamen- te – Como são leis que restringem o livre exercício dos direitos devem ser interpretados estritamente e não lar- gamente (ver o cân. 18). Função – Como é evidente, os impedimentos são leis que restringem o livre exercício de um dos direitos fundamentais da pessoa humana: o direito ao matrimônio. Convém notar que o cân. 1058, que considera o direito de todos para contrair matrimônio, já contém uma cláusula que serve como apoio para os impedimen- tos: "podem contrair matrimônio todos os que não são proibidos pelo direito". Isto significa que o direito – natural ou humano posi- tivo – poderá proibir o matrimônio em um caso concreto e a uma pessoa determinada. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Surge, aqui, a seguinte questão que afeta, ao menos, os impedimentos de direito puramente eclesiástico: sendo o matrimônio um direito fundamental da pessoa humana, derivado do direito natural, como é possível que o seu livre exercício possa ser restringido por um impedimento enquanto lei humana que este é? Na verdade o matrimônio, ao menos para a Igreja, é uma realidade pública e, como tal, possui uma dimensão social. É por esta razão que o legislador pode intervir em um matrimônio que nasce, não apenas emanando normas que estabelecem o modo como deve ser celebrado, mas, também, estabelecendo leis que im- pedem o livreexercício do direito ao mesmo. Isto é feito para tutelar o bem da comunidade e para impedir que haja qualquer injustiça ou dano às partes. No fundo, trata-se de uma tentativa de conciliar o direito subjetivo ao matrimônio com as exigências do bem comum da comunidade eclesial. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 227© O Matrimônio I Sujeitos passivos – a questão a esclarecer é a seguinte: os impedimentos enquanto leis afetam a quem? A resposta encontra- -se no cân. 11, que afirma o seguinte: Estão sujeitos às leis meramente eclesiásticas os batizados na Igreja católica ou nela recebidos, que têm suficiente uso da razão e, se o direito não dispõe expressamente outra coisa, completarem sete anos de idade. O fato de abandonar a Igreja mediante um ato formal não há relevância nem para a as leis meramente eclesiásticas em geral e nem para os impedimentos matrimoniais. Competência para declarar e estabelecer outros impedimentos (cân. 1075) Nenhuma autoridade humana pode se arrogar uma compe- tência desta índole: interpretar o direito divino. A declaração de impedimentos de direito divino compete, segundo o CIC, à Supre- ma Autoridade da Igreja, ou seja, o Papa e o Colégio Episcopal. De- clarar esses impedimentos quer dizer: precisar o seu conteúdo, o significado e o alcance dos mesmos. Falando em termos abstratos e objetivos estes impedimentos de direito divino declarados pela Igreja afetam a todos os homens, batizados ou não. Todavia, quem não foi batizado e não conhece ou reconhece a potestade da Igreja, subjetivamente não pode se sentir obrigado em consciência a seguir tais declarações quando as ignoram ou erram em boa fé. Além da declaração de impedimentos de direito divino com- pete, também, exclusivamente à Suprema Autoridade da Igreja estabelecer impedimentos de direito eclesiástico. Evidentemente que tais impedimentos, embora, em princípio, possam afetar a to- dos os batizados, por disposição do direito afetarão diretamente aos que estão sujeitos às leis meramente eclesiásticas (cânn. 11 e 1059). Indiretamente podem afetar aos batizados quando con- traiam o matrimônio com um católico sujeito a tais leis. © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 228 Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A competência exclusiva da Suprema Autoridade da Igreja em matéria de im- pedimentos matrimoniais existe desde o século 12 e permanece por razões de unidade em torno de algo tão sério como o é o matrimônio. Certamente uma disciplina reguladora e limitadora do direito ao matrimônio deve se reduzir ao mínimo exigido pela natureza das coisas, ao bem do matrimônio e da família, às exigências essenciais do bem comum de toda a Igreja. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A dispensa dos impedimentos (1078-1082) Os impedimentos cessam, em primeiro lugar, por mudança na lei que é de competência absoluta da autoridade suprema da Igreja, como se deduz dos cânn. 1075-1076. Em casos concretos podem cessar quando desaparece a circunstância em que se fun- dam ou por legítima dispensa. Os cânones 1078-1082 tratam desta última possibilidade, ou seja, da legítima dispensa. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Para o conceito de dispensa leia o cân. 85. Ela pode ser concedida por quem possui o poder executivo, dentro dos limites de sua competência, e, também, por aqueles aos quais compete, explícita ou implicitamente, o poder de dispensar pelo próprio direito ou por legítima delegação. O legislador ao tratar da dispensa dos impedimentos, a considera em três circunstâncias distintas: ordinariamente, em perigo de morte e quando tudo já está preparado para as núpcias. A possibi- lidade de dispensa dos impedimentos matrimoniais nas três situações à qual me referi se encontra amplamente desenvolvida em alguns textos. Dela não me ocu- parei aqui, mas você poderá consultar as seguintes obras: LLANO CIFUENTES, R. Novo direito matrimonial canônico. Rio de Janeiro: Marques Saraiva, 1988, pp. 206-210; HORTAL, J. O que Deus uniu. São Paulo: Loyola, 1986, pp. 68-71. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 9. OS IMPEDIMENTOS DIRIMENTES EM ESPECIAL (CÂNN. 1083-1094) Conforme falamos anteriormente, os impedimentos matri- moniais são doze e trataremos de cada um deles brevemente, pro- curando deixar claro o significado do seu conteúdo. 229© O Matrimônio I Impedimento de idade (cân. 1083) O §1 do cânon determina de um modo absoluto o limite mí- nimo de idade requerida para se contrair matrimônio validamen- te. Apesar de algumas sugestões para que se elevasse ou acomo- dasse a idade mínima às legislações civis, o fato é que o legislador resolveu manter a mesma idade exigida pelo CIC anterior, ou seja, 14 anos para as mulheres e 16 anos para os homens. O parágrafo segundo especifica uma das competências das Conferências Episcopais, certamente oportuna, tendo em vista as diversas posições existentes nas diferentes culturas e nas legisla- ções dos Estados. Aqui no Brasil a CNBB estabeleceu para a licei- dade da celebração do matrimônio canônico a idade mínima de 16 anos para as mulheres e 18 anos para os homens. A não observân- cia desta norma exige uma licença do Ordinário do lugar. Impedimento de impotência (cân. 1084) Uma visão personalista do matrimônio e a renovada visão de seus fins trouxeram matizações importantes na compreensão do impedimento. Logo de início convém esclarecer que a impotência está in- timamente relacionada com a esterilidade, mas dela se diferen- cia substancialmente. A impotência carrega consigo a esterilidade ou a falta de prole, mas a esterilidade não tem necessariamente como causa a impotência e nem se identifica com ela. A esterilida- de é incapacidade para ter filhos. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– A esterilidade é uma situação natural de todo homem e de toda mulher até atin- gir a devida maturidade fisiológica e, na mulher, também é a condição natural quando entra na menopausa. Independentemente da natural evolução do cor- po humano, a esterilidade pode derivar de outras circunstâncias. Dá-se quando congenitamente ou por enfermidade, acidente ou outras circunstâncias faltam os elementos essenciais para a geração, seja por carências dos órgãos reproduto- res, transmissores ou da gestação ou, então, por uma falha no funcionamento correto de qualquer órgão que intervém necessariamente no processo gerativo. Para um aprofundamento deste impedimento veja: HORTAL, J. Op. cit. p. 74-81. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 230 Naquelas circunstâncias em que a esterilidade tem como base a incapacidade para realizar o ato conjugal com o qual se ini- cia o processo gerativo, já não falamos mais de esterilidade, mas, sim, de impotência que é a que constitui o impedimento. Trata-se, portanto, de um conceito diferenciado juridicamente. Para concretizar o conceito canônico de impotência, salvo o risco de confundi-la com a esterilidade, é fundamental que se determinem os elementos essenciais por parte da mulher e do ho- mem na relação do ato conjugal. A impotência refere-se à incapacidade (independentemente da causa) para poder realizar aqueles atos que no processo gerati- vo dependem das pessoas. Estes atos se concretizam na possibili- dade da recepção do membro viril na vagina da mulher com a con- sequente ejaculação por parte do homem. Assim, para a mulher é suficiente que seja capaz de receber o membro viril em sua vagina e, para o homem, é necessária a ereção, penetração e a possibili- dade de efusão do sêmen no interior da vagina da mulher. O fundamento do impedimento está na concepção de que o matrimônio é ordenado por sua índole natural ao bem dos cônjuges (do qual a dimensão sexual é parte integrante) e à procriação. Como afirmamos que o todo processo gerativo não depende completa- mente da vontadedas partes, esta ordenação não pode ser enten- dida como necessidade de uma procriação efetiva. Exige-se, porém, que os contraentes tenham a capacidade de realizar aquela parte do processo gerativo que depende deles. Se não possuem esta aptidão (potência) não poderíamos afirmar que o matrimônio estaria orde- nado à prole, à norma do cân. 1055 §1. Com esta potência, em sen- tido técnico-jurídico, o matrimônio está potencialmente ordenado à prole, independentemente do fato que efetivamente esta exista ou não. Esta potência sexual, em sentido estrito, é o que constitui o ponto de referência do impedimento e é a que exige o matrimônio por sua própria natureza, como algo intrínseco ao mesmo. 231© O Matrimônio I Para que a impotência seja impedimento deve ter as seguin- tes características: a) antecedente; b) perpétua; c) absoluta; d) relativa. Por impotência antecedente se entende aquela que existe antes ou no momento da celebração do matrimônio. Se imediata- mente após a manifestação do consentimento matrimonial uma das partes se torna impotente (à causa de um acidente, por exem- plo), o matrimônio é válido, embora possa ser dissolvido por causa da não consumação (cân. 1142). A segunda característica é a perpetuidade, que nem sempre é bem entendida. De um ponto de visto médico uma impotência só é perpétua quando não pode ser curada de forma alguma. Mas, de um ponto de vista jurídico, a perpetuidade é entendida de ou- tra maneira. Quando a impotência não pode cessar de um modo absoluto, ou, então, só pode cessar mediante o recurso a um meio ilícito ou extraordinário, é considerada perpétua. Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Por meio ilícito se entende o que é contrário à moral e por meio extraordinário se entende uma intervenção cirúrgica ou outros procedimentos que tragam um risco para a vida ou a saúde. Portanto, quando a impotência procede de um defeito orgânico ou funcional que pode desaparecer ou ser sanado por meios lícitos e ordinários, que não tragam um grave perigo para a vida ou para a saúde da pessoa, não constitui um impedimento. A capacidade de coito só é afetada decisivamente quando a impotência é realmente perpétua, em outros casos não impede o matrimônio, mesmo que retarde a consumação. Assim, quando a im- potência pode ser eliminada por meios ordinários e lícitos é considerada sanável e o matrimônio é válido, embora a parte afetada esteja obrigada a buscar a cura para o problema, pois a outra parte tem o direito ao ato conjugal. Existe, pois, a possibilidade de um sujeito impotente perpetuamente (no sentido jurídico do termo) ter o seu matrimônio declarado nulo e após este fato conseguir recuperar a potência mediante um procedimento de risco. Neste caso, recuperada a potên- cia, ele pode contrair matrimônio validamente. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 232 Uma terceira característica da impotência é a irrelevância do fato de ser absoluta ou relativa. A impotência é absoluta quando afeta a pessoa de um modo tal que a torna incapaz de realizar o ato conjugal com qualquer pessoa do sexo oposto. Se tal incapaci- dade se verifica apenas no confronto de uma determinada pessoa e não nas demais, então é relativa. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O matrimônio e, portanto, o ato conjugal, ocorre entre duas pessoas determina- das e, por isso, também sob este aspecto os atos conjugais entram na categoria de relações interpessoais. Um sujeito que absolutamente falando é potente, ou seja, que é capaz de ter relações íntimas com outras pessoas do sexo oposto, pode não ser potente em relação à pessoa concreta com a qual se casa. Isto pode ocorrer por razões não apenas de origem anatômica, mas, também, por razões de origem psíquica. Neste caso, o sujeito não é impotente absolutamente, mas, apenas, relativamente e, portanto, não pode contrair validamente o matri- mônio com aquela determinada pessoa. Normalmente a impotência relativa é funcional e de origem psicológica. Se a constatação da impotência orgânica é relativamente fácil, não o é para a impotência funcional, principalmente quando procede de causas psíquicas. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O §2 do cânon é consequência do direito natural certo ao matrimônio (cân. 1058) que não pode ser limitado por um impe- dimento que é duvidoso e não certo. Por isso, afirma-se que a im- potência deve ser certa, caso contrário o matrimônio não pode ser impedido ou declarado nulo. Uma vez celebrado o matrimônio e constatada a impotência, será possível declará-lo nulo. Impedimento de vínculo (cân. 1085) O cânon especifica o impedimento de vínculo que deriva das propriedades essenciais do matrimônio, especialmente da uni- dade (cân. 1056). Do matrimônio surge entre os cônjuges, como efeito essencial, um vínculo que por sua natureza é perpétuo e exclusivo (cân. 1134) e ao qual se opõe o divórcio e a bigamia. O impedimento consiste no seguinte: aquele que está valida- mente casado, enquanto durar o vínculo matrimonial, não pode se casar novamente com outra pessoa. Para a Igreja, trata-se de um impedimento de direito natural e, por isso, aplicável a todo matri- monio existente, tanto de cristãos quanto de não cristãos. 233© O Matrimônio I Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– Apesar disso, o impedimento de vínculo pode cessar nos seguintes casos: a) pela morte de um dos cônjuges; b) por dispensa pontifícia à norma do cân. 1142 ou, então, quando intervém o privilegium fidei (cân. 1143-1149); c) quando o matrimônio é declarado nulo à norma dos cânn. 1671-1691. Para os casos em que a morte não possa ser constatada diretamente é neces- sário recorrer ao cân. 1707. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O impedimento é objetivo e não depende da opinião se o matrimônio é válido ou não. Por sua vez, a dúvida sobre a valida- de do matrimônio celebrado não permite a celebração de novas núpcias, pois, conforme o cân. 1060, o matrimônio goza do favor do direito e, além disso, a dúvida deve ser resolvida mediante um processo. No §2 o legislador dá algumas normas que devem ser obser- vadas antes de se contrair um novo matrimônio, mesmo quando o precedente seja nulo ou tenha sido dissolvido pela competente autoridade. Um novo matrimônio só seria válido, cumpridos os re- quisitos necessários, quando não há o vínculo matrimonial, seja porque o primeiro matrimônio foi realizado invalidamente, seja porque o vínculo foi dissolvido legitimamente. Mas, para isso, é necessário que conste a legítima declaração de nulidade ou a dis- solução do vínculo. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– Em relação à nulidade do matrimônio ela consta legitimamente quando foi se- guido o itinerário estabelecido pelo CIC: em casos normais, por meio de deci- sões judiciais afirmando a nulidade do matrimônio (cân. 1682, 1684); nos casos previstos, através da decisão que se segue a um processo documental (cânn. 1686-1688). Em relação à dissolução do vínculo, ela consta legitimamente pelo atestado de óbito (tratando-se de morte presumida, por meio do procedimento estabelecido pelo cân. 1707) ou por dispensa papal, à norma do cân. 1706. É bom ter presente que se a sentença de nulidade for equivocada ou nula, seguiria existindo o dito matrimônio e, consequentemente, o impedimento, com o qual um segundo matrimônio eventualmente contraído por causa da sentença ou dissolu- ção do vínculo seria necessariamente inválido. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 234 Impedimento de disparidade de culto (cân. 1086) Este cânon proíbe o matrimônio entre um católico e uma parte não batizada. Caso isso ocorra, sem a devida dispensa, o matrimônio será nulo. Em uma perspectiva teológica é necessário ter presente que o matrimônio entrepessoas que não estão em plena comunhão de fé não pode representar a plenitude da união de Cristo e da Igre- ja. Esta realidade traz consigo uma série de inconvenientes que podem surgir na união matrimonial quando se considera o valor antropológico do elemento religioso na vida do ser humano, cujo sentido último não se compreende senão à luz da fé. Portanto, temos três grupos de razões que fundamentam o impedimento: 1) o perigo da perda da fé ou, ao menos, de indiferentismo para a parte católica e a dificuldade para a transmissão da fé à prole; 2) dificuldades especiais para a unidade espiritual dos con- traentes; 3) problemas para a vida conjugal derivados de distintas concepções do matrimônio. Assim, sustenta-se que a comunhão íntima de vida poderia ficar prejudicada com a convivência entre um católico e um não católico ou não crente, pois traria um risco para a fé e poderia criar obstáculos para a educação religiosa e ética da prole e para a transmissão da fé católica. No caso de um não batizado o proble- ma é ainda maior, pois não há a fé em Jesus Cristo. Além disso, o matrimônio não seria sacramento e, portanto, faltariam os auxílios espirituais derivantes do sacramento. Vistos os fundamentos de tal impedimento, passamos, ago- ra, para os requisitos necessários para que se dê o impedimento de disparidade de culto: 1) Requisitos na parte batizada: o impedimento, segundo o motu proprio Omnium in mentem, afeta a quem foi ba- tizado na Igreja católica ou nela acolhido, pois impede a pessoa de se casar com outra não batizada. Eis o novo 235© O Matrimônio I texto que altera o quanto previsto pelo cân. 1086 §1: "Matrimonium inter duas personas, quarum altera sit baptizata in Ecclesia catholica vel in eandem recepta, et altera non baptizata, invalidum est" (Art. 3). Informação Complementar ––––––––––––––––––––––––––––– É interessante notar que antes desta mudança no texto, o cân. 1086 §1 não incluía no impedimento os que haviam abandonado a Igreja católica por ato for- mal. Tratava-se de uma exceção ao princípio geral estabelecido pelo cân. 11 que estende a obrigatoriedade das leis meramente eclesiásticas a todos os batizados na Igreja católica ou nela acolhidos, independentemente do fato de a terem aban- donado com um ato formal. Desta forma, o legislador excluía expressamente desta lei os que abandonaram a Igreja por um ato formal, estabelecendo uma exceção ao princípio geral. Assim, indiretamente reafirmava um princípio funda- mental: a isenção das leis eclesiásticas não apenas constitui um caso excepcio- nal, mas deve ser expressamente estabelecida. Todavia, tal isenção trouxe uma série de problemas práticos. Estava claro, por exemplo, que sem uma declaração expressa e constatável seria muito difícil poder afirmar um abandono da Igreja e distingui-lo de outras situações complexas: mero afastamento, estado de dúvida ou hesitação, declaração oportunista ou interessada, que, na verdade, poderia não ser um verdadeiro abandono da fé e da Igreja. O legislador com a expressão "abandono da Igreja por ato formal" deixava claro que se tratava de um abando- no real e não um mero afastamento, motivado ou não. Em segundo lugar, que este abandono não deveria ser algo meramente interno e exclusivamente rele- vante na vida privada do sujeito, mas, sim, deveria ser manifestado de alguma forma que seja socialmente e juridicamente relevante. Todavia, o conceito de abandono da Igreja se prestou a confusões e a fáceis abusos por excesso ou por defeito. Por isso e pelas razões expostas no motu proprio Omnium in mentem, o Papa Bento XVI optou por eliminar tal isenção do texto do cân. 1086 §1. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 2) Requisitos na parte não batizada: o impedimento se dá quando a outra parte que pretende contrair matrimô- nio não está batizada, ou seja, não recebeu o batismo ou não o recebeu validamente. Vale aqui o fato obje- tivo, sem que haja qualquer influência para a validade do batismo o erro ou a ignorância dos contraentes ou de outros que podem dar os contraentes por batizados. Tratando-se de um batismo na Igreja católica a nulidade deveria se fundamentar em alguns dos capítulos de nuli- dade possíveis na recepção do batismo: a) defeito de matéria ou forma (cân. 849); b) falta de intenção ou simulação no sujeito (cân. 865); c) falta de intenção do ministro (cân. 861 §2). © Direito Canônico II Centro Universitário Claretiano 236 Se nenhum desses capítulos se demonstra, não há por que duvidar da validade de um batismo. O mesmo se diga do batismo recebido fora da Igreja católica (cân. 869). O impedimento cessa naturalmente com a conversão da par- te não batizada. Porém, o impedimento pode cessar, também, por dispensa não reservada à Santa Sé. Para que se possa conceder esta dispensa deverão ser observadas as normas sobre a conces- são da licença para os matrimônios mistos (cânn. 1125 e 1126). Inicialmente, é necessário que exista uma causa proporcio- nada que justifique a dispensa desta grave proibição. Podemos afirmar que haverá uma causa proporcionada que justifi- que a dispensa sempre que o Ordinário local julgar que ao permitir o matrimônio estará contribuindo para o bem espiritual dos fiéis, observadas as circunstâncias do caso. É necessário, igualmente, garantir que seja afastado da parte católica o perigo de defecção da fé e que a mesma se comprome- ta sinceramente a fazer todo o possível a fim de que toda a prole seja batizada e educada na Igreja católica. Exige-se, também, que a parte não católica seja informada a respeito deste compromisso da parte católica e, por fim, que seja garantido um consentimen- to válido da parte não católica. Deve-se verificar se a parte não católica possui um conceito verdadeiro de matrimônio e assim o contraia validamente. Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– O cumprimento das condições exigidas pelo cân. 1125 são requisitos necessá- rios para a validade da dispensa: assim, o valor jurídico das normas do cân. 1125 em relação ao impedimento de disparidade de culto é essencialmente distinto das mesmas normas quando se referem aos matrimônios mistos (cân. 1124), pois se a dispensa foi inválida, o matrimônio seria nulo; e se a licença foi inválida, o matrimônio misto seria, apesar disso, válido, embora ilícito. –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– 237© O Matrimônio I Impedimento de ordem (cân. 1087) O impedimento de ordem está em imediata relação com a lei do celibato (cân. 277). A partir do século 12, a Igreja passou a inabilitar a quem recebeu o sacramento da ordem para contrair matrimônio, estabelecendo um impedimento absoluto e de per si perpétuo, pois a sagrada ordenação imprime caráter. Este impe- dimento afeta a todo clérigo (bispo, presbítero e diácono). Afeta, também, a quem, depois de contraído o matrimônio, tenha rece- bido o diaconato permanente (cân. 1031§2) ou tenha recebido por indulto a ordem sagrada. O impedimento possui uma base objetiva: a ordenação vá- lida. O impedimento é de direito eclesiástico, porém absoluto e perpétuo. Consequentemente, a dispensa é o único modo pelo qual este impedimento pode cessar, sendo, porém, reservada à S. Sé (cânn. 291 e 1078 §2) e, tratando-se da ordem do presbiterato, inclusive em caso de perigo de morte (cân. 1079 §§ 1 e 2). Informação –––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––– A irregularidade ou o impedimento para a recepção da ordenação (cânn. 1041- 1042) não implicam na nulidade da ordenação. Tampouco a ordenação por vio- lência moral ou medo implica a nulidade; a coação moral ou o medo somente seria causa de nulidade se levasse o sujeito a excluir a intenção de receber a ordem (cânn. 125 e 1026). Uma ordenação inválida não daria origem ao impe- dimento (cânn. 290-291), mas tal invalidade deverá ser constatada, segundo o direito, mediante um processo (cânn. 1708-1712).
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