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Montes Claros/MG - 2011 Helena Maria Gramiscelli Magalhães Língua Portuguesa Semântica 2011 Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei. EDITORA UNIMONTES Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089 Correio eletrônico: editora@unimontes.br - Telefone: (38) 3229-8214 Catalogação: Biblioteca Central Professor Antônio Jorge - Unimontes Ficha Catalográfica: Copyright ©: Universidade Estadual de Montes Claros UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MONTES CLAROS - UNIMONTES REITOR João dos Reis Canela VICE-REITORA Maria Ivete Soares de Almeida DIRETOR DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÕES Huagner Cardoso da Silva CONSELHO EDITORIAL Maria Cleonice Souto de Freitas Rosivaldo Antônio Gonçalves Sílvio Fernando Guimarães de Carvalho Wanderlino Arruda REVISÃO DE LÍNGUA PORTUGUESA Ângela Heloiza Buxton Arlete Ribeiro Nepomuceno Aurinete Barbosa Tiago Carla Roselma Athayde Moraes Luci Kikuchi Veloso Maria Cristina Ruas de Abreu Maia Maria Lêda Clementino Marques Ubiratan da Silva Meireles REVISÃO TÉCNICA Admilson Eustáquio Prates Cláudia de Jesus Maia Josiane Santos Brant Karen Tôrres Corrêa Lafetá de Almeida Káthia Silva Gomes Marcos Henrique de Oliveira DESIGN EDITORIAL E CONTROLE DE PRODUÇÃO DE CONTEÚDO Andréia Santos Dias Camilla Maria Silva Rodrigues Clésio Robert Almeida Caldeira Fernando Guilherme Veloso Queiroz Francielly Sousa e Silva Hugo Daniel Duarte Silva Marcos Aurélio de Almeida e Maia Patrícia Fernanda Heliodoro dos Santos Sanzio Mendonça Henriques Tatiane Fernandes Pinheiro Tátylla Ap. Pimenta Faria Vinícius Antônio Alencar Batista Wendell Brito Mineiro Zilmar Santos Cardoso Chefe do Departamento de Ciências Biológicas Guilherme Victor Nippes Pereira Chefe do Departamento de Ciências Sociais Maria da Luz Alves Ferreira Chefe do Departamento de Geociências Guilherme Augusto Guimarães Oliveira Chefe do Departamento de História Donizette Lima do Nascimento Chefe do Departamento de Comunicação e Letras Ana Cristina Santos Peixoto Chefe do Departamento de Educação Andréa Lafetá de Melo Franco Coordenadora do Curso a Distância de Artes Visuais Maria Elvira Curty Romero Christoff Coordenador do Curso a Distância de Ciências Biológicas Afrânio Farias de Melo Junior Coordenadora do Curso a Distância de Ciências Sociais Cláudia Regina Santos de Almeida Coordenadora do Curso a Distância de Geografia Janete Aparecida Gomes Zuba Coordenadora do Curso a Distância de História Jonice dos Reis Procópio Coordenadora do Curso a Distância de Letras/Espanhol Orlanda Miranda Santos Coordenadora do Curso a Distância de Letras/Inglês Hejaine de Oliveira Fonseca Coordenadora do Curso a Distância de Letras/Português Ana Cristina Santos Peixoto Coordenadora do Curso a Distância de Pedagogia Maria Narduce da Silva Ministro da Educação Fernando Haddad Presidente Geral da CAPES Jorge Almeida Guimarães Diretor de Educação a Distância da CAPES João Carlos Teatini de Souza Clímaco Governador do Estado de Minas Gerais Antônio Augusto Junho Anastasia Vice-Governador do Estado de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho Júnior Secretário de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Superior Nárcio Rodrigues Reitor da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes João dos Reis Canela Vice-Reitora da Unimontes Maria Ivete Soares de Almeida Pró-Reitora de Ensino Anete Marília Pereira Diretor do Centro de Educação a Distância Jânio Marques Dias Coordenadora da UAB/Unimontes Maria Ângela Lopes Dumont Macedo Coordenadora Adjunta da UAB/Unimontes Betânia Maria Araújo Passos Diretor do Centro de Ciências Humanas - CCH Antônio Wagner Veloso Rocha Diretora do Centro de Ciências Biológicas da Saúde - CCBS Maria das Mercês Borem Correa Machado Diretor do Centro de Ciências Sociais Aplicadas - CCSA Paulo Cesar Mendes Barbosa Chefe do Departamento de Artes Maristela Cardoso Freitas Autora Helena Maria Gramiscelli Magalhães Doutora em Língua Portuguesa e Linguística pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MINAS). Mestre em Língua Inglesa pela Universidade Federal de Minas Gerais. Graduada em Letras, Português-Inglês- Alemão pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MINAS). Autora dos livros: O Ensino e Aprendizagem de Língua Estrangeira (1987, Editora da UFMG), em parceria com a Professora Doutora Reinildes Dias e Aprendendo com Humor (Editora Mercado das Letras), publicado em janeiro de 2011. Atualmente, é palestrista, revisora de textos acadêmicos, livros e artigos em Português e Inglês e de abstracts. Sumário Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .9 Unidade 1 Semântica Construída . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 1. 2. Semântica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .18 1. 3 Posição da Semântica no âmbito dos estudos linguísticos, pragmáticos e histórico-filosóficos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .24 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Unidade 2 Semântica descrita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .29 2.2 Fenômenos semânticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 2. 2 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .45 Unidade 3 Semântica discursiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47 3.1 Teoria da enunciação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .47 3.2 Vozes no discurso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 3.3 Intencionalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .51 3.4 Teoria dos atos de fala revisitada. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .52 3.5 Ironia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .55 3.6 Lítotes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 3.7 Análise de uma capa da Revista Veja. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .57 3.8 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61 Referências Básicas e complementares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .67 Atividades de Aprendizagem - AA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .69 9 Letras/Português - Língua Portuguesa Semântica Apresentação“Toda filosofia esconde também uma filosofia. Toda opinião é também um es- conderijo, toda palavra também uma máscara” (Nietzsche). Alô, prezado acadêmico! Vamos trabalhar com a cena enunciativa abaixo e descobrir se Nietzche, o filósofo alemão, estava certo em suas afirmativas na citação acima, quando afirma que toda filosofia esconde uma filosofia, toda opinião é um esconderijo e toda palavra é tam- bém uma máscara? A vida resume-se a... 4 garrafas.1 É isto mesmo! A mamadeira (1), a Coca-Cola (2), a Brahma (3) e o soro fisiológico (4) são sinô- nimos dos ciclos da vida, além de, discursivamente e filosóficamente, por assim dizer, resumirem o sentido da vida na opinião do autor do texto na cena enunciativa. Além disso, a mamadeira é sinônimo de infância, a Coca-Cola de adolescência, a cerveja de adultícia e o soro, de terceira idade. Sinônimos são processos2 semânticos de equivalência entre palavras e frases; cena enun- ciativa, como você já estudou na disciplina Introdução à Linguística, é expressão originada da Teoria da Enunciação. Reveja: [...] a enunciação, ou seja, o evento único e jamais repetido de produção do enunciado. Isso porque condições de produção (tempo, lugar, papéis desem- penhados pelos interlocutores) são constitutivas do enunciado: a enunciação vai determinar a que título aquilo que se diz é dito (NEPOMUCENO, BARBOSA. Caderno Didático: Introdução à Linguística, Teoria da enunciação, subseção 3.5.3.2, p.66). Por hora, basta lembramos que a cena enunciativa é a instância do evento de enunciação e que sinônimos substituem palavras, mantendo o mesmo sentido. Agora, responda: em que di- cionário você encontraria as palavras indicando os ciclos da vida, ou seja, infância, adolescência, adultícia e terceira idade, com esses sinônimos? Nenhum! Portanto, fique atento! Estamos cons- truindo o conteúdo de nossa disciplina. DICAS 1 Texto enviado por MORTIMER por email, em 16 de janeiro de 2011. ◄ Figura 1: A vida em quatro recipientes Fonte: MORTIMER, grupo da Internet. Email enviado em Dez. 2010. DICAS 2 Neste texto, usare- mos, indiscrimina- damente, palavras, processos, proprieda- des, mecanismos e fenômenos para nos referirmos aos elemen- tos da semântica. 10 UAB/Unimontes - 6º Período Prossigamos construindo a disciplina deste curso. Faça Sucesso! Faça Fama! Caro acadêmico, diga lá: esses enuncia- dos provocam estranheza? Não, é lógico que não! Eles apenas incentivam os leitores a pros- seguirem, firmemente, em direção ao sucesso e à fama, não é? Sim, se interpretarmos seu sentido de acordo com os significados que as palavras têm no dicionário. Mas, será que é só isto mesmo? Pode ser que não, ouviram? Essas sentenças podem ir mais além. Que tal, se eu lhe dissesse que as frases aparecem em um cartaz/faixa na entrada do prédio da Facul- dade Fama, na cidade de Imperatriz, no Mara- nhão, o sentido mudaria? Veja o cartaz/faixa abaixo e diga: qual seria o significado agora? ATIVIDADES Na mesma linha de pensamento das tiri- nhas anteriores sobre o ciclo da vida, analise esta sequência de seis (06) quadros a seguir. Depois, escolha pala- vras equivalentes para cada um dos copos dos 06 quadros e comente suas escolhas. Figura 2 Fonte: MORTIMER, Email enviado em dez. 2010 ► Figura 3 Fonte: Figura de Clipart, Windows 2007. ► Figura 4 Fonte: FACULDADE MA- RANHENSE de Imperatriz, MA- FAMA. Faixa na entrada da Facul- dade Fama em Imperatriz, M.A. (Dez, 2010) ► 11 Letras/Português - Língua Portuguesa Semântica Explicamos o texto - A palavra “FAMA”, grafada, propositalmente, em letras maiúscu- las, é usada com um sentido duplo: sucesso e nome próprio de Faculdade. Assim, na faixa, ninguém está sendo estimulado apenas a fa- zer fama/sucesso, mas também, conclamado a se matricular e cursar a Faculdade Fama. A função comunicativa – simplificadamente, in- tenção real – dessas sentenças é fazer propa- ganda; o texto é de propaganda! Este tipo de interpretação é possível graças à Semântica. O uso da palavra FAMA/fama se refere a um ele- mento da Semântica que se caracteriza pelo fato de essa palavra poder ser lida com dois sentidos. Esse fenômeno se chama polisse- mia (propriedade de a palavra ter mais de um sentido), que gera outro fenômeno, denomi- nado ambiguidade (ambi-dois) - entender em dois sentidos, sendo um deles, aqui neste tex- to, desviante. Agora, acadêmico, retorne à citação ini- cial e verá que Nietzche estava certo: a palavra é máscara sim, ela esconde o real sentido; o texto da FAMA desnuda a intenção do cartaz na Faculdade: atrair a clintela e, talvez, por que não, também formar para o sucesso, só que não como sua função primária/primeira; e a nossa opinião saiu de seu esconderijo, nossa mente, e revelou-se na nossa análise sobre os textos. Percebeu? Notou, também, que a contextualização dos enunciados ajudou na compreensão do texto e dos fenômenos linguísticos? Então, vamos aprender um pouco mais sobre esses processos/fenômenos ao longo desta discipli- na, pois, é com esse conteúdo, caro acadêmi- co, que neste semestre você terá um encontro. Trataremos de um aspecto/nível bastante atra- ente de uma língua, a Semântica, encarregada de estabelecer as relações entre as palavras/ lexical e as frases/frásica e a que vai para além do texto e aterriza no discurso, a transfrásica. Com esta disciplina, mergulharemos com você na riqueza da língua, nas máscaras, uni- verso dos significados, para descobrir mais sobre a capacidade que o ser humano tem de manipular a língua para conferir, não só às pa- lavras e aos enunciados/frases, sentidos e sig- nificados que desejarem. É isso mesmo! O ser humano é quem constrói a língua e todos os significados de que dispomos e dos quais te- mos notícia. E muitos ainda estão para serem construídos, sem dúvida. Descobriremos opi- niões escondidas, rostos por trás das máscaras, filosofias embutidas em filosofias e opiniões enrustidas... Vamos lá. Você já riu de piadas e charges? Certa- mente que sim. Quem não fez isso? Mas, com certeza, você não parou para pensar naquilo que, nesses textos de humor, faz você rir, que mecanismos linguísticos promovem o riso do ser humano, visto que os animais irracionais não riem. Eles não falam (nem os papagaios; eles repetem o dia inteiro; são behavioristas/ comportamentalistas). Eles, também, não riem. Rir é caracteristica própria do ser huma- no e somente dele, apesar de algumas pessoas acharem que a hiena ri. A hiena, coitada, faz sexo apenas uma vez por ano e só come fezes. Ela riria de quê, caro acadêmico? Então, nossa intenção nesta disciplina é mostrar-lhe como isso ocorre: de que recursos o ser humano se utiliza para conseguir tantos sentidos e significados que enfeitam a vida, fazem rir, chorar, rezar, lamentar, alegrar, viver. É, através da Semântica, que você se orienta- rá para trilhar o caminho que as palavras per- correm e, assim, constatar que elas podem ter sentidos figurados, ser substituídas por outras e, talvez, ainda assim, manter (quase) o mesmo significado, ser colocadas em contraposição ou complementaridade, assumir sentidos du- plos e plurais, alguns, por vezes, jamais imagi- nados. Nessa trajetória, você perceberá que a Se- mântica é o suporte para você compreender que a língua tem uma autonomia dependente, por mais que isso pareça contraditório, porque ela necessita do ser humano, já que ele a cons- trói, mas é, também, por ela construído. Parece complicado, mas não é: o homem depende da linguagem, que depende dele. São parceiros. Elimine o homem e você extinguirá a lingua- gem; elimine a linguagem e você matará o ho- mem. Trataremos de alguns conceitos de Se- mântica, revisitando as noções de significante e significadoda teoria dos signos. Mostrare- mos a você, através de um breve histórico, como a Semântica surge nos estudos linguísti- cos, quem a nomeou como tal e quem e o que a locomoveram do nível de descaso histórico para um nível de relevância nos estudos da lín- gua. Nessa parte, será fundamental que você revisite o Caderno Didático da disciplina Intro- dução à Linguística da UAB/Unimontes, escrito por Arlete Ribeiro Nepomuceno e Liliane Pe- reira Barbosa. Abordaremos alguns dos fenômenos semânticos que compõem os textos orais e escritos que utilizamos no dia-a-dia e os atos que praticamos, aquilo que fazemos quando falamos, quais são nossas intenções quando fazemos escolhas gramaticais e lexicais (de vocabulário) para afetarmos as pessoas com as quais dialogamos. Aqui, não valeria a pena descobrir quantas vozes estão compartilhan- do, interferindo, falando conosco e entre elas 12 UAB/Unimontes - 6º Período mesmas no mesmo texto e no discurso profe- rido? Enfim, com esta disciplina, esperamos que você veja que a Semântica, considerada “bicho de sete cabeças” por muitos, nada mais é que um recurso a mais, que lhe possibilita saber mais sobre sua língua, e que este conhe- cimento pode ser adquirido de modo alegre, divertido e descontraído. Embora pareça nome feio, palavrão mes- mo, a Semântica – nome que alguns leigos acham que é nome de macarrão - não é aque- le bicho de sete cabeças, não morde ninguém, nem solta fogo pelas ventas. E não é que nós usamos uma boa série de mecanismos linguís- tico-semântico-discursivos para dizer isso aí atrás? Quais seriam esses mecanismos? Que nomes teriam? Que tal desvendá-los durante o desenvolvimento desta disciplina? E, afinal, o que seria nome feio? Existem nomes feios? Palavrão é palavra muito comprida? Não? Sim? Vamos descobrir? Fica aqui nosso desafio. Este caderno oferece seções através das quais você pode testar seus conhecimentos, refletir a respeito deles, verificar o significado de termos que o caderno contém e analisar textos sérios e textos humorísticos (então, tex- tos de humor não são sérios? O que acha, caro acadêmico?), buscando identificar os meca- nismos linguísticos que os constituem. Desejo a você uma boa viagem, através das palavras, que, durante seu percurso, você mergulhe na riqueza e beleza da língua portuguesa brasilei- ra e que, ao final dessa viagem, você desfaça as malas repletas de conteúdo aprendido, não decorado, e o leve para a vida afora. Viu? Usa- mos nesse trecho a linguagem figurada, e não a literal, a que chamamos de metáfora, aqui, especificamente chamada de metáfora de via- gem, e a qual já nos referimos neste texto; uma metáfora, sim, porque, afinal, você não viajará, literalmente (sentido dicionarial), não é, nem na maionaise (que seria outra metáfora...). Vamos entender esta viagem? Isso exposto, e conscientes de que o en- sino de quaisquer conteúdos deve sempre partir do conhecimento anterior e objetivar a educação holística do ser humano, com vistas à formação de um cidadão responsável, parti- cipativo, crítico e transformador da sociedade na qual vive, definimos para a disciplina Se- mântica os seguintes objetivos: Objetivo Geral: Identificar o lugar da Se- mântica na língua portuguesa do Brasil e seu papel enquanto esclarecedora de nuances de significado e da construção/produção da pró- pria língua. Específicos: • revisitar e reconhecer estruturas linguísti- cas em textos diversos; • discutir conceitos de Semântica; • situar a Semântica historicamente; • discorrer a teoria dos signos; • listar e analisar fenômenos linguístico- -semânticos; • avaliar o papel dos fenômenos semânti- cos em textos diversos; • rever e discutir a teoria da enunciação; • situar o papel da instância de enunciação no processo de construção do sentido; • operar com conceitos básicos da teoria dos atos de fala; • detectar e apontar vozes no discurso, dis- cutindo a intencionalidade no discurso de vários textos; • proceder à análise semântico-pragmática de diferentes tipos de textos. Após termos atingido esses objetivos e você ter se apoderado do conteúdo selecio- nado para esta disciplina, prezado acadêmico, você compreenderá o papel crucial que a Se- mântica desempenha para os estudos sobre a língua, como esta funciona e como ela (a Semântica) pode subsidiar quaisquer tipos de análises (linguística, discursiva, pragmática) que você tenha, queira, ou venha a fazer. O caderno da disciplina Semântica está dividido em três (03) Unidades subdivididas, a saber: Unidade 1: Semântica Construída 1. 1 Fenômenos linguísticos revisitados 1.1.1 classes de palavras, pontuação, fonologia, acentuação 1.1.2 sintaxe 1.1.3 sinonímia, incongruência, ambigüidade (fonológica, lexical e sintática) 1. 2 Semântica 1.2.1 níveis da língua 1.2.2 etimologia, conceitos de Semântica, significado 1.2.3 concepção de sentido DICAS Bicho de sete cabeças pode ser um dragão, e quando se diz que a Semântica é esse bicho, usamos uma metáfora, um dos fenômenos da Semântica. Exatama- mente o mesmo fenô- meno ocorre quando alguém afirma: “minha sogra é uma cascavel, uma vaca, uma anta, uma santa...” GLOSSáRIO Holística: integral, total) 13 Letras/Português - Língua Portuguesa Semântica 1.2.3.1 significado e sentido 1.2.4 formações sociais, ideológicas (Fis) e discursivas (FDs) 1.2.5 teoria dos signos revisitada 1.3 Posição da Semântica no âmbito dos estudos linguísticos pragmáticos e histórico-filosóficos Unidade 2: Semântica descrita 2. 1 Fenômenos linguístico-semânticos 2.1.1 monossemia, polissemia, paráfrase, homonímia 2.1.2 relações de equivalência de sentidos(sinonímia) 2.1.3 relações de oposição de sentidos 2.1.3.1 opostos complementares 2.1.3.2 oposição contrária ou graduável 2.1.3.3 oposição conversa ou recíproca 2.1.3.4 incompatibilidade múltipla 2.1.4 ambiguidade 2.1.4.1 fonológica 2.1.4.2 gramatical (sintática/sentencial/estrutural) 2.1.4.3 lexical 2.1.5 hiperonímia e hiponímia 2.1.6 metáfora 2.1.7 pressuposição 2.1.8 oxímoro 2.2 Referência Unidade 3: Semântica e Discurso 3.1 Teoria da enunciação revisitada. 3.1.1 discurso 3.1.2 noção de linguagem 3.1.3 instância de enunciação, enunciado, referência 3.1.4 as pessoas na enunciação 3.2 Vozes no discurso 3.2.1 heterogeneidade, polifonia, intertextualidade, interdiscursividade 3.3 Intencionalidade 3.4 Teoria dos Atos de fala revisitada 3.4.1 os atos de fala 3.4.1.1 ponto de realização 3.4.1.2 modalização 3.5 Ironia 3.6 Lítotes 3.7 Análise uma capa de revista Os pilares do conteúdo desta disciplina estão alicerçados nestas unidades e subunidades. Os aspectos sugeridos para questionamentos, debates e posicionamentos complementam esse conteúdo e são acrescidos de informações e consultas indicadas para pesquisa nos sítios(sites) da rede(web) e nas bibliotecas virtuais(online), que objetivam dar suporte ao seu aprendizado. Todos esses recursos estão localizados ao longo do texto e identificados sob as rubricas DICAS PARA REFLETIR ATIVIDADES GLOSSáRIO 14 UAB/Unimontes - 6º Período Para a garantia de sua aprendizagem, é fundamental que você, acadêmico, com- preenda o valor do conteúdo analisado, das atividades propostas, dos textos sugeridos para leituras, alguns neste mesmo caderno e outros de autores diversos, não apenas como elementos-base para o desenvolvi- mento de seu conhecimento e eventuais dis- cussões, mas, principalmente, para embasar sua análise dos fenômenos linguístico-se- mântico-discursivos de textos variados. Reitero que Semântica não é bicho pa- pão, mas a percepção e identificação de seus fenômenos dependerá não apenas de um con- sistente e criterioso estudo sobre a teoria,mas, também, do trabalho com as atividades e tarefas propostas. Da nossa parte, além da teoria perti- nente aos temas selecionados, ofereceremos a prática mediante análises semânticas ilustrativas de textos e requisitaremos que você faça exercí- cios com esses tipos de análises de textos diver- sos; o alvo desses procedimentos é a garantia de um aprendizado eficaz e consistente. Queremos lembrar que, na aprendiza- gem de quaisquer línguas, o lema é: fluência primeiro, competência gramatical depois, já que o que conta é a comunicação, pelo me- nos, em tese. Nesta disciplina, nosso lema é: prática primeiro e teoria também, lado a lado, corpo a corpo. No mais, interaja com seus colegas, in- vestigue as teorias, questione-as, sugira, transgrida e mergulhe na prática, discuta, tente, invente, reinvente, faça algo diferente e emerja confiante, com um conhecimento mais amplo sobre sua língua. Retomamos a metáfora da viagem. De onde você sai, que percurso escolheu e aon- de o levará esta disciplina Semântica? O trem já vai partir. O quê? Um trem, em pleno ter- ceiro milênio? Que pobreza! Sim, meu caro, o trem! E por quê? Aviões são mais modernos e, por demais, rápidos – às vezes, andam a 900 quilômetros por hora! Além disso, lá de cima, nas nuvens, quase nada se vê aqui embaixo e quando se vê algo, (a)parece-nos tão minús- culo. Não podemos ter visão tão pequena ou estreita... Entendeu como a Semântica pode ajudar-nos a dizer as coisas? ATIVIDADES Detecte e liste alguns mecanismos semân- ticos utilizados nesse último parágrafo, mesmo que você ainda desconheça seus no- mes, e discuta-os. 15 Letras/Português - Língua Portuguesa Semântica UNIDADE 1 Semântica Construída Levando em conta seu conhecimento anterior sobre língua, revisitaremos alguns mecanis- mos linguísticos para, a partir deles, prosseguirmos nossa viagem para o entendimento sobre o que é Semântica e como ela opera (sem ser médica!). Por essas razões, nesta primeira unidade, definimos como objetivo central, caro acadêmico, a nossa construção do sentido de Semântica. Isso mesmo! Pela prática você chegará a algumas conclusões teóricas. Para alcançarmos o objetivo proposto para esta unidade, nós a dividimos nas seguintes su- bunidades: 1.1 Fenômenos linguísticos revisitados 1.1.1 classes de palavras, pontuação, fonologia, acentuação... 1.1.2 sintaxe 1.1.3 sinonímia, incongruência, ambiguidade: fonológica, sintática e lexical 1. 2. Semântica 1.2.1 níveis da língua. 1.2.2 etimologia, conceitos de Semântica, significado 1.2.3 concepção de sentido 1.2.3.1 significado e sentido 1.2.4 formações sociais, ideológicas (FIs) e dicursivas (FDs) 1.2.5 teoria dos signos revisitada 1.3 Posição da Semântica no âmbito dos estudos linguísticos, pragmáticos e discursivo-filosóficos 1.3.1 percurso da Semântica: breve histórico e considerações gerais Atenção: como a construção de seu conhecimento sobre Semântica será, em sua maior parte, prática, ou seja, feita através de textos humorísticos e de textos sérios, é fundamental que você faça todas as atividades sugeridas. Combinado? Agora, vamos elaborar mais sobre o sentido de Semântica, não ainda pela leitura da teoria, mas pela revisão de alguns fenômenos linguísticos em textos variados. Instruções: leia a redação a seguir, e depois, com base em seus conhecimentos prévios so- bre sua língua e o mundo, desenvolva as atividades propostas, contemplando, ora conjuntamen- te, ora isoladamente, os itens seguintes: 1.1 Fenômenos linguísticos revisitados 1.1.1 classes de palavras, pontuação, fonologia, acentuação... 1.1.2 sintaxe Redação3 Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador. Um substantivo masculino, com um aspecto plural, com alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. E o artigo era bem definido, feminino, singular: era ainda novinha, mas com um maravi- lhoso predicado nominal. Era ingênua, silábica, um pouco átona, até ao contrário dele: um sujei- to oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos. O substantivo gostou dessa situação: os dois sozinhos, num lugar sem ninguém ver e ou- vir. E sem perder essa oportunidade, começou a se insinuar, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado, e permitiu esse pequeno índice. De repente, o elevador pára, só com os dois lá dentro: ótimo, pensou o substantivo, mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeça a se movimentar: só que em vez de descer, sobe e pára justamente no andar do substantivo. Ele usou de toda a sua flexão verbal, e entrou com ela em seu aposto. Ligou o fonema, e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, bem suave e gostosa. Prepararam DICAS A palavra opera pode ser lida em dois planos/ sentidos: como verbo operar e verbo funcio- nar. Esse jogo de pala- vras se chama ambigui- dade lexical semântica, e ela é lexical, já que feita com a palavra. 3Redação supostamen- te escrita por um aluno de mestrado de algum estado do país, como trabalho final de uma disciplina. Recebida por E-mail enviado por Heliane Gramiscelli Feereira de Mello, em abril de 2010. 16 UAB/Unimontes - 6º Período uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram conversando, sentados num vocativo, quando ele começou outra vez a se insinuar. Ela foi deixando, ele foi usando seu for- te adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo, todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto. Começaram a se aproximar, ela tremendo de vocabulário, e ele sentindo seu ditongo crescente: se abraçaram, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois. Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula; ele não perdeu o ritmo e sugeriu uma ou outra soletrada em seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela totalmente voz passiva, ele voz ativa. Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais: ficaram uns minutos nessa próclise, e ele, com todo o seu predicativo do objeto, ia tomando conta. Estavam na posição de primeira e segunda pessoa do singular, ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande tra- vessão forçando aquele hífen ainda singular. Nisso a porta abriu repentinamente. Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo, e entrou dando conjunções e adjetivos nos dois, que se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas ao ver aquele corpo jovem, numa acentua- ção tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar diminuiu seus advérbios e declarou o seu parti- cípio na história. Os dois se olharam, e viram que isso era melhor do que uma metáfora por todo o edifício. O verbo auxiliar se entusiasmou e mostrou o seu adjunto adnominal. Que loucura, minha gente. Aquilo não era nem comparativo: era um superlativo absoluto. Foi se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado para seus ob- jetos. Foi chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo, propondo claramente uma mesóclise-a-trois. Só que as condições eram estas: enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria ao ge- rúndio do substantivo, e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino. O substan- tivo, vendo que poderia se transformar num artigo indefinido depois dessa, pensando em seu in- finitivo, resolveu colocar um ponto final na história: agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, jogou-opela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva. 1.1.3 Sinonímia, Incongruência, Ambiguidade: Fonológica, Sintática e Lexical Agora, leia a redação a seguir e acompanhe, atentamente, sua análise e explicações. Redação O Mano4 Quando eu tiver um mano, vai se chamar Herrar, porque Herrar é o mano. Fui. ATIVIDADES Desprezando o signifi- cado que as palavras têm no texto e manten- do em mente uma rápi- da revisão de aspectos da língua, responda: 1) a que classes de palavras e fenômenos linguísticos (gramati- cais, sintáticos, fono- lógicos, fonéticos, de pontuação, acentuação etc.) se referem os termos sublinhados nos parágrafos um (01), dois (02) e três (03) da redação? 2) Agora, levando em conta os sentidos que assumem no texto, substitua cada um dos termos em negrito no texto por uma palavra que se encaixe nos sentidos pretendidos pelo autor. 3) Você encontrou algum deslize da língua padrão na redação do mestrando? Se sim, liste-o(s) e discuta-o(s). PARA REFLETIR Os fenômenos linguís- ticos utilizados pelo autor apontam para o fato de que o usuário da língua é capaz de detectar e adequar quaisquer sentidos que ele desejar. Para fazer isso, foi necesssário um trabalho com a gramá- tica, com a polissemia e com a sinonímia. GLOSSáRIO Sinonímia - fenômeno linguístico-semântico que trata da equiva- lência de significa- dos. Polissemia: poli (múltiplos) e semia (sentidos), a proprie- dade de as palavras terem vários sentidos. A rigor, grande parte das palavras de uma língua possuem essa propriedade. DICAS 4 Redação suposta- mente escrita por uma aluno do ENEM/2002. Texto enviado por E- -mail em nov. 2010 Figura 5: Arte de Escrever Fonte: figura de clipart, Windows, 2007 ► 17 Letras/Português - Língua Portuguesa Semântica É... Parece que a caneta “pesou” mesmo na hora do aluno redigir a redação. Seria isso mesmo? Vejamos. A redação é um texto de humor que pro- voca o (sor)riso, em que pesem as implicações nas entrelinhas envolvendo a precária situação da educação no país. O riso é causado pelo uso atrapalhado, pela confusão entre os fo- nemas (sons) nos agrupamentos o mano/hu- mano e Herrar/errar que acabam provocando uma leitura do texto em dois planos (sentidos), a saber: - o do provérbio ( “Errar é humano”.); - e o do incongruente (Herrar é o mano.). Sendo o incongruente causado pela am- biguidade fonológica, ou seja, a possibilidade de se ler dois sentidos causados pelo som dos fonemas. A incongruência e a ambiguidade são propriedades da Semântica, como, tam- bém, o são a polissemia e a sinonímia já aqui abordadas em textos anteriores. O autor faz criteriosa escolha lexical (de palavras) para movimentar o jogo linguístico- -semântico e surtir o efeito que almeja. O texto fecha brilhantemente com o enunciado “Fui”, aqui com o sentido bem distanciado do literal/ denotativo, pois, aqui, esse verbo assume o sentido de: “terminei a redação”, ou melhor, na linguagem coloquial/oral dos jovens: “é isso aí; Era isso que eu tinha a dizer”. Entendeu tudo? Prossigamos, analisando o texto a seguir. Observe as imagens e leia o texto. Na cena enunciativa, os interlocutores, os inspetores de trânsito, perseguem um car- ro. Ao verificar a escuridão reinante dentro do carro perseguido, um deles deduz que o mo- torista do carro estivesse usando insul-film so- bre os vidros das janelas do carro. Ato seguin- te, ele ordena que o motorista pare o carro e desça do veículo. Só aí, percebe que o carro estava super lotado de afro-descendentes que, por sua cor negra, deixavam o carro escu- ro no interior. Por que eu afirmei que os interlocutores são dois inspetores de trânsito se você só vê um na imagem? Dica: o ser humano é dialógi- co, ou seja, ele dialoga, sempre, com alguém. Ele vive do dialogismo, do diálogo, da interlo- cução com o outro, mesmo na ausência des- te. Segundo Eco (1979), todo autor dirige seu texto/discurso a um leitor modelo.5 Falaremos mais sobre isso, à frente, quando tratarmos da enunciação, enunciados e polifonia. É quando o leitor percebe que a palavra insul-film pode ser substituída por negros. Sim, isto mesmo, insul-film aqui é sinônimo de negros! E em qual dicionário você encontraria a palavra insul-film como tendo o mesmo sen- tido que negros? Nenhum! É isso que a Semânti- ca permite: este dançar de sentidos construidos pela escolha lexical (de palavras) primorosa do autor da charge e, por seu conhecimento prévio, caro acadêmico, o de mundo, o linguístico e o enciclopédico/epistemológico. Assim, seu riso, ou desgosto, caro acadêmico, emerge devido a esse jogo de sinônimos ines- GLOSSáRIO Incongruente, de in- congruência - o mesmo que inapropriado, não aplicável; ambiguidade fonológica - sintagma (expressão) na qual ambi= dois e fonológi- ca se refere aos sons. Pragmático: em linguística, a relação do usuário com a linguagem que usa; a linguagem que per- meia a ação linguageira do dia-a-dia do usuário, aquilo que ele, efetiva- mente, faz com a língua quando ele a utiliza em sua realidade. Denotativo: significa- do literal das palavras, como encontrado no dicionário Fui: saí, fui embora. ◄ Figura 6: A multa Fonte: www.SítioHumorn- negro, 1992 PARA REFLETIR Você riu desse texto? Sim? Muito, pouco, e por quê? Não responda que é porque o texto é engraçado; isto não basta, pois você é o analista deste texto. O que faz o texto engra- çado é você mesmo, caro acadêmico, ao usar seu conhecimento de mundo e linguísti- co. Você teve ainda o auxílio indispensável da linguagem não-ver- bal (as imagens). Que fenômenos linguístico- -semânticos associados a essa linguagem não- -verbal o teriam ajuda- do a construir o sentido dessa charge? Vamos analisá-la juntos? 18 UAB/Unimontes - 6º Período perado que você constrói e a um recurso linguístico chamado incongruência, já tratado ante- riormente. Esse recurso é muito comum em textos de humor. São, então, utilizados nesse texto/ tirinhas dois fenômenos linguístico-semânticos para construir o humor almejado pelo chargista: a incongruência e a sinonímia (a última com insul-film = negros). Observe que a incongruência é detectada nas fendas do texto, nas entrelinhas dele, mas a sinonímia fica visível pela inclusão do termo insul-film. E ainda assim, chegar à conclusão de que negros é sinônimo de insul-film é tra- balho com o discurso, a pragmática e, obviamente, com seu conhecimento prévio. Até este ponto, estudamos a sinonímia, incongruência, polissemia, ambiguidade (lexical e fonológica). Revisite-os, sempre que tiver esquecido o que eles são. Agora, prossigamos com a construção do sentido da palavra Semântica. Vamos discutir a piada a seguir. Uma loira arruma emprego de manobrista num restaurante. Logo, chega o primeiro cliente para retirar o carro e diz: - O Celta preto. A Loira responde: - Tá sim... e acho que vai chover. Você riu, amigo acadêmico? Então, diga lá, onde se encontra o humor desse texto-piada? Isso mesmo, nos enunciados finais (- O Celta preto. A Loira responde: - Tá sim... e acho que vai chover.), enunciado/sentença que porta o que Raskin (1985) denomina “gatilho verbal” da piada, aquilo que causa o riso, e ao qual Veatch (1995) chama de “violação”, e no qual encontramos a trangressão linguístico-semântica que provoca o riso. Assim, ao dizer “Tá sim...”, a loira assume que “O Celta (está) preto”, referindo-se ao tempo atmosférico. Temos, novamente, uma ambigui- dade fonológica. Na escrita, esse tipo de ambiguidade é desfeita imediatamente. Tendo tratado da sinonímia,polissemia, incongruência e ambiguidade (lexical, fonológica e sintática), todos fenômenos linguístico-semânticos que ajudaram a construção dos significados dos textos anteriores, então, achamos que, a esta altura, você já entendeu o papel crucial da se- mântica para a construção dos sentidos e da interpretação de textos. Mas, afinal, o que é Semântica e como poderíamos definí-la, a partir das atividades feitas e dos textos lidos? Revisemos, brevemente, o que você aprendeu no caderno didático Introdução à Linguística UAB/Unimontes, no segundo período de seu curso. 1. 2. Semântica 1.2.1 Níveis da língua Para situar a Semântica na língua, precisamos rever os níveis dessa língua. A língua opera em três níveis, o: a. fonológico/fonético: • fonológico – resumidamente, lida com o desempenho dos fonemas nas palavras; • fonético – sinteticamente, descreve os sons das letras e os faz representar por meio de sím- bolos transcritos. b. gramatical – lida com as normas e regras da língua; inclui, entre outros aspectos, classes de palavras, pontuação, acentuação, morfologia etc.; é, também, o nível da língua no qual se insere a sintaxe; c. semântico – lida com os significados e sentidos das palavras. Esse é o nível da língua ob- jeto de estudo da disciplina deste caderno. GLOSSáRIO Cena enunciativa, grosso modo, é o ce- nário onde se desen- rola a enunciação, ou seja, onde acontece o evento. Insul-film = pelícu- la que, aplicada aos vidros de um carro, dificulta a visão de fora para dentro. Incongruência, reite- ramos: algo incompatí- vel, impróprio. PARA REFLETIR Até aqui, nós diríamos que a análise, caro acadêmico, foi, mera- mente, interpretativa, talvez até nos moldes das interpretações tradicionais de textos, no que tange ao óbvio. Nada de errado com esses tipos de análises, mas nossa meta aqui é a análise semântica não só das palavras, das frases, mas do texto e do discurso. Qual seria a diferença entre essas análises? DICAS 5Leitor-modelo - sin- tagma cunhado por Umberto Eco em Lector in Fabula: narratologia, 1979. Segundo Eco, o autor prevê o leitor e dele espera movi- mentos cooperativos para a construção do ''não-dito'', que o leitor preencha os interstícios do texto para a atuali- zação de seu conteúdo. Não se assuste com a nomenclatura (enciclo- pédico/epistemológi- co), com esses pala- vrões, jargões da língua! Trata-se, tão somente, do conhecimento ad- quirido nos livros. 19 Letras/Português - Língua Portuguesa Semântica 1.2.2 Etimologia, conceitos de Semântica, significado Do grego (semantiké), a arte da significa- ção. Semântica, grosso modo, é o estudo do significado, do sentido das palavras. Assim sendo, o objeto de estudo da semântica seria o significado e de sua relação de significação com os signos linguísticos. Segundo alguns autores, a semântica estuda o significado lin- guístico e noções correlatas, interessando-se, especificamente, por aquilo que é expresso nas sentenças e em outras expressões, e não pela gramática. A semântica estuda a rela- ção entre a língua e os sistemas de represen- tação da realidade. Perini (2004) postula que à semântica cabe- ria analisar o significado das estruturas linguísti- cas apenas. Assim, a interpretação dessas estru- turas seria feita apenas levando-se em conta a estrutura formal da língua, seguindo regras se- mânticas e negligenciando aspectos importan- tes que interferem na compreensão dos textos, como intencionalidade, conhecimento anterior, contexto etc. Em outras palavras, somente o sen- tido literal seria considerado. Mas seria isso mesmo? Sim, se estivermos falando de estudos e metodologias tradicio- nais, nos quais a semântica era relegada sem- pre a um segundo plano quando se estudava a língua. Porém, se levarmos em conta o avan- ço nos estudos linguísticos do século XX, as falas seriam outras, porque esses estudos tra- riam outra visão sobre a semântica, sobre a in- terpretação dos fenômenos semânticos e sua análise. Esses novos estudos sairiam, então, do estudo em nível lexical e frasal, indo aterrissar no discurso, no nível transfrásico. Neste caderno, navegamos, calmamen- te, pelas àguas dos níveis da língua, para dei- xar claro o papel da semântica para a análise da língua e, também, porque não é muito fácil nos atermos apenas a uma análise que abran- ja somente o plano linguístico, o da línguística da frase, o qual, conforme bem explicaram Ne- pomuceno e Barbosa, (Caderno Didático: In- trodução à Linguística/UAB/Unimontes, p. 65) é uma visão estruturalista e gerativista sobre a língua. Para recordar suas visões sobre o tema, revisite as páginas 53 a 65 do caderno didático Introdução à Linguística UAB/ Unimontes. Para falarmos de análise semântica no plano transfrásico, é preciso retomar, breve- mente, a Semântica Argumentativa - exigência da teoria da enunciação -, esta, também, estu- dada na disciplina Introdução à Linguística des- te Curso de Português -, visão linguística inserida na filosofia pragmática e tema já discutido em seu curso, caro acadêmico, também na disciplina Introdução à Linguística/UAB/Unimontes Vale lembrar, finalmente, que a semân- tica lida com: o semema, isto é, a unidade mí- nima de sentido, ou seja, o significado como é, tradicionalmente, entendido, e que campo semântico é um grupo de itens linguísticos que pertencem a uma mesma classe de sig- nificados. Por sua vez, precisamos saber que competência e desempenho semânticos são exigências para um bom professor e para os analistas de textos e discursos; a competência se referiria à habilidade intrínseca de perceber o significado e o desempenho à de transmitir, explicar, esse significado. 1.2.3 Concepção de sentido O conceito de significado é tema polêmico, controverso, deslizante, escorregadio e com- plexo. Apesar de ter sido foco de uma série de estudos diferenciados que trazem pontos de vista diversos, como o de Katz (1982), que advoga ser o significado a referência, ainda não há consen- so sobre o que ele realmente seja. No ponto de vista de muitos autores como Katz, 1982, definir o significado implicaria res- ponder a algumas perguntas. - O que é diferença e o que é semelhança semântica? - O que é igualdade de significado e polissemia os quais, por sua vez, implicariam em res- ponder a outras questões, como: - O que é sinonímia, paráfrase, antonímia, hiperonímia, ambiguidade, anomalia, redundân- cia, inconsistência e homonímia, entre outros elementos semânticos. Um conceito possível de significado poderia ser: ele constitui uma entidade ou coisa que alguém pretende transmitir linguisticamente, isto é, o objetivo do locutor, sua intenção, sua intencio- nalidade. Mas, quantos tipos de significados teríamos? Entre outros, os significados podem ser: - social – relacionado às formas com as quais se podem demosntrar os graus de formalida- de, coloquialismo, gíria; - o interpretado ou intencional – a intenção construida pelo interlocutor; ATIVIDADES Seu conhecimento de mundo o fará levar em conta, também, que os recursos linguístico- -semânticos podem estar apontando para um aspecto social nas entrelinhas do texto: talvez, o inspetor tenha levantado a questão do preconceito racial. O que acha você, caro acadêmico, o chargista deslizou no precon- ceito, sendo por isso, politicamente incor- reto? Justifique suas respostas. Pesquise sobre o nome do elemento semântico socialmente inapro- priado gerado no texto “Foi tocar gado no mato”, e encontre outros exemplos desse fenômeno linguístico- -semântico DICAS Lembra-se dos enunciados: Onde foi o João? Foi tocar gado no mato? Possui também ambiguidade fonológica. Observe comodetectamos, rapidamente, nesse exemplo, a ambiguida- de, que acaba gerando um outro elemento da semântica, através do qual um sentido social- mente inapropriado emerge, fruto da ambi- guidade fonológica. GLOSSáRIO Transfrásico: nível para além da língua que leva em conta o pragmatismo na linguagem. Glossário: pragmatismo: relação do usuário da língua com a língua). 20 UAB/Unimontes - 6º Período - o do falante e o linguístico – sendo o primeiro a sua intenção expressa no texto, tanto na modalidade oral/fala quanto na escrita, e o linguístico - o significado dicionarial-, como ocorre, por exemplo, com alguns termos científicos. Em resumo, o significado é básico e fundamental, vital mesmo, para a comunicação e é re- passado por leis específicas da língua, pelas estruturas linguísticas, pela língua. Vale lembrar que denotativo é o significado preciso, literal e científico encontrado no dicionário, enquanto o co- notativo se refere aos múltiplos sentidos que atribuimos às palavras e que podem ser diferentes daqueles encontrados no dicionário. 1.2.3.1 Significado e sentido Alguns autores tentam distinguir significado de sentido. O primeiro seria, segundo eles, a transposição de um nível linguístico a outro, de uma língua para outra diferente; seria o processo que liga o significante ao significado, ato cujo produto final é o signo. O segundo seria a possibi- lidade de transcodificar o significado, isto é, de transformar o significado, talvez aquilo que Mari denomina “os vários sentidos do significado”.6 Isso significa que o sentido não se reduz àquilo que as expressões linguísticas querem dizer; o sentido vai além dos seus significados normais, na medida em que os sujeitos lhes acrescentam direcionamento, intencionalidade e objetivo. Tratemos agora sobre um pouco mais de teoria. Ela reforçará os conceitos que construimos até aqui, a partir das análises dos textos de humor anteriores e do que postulamos sobre semân- tica, significados e sentidos. Segundo Mari (2008), a construção do sentido das palavras, ou dos discursos, apresenta três dire- cionamentos que, por apontarem o sentido e manterem associação direta com a polifonia, são todos válidos. O linguista afirma que o sentido das palavras se construirá segundo esses direcionamentos e os explica, detalhadamente, e nós, a título de esclarecimento, os delineamos grosso modo e sucin- tamente. O sentido se constrói, advoga Mari, no sistema: a) língua), b) pelo sujeito ( centro do proces- so) e c) socio-historicamente (na história e na sociedade). Vejamos como esse linguista explica cada um desses modos de construção do sentido. Segundo ele, o sentido é construído: • no sistema - toda discussão sobre o sentido não pode relegar a língua a um segundo plano; não se pode ignorar o que ela representa, ou seja, refletir sobre qualquer aspecto do signi- ficado, ou do sentido, passou a ser sinônimo de determinar uma dimensão formal (língua) que fosse capaz de justificá-lo (MARI, 2008); • pelo sujeito - O sujeito, enquanto locutor, veicula, em seu discurso, suas intenções comu- nicativas, objetivando a construção de mensagens legíveis e pertinentes para facilitar uma compreensão eficiente ao alocutário. A questão do sentido é vista como uma espécie de elo das relações intersubjetivas. O sujeito transforma-se no centro do processo de produção do sentido, sendo ele aquele que decide sobre que mecanismos e meios da língua vai utilizar; esse sujeito inclui incongruências e ambiguidades, recoloca, transfere e elimina redundân- cias. Nessa linha de pensamento, a linguagem é vista como instrumento, e o sentido da infor- mação aí veiculada serve aos propósitos de interação verbal. Nessa interação, o locutor induz, a partir dos sentidos que propõe, seus interlocutores a se comportarem e agirem. Assim sendo, podemos concluir que o sentido de uma ordem, de uma promessa, de uma declaração, da inten- ção do falante, é posto em circulação, a partir da participação singular de um sujeito. • (sócio) historicamente. A evolução do sentido, para Mari (2008), ocorre a partir de determi- nantes, nem sempre muito claros, de natureza sócio-histórica (sociais, culturais, políticas, econômicas, ao longo da história,). Mari lembra os trabalhos de Trier (1931), que analisou a organização e a distribuição de itens lexicais em campos semânticos, com base em valores históricos associados ao uso destes itens (século XIII para século XIV), com base nas oscila- ções sobre a concepção histórica de formas de conhecimento (prático, artístico, teórico etc.), e mostrou diversos arranjos diferentes para os termos incluídos no campo semântico em análise. ATIVIDADES Releitura do Caderno Didático: Introdução à LinguísticaUAB/Uni- montes, p. 65 -68). Releia o texto do cader- no citado anteriormen- te e resgate Semântica Argumentativa (p. 66-67), leitura rápida e proveitosa. DICAS 6 Artigo em xerox cedi- do pelo autor, profes- sor doutor Hugo Mari, e utilizado durante suas aulas da disciplina Semântica I do curso de doutorado da PUC- -Minas, no primeiro semestre de 2008. 21 Letras/Português - Língua Portuguesa Semântica A partir da década de 1970, sobretudo nos enfoques desenvolvidos na França, as dis- cussões sobre questões relativas à produção social do sentido se ampliaram, distintivamen- te, distanciando-se das abordagens prece- dentes por trazerem novas indagações: qual o papel das condições de produção lato sensu na produção do sentido? Em outras palavras, o sentido está fundamentado na infraestrutu- ra, ou é apenas uma manifestação da superes- trutura, ou ainda, até que ponto uma teoria da produção do sentido deve estar associada aos processos de produção? Segundo Mari (2008), impulsionados por uma revisão da teoria marxista (concentrava- -se, principalmente, na discussão ampla sobre a questão da ideologia), autores como Fou- cault (formações discursivas (FDs)), Pêcheux (análise do discurso (AD)), Véron (produção de sentido), e outros como Rossi-Landi (mercado linguístico) e Latouche (teoria do valor), con- tribuíram efetivamente para essa discussão, tanto pelo teor de seus vínculos como pela na- tureza das categorias utilizadas para discuti-la. Um dos pressupostos do tema dessa discussão apregoa que existe um compromisso entre o social e o linguístico, de forma orgânica, cons- titutiva, o que implica pensá-lo para além de mera correlação entre um e outro fator, e re- pensar como o social avança sobre o linguísti- co nas práticas discursivas, e como este o aco- lhe. Essa questão avançou muito nos últimos anos, principalmente porque levou em conta, na análise da linguagem, sua dimensão prag- mática da relação do usuário com sua língua Sob essa perspectiva, a dimensão social da enunciação (da qual trataremos mais a fren- te) assume a linguagem enquanto princípio de (com)partilhamento social entre sujeitos. Se, além disso, considerarmos que o sentido é produzido a partir de condições, socialmente e historicamente, determinadas, é preciso es- pecificar como essa determinação ocorre na totalidade dos discursos sociais que conhece- mos. Isso, ainda segundo Mari (2008), implica- ria também assumir que: a. nenhum discurso é necessariamente indi- vidual, já que haverá em qualquer prática linguageira marcas provenientes de re- presentações disseminadas pelo coletivo- -social; b. o discurso não é, também, essencialmen- te universal, pois haverá nele traços que o caracterizam como produto de condições específicas e localizadas. 1.2.4 Formações sociais, ideológicas (Fis) e dicursivas (FDs) Citados por Mari (1999), Haroche, Henry e Pêcheux mostram a presença decisiva do social na linguagem por meio de três níveis de determinação: a. o mais geral, representado pela formação social (caracterizadopelo modo de produção que a domina e pela relação entre as classes que a compõem); b. um nível intermediário, representado pelas formações ideológicas “[...] uma força que se confronta com outras forças, na conjuntura ideológica característica de uma formação so- cial, num dado momento [...]”; c. o histórico, ao longo do qual o homem, em sociedade, constrói seus sentidos em intera- ção com os outros. Ao final dessas determinações, surge uma formação social (FS) e uma formação ideológica (FI), esta concebida pelos autores citados anteriormente como “as formações ideológicas [que] assim definidas comportam necessariamente, como um de seus componentes, uma ou várias formações discursivas (FD) [...] interligadas que determinam o que pode e deve ser dito [...], a partir de uma dada posição numa dada conjuntura...”. O sentido assim concebido desponta como resultado de configurações atreladas a uma formação ideológica (a ideologia) espe- cífica que está submetida a uma formação social de teor mais amplo, ou seja, se as constru- ções de sentido decorrem do que pode e dever ser dito, podemos, então, aqui perceber um esboço mais preciso daquilo que o sentido representa: ele constitui um produto das deter- minações histórico-sociais do indivíduo. Resumindo, o sentido se constrói na e pela história, em interação social e cooperação com o outro, e é determinado pelos valores (morais, sociais, intelectuais, ideológicos, políticos, econô- micos, culturais, religiosos etc,) que são inculcados no indivíduo e alicerçados no conhecimento que o indivíduo adquire, aprende, ouve e vive ao longo de sua vida. Pensamos ser esse um percurso relevante sobre a questão do sentido que deveria ser trilha- do na tentativa de construir, ao mesmo tempo, um avanço conceitual exigido pelas categorias sentido e significado e uma avaliação empírica das diversas formas de sua emergência nos tex- DICAS Recorda-se do termo “pragmático”, caro acadêmico? Não? Re- visite algumas páginas anteriores e encontre o significado desse termo). GLOSSáRIO Formação discursiva= expressão acolhida na Análise do Discurso por Pêcheux (1988) “ [...] formação social, carac- terizável por uma certa relação entre as classes sociais, implica a exis- tência de posições po- líticas e ideológicas [...] que se organizam em formações que man- têm entre si relações de antagonismo, de alian- ça ou de dominação, segundo Charaudeau e Maingueneau (2006), que condicionam aqui- lo que deve ou pode ser dito, desvelam, no discurso, os posicio- namentos religiosos, políticos, sociais, eco- nômicos e sociais dos indivíduos. 22 UAB/Unimontes - 6º Período tos/discursos. Para este estudo consideramos, portanto, importante compreender que os senti- dos são construídos, como tudo mais, sócio, histórica e culturalmente, já que são frutos não só da história de uma construção coletiva, que parte das necessidades constatadas, mas, também, frutos da interação, porque “linguagem enquanto discurso é interação” (BRANDÃO, Maria H. Na- gamine, 2007). Isso posto, vamos conferir aspectos importantes sobre a semântica. 1.2.5 Teoria dos signos revisitada Palavras, sinteticamente, expressam idéias, conceitos, ações e eventos. Podem ser usadas em sentido figurado, com múltiplos e diferentes significados, como vimos nos textos já analisa- dos neste caderno. Mas perguntamos: cada palavra tem um significado? Revisitemos, brevemente, esse tema, a seguir, porquanto ele já foi expressivamente aborda- do na disciplina Introdução à Linguística (NEPOMUCENO; BARBOSA, 2010.) O que é um signo? Em seu Curso de Linguística Geral, o fundador da linguística moderna, Ferdinand de Saus- sure (1857- 1913), descreve o signo como “uma combinação de um conceito com uma imagem sonora”. Uma imagem sonora é evento mental, já que o ser humano é capaz de falar consigo mesmo sem movimentar o aparelho fonador. Essas imagens, porém, servem, geralmente, à pro- dução de uma elocuçãofala//texto/discurso. Os signos linguísticos, então, são responsáveis pela representação das ideias, através das modalidades de expressão, a fala ou a escrita, e são associados àquelas ideias. Assim sendo, o signo linguístico possui dois componentes: um material (o som ou as letras) - o significante-; ou- tro abstrato (a ideia, o conceito) - o significado. Resumindo, um signo consiste em: • um conceito - ou seja, o significado (do francês signifié), • uma imagem sonora - ou seja, o significante (do francês signifiant), ou forma fonológica em termos generativos (Disponível em pt.wikipedia.org/wiki/Signo_linguístico). Em termos simples, um signo linguístico é toda unidade portadora de sentido. É uma entidade na qual sons, ou sequências de sons - ou as suas correspondências gráficas - estão ligados aos significados ou conteúdos. Consti- tuem, por isso, instrumentos de comunicação e representação, pois é com eles que configu- ramos linguisticamente a realidade e diferen- ciamos os objetos. A arbitrariedade do signo linguístico, e que conforme alguns linguistas contemporâ- neos seria a “convencionalidade do signo lin- guístico”, refere-se ao fato de que o significado do signo não depende da livre escolha do fa- lante. Assim sendo, “o significante é imotiva- do, isto é, arbitrário em relação ao significado, com o qual não tem nenhum laço natural na realidade (BRANDÃO, 2010, p. 83). Assim, po- demos compreender “porque Saussure afirma que a ideia (ou conceito ou significado) de mar não tem nenhuma relação necessária e “in- terior” com a sequência de sons, ou imagem acústica ou o significante /mar/. Em outras pa- lavras, o significado mar poderia ser represen- tado, perfeitamente, por qualquer outro signi- ficante; daí as diferenças entre as línguas: mar em inglês é sea, em francês, mer, em alemão See” (BRANDÃO, 2010, p.83). Atualmente, ne- nhuma linha de pesquisa linguística contesta o princípio da arbitrariedade. ATIVIDADES Leitura do artigo O arbitrário do signo, o sentido e a referência de Fábio Della Paschoal Rodrigues (Disponível em www.unicamp.br/ iel/site/alunos/publica- coes/.../a00001.htm). GLOSSáRIO Utente – pessoa que fala. Palavra, provavel- mente, criada a partir do verbo inglês utter, referindo-se àquele que profere/emite, uma fala, um discurso). No nosso entender, além dos conceitos ex- postos, resumidamen- te, signo é qualquer objeto ou símbolo que tem um significado em si mesmo, como a suás- tica registrada a seguir, utilizada pelos nazistas alemães na segunda Guerra Mundial; a cruz, símbolo do cristianis- mo; a cor verde dos sinais de trânsito que indica siga, passagem livre, ou uma palavra qualquer, como ven- tilador, por exemplo, que nos remete a um objeto real. Todos eles são signos e a Semân- tica é o estudo deles e de sua relação com os outros signos. ▲ Figura 7: Simbolo Suastica Nazista Fonte: Wikipedia:acesso em 30/07/2011 23 Letras/Português - Língua Portuguesa Semântica “Em comparação com outros signos, o signo linguístico é,praticamente imu- tável, já que sua eventual modificação resulta dos mecanismos da evolução da língua e não da volição de um utente”. ( www.jackbran.pro.br/linguistica/cur- so_de_linguistica_geral.htm. Acesso: julho de 2008) Dissemos que o signo linguístico é uma entidade de face dupla, composta de elementos de- pendentes entre si e, intimamente, interligados – o conceito e a imagem acústica. O signo une não uma coisa a uma palavra, mas um conceito a uma imagem acústica (o som) para a articu- lação e a imagem material do ato fonológico. Mas esta não é o som material, coisa puramente física, mas a impressão psíquica desse som, a representação que dele nos dá o testemunho de nossos sentidos O conceito é o significado e aimagem acústica o significante. Assim, o signo lin- guístico, ou uma palavra, é dual. Vamos entender isso bem. • significante - é a forma, a parte concreta da palavra, suas letras e seus fonemas. Vejamos: - a palavra gato tem como significante as letras g-a-t-o e os fonemas - significado dicionarial animal do grupo dos felinos. • significado – é a idéia, o conceito veiculado pela palavra, o conteúdo, a parte abstrata. Agora, vejam esta frase: Paulo odeia gatos. Refere-se ao felino/animal? Provavelmente. No entanto, isso não quer dizer que esse signifi- cado seja exclusivo dessa palavra e vice-versa, vez que uma mesma palavra também pode as- sumir diversos significados. Com eles, podemos formar várias expressões. Por essa razão, pergunto-lhe, caro acadêmico, se, ao dizer: Paulo odeia gatos, ou foi preciso fazer vários gatos para a TV funcionar, ou, ao afirmar: odeio vestido sem manga; detesto manga verde, estaríamos aqui afirmando literalmente (denotativamente/dicionarialmente) que os felinos foram usados como cabos de eletricidade, ou que posso chupar a manga do vestido, ou usar uma fruta como manga de um vestido? Claro que não! O que aconteceu aqui? As palavras em ne- grito têm o mesmo significante, porém dois significados perfeitamente distintos. E ainda, uma mesma idéia pode ser expressa por palavras diferentes, como em: Sinto falta de você; sinto saudade de você, e em: Mateus ficou contente por rever o pai; Mateus ficou alegre por rever o pai. O que ocorreu agora? As duas palavras em negrito têm o mesmo significado, porém dois significantes diferentes. 1. Ele sempre andou na linha... até que o trem o atropelou. 2. Sílvio Santos comprou a Manchete. 3. Carlos vendeu um livro. GLOSSáRIO Fonema: unidade míni- ma de som) /g/ /a/ /t/ /o/ e como ◄ Figuras 8,9,10 e 11: Pentagrama7 Fonte:Wikipedia.org.br DICAS 7Pentagrama: É um dos símbolos pagãos mais poderosos e mais po- pulares entre os bruxos e magos cerimoniais. O pentagrama (uma estrela de cinco pontas circunscrita num círcu- lo) representa os qua- tro antigos e místicos elementos: fogo, água, ar e terra, superados pelo espírito. ATIVIDADES Aponte o significante e o significado de cada um desses símbolos. ATIVIDADES Complete esses dados sobre o signo linguísti- co, relendo as páginas 54 e 55 do Caderno Didático Introdução à Linguística II, UAB/ Unimontes escrito por Arlete Ribeiro Nepomu- ceno e Liliane Pereira Barbosa. Agora você fará o mes- mo que fizemos com as sentenças-exemplo. Analise os enunciados abaixo e defina em qual das categorias descritas anteriormen- te eles se enquadram. DICAS A sentença 03 se pres- ta, também, a mostrar a você, acadêmico, que uma palavra não neces- sariamente terá de ter um outro sentido com- pletamente diferente de seu significado no dicionário, porque pode ser empregada para veicular uma outra intenção do falante relacionada ao seu sentido original. 24 UAB/Unimontes - 6º Período 1. 3 Posição da Semântica no âmbito dos estudos linguísticos, pragmáticos e histórico-filosóficos. 1.3.1 Percurso da Semântica: breve histórico e considerações gerais Prezado acadêmico, agora já se faz hora de você saber como a semântica surgiu e se desen- volveu dentro do quadro da linguística. Antes de ler uma parte da breve história sobre a semântica, que se completará com leituras sobre o assunto, vale ponderar que Marques (2003) corrobora o ponto de vista de que a semânti- ca, pobrezinha, ficou à margem dos estudos linguísticos, relegada a um segundo plano, durante muito tempo. Conforme a linguista, ao longo do período “que corresponde às fases estruturalista e gerativista da ciência da linguagem, o estudo do significado ficou restrito a algumas tentativas incipientes de integração do semântico ao gramatical” (p.7). Marques segue contando-nos que em trabalhos dessa época, o estudo das questões semânticas desenvolveu-se como domínio de conhecimento estralinguístico, relativamente autônomo, visto em pers- pectivas diversas, sem preocupação específica quanto às suas relações com os problemas e os princípios teórico-metodológicos em que se ba- sevam os estudos considerados propriamente lingüísticos (p. 7). E a linguista arremata: [...] por isso, em plena década de 1960, numerosos especialistas assinalam a inexistência de trabalhos abrangentes de semântica e insistem em registrar a dificuldade de desenvolvê-los de acordo com diretrizes relativamente concei- tuais, à semelhança das usadas em sintaxe e fonologia (p. 7). Marques deixa claro, como já o haviam feito outros autores anteriormente, que “não há con- senso entre os especialistas quanto a uma definição de semântica e, tampouco quanto à deli- mitação do que seria objeto da semântica“ (p.15). Em que pesem essas afirmativas, diz Marques (2003) que muitos semanticistas alegam que a semântica seria “o estudo do significado em lin- guagem, a disciplina linguística que estuda o sentido dos elementos formais da língua [...], o es- tudo da significação das formas da lingua” (p.15). Seria simples, então, aceitar essas definições de semântica, que parecem compreensíveis e claras, mas isso não constitui verdade, porque a gran- de questão sobre a definição de semântica e da delimitação de seu objeto de estudo se posta, ainda1 na opinião de Marques, na “inexistência de uma conceituação precisa, consensual e abran- gente de significado” (p.15) que, conforme a autora, é “termo vazio, porque excessivamente am- bíguo” (p. 19). Em outras palavras, não há na linguística uma resposta pronta e irrefutável à per- gunta: o que é significado? E, nessa questão se postaria toda a dificuldade de se criar uma teoria semântica, ou de se definir semântica. Entretanto, Marques admite que, apesar de ser árduo definir a natureza, as tarefas e a amplitude da semântica, firmou-se, definitivamente, na linguística, a consciência de que linguagem é significação e de que é impos- sível e insensato estudá-la sem incluir os mecanismos que permitem a troca de conteúdos simbólicos entre indivíduos” (p. 11), assertiva com a qual corroboramos e na qual nos embasamos para discorrer os processos semân- ticos, associados à expressividade, neste caderno didático, admitindo que é difícil não resvalar por as- pectos históricos, sociais, culturais e psicológicos característicos dos estudos ditos tradicionais. 25 Letras/Português - Língua Portuguesa Semântica Vamos, então, ao começo dessa breve história. Cunhado pelo filólogo francês Michel Bréal (1832 - 1915), o termo semântica se referiria, se- gundo seu criador, a um novo modo de ver a lin- guagem, através do qual ele viajaria pelas fendas e entrelinhas das palavras, das sentenças/frases e mergulharia no subentendido da língua. No entanto, na Antiguidade, notada- mente Aristóteles (pai da ironia, figura re- tórica da linguagem) já pesquisara sobre tema semelhante e produzira trabalhos que viriam a influenciar estudos posteriores so- bre o significado e o sentido, como os de Hermann Paul (1880)8, que desenvolveu um trabalho contrapondo o concreto ao abstra- to, o qual foi fundamental para o estudo de elementos retóricos da linguagem, como a metáfora e o eufemismo, entre outros. Essa contraposição entre concreto e abstrato dei- xava claro que esses estudos se limitavam à gramática comparativa, priorizando, princi- palmente, a etimologia e restringindo-se ao trabalho de agrupar os termos, levando em conta o plano fonético e/ou o morfológico. Até o século XIX, o léxico - o vocabulá- rio - era o foco dos estudos relativos à lingua- gem, concentrando-se no comportamento das palavras, dispersamente, e sem seguir uma metodologia; de modo geral, esses estudos, também, eram desenvolvidos diacronicamen- te, isto é, no decorrer decerto tempo. Como mencionado, as abordagens sobre a língua eram feitas via estudos comparativos e sem- pre baseadas em observações feitas e a partir de estudos desenvolvidos pelos gregos. Esses estudos comparativos têm prosseguimento no século XIX, quando inicia-se a pesquisa da gra- mática com base em análises criteriosas de pa- lavras comuns às diferentes línguas do tronco indo-europeu. A figura de maior expressão da linguís- tica e da filosofia da linguagem no início do século XX foi, inegavelmente, Ferdinand de Saussure, estudioso que mudaria o rumo da história da linguística mundial. ATIVIDADES Leitura dos capítulos 1 e 2, do livro Iniciação à Semântica, de Maria Helena Duarte Mar- ques, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2003. DICAS 8Escreveu o livro Prin- zipien der Sprachges- chichte, cuja segunda edição foi traduzida para o inglês sob o nome Principles of the History of Langua- ge, por H.A. Strong. College Park: McGroth Publishing Company, ISBN 0843401141. ◄ Figura 12: Michel Jules Alfred Bréal (26 March 1832–1915) Fonte: en.wikipedia.org/ wiki/Michel_Bréal 26 UAB/Unimontes - 6º Período Veja como ele era simpático quando jovem, caro acadêmico, apesar do penteado e da in- dumentária? Alguma semelhança com Tom Cavalcanti? Se houver, configura-se um fenômeno semântico chamado símile (semelhança). Em breves linhas, mas ampliando um pouco o escrito de Nepomuceno e Barbosa (UAB/Unimontes, 2010, p. 28), relembramos que Saussure nasceu em Genebra, Suiça. Suas ideias sobre a estrutura da língua influencia- riam o desenvolvimento de uma teoria linguís- tica conhecida como estruturalismo, dentro da qual a semântica, infelizmente, ainda não me- receria muito destaque. Saussure fez um curso de ciência duran- te um ano na Universidade de Genebra, antes de se tornar estudante de idiomas na Univer- sidade de Leipzig, em 1876. Publicou, ainda enquanto estudante, um único livro (1879), Memória sobre o Sistema Vocálico Original nos Idiomas indo-europeus, que descrevia a origem dos idiomas indo-europeus. Palavra usada, no tempo em que Saussure era jovem, para designar roupa, vestuários. É sinonímia, sim, caro acadêmico! Ainda no início dos seus estudos, Saussure focalizou sua carreira na filologia, - história das línguas -, mas desviaria esse foco para a pesqui- sa sobre linguística geral. Entre 1881 e 1891, foi professor na École Hautes Études, em Paris; posteriormente, lecionaria sânscrito e gramá- tica comparativa na Universidade de Genebra. Suas ideias viriam a influenciar tanto seus alunos, que dois deles, Charles Bally e Albert Sechehaye, compilariam as anotações de suas aulas e conferências e as publicariam sob o tí- tulo Cours de Linguistique Générale, em 1916. O Curso de Linguística Geral se tornaria uma das obras expoentes do século XX, devido a sua abordagem nova sobre os fenômenos linguís- ticos. Muitas das ideias nele contidas já haviam sido abordadas por outros linguistas no século XX. O livro aponta que a língua pode ser anali- sada como sistema formal, sem a preocupação de discutir a questão da produção (conheci- mento prévio, contexto, sujeito, intencionali- dade etc.) e compreensão. Dentre os elementos tratados na obra, encontra-se a noção de signo linguístico (sig- nificante e significado), já discutida neste ca- derno e, talvez, possua um referente. Saussure explica a aproximação estrutural da gramática com a língua e estabelece uma série de questões Figura 13: Ferdinand De Saussure (1857-1913) Fonte: www.wekipedia. linguisticageral. Acesso em Dez.2007. ► 27 Letras/Português - Língua Portuguesa Semântica teóricas que viriam a se constituir elementos bá- sicos para os estudos de linguística. Além da lin- guística, o trabalho de Saussure afetaria a antro- pologia, a história e a crítica literária. Os estudos diacrônicos (ponto de vista histórico) teriam seu fim decretado com a obra de Saussure, que deu início aos estudos sincrô- nicos (ponto de vista estrutural), que desem- bocariam no aparecimento do estruturalismo clássico da linguagem. Um texto com o título “A história da semântica linguística – Estrutu- ralismo clássico” daria prosseguimento à his- tória do surgimento das escolas de pesquisa linguística e abordaria os elementos básicos que conduziriam à instauração da gramática estrutural. Assim, surgem, de 1900 a 1925, os estudos da Escola de Genebra, da Escola de Moscou e da Escola Fonológica de Praga. Em que pese a importância de Saussure para os estudos da linguística moderna, não podemos deixar de citar Leonard Bloomfield (1887–1949), linguista norte-americano que, na trilha de Saussure, liderou o desenvolvimento da linguística estrutural nos Estados Unidos durante as décadas de 1930 e 1940. Escreveu um livro didático, Language (1933), no qual apresentava uma descrição ampla da linguís- tica estrutural americana. Bloomfield contri- buiu, significativamente, para a linguística his- tórica do indo-europeu e de outras línguas. Em linhas gerais e simples, a abordagem de Bloomfield em Language se caracterizou por dois aspectos: ênfase na base científica da linguística nos moldes do behaviorismo, ao qual aderira, especialmente, em um de seus úl- timos trabalhos, e nos procedimentos formais para a análise de dados linguísticos. O linguis- ta americano e seus seguidores queriam fazer da linguística uma ciência exata. Eles acredita- vam que ela deveria ser uma descrição cien- tífica (psico-mecanicista) e que deveria usar apenas termos que derivassem de um conjun- to de eventos físicos do cotidiano. Para saber mais sobre Bloomfield e a li- nha estruturalista da língua, à qual Chomsky se opôs, pesquise na Internet sobre Frederic Burrhus Skinner (1904-1990), velho conhecido seu, caro acadêmico, pois foi citado na Intro- dução à Linguística (NEPOMUCENO; BARBOSA, 2010, UAB/Unimontes) e que de Burrhus não tinha nada! Às vezes, as pessoas recebem no- mes estranhos e contraditórios... O surgimento da Gramática Gerativo- -Transformacional, abordagem de grande re- percussão que revolucionaria os estudos da línguística teórica, diminuiria a influência dos estudos linguístico-estruturais de Bloomfield durante as décadas de 1950 e 1960. Desenvol- vida por Noam Chomsky, a abordagem gerati- va, frontalmente oposta ao behaviorismo, co- meçou a se firmar. Se você, caro acadêmico, quiser apren- der mais sobre a gramática gerativo-trans- formacional e a fundamental contribuição e influência de Noam Chomsky para os estudos linguísticos, leia algumas de suas obras, como Syntactic Structures (1957), considerada uma “destilação” apurada de seu livro Logical Struc- ture of Linguistic Theory (1955). Poderá verificar que ele advoga um ponto fundamental para se estudar a língua: os enunciados, ou frases das línguas naturais, devem ser interpretados em dois níveis de representações distintos: as surface structures (“como estruturas de super- fície”), ou seja, as estruturas linguísticas visí- veis fisicamente e as deep structures (“como estruturas profundas”). No meu entender, o termo inglês underlying é mais contundente, fala mais, já que underlying significa subjacen- te, e refere-se àquelas estruturas que estão por abaixo da superfície, no momento e no ato da geração da sentença, e as quais você encontra- rá, caro acadêmico, ao analisar com atenção. Os linguistas usam termos sofisticados para dizer isso. Veja: “a estrutura profunda é uma representação abstrata das relações lógico- -semânticas das frases, aquilo que se encontra, na verdade, no ato de geração da sentença” que se profere ou se escreve. O gerativismo de Chomsky e seguidores também pode ser re- visto no Caderno Didático II/UAB/Unimontes, Introdução à Linguística, de Arlete
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