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Adesão e sua relação com os tecidos dentais Adesão e sua relação com os materiais restauradores Constituintes básicos dos sistemas adesivos e suas funções Adesão1 FRANCCI, Carlos E. LODOVICI, Edméa WITZEL, Marcelo SATO, Claudio T. DUTRA, Hélio Rui Odontologia Estética: a arte da perfeição 2 Adesão 3 Introdução A Odontologia, como qualquer Ciência, possui alguns marcos em sua histó- ria. Estes fazem com que uma determinada prática corriqueira se torne uma “técni- ca do passado” em intervalos muito pequenos de tempo. Pode-se, por exemplo, citar o advento da turbina de alta-rotação, que tornou os procedimentos de pre- paro cavitário muito mais rápidos; ou então, mais recentemente, o advento dos materiais fotopolimerizáveis e dos equipamentos de fotopolimerização, que per- mitiram ao dentista dominar totalmente o tempo de trabalho desses materiais; dentre outros marcos. A adesão em Odontologia é um dos marcos mais impor- tantes, senão o mais importante, para a prática clínica atualmente. Imagine não ser possível fazer qualquer restauração de resina composta, direta ou indireta. Do que adiantaria o desenvolvimento de restaurações cerâmicas tão resisten- tes e de resinas compostas tão estéticas quanto as que existem atualmente no mercado, se não existissem os sistemas adesivos, uma vez que na sua maioria quase que absoluta esses materiais necessitam dos mesmos para sua cimenta- ção aos substratos dentários? A Odontologia conservadora seria muito menos “conservadora”. Assim, nota-se a importância do domínio deste assunto pelo profissional, além de sua atualização constante, pois novas técnicas e materiais surgem a cada dia. Este capítulo tem o intuito de atualizar o cirurgião-dentista, além de dirimir algumas dúvidas muito constantes a respeito do assunto ade- são e a relação dos sistemas adesivos com os diferentes tecidos dentais e materiais restauradores. O principio da adesão A adesão é definida como a força de atração entre átomos ou moléculas de duas superfícies semelhantes ou diferentes em íntimo contato. Entretanto, a presença de rugosidades na superfície desses substratos, mesmo polidos, di- ficulta esse íntimo contato, que ficará em no máximo 1% da área total. Ou seja, após a justaposição dos dois substratos, formar-se-ão alguns pontos de contato e inúmeros espaços livres. A fim de se promover a união entre esses dois subs- Odontologia Estética: a arte da perfeição 4 tratos, empregam-se substâncias capazes de preencher es- ses “vãos livres” e manter unidas as duas superfícies. Essas substâncias denominam-se adesivos4. Os adesivos podem simplesmente preencher as rugosidades superficiais e, co- mumente, realizar ligações superficiais com os substratos, sendo, neste caso, o microembricamento o maior responsá- vel pela união. Podem também realizar ligações primárias, mais fortes, com os substratos, sendo o termo adesão o mais correto para esses casos. O princípio de adesão aplicado em Odontologia parte do pressuposto que substratos totalmente diferentes precisam ser unidos de forma bastante eficiente para resistirem, sobre- tudo, aos esforços mastigatórios, às variações de temperatu- ra e aos diferentes fluidos presentes na cavidade oral, bem como apresentar uma grande longevidade (Fig. 1). O grande desafio é o de se ter um material adesivo que seja de fácil e rápida aplicação, e que tenha afinidade aos tecidos duros dentais, esmalte e dentina; e aos materiais restauradores, re- sina composta, ligas metálicas em geral e cerâmicas. Cada substrato dental, bem como cada material restaurador, tem suas particularidades de superfície. Aí reside o maior obstá- culo a ser superado, ou seja, o de se obter um material ade- sivo que proporcione união forte, estável e de fácil aplicação, independentemente das superfícies envolvidas. Na Odonto- logia, este material denomina-se sistema adesivo universal. O termo “sistema” se deve ao fato do material adesivo ser formado por um conjunto de componentes básicos: um ácido, um modificador de superfície, doravante chamado de primer; e um adesivo propriamente dito, denominado bond. Quanto ao termo “universal”, este se refere ao fato do sistema adesivo poder ser utilizado para unir substratos totalmente diferentes, ou seja, os diferentes materiais restauradores aos peculiares tecidos dentários. Sendo assim, todo profissional, previamen- te ao desenvolvimento de diversos procedimentos restau- radores ou protéticos, deveria dominar o assunto “adesão”. Este é demasiadamente vasto e este capítulo direcionará tal tema para uma abordagem mais clínica, levando-se sempre em consideração que os sistemas adesivos, em grande parte dos casos, serão aplicados sobre tecidos vivos, o que merece, portanto, algumas importantes considerações. Figura 1. Ilustração do objetivo básico dos sistemas adesivos em Odontologia. Ade sivo Dente Restauração Longevidade Sistema Resistên cia à Mastigaç ão, Fluid os orais e T emperat ura Adesão 5 Adesão e sua relação com os tecidos dentais O elemento dental apresenta estruturas extremamen- te diferentes uma das outras. O esmalte, devido à sua função de proteger o complexo dentino-pulpar e resistir aos esforços mastigatórios e desafios químicos do meio bucal, é altamente mineralizado, alcançando até 97% de seu peso. Já a dentina pode ter até 70% do seu peso em mineral, é de estrutura mais porosa, formada por canalí- culos com origem no órgão pulpar e que se distribuem de forma raiada até a interface com o esmalte, região esta chamada de junção amelo-dentinária. Enquanto o esmalte, mesmo em contato direto com os fluidos bucais, é pouco permeável, e sua estrutura tem aproximadamente 2% de água, a dentina, por ter os túbulos dentinários repletos de uma solução glicoprotéica, chega a ter aproximadamente 12% de água. Outra diferença importante entre estes dois substratos é a quantidade de matriz orgânica presente, principalmente o colágeno, que no esmalte chega a ter 1% em peso, e na dentina pode atingir 18%. Sem contar ainda com a presença, na dentina, dos prolongamentos dos odontoblastos no interior dos túbulos, conferindo a este tecido vitalidade, sensibilidade e potencial de rea- ção frente aos estímulos externos. Uma vez que os substratos dentários possuem compo- sições totalmente distintas, sendo a dentina rica em material orgânico e água, os sistemas adesivos precisam ter flexibi- lidade para se adaptarem às diferentes condições em cada tecido. Além disso, cabe ao profissional saber distinguir as diferentes necessidades das mais variadas cavidades, ten- do em vista que nem sempre o sistema adesivo poderá ser aplicado diretamente à cavidade sem antes a mesma pas- sar por uma proteção do complexo dentino-pulpar através de outro material. A manutenção da saúde pulpar frente às etapas do tra- tamento restaurador e aos materiais empregados sempre foi motivo de controvérsia entre os clínicos e entre os pró- prios pesquisadores. Até pouco tempo atrás, creditava-se quase que exclusivamente às bactérias as injúrias pulpares. Para esta corrente filosófica, um vedamento marginal satis- fatório, a ausência de bactérias e o controle do sangramen- to em exposições pulpares seriam suficientes para a polpa se comportar positivamente5,6. Entretanto, diversos estudos mostraram que não basta a ausência de bactérias para ga- rantir a saúde pulpar, sendo que alguns materiais restaura- dores podem ser extremamente citotóxicos11,13. Os materiais resinosos, especificamente os sistemas adesivos, podem provocar intensa reação inflamatória crô- nica na polpa quando utilizados em cavidades profundas9 agravando-se nos casos de exposição pulpar2,19. No caso dos adesivos do tipo total-etch, também cha- mados de etch & rinse ou convencionais, muitos profissio- nais acreditam ser a etapa de condicionamento ácido a mais agressiva à polpa. Entretanto,o estudo do efeito dos diversos componentes dos sistemas adesivos convencio- nais na citotoxicidade às células pulpares mostram que o primer e/ou bond são os principais agentes agressores (Ac- corinte2. Em contrapartida, os adesivos autocondicionantes (self-etch) não geram injúrias pulpares significativas quando utilizados em cavidades profundas10, mas quando aplicados diretamente à polpa apresentam níveis inflamatórios eleva- dos e não aceitáveis clinicamente3. Odontologia Estética: a arte da perfeição 6 Em suma, é comprovado que em cavidades profundas (sem exposição pulpar e em alguns casos de exposição), deve-se realizar o capeamento com materiais biocompatí- veis à polpa, como o hidróxido de cálcio e o MTA1 e seu uso pode e deve ser restrito apenas às áreas mais profundas com pouco remanescente dentinário (Figs. 2A-D. O quadro 1 mostra resumidamente como o profissional pode proce- der frente às diferentes situações clínicas envolvendo res- taurações adesivas. Além do cuidado com a proximidade ao tecido pulpar, durante a seleção do sistema e realização do protocolo adesivo, deve-se levar em consideração também o esta- do no qual o substrato, no caso a dentina, se encontra. O acometimento pela lesão cariosa e as respostas frente a esse e outros agressores podem inviabilizar o uso de um determinado sistema adesivo e/ou requerer cuidados es- peciais durante a preparação do substrato e/ou aplicação do sistema adesivo. QUADRO 1. Proteção pulpar em diversas situações clínicas Profundidade da cavidade Tipo de proteção pulpar prévia ao sistema adesivo Rasa (em esmalte ou pouco além da junção amelo-dentinária) Não é necessária Média (remanescente dentinário de 1 a 2 mm) Não é necessária Profunda 1 (remanescente dentinário menor que 1 mm, e sem exposição pulpar clínica) Deve-se realizar, na região mais profunda, capeamento com cimento de hidróxido de cálcio tipo “pasta x pasta” ou fotoativado Profunda 2 (exposição pulpar acidental em dentes jovens, com rizogênese incompleta sem presença de tecido infectado) Deve-se realizar capeamento com hidróxido de cálcio P.A. ou MTA, seguido de restauração provisória e proservação Profunda 3 (exposição pulpar em dentes com rizogênese completa e/ou presença de tecido infectado) Contra-indicada. Neste caso o dente deve ser submetido a tratamento endodôntico ADESÃO EM SUBSTRATOS ALTERADOS: DENTINA AFETADA POR CÁRIE A maioria dos estudos relacionados aos sistemas adesi- vos tem sido realizada em dentes sadios, livres de lesão de cárie, tais como pré-molares com indicação ortodôntica ou terceiros molares. Além disso, muitos deles têm sua execu- ção restrita ao ambiente laboratorial. Poucos são os estudos realizados in vivo. Sendo assim, é possível confiar em resulta- dos obtidos em laboratório? Segundo Wang Y et al. (2007)29, os resultados obtidos em laboratório são de grande valia para se avaliar a efetividade de um sistema adesivo em particular. Entretanto, é importante observar o comportamento dos sis- temas adesivos no que tange à resistência de união diante de diferentes substratos de dentina alterada, tais como den- tina acometida por cárie e dentina esclerosada. A dentina acometida por cárie apresenta alterações em sua estrutura morfológica e histológica decorrentes do processo de desmineralização da cárie22. A estrutura Adesão 7 Figuras 2A-D. Após a remoção do amálgama e tecido cariado, realiza-se o capeamento apenas das regiões profundas ou muito profundas com hidróxido de cálcio tipo “pasta x pasta”. A B C D Odontologia Estética: a arte da perfeição 8 da lesão de cárie apresenta duas camadas, uma mais ex- terna, chamada de dentina infectada, com grande presen- ça de bactérias, muito amolecida e com desnaturação tal do colágeno que inviabiliza o potencial de remineraliza- ção, a qual, portanto, deve ser obrigatoriamente removida. A outra camada mais interna foi denominada de dentina afetada, a qual raramente apresenta bactérias e cuja des- mineralização ainda é passível de ser revertida, devendo, assim, ser mantida durante o preparo cavitário12. Na Odontologia moderna, o conceito de preservação de estrutura dental está apoiado justamente nesta filoso- fia, ou seja, da manutenção de um tecido que se encontra desmineralizado em função da lesão de cárie, porém com a capacidade de reversão. Entretanto, a manutenção des- se substrato alterado de dentina culminou em uma grande dúvida: “Será que a resistência de união em dentina afetada é a mesma daquela obtida em dentina sadia?” Em um estu- do com diversos sistemas adesivos aplicados em diferen- tes substratos de dentina, observou-se que os resultados obtidos em dentina sadia foram superiores ao da dentina afetada por cárie, provavelmente pela presença de algumas substâncias como glicoproteínas, que podem interferir ne- gativamente na conversão dos monômeros em polímeros17. Além disso, a presença de cristais provenientes dos túbulos dentinários pode dificultar a capacidade de molhamento do sistema adesivo, bem como dificultar a formação dos pro- longamentos de resina no interior dos túbulos dentinários, os chamados tags resinosos7. Os sistemas adesivos tipo etch & rinse, que utilizam condicionamento ácido, quando aplicados na dentina afetada, produzem uma camada híbri- da muito fina31. Isso se dá pela dificuldade de difusão do adesivo nessa superfície devido à presença de cristais ao longo da mesma, mas tal fato parece não influenciar nos valores de resistência de união quando comparados aos da dentina sadia31. Tendo em vista o exposto, ao conduzir os procedimen- tos restauradores, o profissional deve se atentar aos seguin- tes critérios: a. Manutenção da dentina afetada. Diante dos fatos expostos, é inconcebível na Odontologia moderna remover-se todo substrato acometido pela cárie (dentinas infectada e afetada) até se deparar com uma dentina sadia, uma vez que a preservação de estrutura dentinária afetada se faz pertinente fren- te à sua capacidade de remineralização comprova- da em literatura. b. Cuidadoso diagnóstico da profundidade da cavi- dade e seleção do material. Diante de cavidades profundas de dentina afetada (remanescente den- tinário menor que 1 mm, e sem exposição pulpar clínica), recomenda-se, sobre o material de capea- mento, a utilização do ionômero de vidro como au- xiliar na remineralização deste substrato. A subse- qüente aplicação do sistema adesivo e restauração com resina composta é perfeitamente conveniente sobre o material de base. Diante de cavidades mé- dias de dentina afetada (remanescente dentinário de 1 a 2 mm), pode-se optar pela aplicação dire- ta de sistemas adesivos. Se a escolha for por um sistema adesivo tipo etch & rinse, pode-se conduzir o condicionamento ácido dessa superfície da for- Adesão 9 ma tradicional (vide item “Constituintes básicos dos sistemas adesivos e suas funções”), atentando-se para um maior tempo de enxágüe (em torno de 15 segundos), a fim de auxiliar a solubilização dos cristais e a remoção dos resíduos de ácido gel. Porém, como já citado, devido à di- ficuldade de difusão do sistema adesivo, recomenda-se um maior tempo de aplicação do primer ou aumento do número de aplicações do produto (seja ele isolado ou associado ao adesivo)14. Caso a escolha recaia sobre um sistema adesivo autocondicionante, dá-se preferência aos de dois passos, tendo em vista os melhores resultados apresentados nesse tipo de substrato quando comparados aos de frasco único18. O mesmo cui- dado com relação ao aumento do tempo de aplicação do primer deve- se tomar nesse caso, uma vez que garante um melhor desempenho do sistema adesivo31. ADESÃO EM SUBSTRATOS ALTERADOS: DENTINA ESCLERÓTICA A dentina esclerótica pode resultar da ação crônica das lesões de cárie, como uma forma de defesa do complexo dentino-pulpar frente à injúria. Este substrato apresenta diferentesestágios. Inicialmente, verifica-se um estreitamen- to da luz dos túbulos dentinários, devido ao aumento da dentina peritubular8. Nos estágios subseqüentes, largos cristais são encontrados, o que leva à obliteração da luz dos túbulos dentinários. Estes cristais apresentam diferentes aspectos tais como agulhado, rombóide, ou ainda saturações de cálcio, magnésio e íons fos- fato, conseqüentes da dissolução produzida pelos ácidos de bactérias e largos cristais de magnésio beta-trifosfato de cálcio30. A dentina esclerótica também é observada em muitas lesões cervicais não- cariosas, tais como abrasão e erosão23, as quais apresentam um aspecto muitas vezes brilhante, com oclusão dos túbulos dentinários por substância mineral e índice de refração similar ao resto da dentina28, ausência de sensibilidade e coloração amarela escura. Tais alterações na composição e morfologia da dentina modificam signifi- cativamente a união dos sistemas adesivos. Além da obliteração dos túbulos, o aumento da mineralização desse tipo de superfície dificulta o condicionamento Odontologia Estética: a arte da perfeição 10 ácido tanto dos sistemas adesivos convencionais, como dos autocondicionantes, o que pode impedir a permeação dos monômeros resinosos, bem como a for- mação da camada híbrida, que se apresenta em espessura bem menor nesses casos, e dos tags resinosos, que podem inclusive nem virem a se formar26. Tendo em vista o exposto, ao conduzir os procedimentos restauradores, o profissional deve se atentar aos seguintes critérios: a. Desinfecção da superfície. Quando decorrente de lesões cariosas, a presença de bactérias nessa dentina esclerótica justifica a aplicação de clorhexidina em concentrações de 2% previamente ao protocolo adesivo ou ainda a utilização de sistemas adesivos com potencial antibacteriano a fim de se desinfetar o substrato24. b. Aumento da efetividade do condicionamento ácido. É recomendado que o tempo de condicionamento ácido seja maior do que os 15 segundos nor- malmente preconizados em dentina, ficando estipulado em 30 segundos. Devido ao alto conteúdo mineral da dentina esclerótica, há uma maior resistência ao condicionamento ácido, daí a necessidade do aumento do tempo de ação do gel. c. Seleção preferencial do sistema adesivo. O uso de sistemas adesivos etch & rinse é o mais indicado. Além dos seus comprovados valores de resistência de união, o condicionamento ácido é de grande importância, pois o profissional está diante de um tecido extremamente mineralizado. Dessa forma, sistemas adesivos autocondicionantes são menos indicados devido a sua menor acidez e, portanto, capacidade de condicionamento desse substrato alterado. Os mesmos, porém, não são contra-indicados, pois a asperização da superfície com uma ponta diamantada e o aumento no tempo de aplicação e no número de camadas do primer autocondicio- nante podem melhorar o desempenho dessa união. Caso opte por este tipo de sistema, indicam-se preferencialmente aqueles com primer de maior acidez. d. Condicionamento “extra” do esmalte. Os valores de resistência de união obtidos em dentina esclerótica a partir de sistemas autocondicionantes Adesão 11 são comparáveis àqueles obtidos em sistemas convencionais. Caso se opte pela utilização de sistemas autocondicionantes, sugere-se que seja realizado o condicionamento do esmalte marginal previamente à aplica- ção do sistema adesivo, a fim de se criar uma eficiente e adicional reten- ção micromecânica capaz de suportar a incidência de altas cargas sobre a restauração24. e. Utilização de liners. Nem todas as lesões cervicais não-cariosas são es- cleróticas. Em alguns casos, como abfrações, é muito comum a caracte- rística levemente amarelada ou esbranquiçada e opaca do tecido, além da presença de hipersensibilidade local. Nesses casos, os sistemas ade- sivos etch & rinse podem ser utilizados desde que de maneira criteriosa, com todos os cuidados referentes à manutenção da umidade da dentina (vide item “Constituintes básicos dos sistemas adesivos e suas funções”) e polimerização cuidadosa dos incrementos de resina composta. Entre- tanto, devido à presença inerente da sensibilidade, os adesivos autocon- dicionantes apresentam uma indicação muito mais definida nestes casos. Além disso, novos sistemas autocondicionantes que possuem um liner (uma resina de baixa viscosidade) como ALL BOND SE (Bisco) podem contribuir para amenizar as tensões de polimerização da resina compos- ta e inibir a sensibilidade pós-operatória25. Adesão e sua relação com os materiais restauradores Basicamente, existem dois tipos de procedimentos restauradores, os chama- dos diretos, nos quais a restauração é realizada diretamente na cavidade oral do paciente, e os indiretos, nos quais a restauração é parcialmente ou totalmente confeccionada fora da cavidade bucal, em laboratório ou no próprio consultório, para posteriormente ser aderida/cimentada ao dente (Fig. 3). O primeiro grupo é aquele no qual se apresentam os procedimentos restauradores mais comuns, executados praticamente pela totalidade dos profissionais. Já o segundo gru- po normalmente é executado em situações onde há uma destruição maior da estrutura dentária, ou mesmo quando há a perda de dentes, nem sempre sen- Odontologia Estética: a arte da perfeição 12 do executado por todos os profissionais. Antes de qualquer execução, é fundamental um correto planejamento do caso a fim de se selecionar o material ideal e que, de preferência, o profissional possua certa intimidade com o mesmo a fim de conhecer sua forma correta de aplicação, adesão e/ou cimentação. Além disso, a forma de confecção da restaura- ção também deve ser previamente determinada de acordo com os critérios citados. Por exemplo, as restaurações de resina composta, na técnica direta, são polimerizadas junto à camada de adesivo aplicada na estrutura dental, enquanto que, na técnica indireta, são polimerizadas previamente à sua cimentação na estrutura dental. Enquanto no primeiro caso, há uma união química bastante eficiente entre o ade- sivo e a resina composta, nas técnicas indiretas, o embrica- mento mecânico passa a ter uma importância muito maior, apesar da união química também ocorrer. O quadro 2 apresenta, de forma resumida, a inter-relação dos diferentes substratos dentários e suas diversas possibi- lidades de restauração frente ao tratamento das superfícies. Pode-se notar que o princípio básico dos procedimentos ade- sivos em Odontologia fica bastante evidente. Independente- mente do substrato, geralmente este é tratado para ter sua superfície recoberta com o bond, que servirá de união entre os diferentes substratos, como os tecidos duros do dente, materiais restauradores diretos e diversos tipos de cimentos, muitas vezes utilizando-se alguns materiais acessórios. Figura 3. Procedimentos restauradores e respectivos materiais empregados. Necessidade clínica e diferentes substratos Procedimentos restauradores Diretos Indiretos Dentina Esmalte Mineral Orgânico Água 70% 18%12% 97% -2%-1% Amálgama de prata Resina composta Ionômero de vidro Ligas metálicas Resina c. de laboratório Cerâmicas Materiais restauradores Adesão 13 Substratos Dentários Restaurações Diretas ESMALTE SECO Ácido Fosfórico ESMALTE ÚMIDO SÓ DENTINA (sempre úmida) ESMALTE + DENTINA (sempre úmida) Ácido Fosfórico Ácido Fosfórico Ácido Fosfórico Primer Primer Primer B O N D COMPÓSITOS DIRETOS Cimento Resinoso (Dual ou Quimicamente ativado) (Opcional) AMÁLGAMA ADESIVO Cimento Resinoso Restaurações Indiretas BOND (opcional) Silano Jateamento ou Asperização (ponta diamantada) ou Ac. Fluorídrico COMPÓSITOS INDIRETOS Cimento Resinoso (Dual ou Quimicamente ativado) BOND (opcional) Silano ou Primer Metal/ Zircônia Jateamento com silica ou asperização (ponta diamantada)RMF METALOCERÂMICAS Cimento Resinoso BOND (opcional) Silano Ac. Fluorídrico Jateamento (óxido de alumínio) (opcional) CERÂMICAS (Feldspáticas, Dissilicato de Lítio e Fluorapatita) (TRADICIONAIS, EMPRESS 2, E-MAX, EMPRESS ESTHETIC) Cimento Resinoso Quimicamente ativado (1a Opção) Dual (2a Opção) Silano Jateamento (óxido de alumínio) (opcional) Jateamento (óxido de sílica) (opcional) BOND (opcional) CERÂMICAS (ALUMINA) (IN CERAM, PROCERA Alumina) Primer Metal/ Zircônia Silano (opcional) Pinos Cimento Resinoso Limpeza com álcool FIBRA DE VIDRO FIBRA DE CARBONO OU QUARTZOLimpeza com álcool Limpeza com álcool Jateamento (óxido de alumínio) METÁLICOS CERÂMICAS (Zircônia estabilizada por Ítrio YZ) (IN CERAM, PROCERA FORTE CERCON, LAVA) QUADRO 2. Relação entre os diferentes substratos dentários e suas diversas possibilidades de restauração frente ao tratamento das superfícies (colaboração do Prof. Dr. Eduardo Miyashita – Universidade Paulista – UNIP. Odontologia Estética: a arte da perfeição 14 MATERIAIS RESTAURADORES DIRETOS Resina composta O procedimento adesivo para uma restauração de re- sina composta é relativamente simples, pois a aplicação do material é imediata. É importante que o clínico dimensione bem o tempo que vai trabalhar, pois, dependendo da exten- são da cavidade, o procedimento restaurador com resina composta pode ser bastante demorado, e é importante que durante todo este procedimento o controle de umidade seja absoluto para garantir uma restauração, no mínimo, adequa- da. Vários outros fatores envolvidos no processo restaurador direto de resina composta podem afetar a qualidade da ade- são obtida. A contração inerente à polimerização deste ma- terial gera inevitavelmente tensão na interface adesiva. Esta tensão pode ser responsável pela diminuição da longevidade da linha de união, formação de gaps (fendas) e sensibilidade pós-operatória. Fatores como a geometria da cavidade, vo- lume do material restaurador, modo de fotoativação, relação carga/matriz da resina e seu comportamento visco-elástico podem interferir significativamente aumentando ou diminuin- do tal tensão. Em suma, o profissional deve estar atento ao fato de que não apenas os passos envolvendo a escolha e a aplicação do sistema adesivo são suficientes para garantir longevidade clínica da união. Amálgama adesivo Embora o uso de amálgama tenha diminuído por ques- tões estéticas, não se pode negar que é um material prático, rápido de trabalhar, de baixo custo e tecnicamente muito me- nos crítico, comparado a uma restauração de resina compos- ta. É importante salientar que o amálgama por si só é um ma- terial restaurador que tem autovedamento com o passar dos meses após a confecção da restauração, o que não ocorrerá com relação à técnica adesiva. Assim, é salutar o clínico ter em mente que, embora o material amálgama tenha a chance de se autovedar, quando utilizada a técnica adesiva, aumen- ta-se a chance de insucesso se o isolamento do campo ope- ratório falhar, pois o autovedamento ocorrerá entre o adesivo e o amálgama, e não entre o adesivo e a estrutura dental. A técnica de amálgama adesivo inicialmente foi desen- volvida utilizando um cimento resinoso sobre o adesivo, e condensando-se o amálgama durante a polimerização des- te cimento, propiciando o microembricamento entre eles. Posteriormente, vários estudos denominaram “amálgama adesivo” a restauração deste material sobre um adesivo já polimerizado, sem ter a chance do microembricamento, mas mantendo a vantagem do selamento imediato obtido com o sistema adesivo na estrutura dental. Assim, parece ser mais conveniente aproveitar as vantagens deste embricamento, utilizando um cimento resinoso dual ou quimicamente ativa- do sobre a camada de adesivo já polimerizada. MATERIAIS RESTAURADORES INDIRETOS Durante a realização de procedimentos restauradores indiretos, sabe-se da relevância que o preparo cavitário pode ter sobre o sucesso da retenção. Devem-se seguir rigorosa- mente os princípios de retenção de próteses fixas, que vão variar de acordo com o tipo e localização da reconstrução (coroa, onlays, facetas, etc.) e o material selecionado para a futura peça, sendo sua importância ainda maior quanto mais difícil for a adesão ao material como, por exemplo, em peças metálicas. De igual relevância, são os cuidados a serem tomados durante a cimentação dessas peças, desde o tratamento Adesão 15 das superfícies até a seleção do sistema de cimentação. Este assunto ainda é muito controverso, cabendo aqui uma discussão mais detalhada. Por exemplo, é muito freqüente a seguinte dúvida: “Utilizo um sistema adesivo fotoativado na estrutura dental e realizo a fotoativação antes da cimen- tação ou utilizo um sistema de cura dupla, e fotoativo após a cimentação?” Se há a chance da peça protética não as- sentar adequadamente devido à polimerização precoce do sistema adesivo (gerando acúmulos em ângulos da cavida- de), melhor optar por um sistema de cura dupla ou química. Além disso, a utilização desses sistemas que possuem ativa- ção química garante a polimerização em situações de difícil acesso à luz, como no caso de peças espessas e/ou opacas. Entretanto, no caso das facetas estéticas, a alteração de cor em longo prazo provocada pela oxidação dos componentes da ativação química (aminas) pode gerar comprometimento estético significativo. Dessa forma, sistemas quimicamente ativados ou de dupla cura passam a ser contra-indicados para facetas. Nesses casos, indicam-se apenas sistemas fo- toativáveis, uma vez que a luz acessará o sistema de cimen- tação devido à translucidez e pequena espessura da peça. Verifica-se, portanto, a complexidade do assunto, que exige do profissional conhecimentos específicos, uma vez que cada substrato requer um tipo de tratamento prévio à cimentação. A seguir, apresentam-se os tratamentos para os diversos substratos. Compósitos indiretos As peças de resina composta de laboratório, também conhecidas por “cerômeros” (nomenclatura esta questio- nável, já que se trata de resinas compostas semelhantes às diretas) precisam ter a superfície interna asperizada, propiciando o microembricamento do cimento. Esta as- perização pode ser obtida por jato abrasivo de óxido de alumínio (50µm) ou através de pontas diamantadas. Uma outra opção de tratamento é a aplicação de ácido fluo- rídrico, desde que não se exceda o tempo de aplicação além de 40 segundos. Após esses tratamentos, pode-se lançar mão do silano, uma substância com moléculas bi- funcionais que se ligam tanto às partículas de vidro do compósito, como à matriz resinosa do bond ou do cimento resinoso. Nunca se deve simplesmente assentar a peça sem previamente tratá-la como especificado, pois, embo- ra tenha similaridade em relação à natureza química do adesivo, estas peças não têm mais a camada superficial não-polimerizada, situação essencial para que haja união química entre as partes envolvidas. Restaurações metálicas fundidas, coroas metálicas ou metalocerâmicas A união à liga metálica sempre foi um desafio. A união química entre óxidos metálicos das peças feitas com ligas alternativas (não-nobres) e o cimento resinoso, através das moléculas bifuncionais de primers metálicos, não é suficien- te por si só, sendo recomendada também a asperização in- terna da peça com pontas diamantadas ou com jatos de óxido de alumínio ou sílica. Como as peças metálicas bloqueiam por completo a passagem de luz, impossibilitando a fotoativação do cimen- to, a escolha deste é fundamental para se obter grau de conversão clinicamente aceitável. Pode-se optar por um ci- mento de dupla cura, cuja ativação química seja comprova- damente eficaz, ou, preferencialmente, adotar um cimento de ativação química. Odontologia Estética: a arte da perfeição 16 Cerâmicas de baixo teor cristalinoou ácido susceptíveis (exs: porcelanas, Empress II, Empress Esthetic, E-Max) Estas cerâmicas devem ser condicionadas com ácido fluorídrico pelo tempo recomendado pelo fabricante. Como opção, tem-se o jateamento com óxido de alumínio. A seguir, deve-se aplicar o agente de união (silano), que vai se ligar à porção vítrea do material e à matriz do cimento resinoso. Para peças delgadas como facetas é interessante utilizar preferen- cialmente sistemas fotoativados pelos motivos já expostos. Já as peças espessas ou opacas como onlays ou coroas reque- rem o emprego de sistemas de ativação dupla ou química. Cerâmicas de alto teor cristalino ou ácido resistentes (exs: Cercon, Procera, InCeram e Lava) Estas cerâmicas não são passíveis de condicionamento ácido. Para a obtenção de adesão no processo de cimenta- ção, é recomendado o jateamento com óxido de alumínio, posterior aplicação de primer metálico (também aplicável à zircônia), ou jateamento com deposição de sílica (sistemas Rocatec ou Cojet) e aplicação de silano. Destas duas for- mas, cria-se uma superfície com radicais livres para reagir com o sistema de cimentação. Pinos intra-radiculares Para cimentar um pino pré-fabricado é essencial conhe- cer sua natureza como de fibra de vidro, de carbono, de quartzo, ou metálicos. Todos os pinos de fibra devem ser limpos inicialmente com álcool, sendo que os pinos de fibra de vidro podem receber a aplicação de silano (ligação quí- mica entre as fibras de vidro e o sistema de cimentação). Os pinos podem receber uma camada de bond, ou serem re- cobertos diretamente com o cimento resinoso. Três aspec- tos devem ser frisados quanto à cimentação de pinos intra- radiculares: 1) devido à dificuldade de acesso à luz, utilizar sistemas de ativação química ou dual; 2) optar por adesi- vos sabidamente compatíveis com o cimento resinoso, pois sistemas adesivos com acidez acentuada, principalmente sistemas autocondicionantes, podem interferir na ativação química da polimerização do cimento, o que acarretará em possível descolamento do pino da raiz; 3) perfeita adapta- ção entre pino e paredes radiculares, proporcionando uma linha de cimentação fina. Constituintes básicos dos sistemas adesivos e suas funções Os sistemas adesivos são convencionalmente compostos por três elementos básicos: um ácido, um primer e um bond. O ácido, normalmente fosfórico na concentração de 30 a 37%, irá interagir com os tecidos duros dentais, proporcionan- do uma limpeza e desmineralização superficiais. Com relação à limpeza, tanto no esmalte, bem como na dentina, forma-se uma camada superficial de resto de minerais provenientes do corte das pontas de desgaste, óleo dos motores, saliva, san- gue, bactérias etc., que recobrem as estruturas e interferem na adesão. Esta camada recebe o nome de esfregaço, lama, ou do inglês smear layer. Assim, o uso de ácidos permite uma remoção deste “contaminante” e exposição dos tecidos du- ros do dente aos outros componentes do sistema adesivo. Com relação à desmineralização superficial, para cada tecido duro dental tem-se uma condição específica. No esmalte, o condicionamento ácido permite uma desmineralização sele- tiva, criando porosidades e, conseqüentemente, microrreten- ções (Fig. 4) que, devido a sua alta energia superficial, são facilmente preenchidas pelos monômeros fluidos presentes no primer e no bond dos sistemas adesivos. O mesmo efeito observado no esmalte se observa na dentina, ou seja, a ocor- rência de uma desmineralização seletiva, criando porosida- Adesão 17 1. Túbulo dentinário 2. Odontoblastos 3. Prolongamento do odontoblasto 4. Terminação nervosa amielínica 5. Sentido do fluxo do fluido tubular Limite amelo-dentinário Polpa des, mas, devido às particularidades da estrutura dentinária e de sua composição, a penetração dos monômeros fluidos dos sistemas adesivos torna-se muito mais complexa. A dentina é formada por uma quantidade enorme de tú- bulos dentinários que se originam na polpa e emergem até o limite amelo-dentinário, numa distribuição raiada. Assim, tor- na-se de fácil compreensão que, em cavidades profundas, se encontre um maior número de túbulos dentinários por milíme- tro quadrado (aproximadamente 45.000) quando comparado ao número junto à junção amelo-dentinária (aproximadamente 20.000). Outro detalhe importante é que tais túbulos junto à polpa podem apresentar diâmetro interno de até 2,5µm en- quanto que junto ao limite amelo-dentinário, 1µm. Como os túbulos são repletos do fluído tubular, que é uma solução gli- coprotéica, fica claro entender o porquê da maior umidade em dentina profunda comparada à superficial (Fig. 5). Quando a dentina é condicionada com um ácido fosfórico, a camada de smear layer é dissolvida, deixando a luz dos tú- bulos dentinários aberta, aumentando o fluxo do fluido tubular em direção à superfície; e a superfície dentinária subjacente é desmineralizada seletivamente, aumentando a luz dos túbulos dentinários, bem como expondo uma camada superficial de fibrilas colágenas (Fig. 6). Diferentemente do esmalte, a ex- posição dessas fibrilas colágenas leva a uma diminuição da Figura 4. Fotomicrografia evidenciando o aspecto do padrão do condicionamento com ácido fosfórico no esmalte, criando porosidades que serão preenchidas pelo sistema adesivo. Figura 5. Ilustração da morfologia dos túbulos dentinários. Figura 6. Fotomicrografia evidenciando o aspecto das fibrilas colágenas e túbulos expostos após o condicionamento ácido. Gentilmente cedida pela Profa. Dra. Soraia de Fátima Carvalho Souza (Universidade Federal do Maranhão). 54 6 Odontologia Estética: a arte da perfeição 18 energia livre de superfície, o que dificultará a penetração dos monômeros do sistema adesivo. Esta camada superficial com menor energia livre, umidade maior, bem como alta variação anatômica quando se compara uma dentina profunda com a superficial, contribuem para que a dificuldade seja ainda maior na obtenção de uma adesão de sucesso em uma restauração ou peça protética na cavidade dentinária. Devido a esta grande quantidade de umidade na superfície dentinária, torna- se necessária a existência, no sistema adesivo, de um componente capaz de interagir com esta umidade, estabelecendo, assim, um íntimo contato com as estruturas dentinárias. A essa substância dá-se o nome de primer. O primer, por definição, tem a função de modificar uma superfície. Ele pode se ligar quimicamente a elementos da estrutura dentária, através de monômeros bifuncionais, modificando essa superfície e permitindo, assim, a interação com os monômeros do bond. Outra função do primer é carrear monômeros para o interior da estrutura dentária, preparando essa superfície para a difusão posterior do bond. Isso é fundamental quanto à adesão em dentina. Como a estrutura dentinária em dentes vitais, após o condicionamento ácido, é bastante rica em água, o primer, com seus solventes hidrofílicos (álcool, acetona, água, ou mesmo uma mistura de diferentes proporções destes), irá penetrar onde houver a presença dela. A seguir, seus solventes irão evaporar, levando esta água embora. Nessa superfície, par- cialmente desmineralizada, estarão monômeros aderidos, disponibilizando, agora, radicais livres para se ligarem aos monômeros hidrófobos do bond. É, portanto, essencial que haja água na superfície dentinária após o condicionamento ácido, pois esta tem a função de manter as fibras colágenas, que ficaram sem suporte mineral da hidroxiapatita, afastadas e sustentadas, permitindo, assim, a penetração do primer, que carreia os monômeros adesivos. Portanto, a umidade dentinária após o condicionamento ácido é mister para garantir o sucesso da técnica adesiva. A obtenção do chamado gradiente de umidade dentinária vem se mostrando como um dos pontos mais críticos do procedimento adesivo, muito passível de erros pela maioria dosclínicos. Clinicamente falando, após o enxágüe do ácido fosfórico in- dica-se como umidade ideal da dentina a visualização de uma superfície brilhante, porém sem a presença de “poças” de água. De acordo com a constituição do pri- mer, diferentes formas de aplicação são indicadas, conforme mostra o quadro 3. Adesão 19 Primers contendo água na composição permitem que a dentina esteja um pouco mais desidratada devido a sua capacidade de reexpansão do arcabouço de fibrilas colágenas. Já primers à base de álcool e acetona necessitam de uma dentina bem úmida previamente à sua aplicação ou não conseguirão carrear os monômeros para o interior dessa superfície. Além disso, produtos com constitui- ção mais volátil, ou seja, à base de acetona necessitam de um maior número de camadas de aplicação a fim de garantir um bom molhamento da superfície, já que evaporam muito rapidamente. Já em esmalte, essa fase não é tão crítica. Como a porção orgânica em esmalte gira em torno de apenas 1%, não há a necessidade da água para manter fibras co- lágenas afastadas como no caso da dentina. Desta forma, trabalhando-se apenas em esmalte condicionado, o clínico pode secar a superfície e aplicar diretamente os monômeros adesivos hidrófobos do bond, sem a necessidade do primer. Por outro lado, se for mantida a umidade do esmalte, devido à presença concomitante de dentina na cavidade, será necessária a aplicação do primer para que esta água seja eliminada como acontece na dentina, resultando em uma estrutura bastante porosa, já com os monômeros bifuncionais aderidos às estruturas do esmalte. O bond é o adesivo propriamente dito, constituído basicamente de mo- nômeros hidrófobos presentes na matriz resinosa das resinas compostas e dos cimentos resinosos. Alguns produtos comerciais apresentam carga, com o intuito de aumentar sua resistência, principalmente em regiões, que por al- gum descuido do clínico, possam ter ficado com uma camada de adesivo mais espessa. Em geral, os sistemas adesivos são fotoativados, ou mesmo de cura dupla (foto e quimicamente ativados) ou somente quimicamente ativados, os QUADRO 3. Forma de aplicação do primer de acordo com sua constituição Constituição do primer Forma de aplicação do primer Água; álcool; álcool e água Sob agitação sobre a dentina Acetona; acetona e álcool; acetona e água; acetona, álcool e água Sem agitação Odontologia Estética: a arte da perfeição 20 chamados autocurados, ou selfcure, recomendados estes dois últimos quando não se tem a certeza do alcance da luz do aparelho fotopolimerizador ao material, como no caso de todas as peças protéticas metálicas e alguns ca- sos de peças cerâmicas e de resina composta laboratorial mais espessas. CLASSIFICAÇÃO DOS SISTEMAS ADESIVOS Conforme já exposto anteriormente, diferentemente da adesão em esmalte, consagrada há muito na literatura16, a adesão em dentina ainda é um desafio a ser superado devi- do a todas as adversidades inerentes ao tecido16. Em virtude disso, o desenvolvimento contínuo dos sistemas adesivos vem se dando fundamentalmente no enfoque da superação de tais dificuldades, além da simplificação da técnica para o clínico. Várias classificações vêm sendo propostas por di- versos autores para os diferentes sistemas adesivos odon- tológicos27. Todas elas são coerentes, embora apresentem diferentes enfoques. Algumas se baseiam na cronologia do desenvolvimento do sistema adesivo (classificação por ge- rações), outras, no tipo de tratamento aplicado à camada de smear (etch & rinse ou convencionais e autocondicionantes), no número de passos clínicos de aplicação (três, dois ou um passo), ou ainda no número de frascos em que primer e bond se apresentam (dois frascos, também chamados de múltiplos frascos, ou frasco único). Quando as três etapas básicas do protocolo adesivo (condicionamento ácido, aplicação do primer e aplicação do bond) são realizadas seqüencialmente, o sistema adesi- vo é classificado como sendo de três passos (three-step). Já quando um ou dois passos são suprimidos/simplifica- dos, tem-se, respectivamente, os sistemas adesivos de dois passos (two-step) ou passo único (single-step). De acordo com a classificação pelo número de frascos, os sistemas de três passos podem também ser chamados de múltiplos frascos, os de dois passos, de frasco único ou one bottle, e os de um único passo, all-in-one. Cabe salientar que em alguns sistemas, componentes presentes em diferentes frascos são misturados previamente à aplicação, como é o exemplo do sistema autocondicionante de 2 frascos no qual o primer e o bond são misturados logo antes da apli- cação, que é feita em apenas um passo. Os sistemas adesivos de múltiplos frascos, também ditos convencionais, atualmente disponíveis no mercado brasileiro são: Scotchbond Multi-Uso* (3M ESPE), OptiBond FL (Kerr), All Bond 2* e All Bond 3* (Bisco), Bond-It (Jeneric Pentron), Syntac/Heliobond (Ivoclar vivadent), Solobond Plus (Voco) e Paama 2 (SDI). O quadro 4 apresenta uma seqüência de aplicação do sistema adesivo Solobond Plus (Voco) com os respectivos cuidados a serem tomados. Os sistemas adesivos one bottle surgiram a partir da unificação das etapas de “primerização” e “hibridização”. Adesão 21 QUADRO 4. FIGURAS 7A-E. Seqüência de aplicação de um sistema adesivo convencional de múltiplos frascos (SOLOBOND PLUS, VOCO) com os respectivos cuidados clínicos Figura Seqüência clínica Figura 7A Condicionamento ácido: 30 segundos no esmalte; 15 segundos na dentina Figura 7B Enxágüe abundante por 15 segundos Figura 7C Aplicação de várias camadas do primer e secagem até visualização de brilho sem “poças” Figura 7D Aplicação de fina camada do bond e fotoativação de acordo com a recomendação do fabricante Figura 7E Aspecto final do caso clínico Odontologia Estética: a arte da perfeição 22 O sistema normalmente apresenta uma seringa contendo o ácido fosfórico e um frasco, com primer e bond juntos. Aconselha-se a aplicação de pelo menos duas camadas do conteúdo do segundo frasco (primer+bond)1; enquanto a primeira apli- cação seria a responsável pela “primerização”, a segunda realizaria a “hibridiza- ção”. Alguns exemplos de marcas comerciais são: Adper Single Bond 2 (3M Espe), One-Step e One Step Plus (Bisco), Prime&Bond 2.1*, Prime&Bond NT* e o mais atual XP BOND (Dentsply), Master Bond (Biodinâmica), TE Econom (Vivadent), Bond 1 (Pentron), PQ1 (Ultradent), Gluma Confort Bond (Heraeus Kulzer), Stae (SDI), Magic Bond DE (Vigodent), One Coat Bond (Coltène), Optibond Solo Plus (Kerr)*, Solobond M (Voco), Multi Bond Uno/Duo* (DFL) e Excite e Excite DSC* (IvoclarVivadent). Mais recentemente, a fim de se minimizarem os problemas oriundos da di- ficuldade de manutenção de uma umidade dentinária ideal para a difusão do primer/bond e da profundidade de desmineralização versus penetração do bond, os fabricantes passaram a suprimir uma das etapas mais sensíveis tecnicamente: a de condicionamento ácido. Para isso, agregaram esta etapa à de “primerização” através do aumento da quantidade de monômeros ácidos nas formulações dos primers. A etapa de “hibridização”, por sua vez, permaneceu intacta. Ou seja, o condicionamento e “primerização” da superfície são realizados simultaneamente, enquanto o enxágüe com água após o condicionamento é eliminado (Pashley DH & Carvalho RM, 199720). Surgiram assim os chamados sistemas adesivos com primers autocondicionantes (self-etching primers systems). Alguns exemplos são: Clearfil SE Bond (Kuraray), Tyrian SPE (Bisco), AdheSE (IvoclarVivadent), Self-Etch Bond (Vigodent), OptiBond Solo Plus Self Etch (Kerr), Frog (SDI), Parapost Adhe- sive Conditioner (Coltène Whaledent), All-Bond SE (Bisco), Adper Scotchbond SE (3M ESPE). O quadro 5 apresenta uma seqüência de aplicação do sistema adesi- vo All Bond SE (Bisco) com os respectivos cuidadosa serem tomados. 1. O número de camadas de primer, primer/bond que devem ser aplicadas irá depender basicamente do tipo de solvente do sistemas adesivo e da permeabilidade do substrato, devendo o profissional atentar-se ao material que selecionou e às condições do substrato que receberá o material (vide item “Constituintes básicos dos sistemas adesivos e suas funções”). * Sistemas que apresentam a opção de polimerização dupla através da utilização de um ativador químico. Adesão 23 Figura 9. Fotomicrografia evidenciando o pobre padrão de condicionamento no esmalte obtido após a aplicação de um primer autocondicionante (OptiBond Solo Plus Self Etch - Kerr). Gentilmente cedida pela Profa. Dra. Sandra Kiss Moura. Com o intuito de facilitar ainda mais os procedimen- tos adesivos, foram desenvolvidos sistemas de passo único, também chamados de all-in-one. Eles podem se apresentar de duas formas: agregando todos os compo- nentes em apenas um frasco – iBond (Heraeus Kulzer), AQBond (Sun Medical), Clearfil 3S Bond (Kuraray), Stae + (SDI), Adhese One (Ivoclar Vivadent) e One coat 7.0 (Col- tène Whaledent)*, ou em dois frascos – All Bond SE (Bis- co), AdperPrompt (3M ESPE), One UP Bond F (Tokuyama), Xeno III (Dentsply) cujos conteúdos são misturados em um casulo plástico previamente à aplicação ou na forma de blisters individuais – Adper Prompt L Pop (3M ESPE) e XENO IV (Dentsply) – com os componentes localizados em compartimentos separados e que são misturados com o próprio aplicador no momento da utilização. Um novo ade- sivo autocondicionante, o Filtek LS (o LS refere-se ao ter- mo low shrink – baixa contração) da 3M ESPE foi desenvol- vido para uso exclusivo com o compósito Filtek LS a base de siloranos, com indicação para dentes posteriores. Com relação à eficácia dos sistemas autocondicionantes sobre o esmalte, cabe um comentário muito importante. Em geral, o padrão de condicionamento proporcionado pelos pri- mers ácidos é bem inferior daquele obtido através do ácido fosfórico (Fig. 9), o que normalmente resulta em uma resis- tência adesiva menor15. Dessa forma, ainda hoje, em cavida- des mistas com margens em esmalte, recomenda-se realizar o condicionamento prévio e isolado do esmalte com ácido fosfó- rico e, só a seguir, aplicar o sistema autocondicionante21. Odontologia Estética: a arte da perfeição 24 QUADRO 5. FIGURAS 8A-F. Seqüência de aplicação de um sistema adesivo autocondicionante de múltiplos frascos (All Bond SE, Bisco) com os respectivos cuidados clínicos Figura Seqüência clínica Figura 8A Proporcionamento de 1 gota do primer parte I Figura 8B Proporcionamento de 1 gota do primer parte II Figura 8C Homogeneização das duas soluções Figura 8D Alteração da cor, indicando a homogeneização Figura 8E Aplicação de uma a duas camadas do sistema autocondicionante e agitação por 10 segundos Adesão 25 Figura 8F Suave jato de ar até não se visualizar nenhuma movimentação de fluído. O as-pecto visual deve ser brilhante. Caso contrário, dever-se-á repetir a aplicação Figura 8G Fotoativação por 10 segundos Figura 8H Aplicação de liner em uma camada inferior a 2 mm de espessura que auxiliará na estabilidade da interface adesiva em longo prazo Figura 8I Fotoativação por 10 segundos Figura 8J Aspecto final da restauração Odontologia Estética: a arte da perfeição 26 HIPERSENSIBILIDADE PÓS-OPERATÓRIA E O USO DOS DESSENSIBILIZANTES Inúmeros profissionais se deparam no seu dia-a-dia clínico com uma freqüen- te e desagradável ocorrência: o aparecimento de sensibilidade pós-operatória após a realização de procedimentos adesivos, sobretudo após a substituição de restaurações antigas de amálgama por novas de resina composta ou após a realização de cimentação adesiva de peças protéticas. O primeiro caso, mais fre- qüente, pode apresentar inúmeros fatores desencadeantes, associados ou não. A seguir, serão listados um a um, propondo cuidados e alternativas a fim de se minimizar a chance de tal ocorrência: Profundidade da restauração: muitas das restaurações de amálgama a • serem substituídas são profundas ou muito profundas. E, em sua maio- ria, não apresentam nenhum material forrador e de base. Ou seja, é muito comum que esses dentes fiquem submetidos a alterações con- sideráveis de temperatura sem haver nenhuma proteção térmica res- guardando o complexo dentino-pulpar por anos. E, ainda assim, o pa- ciente pode nunca ter apresentado queixa de sensibilidade, devido a um estado subclínico da inflamação crônica que não atingia o limiar de dor do indivíduo. Entretanto, a partir do momento em que intercede-se no elemento, mesmo que apenas pelo uso de um anestésico com va- soconstritor, pode-se desencadear uma agudização do processo infla- matório e, independentemente do material restaurador colocado, levar ao desencadeamento de dor. Portanto, antes de se planejar qualquer substituição de restaurações, ainda que fraturadas, deve-se radiografar a região, a fim de alertar o paciente sobre a chance de tal ocorrência. Em caso de trocas apenas por motivo estético, deve-se reavaliar a con- duta, uma vez que o resultado pode não compensar o risco da neces- sidade de tratamento endodôntico. No exame radiográfico, observa-se a profundidade da restauração e se há ou não a presença de uma base sob o amálgama a fim de se aproximar do prognóstico mais provável para a situação (Fig. 10). Figura 10. Exame radiográfico evidenciando a grande proximidade da restauração de amálgama com a câmara pulpar do elemento 36. Adesão 27 Figura 11. Aspecto de ponta diamantada muito usada e sem a presença das partículas de diamante. Figura 12. Turbinas de alta rotação com 3 saídas de água são as de escolha a fim de resfriarem ao máximo as superfícies a serem desgastadas. Uso de pontas “cegas”: para se realizar o acesso ao tecido cariado ou a • remoção de restaurações antigas, deve-se fazer uso de pontas diamanta- das novas e com alta capacidade de desgaste. O uso de pontas já muito usadas resultará em pouco desgaste e muito atrito sobre a superfície, o que irá gerar calor e, conseqüentemente pode desencadear sérios danos sobre o tecido pulpar (Fig. 11). Ausência/escassez de refrigeração: a falta de refrigeração adequada nas • turbinas de alta rotação, ou ainda, o excesso de pressão sobre a superfí- cie também geram calor em demasia, podendo resultar em lesões graves para o complexo dentino-pulpar e o desencadeamento de sensibilidade pós-operatória. Deve-se dar preferência para turbinas com no mínimo 3 saídas de água (Fig. 12). Além disso, recomenda-se planejar a remoção das restaurações de amálgama de modo a não precisar desgastar todo o material, fazendo cortes estratégicos que possibilitem o desprendimento de blocos inteiros (Figs. 13A-D). Remoção inadequada de tecido cariado: a manutenção de dentina infec-• tada pode levar à ocorrência de sensibilidade. Sugere-se a remoção de todo esse tecido, porém com a manutenção da dentina afetada (vide item “Adesão em substratos alterados: dentina afetada por cárie”). Inúmeros métodos para remoção de tecido podem ser sugeridos, todos com van- tagens e desvantagens. Não sendo escopo deste capítulo, apenas será citado alguns deles, cabendo ao profissional estudar cada um e selecio- nar aquele com o qual melhor desenvolverá sua função: brocas multi- laminadas em baixa rotação, curetas, associação de curetas e agentes proteolíticos (Ex: Papacárie, Fórmula & Ação), microabrasão a ar, etc. Desidratação dentinária: a secagem excessiva da dentina pode levar à • ocorrência de dor posteriormente. Sugere-se cuidado durante o trata- mento deste tecido, conforme salienta o item “Constituintes básicos dos sistemas adesivos e suas funções”, relatando a interferência que esse tipo de procedimento pode ter sobre adesão. Como exposto, o excesso de secagem da dentina pode resultar no colapso do arcabouço de fibrilas OdontologiaEstética: a arte da perfeição 28 Figuras 13A-D. Remoção de restaurações de amálgama a partir de cortes estratégicos e desgaste mínimo. A B C D Adesão 29 colágenas. Assim, é essencial que haja água na superfície dentinária após o condicionamento ácido, pois esta tem a função de manter as fibras co- lágenas, que ficaram sem suporte mineral da hidroxiapatita, afastadas e sustentadas, permitindo, assim, a penetração do primer, que carreará os monômeros adesivos. Aplicação do sistema adesivo muito próximo da polpa: conforme apre-• sentado no item “Adesão e sua relação com os tecidos dentais”, quan- to maior a proximidade da polpa, maior sua permeabilidade e, por- tanto, faz-se necessária a proteção dessa região com materiais não agressivos à polpa, uma vez que nos monômeros do sistema adesivo são muito tóxicos2. Polimerização deficiente do adesivo e da resina composta: a utilização de • equipamentos fotopolimerizadores com baixa potência pode levar à sub- polimerização dos monômeros do adesivo e da resina composta. Ambos são tóxicos para a polpa, o que em cavidades profundas e sem proteção podem ser um problema, além do maior risco de degradação hidrolítica desses materiais quando não bem polimerizados, o que também poderá gerar sensibilidade ao longo do tempo. Formação de fendas marginais: a ocorrência de fendas, ou os chamados • gaps, nas margens de restaurações de resina composta se dá, sobre- tudo, devido à geração de grandes tensões, provenientes da contração de polimerização do material, que superam a resistência de união do adesivo. Essas fendas permitirão a percolação de fluidos e bactérias e a ocorrência de infiltração marginal e sensibilidade. O selamento in- completo da dentina também pode ser causado pela contração dos tags resinosos formados no interior dos túbulos dentinários durante sua polimerização. Aprisionamento de bolhas: a transudação de fluido dentinário abaixo • dos monômeros hidrofóbicos após a evaporação de solventes e an- tes da polimerização dos mesmos pode também resultar no aprisiona- mento de bolhas de água ao longo dos túbulos que induzem ao rápi- do deslocamento do fluido através dessa dentina profunda durante a Odontologia Estética: a arte da perfeição 30 mastigação. Esses fatores podem corroborar para a sensibilidade pós-operatória esporadicamente reportada com o uso de adesivos convencionais. Conforme visto, a ocorrência da hipersensibilidade pós-operatória tem como causa primária a falta de plane- jamento e/ou a realização de procedimentos inadequados pelo próprio profissional. Tirando condições que fogem ao nosso controle e sapiência, faz-se totalmente viável a pre- venção desse tipo de intercorrência, seguindo os cuidados transcritos anteriormente e se atualizando constantemente sobre o assunto. Uma maneira coadjuvante de se tentar aliviar a sensi- bilidade pós-operatória é o uso de substâncias que podem apresentar os seguintes modos de ação: ação antiinflamatória: acredita-se que a aplicação • de glicocorticóides topicamente sobre a dentina exposta diminui a sensibilidade da mesma, ao redu- zirem a pressão intrapulpar; despolarização das terminações nervosas: o prin-• cipal representante desta categoria é o nitrato de potássio que bloqueia a passagem do estímulo ner- voso ao atuar por despolarização das membranas das fibras nervosas, efeito este temporário. O gel Dessensiv (SSWhite) e o Desensibilize (FGM), se- gundo os fabricantes, combinam essa ação com a de obliteração dos túbulos através da associação de nitrato de potássio, oxalato de potássio e flu- oreto de potássio, no primeiro caso, e cloreto de estrôncio, no segundo caso; obliteração dos túbulos dentinários: a partir de • substâncias que causem a redução ou inibição do movimento dos fluidos nos túbulos ou a permeabi- lidade dentinária através da precipitação de prote- ínas ou deposição de cristais. Dessensibilizantes à base de oxalatos ou glutaraldeído aplicados sobre a dentina após o condicionamento ácido e antes da aplicação do sistema adesivo reduziriam o fluxo su- perficial da dentina condicionada. Os dessensibili- zantes a base de oxalatos estão disponíveis como géis ou soluções que consistem em baixas concen- trações de ácido oxálico. Com o uso dessas subs- tâncias, é possível reduzir-se o fluxo superficial da dentina condicionada. Quando os íons cálcio são quelados da smear layer e dentina subjacente, os íons oxalatos se difundem mais para baixo dos tú- bulos dentinários até haver mais íons cálcio dispo- níveis para a reação. A redução da permeabilidade dentinária é, portanto, obtida via oclusão tubular subsuperficial. Entretanto, a oclusão superficial dos túbulos dentinários promove apenas uma redução temporária na permeabilidade dentinária e na sen- sibilidade uma vez que os cristais são na realida- de parcialmente dissolvidos pelos fluidos orais. O Oxa-Gel (Kota) e o BisBlock (Bisco) são represen- tantes comerciais desta categoria. Já a teoria que explicaria a ação do glutaraldeído relata que essa substância seria capaz de fixar proteínas no inte- rior dos túbulos, reduzindo assim a permeabilidade dentinária. O Gluma Desensitizer (Heraeus Kulzer) é um exemplo de marca comercial. Adesão 31 COMO AUMENTAR A DURABILIDADE DAS INTERFACES ADESIVAS As pesquisas mais recentes no assunto mostram que uma união eficiente e duradoura é mais bem garantida a par- tir da obtenção de uma camada híbrida e tags resinosos de qualidade, independentemente da sua espessura ou morfo- logia. Melhor ainda, quando se preserva esmalte na cavidade. Com relação à dentina, todos os cuidados se remetem à ob- tenção de uma maior impregnação do substrato dentinário, através dos componentes do sistema adesivo, reduzindo-se assim a sorção de água e a degradação das fibrilas colá- genas. Algumas das mais atuais modificações no protocolo adesivo convencional estão apresentadas abaixo: Preferência aos sistemas adesivos • etch & rinse de três passos e autocondicionantes de dois passos aos sistemas simplificados. Caso se selecione um sistema autocondicionante, de-• ve-se pré-condicionar o esmalte com ácido fosfórico antes da aplicação do primer autocondicionante. Caso selecione um sistema simplificado, uso de • uma camada de adesivo hidrofóbico: tal feito torna- se necessário nos sistemas simplificados etch & rin- se de dois passos e autocondicionantes de passo único, por serem esses sistemas muito ricos em mo- nômeros hidrofílicos, o que reduz drasticamente a longevidade da união. Essa camada insolúvel reduz a sorção de água, estabilizando a camada híbrida através do tempo. Aumento do tempo de polimerização do adesivo • além do recomendado pelos fabricantes: resulta em uma melhor polimerização do material e redução da permeabilidade dessa camada adesiva. Uso de inibidores de enzimas colagenases: a aplica-• ção dessas substâncias como um primer adicional parece reduzir o envelhecimento da interface inibin- do a ativação das enzimas endógenas da dentina que são responsáveis pela degradação das fibrilas colágenas. Entretanto, isso é algo recente e outras pesquisas ainda precisam ser desenvolvidas sobre o assunto. Melhora da impregnação do sistema adesivo: a agi-• tação vigorosa durante a aplicação, o aumento no tempo de aplicação e a mais recente associação de corrente elétrica durante a aplicação dos siste- mas adesivos garantem uma melhor penetração dos componentes, o que garante uma melhor união do material aos substratos dentários. Odontologia Estética: a arte da perfeição 32 sobre os autores FRANCCI, C.E Professor Doutor do Departamento de Biomateriais e Bioquímica Oral da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo – Brasil Mestre e Doutor em Materiais Dentários pela FOUSP Coordenador dos Cursos de Atualização em Dentística FUNDECTO-FOUSP e APCD Central Coordenador do Cursode Atualização em Dentística e Prótese ABO Pouso Alegre Coordenador do GRUPO FREE LODOVICI, E. Doutora em Materiais Dentários pela FOUSP Professora dos Cursos de Atualização em Dentística FUNDECTO-FOUSP e APCD Central Professora do Curso de Atualização em Dentística e Prótese ABO Pouso Alegre Professora Membro do GRUPO FREE WITZEL, M. Professor do Mestrado em Bioodontologia da Universidade Ibirapuera Mestre e Doutor em Materiais Dentários pela FOUSP Professor dos Cursos de Atualização em Dentística FUNDECTO-FOUSP e APCD Central Professor do Curso de Atualização em Dentística e Prótese ABO Pouso Alegre Professor Membro do GRUPO FREE SATO, C.T. Falta titulação DUTRA, H.R. Professor dos Cursos de Atualização em Dentística FUNDECTO-FOUSP e APCD Central Professor do Curso de Atualização em Dentística e Prótese ABO Pouso Alegre Professor Membro do GRUPO FREE Adesão 33 referências 1. Accorinte ML, Holland R, Reis A, Bortoluzzi MC, Murata SS, Dezan E Jr., et al. Evaluation of mineral trioxide aggregate and calcium hydroxide cement as pulp-capping agents in human teeth. 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