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Todo o conteúdo do Curso Investigação e Análise Patrimonial, da Secretaria de Gestão e Ensino em Segurança Pública (SEGEN), Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (SENAD), Ministério da Justiça e Segurança Pública do Governo Federal - 2020, está licenciado sob a Licença Pública Creative Commons Atribuição- Não Comercial-Sem Derivações 4.0 Internacional. Para visualizar uma cópia desta licença, acesse: https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR BY NC ND PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA SECRETARIA DE GESTÃO E ENSINO EM SEGURANÇA PÚBLICA SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS Conteudista Suzana Pericin Rodrigues da Silva Revisão Pedagógica Eliete da Silva Ribeiro UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA SECRETARIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA labSEAD Comitê Gestor Luciano Patrício Souza de Castro Financeiro Fernando Machado Wolf Consultoria Técnica EaD Giovana Schuelter Coordenação de Produção Francielli Schuelter Coordenação de AVEA Andreia Mara Fiala Design Instrucional Danrley Maurício Vieira Marielly Agatha Machado Design Gráfico Aline Lima Ramalho Douglas Wilson Lisboa de Melo Sonia Trois Taylizy Kamila Martim Linguagem e Memória Cleusa Iracema Pereira Raimundo Victor Rocha Freire Silva Programação Jonas Batista Salésio Eduardo Assi Thiago Assi Audiovisual Luiz Felipe Moreira Silva Oliveira Rafael Poletto Dutra Rodrigo Humaita Witte https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt_BR Sumário APRESENTAÇÃO DO CURSO ..............................................................................6 MÓDULO 1 – ANÁLISE PATRIMONIAL ...............................................................8 Apresentação ................................................................................................................9 Objetivos do módulo ........................................................................................................................... 10 Estrutura do módulo ........................................................................................................................... 10 Aula 1 – Contexto Nacional e Internacional ........................................................11 Contextualizando... ............................................................................................................................. 11 O combate ao crime organizado ........................................................................................................ 11 Contexto internacional........................................................................................................................ 16 Contexto nacional .............................................................................................................................. 25 Aula 2 – Investigação Financeira e Análise Patrimonial .....................................27 Contextualizando... ............................................................................................................................. 27 A investigação ..................................................................................................................................... 27 Aula 3 – Conceito de Fraudes e a Blindagem Patrimonial ...................................32 Contextualizando... ............................................................................................................................. 32 Definições de fraude .......................................................................................................................... 32 Blindagem patrimonial ....................................................................................................................... 34 O caso Parmalat .................................................................................................................................. 43 Aula 4 – Triângulo da Fraude ..................................................................................46 Contextualizando... ............................................................................................................................ 46 A hipótese de Donald Cressey ........................................................................................................... 46 Fraude contábil e apropriação indevida de ativos ........................................................................... 51 Aula 5 – Conceito de Patrimônio e Balanço Patrimonial.....................................55 Contextualizando... ............................................................................................................................. 55 Conceito jurídico e conceito contábil ............................................................................................... 55 Aula 6 – Importância da Persecução Patrimonial ................................................69 Contextualizando... ............................................................................................................................. 69 Combate as estruturas criminosas ................................................................................................... 69 A persecução patrimonial e a lavagem de dinheiro.......................................................................... 75 Dinâmica do crime organizado .......................................................................................................... 81 Referências ..................................................................................................................84 MÓDULO 2 – BASE LEGAL DA INVESTIGAÇÃO PATRIMONIAL ...................... 98 Apresentação ..............................................................................................................99 Objetivos do módulo ........................................................................................................................... 99 Estrutura do módulo ........................................................................................................................... 99 Aula 1 – Lei de Drogas – Lei 11.343/2006 ............................................................. 100 Contextualizando... ........................................................................................................................... 100 A lei e suas particularidades ............................................................................................................ 100 Aula 2 – Aperfeiçoamento da Legislação Penal e Processual Penal – Lei 13.964/2019 ............................................................................................................... 112 Contextualizando... ........................................................................................................................... 112 A lei e suas particularidades ............................................................................................................ 112 Aula 3 – Política de Drogas ................................................................................... 119 Contextualizando... ........................................................................................................................... 119 As particularidades da política de drogas ....................................................................................119 Aula 4 – Jurisprudência Aplicada ......................................................................... 134 Contextualizando... ........................................................................................................................... 134 A legislação e jurisprudência do STJ ........................................................................................134 Referências ............................................................................................................... 146 MÓDULO 3 – INTRODUÇÃO AOS PROCEDIMENTOS INVESTIGATÓRIOS PATRIMONIAIS ..............................................................................................150 Apresentação ........................................................................................................... 151 Objetivos do módulo ........................................................................................................................ 151 Estrutura do curso ............................................................................................................................. 151 Aula 1 – Início da Investigação .............................................................................. 152 Contextualizando... ........................................................................................................................... 152 Investigação patrimonial .................................................................................................................. 152 Aula 2 – Métodos de Investigação ........................................................................ 162 Contextualizando... ........................................................................................................................... 162 Fases da investigação patrimonial .................................................................................................. 162 Aula 3 – Fontes Públicas e Bancos de Dados ..................................................... 168 Contextualizando... ........................................................................................................................... 168 Fontes públicas de pesquisa ............................................................................................................ 168 Fontes abertas de acesso mediato .................................................................................................172 Fontes fechadas................................................................................................................................ 177 Aula 4 – Fontes Informais e Rito Procedimental ............................................... 181 Contextualizando... ........................................................................................................................... 181 Fontes informais ............................................................................................................................... 181 Rito procedimental ............................................................................................................................ 186 Roteiro de rastreamento patrimonial ..............................................................................................190 Aula 5 – Indicadores de Evolução Incompatível ................................................. 197 Contextualizando... ........................................................................................................................... 197 Evolução de patrimônio ................................................................................................................... 197 Referências ............................................................................................................... 201 MÓDULO 4 – MEDIDAS CAUTELARES APLICÁVEIS AOS CRIMES PATRIMONIAIS .............................................................................................. 207 Aula 1 – Principais Medidas Cautelares Patrimoniais na Esfera Penal ......... 208 Contextualizando... ........................................................................................................................... 208 Medida cautelar patrimonial ............................................................................................................ 208 Aula 2 – Busca e Apreensão .................................................................................. 217 Contextualizando... ........................................................................................................................... 217 Medida de conservação de provas ..................................................................................................217 Referências ............................................................................................................... 223 Apresentação do Curso Bem-vindo ao curso Investigação e Análise Patrimonial, promovido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, por intermédio da Secretaria de Gestão e Ensino em Segurança Pública (SEGEN) e da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina. O crime organizado é, sem dúvida, um dos principais problemas nacionais e um dos maiores desafios enfrentados pela segurança pública do país. Mas você sabe como funciona o combate ao crime organizado no Brasil? Historicamente, o sistema de Justiça criminal brasileiro tem enfrentado o crime organizado mediante diversos procedimentos que buscam penalizar os criminosos a partir da autoria e materialidade dos crimes. Isso resulta, em regra, na prisão de criminosos. Mas será que somente a prisão de criminosos é suficiente para controlar o crime organizado? Provavelmente, não. O que mais funciona no combate a esse tipo de crime, além da prisão de criminosos, é exatamente a chamada “descapitalização” – ou seja, retirar dos criminosos o patrimônio que eles adquiriram via cometimento de crimes. Isso vale dizer que a melhor forma de combater o crime organizado é “asfixiar” economicamente os criminosos, de modo que os valores atrelados aos ativos criminosos possam ser revertidos para a sociedade. Sem patrimônio, os criminosos não conseguem manter os seus “negócios” ilícitos, nem conseguem financiar o crime. Em outras palavras, para melhor combater o crime organizado, as forças de segurança pública dependem de grande capacidade de investigação e análise patrimonial. E é esse o principal objetivo deste curso: fornecer a operadores do Sistema Único de Segurança Pública esse tipo de conhecimento e habilidades. Assim sendo, neste curso iremos compreender questões básicas da investigação e análise patrimonial, entender a legislação nacional e internacional acerca do combate ao crime organizado nas suas diversas manifestações (inclusive o narcotráfico), a ideia de fraude e os atos ilícitos cometidos por pessoas que ocupam cargos de confiança, bem como navegar pelo conhecimento da base legal e medidas cautelares aplicáveis aos crimes patrimoniais, além de compreender os procedimentos investigatórios patrimoniais. Desejamos-lhe um excelente estudo! Equipe do curso. Análise Patrimonial8 • Módulo 1 ANÁLISE PATRIMONIAL MÓDULO 1 Análise Patrimonial9 • Módulo 1 Apresentação O combate ao crime organizado no Brasil – narcotráfico, corrupção, lavagem de dinheiro, entre outros – é um dos grandes desafios aos gestores públicos e à sociedade. A globalização, atrelada à integração econômica, social, cultural e política entre países e pessoas, alavancou a capacidade de agir e os lucros obtidos pelas organizações criminosas, nacionais e internacionais. Por conta disso, houve a necessidade de resposta rápida e pronta das forças de segurança para conter economicamente essas organizações. Como dissemos anteriormente, entende-se que o combate a esses tipos de crime depende, fundamentalmente, da descapitalização dos criminosos. Por isso, neste módulo vamos passar por questões básicas da investigação patrimonial: a legislação nacional e internacional acerca da promoção da segurança pública, a ideia de fraude e como entender os atos ilícitos cometidos por pessoas que ocupam cargos de confiança. Você vai ver a relação do patrimônio com todos os crimes complexos: tráfico de drogas, corrupção, lavagem de dinheiro e crimes conexos. Nas investigações, o balanço patrimonial pode apresentar diversas explicações sobre enriquecimento ilícito, por isso, além de estudarmos os balanços, vamos aprender sobre formas de blindagem patrimonial comuns nas práticas criminosas – ou seja, aprenderemos como os criminosos podem “esconder”,“ocultar” e “disfarçar” o patrimônio que auferem a partir de práticas ilícitas. Ademais, aprofundaremos a discussão por meio da visão legal e das penalidades que visam não só a condenação dos acusados, mas dificultar que haja vantagem em atos ilícitos, como continuar com bens adquiridos ilicitamente. Veremos, também, como podemos reverter, em benefício da sociedade, esses bens acumulados ilegalmente. Análise Patrimonial10 • Módulo 1 OBJETIVOS DO MÓDULO Entender os conceitos básicos da investigação patrimonial e compreender o que leva uma pessoa a cometer fraudes dentro da instituição em que trabalha por meio da teoria do triângulo da fraude, proposta pelo americano Donald Cressey (1953). Identificar o conceito de fraude e patrimônio sob aspecto jurídico e contábil, e refletir sobre a prática de blindagem patrimonial enquanto prática comum nos crimes de lavagem e corrupção. Além disso, compreender como funcionam os valores retidos nos balanços patrimoniais e as mudanças ocorridas na legislação para impedir vantagens oriundas de práticas ilícitas aos condenados por crime de corrupção ou lavagem de dinheiro. ESTRUTURA DO MÓDULO • Aula 1 – Contexto Nacional e Internacional. • Aula 2 – Investigação Financeira e Análise Patrimonial. • Aula 3 – Conceito de Fraudes e a Blindagem Patrimonial. • Aula 4 – Triângulo da Fraude. • Aula 5 – Conceito de Patrimônio e Balanço Patrimonial. • Aula 6 – Importância da Persecução Patrimonial. Análise Patrimonial11 • Módulo 1 CONTEXTUALIZANDO... Você sabe como funciona o combate ao crime organizado no Brasil? Este é um dos grandes desafios aos gestores públicos da segurança pública. Nesta aula, vamos apresentar as três convenções internacionais consideradas pilares no combate ao crime organizado e as discussões que mostram como o Brasil desenvolve suas próprias leis contra a criminalidade organizada. O COMBATE AO CRIME ORGANIZADO A globalização, atrelada à integração econômica, social, cultural e política entre países e pessoas, alavancou consideravelmente a capacidade de agir e os lucros obtidos pelas organizações criminosas, nacionais e internacionais. Tradicionalmente, o sistema de Justiça e investigação criminal no Brasil tem atuado, em geral, no combate às organizações criminosas por meio de medidas de encarceramento, prendendo os membros e buscando possíveis conexões. Existe uma tendência entre os órgãos de persecução criminal ao ampliar essa lógica, propondo o “sufocamento” econômico dessas organizações. A asfixia econômica do grupo criminoso traz outros benefícios, como a reversão dos ativos oriundos dos crimes para a sociedade. Dessa forma, é fundamental que a investigação outrora voltada para autoria e materialidade do crime, enfatize sobretudo os aspectos patrimoniais dos criminosos. Aula 1 – Contexto Nacional e Internacional Análise Patrimonial12 • Módulo 1 “ “ “ “Historicamente, a persecução penal referente à criminalidade tradicional tem como principal objetivo a repressão individual e corporal (imposição de penas aflitivas), tendo negligenciado os bens e ativos provenientes de crime e, em consequência, o aspecto da administração e procedimentos relativos a esses bens e valores apreendidos em processo criminal. Em um lento processo de reversão desse quadro, a legislação criminal vai aos poucos criando mecanismos para adaptar-se à necessidade de repressão à macro criminalidade. A Lei n. 9.613/1998, apesar de ainda pouco aplicada de maneira adequada e efetiva, representa, no enfoque dado aos bens e ativos provenientes de crimes, um marco no desenvolvimento dessa nova sistemática no processo penal, no sentido de valorizar a prevenção e repressão ao crime por seu viés econômico, retirando seu lucro, mostrando que ‘o crime não compensa’ (BARCELOS, 2006, p. 121-122). Por conta disso, houve a necessidade de resposta rápida e pronta das forças de segurança para conter essas organizações economicamente. A primeira necessidade foi definir o que são organizações criminosas. A Lei 12.850, de 2 de agosto de 2013, em seu Art. 1º, § 1º, definiu organização criminosa como: [...] a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza [...] (BRASIL, 2013). Segundo Manoel López Rey-Arrojo (apud GOLDSTEIN, 1983), uma organização criminosa pode ser caracterizada por três elementos-chaves, que identificamos a seguir. Análise Patrimonial13 • Módulo 1 Embora esse seja um dos conceitos utilizados, a ideia de criminalidade organizada e suas características comuns demonstram que o objetivo das organizações criminosas é um só: a obtenção, direta ou indireta, de vantagem de qualquer natureza. Estimativas Estima-se que no Brasil o crime organizado movimente bilhões de reais anualmente, são números espantosos e estão relacionados diretamente com práticas ilícitas. Você pode ver a seguir os números apresentados pela Polícia Federal. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA A união de indivíduos voltada à obtenção de lucros vultosos com a prática de atividades ilícitas e lícitas (estas dissimulando aquelas) em determinado espaço geográfico, normalmente transfronteiriço. A estruturação das atividades, com rigidez hierárquica imposta por métodos ilícitos (da coação ao homicídio). A estabilização das operações por meio do envolvimento de agentes públicos corruptos, especialmente os vinculados às forças de segurança. Figura 1: A união de indivíduos, a estrutura e a estabilidade são chaves para uma organização criminosa, conforme Rey- Arrojo (apud GOLDSTEIN, 1983). Fonte: labSEAD- UFSC (2020). Análise Patrimonial14 • Módulo 1 Figura 2: O crime organizado movimenta bilhões de reais anualmente só no Brasil. Fonte: Freeplik (2020), adaptado por labSEAD-UFSC (2020). R$ 200 bilhões movimentados com corrupção R$ 160 bilhões por ano com pirataria, falsificação e contrabando R$ 17 bilhões anuais com tráfico de drogas Juntando esses valores com as apreensões de entorpecentes realizadas pela Polícia Federal, somente no ano de 2018, temos valores diretamente proporcionais ao patrimônio das organizações criminosas correlatas. Observe na imagem a seguir. Análise Patrimonial15 • Módulo 1 79,2 toneladas de cocaína toneladas de maconha selos de LSD comprimidos de ecstasy 268,1 13.622 295.347 Figura 3: Dados de apreensão da Polícia Federal (2019). Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Diante desses números, com o objetivo de angariar recursos para o enfrentamento sistêmico e estratégico do tráfico e consumo de drogas, foram sancionadas as Leis 13.840/2019 e 13.886/2019, permitindo o fortalecimento das ações no combate ao delito. As Leis 13.840/2019 e 13.886/2019 conferem eficiência e celeridade na destinação de bens apreendidos ou sequestrados que tenham vinculação com o tráfico ilícito de drogas. Com o objetivo principal de financiar ações, projetos e programas vinculados à política sobre drogas, criou-se o Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), disciplinado pela Lei 7.560, de 19 de dezembro de 1986, denominado, à época, de Fundo de Prevenção, Recuperação e de Combate às Drogas de Abuso (FUNCAB). Figura 4: A SENAD é responsável pelo Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD). Fonte: labSEAD-UFSC (2020). SECRETARIA NACIONAL DE POLÍTICAS SOBRE DROGAS (SENAD) Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD) Análise Patrimonial16 • Módulo 1 Desde que foi criado, o FUNAD tem sido instrumental para as políticas sobre drogas e para a repressão a organizações criminosas que operam no país. O quadro a seguir apresenta a performance do Fundo (em termos de arrecadação) no período de 2003 a 2019: Figura 5: Números da FUNAD no período de 2003 a 2019 segundo a Agência Brasil (2020). Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Toda a legislação nacional mencionada acima foi, direta e indiretamente, influenciadapor normativos desenvolvidos pela comunidade internacional no decorrer das últimas décadas. Dentre esses normativos, destacam-se as seguintes Convenções Internacionais: Viena (1988), Palermo (2000) e Mérida (2003). CONTEXTO INTERNACIONAL O sistema internacional de segurança pública dispõe, portanto, de pelo menos três convenções consideradas pilares no combate à criminalidade organizada. Vamos conhecê-las na imagem a seguir. 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019 5.7 6.9 7.3 15.4 12.1 11.4 5.8 12.6 19.8 16.0 18.6 39.2 26.9 32.1 43.2 44.6 91.7 Ano - Arrecadação (em R$ milhões) Análise Patrimonial17 • Módulo 1 Figura 6: Convenções contra o crime organizado. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Convenção de Viena). Convenção de Palermo, ou Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo). Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida). 1988 2000 2003 Cada convenção trouxe marcas importantes e elas balizam as tomadas de decisão do Brasil enquanto Estado-parte das convenções. Separamos os detalhes de cada convenção para apresentar os objetivos de cada uma, veja a seguir. Convenção de Viena Também conhecida como Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, teve como objetivo central proporcionar a cooperação entre os Estados, visando principalmente: • O combate ao tráfico de drogas, interrompendo os grandes lucros obtidos com a produção e o tráfico. • Diminuição do sofrimento humano, com medidas de caráter preventivo, de tratamento e reabilitação. Por isso, a ênfase foi dada nos seguintes aspectos, identificados na sequência. Análise Patrimonial18 • Módulo 1 Figura 7: Ênfase no combate ao crime organizado. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Necessidade de tipificar a lavagem de dinheiro originária do tráfico de entorpecentes. Cooperação entre os países visando aprimorar cada vez mais as investigações internacionais. Facilitação do confisco internacional de objetos provenientes do tráfico de drogas (ANSELMO, 2013). 1 2 3 A Convenção de Viena, a Convenção Única sobre Drogas Narcóticas (1961) e a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (1971) são as três principais normas internacionais de controle de drogas e, em conjunto, justificam as atividades desempenhadas pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (JIFE) como, por exemplo, o monitoramento do comércio legal internacional de drogas para uso médico e científico, impedindo o desvio ilícito desses produtos. A JIFE também atua na supervisão de medidas preventivas ao desvio de químicos usados na produção ilegal de drogas (UNODC, 2020). Confira os dois artigos principais obtidos da UNODC em relação ao combate ao crime de tráfico de drogas e lavagem de dinheiro utilizado pela JIFE. Figura 8: Artigos da UNODC sobre combate ao crime organizado. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Artigo 3 dos delitos e sanções, no tocante à definição do crime de lavagem de dinheiro, em que os países signatários adotariam medidas para criar tipo penal com o objetivo de responsabilizar o indivíduo que ocultasse bens ou valores originários do tráfico internacional de drogas. Artigo 5 estabeleceu a aplicação de medidas necessárias para o confisco internacional do produto derivado do tráfico de drogas ou dos bens cujo valor fosse equivalente ao desse produto. Análise Patrimonial19 • Módulo 1 A Convenção de Viena exerce um papel importante para o Brasil na estruturação das decisões e decretos sobre crime organizado, lavagem de dinheiro e tráfico de drogas. Assim, Anselmo (2013) observou na Convenção de Viena uma ênfase nos seguintes aspectos. • Necessidade de tipificar a lavagem de dinheiro originária do tráfico de entorpecentes. • Cooperação entre os países visando aprimorar cada vez mais as investigações internacionais. • Facilitação do confisco internacional de objetos provenientes do tráfico de drogas. Veja a seguir como a Convenção de Palermo tornou-se o segundo pilar das políticas internacionais de combate à criminalidade transnacional. Convenção de Palermo Doze anos depois da Convenção de Viena, em 15 de novembro de 2000, foi aprovada a Convenção de Palermo, também conhecida como Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, que entrou em vigor internacional no dia 29 de setembro de 2003. O crime organizado transnacional engloba praticamente todas as ações criminais motivadas pelo lucro e cometidas por grupos organizados envolvendo mais de um país. Há muitas atividades que podem ser caracterizadas como crime organizado transnacional. Vamos identificar algumas delas na imagem a seguir. Análise Patrimonial20 • Módulo 1 Figura 9: Crimes transnacionais. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). Crimes Transnacionais Tráfico ilícito de drogas Lavagem de dinheiro Contrabando de migrantes Tráfico de pessoas Tráfico ilícito de armas de fogo, de vida selvagem e de bens culturais Considerando a Convenção de Palermo, os Estados-membros se comprometeram a adotar várias medidas contra o crime organizado transnacional, fortalecendo a estreita cooperação internacional. Entre tais medidas estão: • Investigações conjuntas. • Tipificação criminal na legislação nacional de atos como o crime organizado, a lavagem de dinheiro e a corrupção. No Brasil, a convenção foi promulgada por meio do Decreto 5.015, de 12 de março de 2004. Além disso, a Convenção de Palermo dispôs, em seu artigo 12, acerca da necessidade de os Estados-membros possuírem órgãos capazes de identificar, localizar e embargar os instrumentos, produtos e proveitos do crime, ainda que convertidos e misturados, ou seu equivalente, para efeitos de eventual confisco, além de ratificar a necessidade de acesso a documentos bancários, financeiros ou comerciais. Análise Patrimonial21 • Módulo 1 Todas as medidas tinham a intenção de inviabilizar os lucros obtidos pelas organizações criminosas, dispondo de medidas necessárias para confiscar e apreender produtos desses crimes ou bens utilizados na prática deles. Nesse contexto, outros três protocolos que tratam de áreas específicas do crime organizado complementam a Convenção de Palermo. • Protocolo Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. • Protocolo Relativo ao Combate ao Tráfico de Migrantes por Via Terrestre, Marítima e Aérea. • Protocolo contra a Fabricação e o Tráfico Ilícito de Armas de Fogo, suas Peças e Componentes e Munições (UNODC, 2020). Logo após o início da vigência da Convenção de Palermo, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (2003), também conhecida como Convenção de Mérida, em homenagem à cidade mexicana onde foi negociada. Convenção de Mérida Ratificada pelo Brasil por meio do Decreto 5.687, de 31 de janeiro de 2006, a Convenção de Mérida tinha como objetivo geral prevenir e combater a corrupção em todas as suas formas. Constituída por 71 artigos, o documento reúne em quatro deles os mais importantes aspectos do combate à corrupção. Vamos conhecê-los na imagem a seguir. Análise Patrimonial22 • Módulo 1 Recuperação de ativos Penalização Prevenção Cooperação internacional Figura 10: Principais pontos do combate à corrupção. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Os objetivos da Convenção de Mérida são: • Promover e fortalecer as medidas para prevenir e combater mais eficaz e eficientemente a corrupção. • Promover, facilitar e apoiar a cooperação internacional e a assistência técnica na prevenção e na luta contra a corrupção, incluída a recuperação de ativos. • Promover a integridade, a obrigação de prestar contas e adevida gestão dos assuntos e dos bens públicos. A Convenção de Mérida também prevê que os Estados- membros implementem políticas contra a corrupção efetivas, promovam a participação da sociedade e reflitam os princípios do Estado democrático de direito. Vejamos o que é dever dos Estados. Análise Patrimonial23 • Módulo 1 Figura 11: Políticas contra a corrupção em consonância com princípios do Estado democrático de direito. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Adotar sistemas de seleção e recrutamento com critérios objetivos de mérito. Tomar medidas para aumentar a transparência no financiamento de campanhas de candidatos e partidos políticos. Desenvolver códigos de conduta que incluam medidas de estímulo a denúncias de corrupção por parte dos servidores, de desestímulo ao recebimento de presentes, ou de qualquer ação que possa causar conflito de interesses. Propiciar ampla participação e dispor de critérios preestabelecidos, justos e impessoais (UNODC, 2020). Você pode perceber que as convenções internacionais refletem a profunda preocupação dos Estados-membros das Nações Unidas com o avanço do crime organizado transnacional, principalmente a geração de fortunas capazes de corromper a sociedade em todos os níveis. No relatório intitulado Crime transnacional e o mundo em desenvolvimento, divulgado pela Global Financial Integrity (2017), por exemplo, estima-se que os valores movimentados em crimes transnacionais, no mundo, somem a importância anual de US$ 1,6 trilhões. Channing May aponta que o crime transnacional é um negócio muito bom e que o dinheiro é a principal motivação para a prática dessas atividades ilegais (CLOUGH, 2017). Nesse aspecto, entre os onze crimes relacionados com o crime organizado, os sete que mais fazem circular lucros ilícitos são identificados na imagem a seguir. Centro de estudos e pesquisas sediado na cidade de Washington, Estados Unidos. Análise Patrimonial24 • Módulo 1 “ “ Figura 12: Ranking dos principais crimes organizados com os respectivos faturamentos. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). US$ 923 bilhões – falsificação. US$ 426 bilhões – tráfico de drogas. US$ 150,2 bilhões – tráfico humano. US$ 52 bilhões – extração ilegal de madeira. 1° 2° 3° 4° US$ 15,5 bilhões – pesca ilegal. US$ 12 bilhões – mineração ilegal. US$ 5 bilhões – tráfico de vida selvagem. 5° 6° 7° Dentre os 71 artigos que constituem a Convenção de Mérida, destacamos o artigo 51, que dispõe sobre a recuperação de ativos, que é considerada uma grande inovação nessa convenção. A restituição de ativos de acordo com o presente Capítulo é um princípio fundamental da presente Convenção e os Estados Partes se prestarão à mais ampla cooperação e assistência entre si a esse respeito. (BRASIL, 2006). Esta pode ser considerada uma das principais influências para a política anticrime organizado para o Brasil, uma vez que foca na recuperação de ativos para a economia. Continue seus estudos para entender melhor esta relação. Análise Patrimonial25 • Módulo 1 CONTEXTO NACIONAL Considerando os dados sobre corrupção e lavagem de dinheiro, a Operação Lava Jato é considerada um marco histórico no combate aos crimes de corrupção. Iniciada em 17 de março de 2014, a operação já contabiliza 70 fases. A Operação Lava Jato foi homenageada em 2016 com o Prêmio Anticorrupção, concedido pela ONG Transparência Internacional. A operação somou R$ 2,4 bilhões de bens bloqueados ou apreendidos, valores repatriados na ordem de R$ 745 milhões e R$ 12,5 trilhões de valores analisados em operações financeiras investigadas. Ainda hoje, o Brasil vive uma das mais significativas mudanças legislativas de combate à criminalidade: a sanção da Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019. • A Lei 13.964/2019 aperfeiçoou a legislação penal e processual para enfrentar três grandes eixos: corrupção, crime organizado e crimes violentos. Entre as alterações mais importantes do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), está a inclusão do Art. 91-A estabelecido no artigo 2º. Do que trata essa alteração? O Art. 1-A trata do chamado “confisco alargado de bens”, casos em que a Justiça poderá decretar a perda dos bens indicados como produto ou proveito do crime, calculados como a diferença entre o valor do patrimônio e aquele compatível com o rendimento lícito do condenado. Análise Patrimonial26 • Módulo 1 Com isso, além do conceito de organização criminosa, que incluiu os crimes de caráter transnacional, o confisco alargado de bens aproxima o Brasil do contexto internacional de combate ao crime organizado. Considerando as discussões realizadas até então, você consegue imaginar qual a importância da análise e investigação patrimonial realizadas pelas polícias no combate aos crimes de drogas, corrupção e crimes correlatos, como a lavagem de dinheiro? Veja a seguir a influência da investigação patrimonial no contexto brasileiro de combate ao crime. Figura 13: Alterações na legislação trazem o confisco de bens como pe de para crimes de corrupção. Fonte: Pixabay (2020). Análise Patrimonial27 • Módulo 1 “ “ CONTEXTUALIZANDO... Sabe-se que a prática da lavagem de dinheiro está presente em qualquer organismo criminoso, minimamente estruturado, que objetiva o lucro. O enfrentamento exige ações coordenadas de investigação que ultrapassam as práticas tradicionais desempenhadas pelos órgãos investigativos. Mas o que devemos entender como investigação criminal? A resposta a essa pergunta e o entendimento sobre investigação financeira e análise patrimonial veremos na sequência desta aula. A INVESTIGAÇÃO Iniciamos com o conceito apresentado: A investigação criminal define-se como método de levantamento de informações e produção de provas a fim de demonstrar a existência de fato criminoso, onde o fato ocorreu, quando se deu o crime, como a infração foi praticada, quem a praticou e por qual motivo. Considera- se, pois, a investigação criminal como ‘um processo de reconstrução histórica do fato criminoso, pelo qual o investigador busca responder a essas quatro perguntas básicas, guardando, portanto, estreita semelhança com as investigações científicas (PEREIRA, 2018, p. 51). A investigação criminal visa apurar a existência, materialidade, circunstâncias e autoria de um delito, com base na coleta de provas e elementos de informações que poderão ser utilizadas na persecução penal. Aula 2 – Investigação Financeira e Análise Patrimonial Análise Patrimonial28 • Módulo 1 “ “ Já a investigação financeira (IF) pode ser definida como um gênero que compreende quatro tipos de possíveis investigações, sendo cada uma delas destinada a atender seus objetivos: • Investigação patrimonial, com vistas ao rastreamento de ativos e o sequestro cautelar e confisco final. • Investigação financeira voltada à lavagem de ativos. • Investigação financeira com o cerne no financiamento do terrorismo. • Investigação financeira voltada aos organismos criminosos. Não raro, fazem parte do mesmo cenário, as organizações criminosas transnacionais, os variados tipos de tráfico, a corrupção, a lavagem de dinheiro e até mesmo o financiamento de atividades terroristas. Como uma grande engrenagem, observa-se que não há investigação de crime organizado sem que se encontre lavagem de dinheiro e a respectiva identificação de ativos confiscáveis. Constituem, portanto, temas correlatos e definem os grandes desafios no enfrentamento à microcriminalidade atual (BRASIL, 2018a). Desse modo, a investigação financeira pode ser compreendida da seguinte forma. Método investigativo que intenta não só angariar provas sobre o ilícito crime cometido (para ao final possibilitar a aplicação de penas privativas de liberdade) como também visa identificar ativos confiscáveis [...] (BRASIL, 2018a, p. 23). A identificação dos ativos confiscáveis procura possibilitar a aplicação das penas de confisco. Assim,prisão e confisco constituem duplo objetivo da investigação financeira, definida como instrumento “extremamente poderoso” no combate ao crime organizado (BRASIL, 2018a, p. 23). Análise Patrimonial29 • Módulo 1 Nas palavras da delegada Erika Mialik Marena, que atuou na Operação Lava Jato, o processo investigativo relacionado às fraudes financeiras apresentam duas facetas. 1) O combate ao crime propriamente dito (investigação criminal). Essa prática é a mais comum entre as polícias e membros do Ministério Público. É a investigação que tem como base a evidência ou a comprovação do ato criminoso. O objetivo é identificar os autores e comprovar a responsabilidade pelo cometimento do crime. 2) O combate ao resultado financeiro gerado (investigação financeira). Nesse contexto, o suspeito é conhecido, os fatos são presumidos (desvios de dinheiro, fraudes, evasão fiscal, lavagem de dinheiro, corrupção etc.). O enfoque consistirá em provar criminalmente a autoria dos atos delitivos e a responsabilidade do suspeito no cometimento desses atos. A análise patrimonial é parte da investigação financeira, revelando-se como atividade que tem por objetivo identificar bens adquiridos por meio de atividades ilícitas. Trata-se da apuração dos produtos do crime, permitindo o rastreamento de patrimônios em nome do autor e de terceiros (laranjas), auxiliando no processo investigativo da lavagem de dinheiro (ENAMAT, 2015). As medidas de sequestro ou bloqueio cautelar devem ser tomadas o quanto antes, visando assegurar ativos que possam ser objeto de confisco, principalmente quando se considera o curto período de tempo em que os ativos podem ser dissimulados. Análise Patrimonial30 • Módulo 1 Como vimos anteriormente, atacar os recursos financeiros, obstruindo seu uso e retirando-lhes da posse dos criminosos, tem o condão de reprimir tais práticas e prevenir novas fraudes, cumprindo uma dupla função no combate ao crime organizado. Nesse sentido, o procurador da República, Carlos Bruno Ferreira da Silva, ensina que a persecução patrimonial: mina a motivação do agente e desestimula a recidiva; dá uma resposta imediata à sociedade; inibe o autofinanciamento da prática delitiva; previne que a sentença deixe de fixar o valor mínimo do dano e de decretar o perdimento; constitui fator de motivação para a celebração de acordos de cooperação premiada; viabiliza a identificação de “laranjas” e empresas de fachada; contribui para a apuração da lavagem dos ativos. Assim, por meio do “inquérito financeiro”, é possível realizar o levantamento de itens como: veículos, embarcações e aeronaves, rastreamento de ativos, imóveis, escrituras, instrumentos de compra e venda e documentos societários, entre outros. Algumas ferramentas auxiliam o investigador nesse processo de busca, tais como: Análise Patrimonial31 • Módulo 1 Figura 14: Principais ferramentas para investigação patrimonial. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Banco Central do Brasil Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional Central Notarial de Serviços Eletrônicos Compartilhados Restrições Judiciais de Veículos Automotores Central Nacional de Indisponibilidade de Bens Rede de informações de segurança pública dos órgãos de fiscalização do Brasil Sistema de Informações ao Judiciário Conselho de Controle de Atividades Financeiras Agência Nacional de Aviação Civil O sistema de tramitação dos ofícios entre os tribunais e a Serasa Experian Sistema de Movimentação Bancária Cadastro Geral de Empregados e Desempregados Sistema Nacional de Cadastro Rural (BACEN) (CCS) (CENSEC) (RENAJUD) (CNIB) (INFOSEG) (INFOJUD) (COAF) (ANAC) (SERASAJUD) (SIMBA) (CAGED) (SNCR) Mais tarde, estudaremos as bases de consulta mais utilizadas pelos órgãos de investigação. Análise Patrimonial32 • Módulo 1 “ “ CONTEXTUALIZANDO... Você sabe dizer o que é uma fraude? Você verá, no decorrer desta aula, que o conceito de fraude está diretamente ligado com a ação de má-fé, dolo e a obtenção de vantagem indevida, assim como a intencionalidade do crime. Para compreender corretamente, vamos analisar fraude sob aspecto jurídico e contábil, e refletir sobre a prática de blindagem patrimonial enquanto prática comum nos crimes de lavagem e corrupção. DEFINIÇÕES DE FRAUDE Diversas são as formas de conceituar esta ideia. Segundo o Conselho Internacional de Normas de Auditoria e Asseguração (IAASB, 2009), um órgão independente, criado em 1978, fraude é um ato destinado a obter vantagem injusta ou ilegal. Ato intencional praticado por um ou mais indivíduos, entre gestores, responsáveis pela governança, empregados ou terceiros, envolvendo o uso de falsidade para obter uma vantagem injusta ou ilegal. (IAASB, 2009, p. 159). O IAASB é responsável por emitir normas internacionais de auditoria e diretrizes de controle de qualidade, a partir da norma ISA 240. No Brasil, essa definição é ratificada através da norma NBC TA 240, que, por sua vez, também possui seu próprio conceito de fraude. Confira: Aula 3 – Conceito de Fraudes e a Blindagem Patrimonial A NBC TA 240 é a norma que trata da responsabilidade do auditor em relação à fraude, no contexto da auditoria de demonstrações contábeis. Análise Patrimonial33 • Módulo 1 “ “ Ato ilícito ou de má-fé que visa à obtenção de vantagens indevidas ou majoradas, para si ou para terceiros, geralmente através de omissões, inverdades, abuso de poder, quebra de confiança, burla de regras, dentre outros. (IRB BRASIL RE, 2019, p. 6). Com relação à intencionalidade, segundo as Normas Brasileiras de Contabilidade (NBC) TA 240, algumas alterações nas demonstrações contábeis podem ter sua origem por meio de fraude ou erro, o que diferencia ambas é justamente a intenção da ação de fraude. Assim, considerando o percurso realizado até aqui, podemos analisar os conceitos de fraude afirmando que todos têm como características em comum a ação de má-fé, o dolo e a obtenção de vantagem indevida. Pensando no conceito de fraude, então, possível identificar diferentes tipos de crimes, relacionados com segmentos específicos da economia. Por exemplo: FRAUDES Figura 15: Diferentes setores da economia representam diferentes maneiras de cometer o crime de fraude. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Análise Patrimonial34 • Módulo 1 A seguir, vamos olhar atentamente para a gestão patrimonial. Você já ouviu falar de blindagem patrimonial? BLINDAGEM PATRIMONIAL A blindagem patrimonial é a principal fraude cometida por aquele que deseja ocultar seus bens. Porém, a blindagem patrimonial pode representar tanto os fenômenos lícitos da gestão patrimonial e elisão patrimonial quanto fenômenos ilícitos da elusão patrimonial e evasão patrimonial. Vamos entender melhor sobre isso? Blindagem patrimonial ilícita A blindagem patrimonial como fenômeno ilícito pode ser agrupada em quatro núcleos. A diferença entre elisão e elusão fiscal diz respeito aos meios utilizados para atingir o objetivo do agente. Enquanto no primeiro caso são utilizados meios lícitos, no segundo o contribuinte atinge o objetivo de reduzir sua carga tributária, valendo- se de meios ilícitos, podendo, inclusive, ser punido penalmente. Ou seja, na elisão o proprietário se vale de meios legais para transferir ou desfazer de patrimônios, enquanto na elusão isso ocorre por meio de fraudes. Figura 16: Maneiras de fazer a blindagem patrimonial ilícita. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Você já deve imaginar que cada núcleo da blindagem patrimonial ilícita é executado para fraudes específicas. Por isso, a seguir vamos estudar cada um e posteriormente entender a importância deste conhecimento para as investigações dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. A interposição de pessoas A interposição de pessoas ocorre quando se insere um terceiro, com o fim de esconder o verdadeiro interessado. Este intermediário é vulgarmente conhecido portesta de ferro, homem de palha, empresta-nome, cabeça de pau ou fantoche. Para o especialista em Direito Civil, José Beleza dos Santos (1999), podemos entender a interposição de pessoas da seguinte maneira: Análise Patrimonial35 • Módulo 1 A interposição de pessoas consiste, assim, em alguém, a quem não pertencem os interesses em causa, praticar um ato jurídico em vez do titular desses interesses. Assim, seguem algumas situações que revelam indícios do uso da tipologia de interposição de pessoas: Palavra do Especialista Indivíduos fictícios ou hipotéticos, criados a partir de documentos forjados, conhecidos como “laranjas”, conscientes ou não dessa condição, comumente selecionados entre pessoas de baixa renda e ex-funcionários. Pessoas jurídicas, como as “empresas fantasmas”, existindo apenas no papel, ou “empresas de fachada”, que sustentam somente a aparência de desenvolver ou que de fato desenvolvem atividades operacionais (BRASIL, 2017). Indivíduos que cedem seu nome e assinatura, conhecidos como “laranjas graduados” ou “testas de ferro”, os quais mantém a “farsa” em audiências trabalhistas, entrevistas com agências reguladoras e fiscalizações. Outorga de procurações e contratos de gestão ou representação em favor do indivíduo ou empresa “laranja”. Contadores, consultores e advogados que figuram como supostos diretores ou representantes de empresas, mediante o pagamento de honorários. Cadastro do agente como responsável pelo pagamento de tributos registrados em nome da interposta pessoa, por exemplo, IPVA, IPTU, contas de água e luz. 4 3 2 1 5 6 Análise Patrimonial36 • Módulo 1 “ “ Incompatibilidade entre a renda e o patrimônio declarados junto à Receita Federal pelo indivíduo ou empresa “laranja”. Uso de bem, seja imóvel urbano ou rural, ou mesmo um veículo, que não esteja em nome do agente. Incompatibilidade entre a renda declarada da interposta pessoa e seus sinais aparentes de riqueza. Vinculação laboral entre o agente e o indivíduo “laranja”. 7 8 9 10 As técnicas de distanciamento pessoal têm o mote de vincular ativos a interpostas pessoas, com um único propósito: dissimular sua propriedade. Vamos continuar este estudo para entender melhor as próximas formas de blindagem patrimonial. Engenharia societária e corporativa Você já ouviu falar de alaranjamento corporativo? É uma espécie de blindagem patrimonial ilícita que abarca a engenharia societária abusiva, caracterizada por operações fraudulentas de reestruturação societária. Parte da criação de empresas de fachada ou do aproveitamento de sociedades inativas, mediante simulação de atividade operacional ou não, para acumulação artificiosa de ativos ou passivos. (BRASIL, 2017, p. 104) A engenharia societária pode funcionar, também, com a intermediação de planos de negócios, bloqueio do rastro financeiro ou, simplesmente, o embaraço à identificação do beneficiário final. Figura 17: Indício frequentes da blindagem patrimonial por interposição de pessoas. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Análise Patrimonial37 • Módulo 1 Porém, há uma nova nuance nas atividades ilícitas de engenharia societária, conhecidas como operações de cisão, fusão, incorporação ou pseudodissolução. Podemos chamar estas práticas de engenharia corporativa. Inexistência do endereço da empresa ou o endereço é de uma residência, ou mesmo de empresa que possui um outro tipo de negócio, com espaço e localização incompatíveis com a atividade econômica declarada, ou, ainda, o endereço coincide com o de consultorias, advocacias ou escritórios de contabilidade. Efetivação de operações empresariais sem qualquer lógica econômica. Inexistência de empregados, de alvará de funcionamento, de consumo de água e luz. Modificações societárias frequentes e/ou muito complexas. Incompatibilidade entre o suposto funcionamento da empresa e sua movimentação financeira. Arquivamento na junta comercial de atos sociais feitos de maneira irregular. Incompatibilidade entre declarações de renda e bens com a movimentação financeira. Constante cessão de bens entre empresas de um mesmo grupo econômico. 4 3 2 1 5 6 7 8 9 Figura 18: Indícios frequentes da blindagem patrimonial por engenharia societária. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Análise Patrimonial38 • Módulo 1 “ “ A empresa Alfa Ltda. é extinta por liquidação voluntária. Em outro estado do Brasil é criada a empresa Delta Ltda., a partir de um CPF que tem como origem uma certidão de nascimento falsa, e o nome fantasia e a identidade visual lembram muito a empresa Alfa Ltda., dando a impressão à clientela de que se trata da mesma empresa. A partir daí, inicia-se a sucessão de fato, de pontos de comércio e empregados, mas o controle societário das empresas é fragmentado e seus ativos mal identificados, impedindo, assim, que o poder público conheça o fluxo patrimonial e comprove a subtração de bens em favor de familiares do agente. O núcleo principal da engenharia corporativa gira em torno de redistribuir haveres, apagar elementos que levem à sua origem ou natureza, dissimular sua localização, forjar sua movimentação. Minar negócios, dificultar a atuação do aparato fiscalizatório estatal, proteger a esfera jurídica do agente e, em última análise, assegurar a fruição impune do proveito do crime. (BRASIL, 2017, p. 104). Há também as operações realizadas em paraísos fiscais que dificultam seu rastreamento e consequente investigação, nosso próximo tópico dentro da blindagem patrimonial. Siga os estudos e confira! As operações multijurisdicionais A blindagem patrimonial por operações multijurisdicionais está relacionada com a realização de operações ligadas a mais de uma jurisdição, por isso o nome multi. Estudo de Caso Análise Patrimonial39 • Módulo 1 “ “ Um paraíso fiscal pode ser definido como “países ou dependências com tributação favorecida ou que oponham sigilo relativo à composição societária de pessoas jurídicas. (BCB, 2020). O que são paraísos fiscais? São Estados nacionais ou regiões autônomas que possuem uma legislação que favorece movimentações e refúgio de capitais estrangeiros. Os paraísos fiscais proporcionam baixas alíquotas tributárias, proteção sob o sigilo bancário e composição societária, corroborados, em algumas situações, por frágeis mecanismos de supervisão e de regulamentação das movimentações financeiras. Dessa forma, os paraísos fiscais oferecem a não residentes alguns benefícios. Figura 19: Benefícios que chamam a atenção de indivíduos que desejam acobertar seus patrimônios. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). Padrão de sigilo financeiro ou comercial alto. Deficiências nos controles internos e nos programas de “compliance”. Tributação favorecida. Dificuldades de cumprimento de pedidos de cooperação internacional. Ampla oferta dos serviços de assessoria jurídico-contábil. BENEFÍCIOS OFERECIDOS POR PARAÍSOS FISCAIS A Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.037, de 4 de junho de 2010, e suas atualizações, relaciona países ou dependências com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados. Formas societárias obscuras. Análise Patrimonial40 • Módulo 1 1. Aruba 2. Comunidade das Bahamas 3. Bahrein 4. Barbados 5. Belize 6. Ilhas Bermudas 7. Ilhas Cayman 8. Chipre 9. Emirados Árabes Unidos 10. Gibraltar 11. Hong Kong 12. Líbano 13. Libéria 14. Macau 15. Maldivas 16. Ilhas Marshall 17. Ilhas Maurício 18. Mônaco 19. Panamá 20. Polinésia Francesa 21. Seychelles 22. Sultanato de Omã 23. Ilhas Virgens Americanas 24. Ilhas Virgens Britânicas 25. Curaçao 26. São Martinho 27. Irlanda Figura 20: Paraísos fiscais espalhados pelo mundo. Fonte: Freepik (2020), adaptado por labSEAD-UFSC (2020). A abertura de conta em paraísos fiscais, por si só, já constitui grande obstáculo à investigação. No entanto, a abertura de sociedades, fundações e outras entidades jurídicas, incluídas aí as empresas offshore, caracterizamo principal produto dos paraísos fiscais. Offshore é o nome comum dado às empresas e contas bancárias abertas em territórios onde há menor tributação para fins lícitos. WORLD MAP 1 23 24 26 25 2 5 6 19 4 7 13 21 16 22 93 15 11 14 20 17 128 27 18 10 Análise Patrimonial41 • Módulo 1 Para aprofundar um pouco mais sobre paraísos fiscais, indicamos como uma boa leitura o texto “Como funcionam os paraísos fiscais”. Para acessa-lo clique no link: https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_ content&view=article&id=3236&catid=30&Itemid=41 Na maioria das vezes, uma empresa offshore funciona da seguinte maneira: Saiba mais Figura 21: Funcionamento estratégico de uma offshore. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Uma caixa postal Embora a criação dessas empresas seja permitida por lei, geralmente estão atreladas à prática do crime de lavagem de dinheiro. Vejamos a definição do Banco Central do Brasil. Administrada por escritórios especializados Sócios e diretores fictícios Confecciona procurações e presta serviços financeiros https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=3236&catid=30&Itemid=4 https://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&view=article&id=3236&catid=30&Itemid=4 Análise Patrimonial42 • Módulo 1 “ “Os centros financeiros offshore são jurisdições em que grande parte das transações do sistema financeiro envolve pessoas físicas ou jurídicas não residentes na jurisdição e em que a maioria das instituições financeiras são controladas por não residentes.(BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2020). Também podem se caracterizar por oferecerem tributação baixa ou isenção tributária, regulamentação frágil do setor financeiro e regras severas de sigilo bancário, num ambiente estável politicamente e economicamente. Simulação de perda patrimonial A última tipologia de blindagem patrimonial trata da simulação de perda patrimonial. A simulação pode ser identificada quando se realizam as seguintes práticas: • Celebração de contratos antieconômicos, com cláusulas inconsistentes. • Parcerias que não proporcionam qualquer ganho aparente. • Hipótese clássica da desvalorização artificial de ativos, principalmente quanto a imóveis e artigos de difícil precificação (obras de arte, antiguidades, passes de atletas, joias). “O agente adquire um imóvel por preço superfaturado, recebe por fora o excedente e, decorrido algum tempo, revende a terra que se ‘desvalorizou’ por quantia bem inferior.” (BRASIL, 2017, p. 109). Falando de modo geral, todos os tipos de blindagem patrimonial, considerando tanto as estruturas quanto os negócios jurídicos utilizados, possuem muitas semelhanças com a prática da lavagem de ativos. Por isso, embora não sejam a mesma coisa, a blindagem patrimonial está relacionada com crimes de Palavra do Especialista Análise Patrimonial43 • Módulo 1 “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores, conforme previsto na Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998, alterada pela Lei nº 12.683, de 9 de julho de 2012. Blindagem: A motivação é remover do acervo do potencial devedor um bem que poderia ser alvo de execução em ações de cobranças ou arresto. Os ativos a serem protegidos fazem parte do patrimonio do devedor, ainda que estejam em nome de interpostas pessoas, podendo ser de origem legal ou ilegal (podem ter sido lavados anteriomente). Lavagem: A motivação é proporcionar aparência lícita a um ativo de origem ilícita. A origem dos bens, diretos e valores, na lavagem, é sempre criminosa. Figura 22: A ocultação de ativos relaciona diretamente a lavagem de dinheiro e blindagem patrimonial. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). =/ O que diferencia os dois fenômenos são, basicamente, dois elementos: a intenção ou o motivo do negócio e a origem dos bens, direitos e valores. Vamos ver como funcionam essas fraudes na prática? Veja a seguir o caso Parmalat. Perceba que as fraudes podem estar inseridas em grandes empresas, gerando inúmeros efeitos nefastos. O CASO PARMALAT Conhecido como maior escândalo financeiro na Europa desde 1945, o caso ganhou dimensões intercontinentais. A Parmalat significava um exemplo de sucesso alavancado pela dinâmica da globalização liberal. Seu início ocorreu com uma pequena empresa familiar de distribuição de leite pasteurizado, situada nos arredores de Parma, na Itália. Por volta da década de 60, a Parmalat se desenvolveu fortemente, em decorrência da habilidade de seu fundador, Calisto Tanzi, e dos generosos subsídios da União Europeia. A partir de 1974, a Parmalat instalou-se no Brasil, depois, Venezuela e Equador. Observou- se uma multiplicação de suas filiais e a criação de empresas intermediárias em todos os territórios que oferecessem Análise Patrimonial44 • Módulo 1 facilidades fiscais – Ilha de Man, Holanda, Luxemburgo, Áustria e Malta – e, também, em paraísos fiscais – Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Antilhas Holandesas. Em 1990, abriu seu capital colocando ações na Bolsa de Valores, consagrando-se como o sétimo grupo privado da Itália e o primeiro lugar mundial no mercado de leite de longa conservação. Com esse porte, empregava em torno de 37 mil funcionários em mais de 30 países, com o impressionante faturamento, em 2002, de 7,6 bilhões de euros. Com esses números, as ações da Parmalat significavam investimento seguro na Bolsa de Milão. Até que o dia 11 de novembro de 2003 chegou. Nessa data, os auditores questionaram um investimento de 500 milhões de euros no fundo Epicurum, sediado nas Ilhas Cayman. Imediatamente, a agência Standard & Poors, uma das três maiores agências de classificação de risco de crédito do mundo, baixou o valor da cotação dos títulos Parmalat. Ao mesmo tempo, a Comissão de Operações da Bolsa solicitou esclarecimentos quanto à forma pela qual o grupo pretendia reembolsar as dívidas com prazo até o final de 2003. Nesse momento, a incerteza e preocupação tomaram conta de acionistas e detentores de ações. A Parmalat, com o fito de tranquilizar o mercado, anunciou, então, a existência de um fundo de 3,95 bilhões de euros, depositado em uma agência do Bank of America, localizada nas Ilhas Cayman, apresentando para isso um documento, emitido pelo citado banco norte- americano, comprovando a autenticidade dos títulos e da liquidez referentes ao valor divulgado. Seria tudo ou nada. A estratégia da direção da empresa foi tranquilizar o mercado, para que as ações subissem e os negócios prosperassem. No entanto, não imaginaram que, no dia 19 de dezembro, o Bank of America afirmaria Análise Patrimonial45 • Módulo 1 “ “ que o documento divulgado pela Parmalat para provar a existência dos 3,95 bilhões de euro era falso! Tratava-se de um documento em papel timbrado pouco confiável, falsificado grosseiramente com a ajuda de um scanner. As ações despencaram, em poucos dias não valiam quase nada. Mais de 115 mil investidores e pequenos poupadores foram enganados. Revelou-se, então, que o endividamento da Parmalat chegava a 14 bilhões de euros, que, por muitos anos, foi deliberadamente dissimulado, por meio de um sistema fraudulento baseado em desvios contábeis, orçamentos falsos, documentos falsificados, lucros fictícios e complexas pirâmides de empresas ‘offshore’, com vinculações múltiplas, tudo propositalmente arquitetado, para tornar impossível a detecção da origem do dinheiro e a análise das contas. Por ser uma fraude permanente, realizada durante vários anos, não era detectável. Veja como a empresa parecia sólida antes de os crimes serem divulgados: Na própria véspera do escândalo eclodir, o Deutsche Bank, por exemplo, adquiriu 5,1% do capital da Parmalat, enquanto analistas de mercado recomendavam veementemente a compra de títulos do grupo [...] (RAMONET, 2004, não paginado). A empresa de auditoria do grupo italiano, a Grant Thornton, assim como grandes bancos, como o Citigroup, foi acusada de cumplicidade.A Parmalat foi declarada insolvente poucos dias depois do escândalo. Em 2010, Calisto Tanzi foi condenado a 18 anos de prisão, sendo considerado pela promotoria do Tribunal de Parma o “cérebro” da fraude que provocou a falência da maior multinacional italiana da alimentação. Outras 16 pessoas foram julgadas por fraude e formação de quadrilha. O devedor, pessoa singular, empresa ou outra pessoa coletiva que se encontra incapaz de cumprir as suas obrigações. Análise Patrimonial46 • Módulo 1 CONTEXTUALIZANDO... Você já refletiu sobre o que levaria uma pessoa a cometer fraudes na instituição em que trabalha? Quais os elementos/ características comuns a essas pessoas? Nesta aula, vamos apresentar a teoria do triângulo da fraude, proposta pelo americano Donald Cressey, no ano de 1953, que, por meio da pesquisa realizada, apresenta proposições sobre essas perguntas. A HIPÓTESE DE DONALD CRESSEY A hipótese criada por Cressey baseia-se na tese de que a ocorrência de fraudes corporativas está condicionada à presença de três elementos: Aula 4 – Triângulo da Fraude Figura 23: Elementos que condicionam os crimes de fraude em corporações. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). Oportunidade Triângulo da fraude Racionalização Pressão Você deve estar se perguntando quem é Donald Ray Cressey? Ele foi um penologista, sociólogo e criminologista americano, nascido em 1919, em Minnesota, que contribuiu consideravelmente para o entendimento e estudo do crime organizado, da sociologia do direito penal, das prisões e do crime de colarinho branco. Análise Patrimonial47 • Módulo 1 Em 1953, Cressey publicou pela primeira vez a sua proposição sobre a teoria do triângulo da fraude. Para a formulação da pesquisa, entrevistou 250 criminosos durante um período de cinco meses. Os entrevistados deveriam atender a dois critérios: terem exercido um cargo, emprego ou função de confiança e terem violado essa confiança. Justificando a quebra de confiança como meio para resolução de seus problemas financeiros, tais indivíduos passam a usar os recursos financeiros em benefício próprio, embora autoalimentem uma falsa sensação de seriedade em suas ações (CRESSEY, 1953). A partir dessas entrevistas, Donald Cressey constatou que três fatores eram comuns a todos os entrevistados que violaram a confiança recebida. Palavra do Especialista Figura 24: Características comuns relatadas pelos entrevistados. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). Perceberam que tinham um problema financeiro que não poderia ser compartilhado com outra pessoa de seu convívio. Tinham entendimento de que o citado problema poderia ser resolvido secretamente através da violação da confiança recebida. Racionalizaram a conduta adotada, de maneira que enxergaram a si mesmos como honestos. A seguir apresentamos os detalhes da pesquisa de Cressey, abrindo a discussão sobre cada elemento do triângulo, considerando sua proposição. Análise Patrimonial48 • Módulo 1 Triângulo da fraude: pressão Para o primeiro vértice do triângulo, a palavra pressão agregou toda a motivação ou incentivo para o cometimento de fraudes. Nesse sentido, Cressey dividiu em seis tipos os problemas não compartilháveis. Figura 25: Características comuns relatadas pelos entrevistados. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). Dificuldade em pagar dívidas. Problemas resultantes de falhas pessoais. Reversões de negócios. O isolamento físico. Ganho de ‘status’. Relações empregador- empregado. Nos problemas não compartilháveis, também podem estar contidas as situações em que o violador de confiança é isolado das pessoas que poderiam ajudá-lo. Há também uma relação com padrões de vida maiores do que os meios podem proporcionar e, por último, o tratamento injusto por parte do empregador. Triângulo da fraude: oportunidade Para o outro vértice, a oportunidade foi a palavra definida para caracterizar o conhecimento e o momento para cometer as fraudes. O indivíduo, em uma posição de confiança, aproveitando-se de controles internos ineficazes e da ausência de fiscalização, conquista conhecimento suficiente para saber os pontos vulneráveis e cometer a fraude com sucesso. Problemas não compartilháveis Análise Patrimonial49 • Módulo 1 Figura 26: Características comuns relatadas pelos entrevistados. Fonte: Pixabay (2020). Alguns fatores estão relacionados à compreensão da oportunidade, vejamos. Figura 27: Conceitos de oportunidade segundo o triângulo da fraude. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). A convicção de que ninguém irá julgar a transgressão como grave (BRASIL, 2018c). A ausência de avaliações periódicas que permitam verificar o cumprimento das políticas da empresa pelos funcionários. A aceitação de que a organização não está ciente e que a empresa não verifica ou se importa com esse tipo de fraude.1 2 3 Dessa forma, segundo Cressey (1953) os problemas não compartilháveis ajudarão o indivíduo a conhecer informações que favoreçam a violação da confiança. Análise Patrimonial50 • Módulo 1 “ “Triângulo da fraude: racionalizaçãoO terceiro e último vértice do triângulo: o indivíduo racionaliza, cria justificativas para provar a si mesmo que o ato cometido não é errado. O indivíduo acredita em seus próprios motivos. A racionalização “permite que os indivíduos desviantes não se sintam em dissonância com a sua própria percepção de moralidade ilibada, dando a eles a chance de continuar a se perceberem como corretor, mesmo após um ato criminoso.” (HENCSEY, 2016, p. 5). A racionalização leva o indivíduo a deformar a realidade, a criar suas próprias verdades, considerando a fraude cometida um ato necessário e aceitável. Na prática, as racionalizações mais comuns são: Figura 28: Frases comuns ditas por pessoas que cometeram fraudes corporativas. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). “Eu estava apenas pegando o dinheiro emprestado”. “Eu não recebo o salário que mereço”. “Eu merecia esse dinheiro”. “Eu tinha que desviar o dinheiro para ajudar minha família”. “Minha organização é desonesta com outros e merece ser trapaceada”. ““ Análise Patrimonial51 • Módulo 1 Assim, mesmo com o passar de mais de 60 anos, ainda hoje, a teoria dos triângulos é o modelo mais conhecido e utilizado por profissionais do segmento de auditoria e compliance que buscam a prevenção aos fatores de risco e a conformidade à legislação vigente e aos padrões éticos estabelecidos. FRAUDE CONTÁBIL E APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE ATIVOS Segundo o Comitê de Procedimentos de Auditoria do Instituto Americano de Contadores Certificados (AICPA), há dois tipos de fraudes: • Informação contábil fraudulenta. • Apropriação indébita de ativos. Nos dois tipos de fraudes, os fatores são os mesmos apresentados na teoria dos triângulos das fraudes: pressões, oportunidades e racionalizações. No documento Responsabilidade do Auditor em Relação a Fraude (NBC TA 240), observa-se a definição dos fatores de riscos – pressão, oportunidades e racionalização – para distorções nas informações contábeis, bem como, na apropriação indevida de ativos (CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE, 2009). Para melhor visualizar cada tipo de fraude, confira o quadro a seguir, que apresenta exemplos relativos a cada fator de risco de acordo com o tipo de fraude. É a atividade de assegurar que a empresa está cumprindo à risca todas as imposições dos órgãos de regulamentação, dentro de todos os padrões exigidos de seu segmento. Também pode ser entendida como apropriação indevida. Palavra do Especialista Análise Patrimonial52 • Módulo 1 Quadro 1: Fatores de riscos de acordo com o tipo de fraude executada. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Informação Contábil Fraudulenta Apropriação Indevida de Ativos Alto nível de competição do mercado. Declínios significativos na demanda de clientes. Fluxo de caixa negativo. Cumprimento de metas de vendas. Demissões de empregados conhecidas ou previstas.Alterações previstas na remuneração ou nos benefícios dos empregados. Itens de estoque de tamanho pequeno, mas com alto valor. Sistema de segurança inadequado para a guarda de dinheiro, estoques e outros ativos fixos. Ausência de férias por parte de empregados que realizam funções-chave de controle. Alterações no estilo de vida que indiquem a apropriação indevida de ativos. Tolerância a pequenos furtos. Transações significativas, não usuais e demasiadamente complexas, especialmente as próximas do encerramento do exercício. Uso de intermediários de negócios para os quais não há justificativa comercial clara. Controle interno realizado de maneira ineficaz. Omissão da administração em remediar, tempestivamente, deficiências detectadas pelo controle interno. Conduta autoritária e inadequada no trato com o auditor, especialmente quando tentam limitar o alcance do trabalho a ser realizado. PRESSÃO OPORTUNIDADES RACIONALIZAÇÃO Em relação aos fatores de risco, um recente estudo, intitulado Pesquisa Global sobre Fraudes e Crimes Econômicos (PRICE WATER HOUSE COOPERS, 2018), utilizando o Triângulo da Fraude, entrevistou 7.228 pessoas, em 123 países, para responder à seguinte questão. Análise Patrimonial53 • Módulo 1 “ “ Figura 29: Respostas diferentes entre o cenário mundial e o Brasil. Fonte: Price Water House Coopers (2018, p. 31), adaptado por labSEAD-UFSC (2020). Até que ponto cada um dos seguintes fatores – oportunidade, pressão e racionalização – contribuiu para a fraude e/ou o crime econômico provocado por agentes internos? Classifique em ordem de contribuição para o incidente. (PRICE WATER HOUSE COOPERS, 2018, p. 31). Vejamos os dados obtidos a partir das respostas dos participantes. dos brasileiros apresentaram a oportunidade como principal fator o incentivo/pressão por desempenho a racionalização das pessoas de outros países indicaram a oportunidade como principal fator relacionado à incidência de fraudes o incentivo/pressão por desempenho a racionalização Cenário mundial Brasil Análise Patrimonial54 • Módulo 1 Mesmo com cenários tão desafiadores, em que a constatação e prevenção à fraude tornam-se tarefas cada vez mais complexas, as organizações têm usado a Teoria do Triângulo da Fraude para se anteciparem aos fatores de risco por meio de medidas como o fortalecimento dos controles internos, o mapeamento de riscos, treinamentos periódicos e a definição de um código de conduta, ações estas cada vez mais implementadas nas empresas. Análise Patrimonial55 • Módulo 1 CONTEXTUALIZANDO... Nesta aula vamos aprofundar a reflexão sobre o que é um patrimônio, o cálculo de balanço patrimonial e a necessidade de entender os valores retidos nos balanços no momento da investigação. Podemos começar a aula refletindo, então, sobre a etimologia da palavra patrimônio. Sua origem decorre do vocábulo em latim “patrimonium”, cujo significado amplo é de herança familiar e, em sentido estrito, herança paterna ou do pai. Assim, é possível conceituar preliminarmente a palavra patrimônio como um bem familiar ou qualquer bem material ou moral que pertence à uma pessoa, uma instituição ou um grupo. Mas como podemos definir patrimônio enquanto parte de uma investigação patrimonial? Por meio do conceito jurídico e contábil do termo. Vamos entender mais? Siga para o primeiro tópico da aula. CONCEITO JURÍDICO E CONCEITO CONTÁBIL Segundo Cesar Fiúza (2004), patrimônio é considerado um complexo de direitos e obrigações de uma pessoa, suscetível de avaliação econômica, integra a esfera patrimonial das pessoas, sejam elas naturais ou jurídicas. Podemos olhar a ideia de patrimônio sob duas óticas: juridicamente e contabilmente. Pela ótica jurídica, o conceito de patrimônio tem particular importância, tendo em vista o princípio que conduz o direito das obrigações: a responsabilidade patrimonial. Aula 5 – Conceito de Patrimônio e Balanço Patrimonial Análise Patrimonial56 • Módulo 1 Assim, diante de diferentes concepções, os autores da área destacam duas teorias que caracterizam juridicamente o patrimônio: a teoria clássica e a teoria moderna. PATRIMÔNIO SOB AS TEORIAS DO DIREITO Teoria clássica ou subjetiva: o patrimônio é uma universalidade de direito, unitário e indivisível, que se apresenta como projeção e continuação da personalidade (GONÇALVES, 2020, p. 264). Teoria moderna: teoria realista, também denominada moderna ou da afetação, indica que o patrimônio seria composto apenas pelo ativo, formado de vários núcleos separados, conjuntos de bens para atender a fins específicos, como, os bens reservados à herança. Há o rompimento dos princípios da unicidade e da indivisibilidade do patrimônio, admitindo, portanto, a compatibilidade de um patrimônio geral e outros específicos. Figura 30: Patrimônio sob as teorias do direito. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). Por outro lado, pela visão contábil, patrimônio pode ser entendido como o conjunto de bens, direitos e obrigações vinculados a uma entidade num determinado momento. Análise Patrimonial57 • Módulo 1 Bens: tudo que pode ser mensurado economicamente e que satisfaça às necessidades humanas, é o que a entidade de fato possui. Obrigações: as dívidas, os valores a serem pagos a terceiros. Figura 31: Patrimônio sob a ótica contábil. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). Direitos: todos os recursos a receber e que gerarão benefícios presentes ou futuros. É o poder de exigir alguma coisa. PATRIMÔNIO SOB A ÓTICA CONTÁBIL Em outras palavras, é possível afirmar. O patrimônio pode ser entendido como tudo o que uma entidade possui, somadas às prerrogativas de receber algo por meio de um direito, assim como todos os deveres de honrar os compromissos firmados. Ainda em relação ao conjunto de bens que constituem parte do patrimônio das entidades, segundo Galvão (2017), estes podem ser classificados quanto à mobilidade e tangibilidade, veja o exemplo. Análise Patrimonial58 • Módulo 1 MOBILIDADE TANGIBILIDADE Móveis: mesa, quadros, estoques. Tangíveis (possuem forma física): casa, máquina, quadro, carro. Inatangíveis (não possuem forma física): marcas, patentes. Imóveis: terreno, casa. Figura 32: A classificação de bens segundo a contabilidade. Fonte: labSEAD- UFSC (2020). Assim, constitui-se o principal objeto de estudo da contabilidade, que avalia os conjuntos definidores de patrimônio em dois aspectos: • Qualitativo: definido como a natureza dos elementos. • Quantitativo: caracteriza seus respectivos valores, de modo a propiciar a seus usuários demonstrações e análises para a tomada de decisões. Segundo Moura (1997), as entidades que possuem patrimônio podem ser classificadas da seguinte forma. Dentro do contexto contábil, entidades são instituições, sociedades, pessoas jurídicas, estabelecidas para fins específicos. Com fins lucrativos – denominadas empresas, que objetivam o lucro para manter e/ou aumentar o seu patrimônio. Com fim socioeconômico – caracterizadas como instituições, buscam o superavit que será revertido em benefício de seus componentes. Com fins sociais – também chamadas de instituições que atendem às demandas da sociedade, por exemplo: a União, os estados e os municípios. Figura 33: A classificação das entidades. Fonte: labSEAD-UFSC (2020). Com a ajuda de exemplos anteriores, veja como é possível resumir as partes que compõem o patrimônio. Análise Patrimonial59 • Módulo 1 DIREITOSBENS OBRIGAÇÕES dinheiro em caixa dinheiro depositado em banco veículos máquinas imóveis terrenos estoque de mercadorias móveis e utensílios duplicatas a receber cheques a receber aluguéis a receber ICMS a recuperar salários a receber duplicatas a receber cheques a receber aluguéis a receber empréstimos a pagar fornecedores aluguéis a pagar financiamentos salários a pagar imposto a pagar
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