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CEM TEXTOS DE HISTÓRIA ASIÁTICA

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CEM TEXTOS DE HISTÓRIA ASIÁTICA 
 
[Org.] 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
BUENO, André [org.] Cem Textos de História Asiática. União da 
Vitória, 2010. ISBN 978-85-65996-23-5 
 
Disponível em: http://asiantiga.blogspot.com.br/ 
 
 
Patrimonio
Máquina de escrever
http://chinologia.blogspot.com/
 
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ÍNDICE 
Apresentação 
Mitos de Criação 
1. O Purusha Sukta (Hino do Homem) 
2. A Prajapati 
3. A Canção da Criação 
4. Cosmogonia no Shatapatha - Brahmana 
5. Aitaryea Upanishad 
6. A Perenidade da criação na Visão Budista, no Diga Nikaya 
7. O mito chinês de Panku 
8. Cosmologia daoista em Laozi 
9. A cosmologia daoista do Huananzi 
Natureza Humana 
10. A Visão budista da Natureza Humana no Suttanipata 
11. Outra visão budista, sobre a natureza humana, no Samyutta 
Nikaya 
12. A natureza humana é boa – a visão de Mêncio 
13. A natureza humana é má – a visão de Xunzi 
14. A Natureza Humana é indistinta – a visão de Lubuwei 
15. A natureza humana depende da cultura - Huainanzi 
16. A natureza humana depende da educação – Dong Zhongshu 
A Morte 
17 - Hino para ser entoado em um funeral, do Atharva Veda 
18. A Morte, a transmigração e a Ação Humana no Manava Dharma 
Shastra (As Leis de Manu) 
19. A Morte no Katha Upanishad 
20. A Morte na Visão Budista no Mojjhima - Nikaya 
21. A morte na visão de Zhuangzi 
 
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Caminhos para a Sabedoria 
22. As Características do Sábio Perfeito no Bhaghavad Gita 
23. Uma mestra em busca da sabedoria: A Conversa Entre 
Yajñãvalkya e Maitreyi no Brihadaranyaka upanishad 
24 A busca de Svetaketu, no Chandogya Upanishad 
25. A sabedoria nos Yogas sutras de Patanjali - Formas de Meditação 
e de Samadhi 
26. O Caminho Budista, descrito no Samyutta Nikaya 
27. A redenção pelo estudo, no Zhong Yong de Confúcio e Zisi 
28. O dao dos daoístas, de Laozi 
29. O dao obscuro de Zhuangzi 
30. O Dao da saúde do Neijing (O Tratado Interno) - Tratado sobre a 
Verdade Natural nos Tempos Antigos 
Vivendo em Sociedade 
31. A Criação do Mundo e a origem das leis e das castas no 
Manavadharmashastra 
32. Sobre a Origem e Valor das Quatro Castas no Mahabharata 
33. A visão das castas para os budistas no Mojjhima - Nikaya 
34. Regras Para um Chefe de Família, no manavadharmashastra 
35. Deveres das Mulheres no Manavadharmashastra 
36. Regras para um chefe de família budista, no Sutanippata 
37. Ode ao rei que lavra a terra, pedindo um ano de abundância, no 
Shijing (Tratado dos Poemas) 
38. Poema de uma mulher divorciada, no Shijing 
39. Lamento de um funcionário sobre a miséria, no Shijing 
40. Sobre o labor agrícola, no Shijing 
41. Outras gentes, no Zhongyong de Confúcio e Zisi 
42. Os deveres de obrigação universal, no Zhongyong 
 
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43. A Visão da civilização em Zhuangzi 
44. O ciclo da vida humana no Neijing 
45. Queixa e apelo de Zhuang Qiang contra o mau trato que recebeu 
do esposo, no Shijing (tratado dos Poemas) 
46. Contra o Álcool e a Embriaguez, no Shujing (tratado dos livros) 
47. Contra o Luxo, no Shujing 
48. Sociedade e Educação, no Liji (manual dos Rituais) 
49. Como surgiu Li (a cultura) no Liji 
50. O papel do indivíduo na estruturação da sociedade, no Daxue 
(Grande Estudo) 
Deuses, Crenças e Encantamentos 
51. A Morte e os Deuses no Rig Veda 
52. A Lenda Indiana Sobre o Dilúvio 
53. Hino à Indra, no Rig Veda 
54. Hino à Indra, Varuna e ao Suco sagrado, o Soma, no Rig Veda 
55. Hino às diversas divindades, no Rig Veda 
56. Hino às diversas divindades, no Sama Veda 
57. Os nomes de Indra, no Sama Veda 
58. A especulação sobre o Brahman no Isha Upanishad 
59. Quem é o criador? No Kena upanishad 
60. Prece recitada durante o preparo de um ungüento preservativo 
de males e doenças, do Atharva Veda 
61. Para obter o amor de uma mulher (idem) 
62. Hino às rãs, para que venham as chuvas (idem) 
63. Para achar-se um objeto perdido (idem) 
64. Para livrar alguém do vício do jogo (idem) 
65. Fuxi e Nugua 
66. Huangdi, o deus do Meio 
 
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67. O País dos Imortais, do Shanhaijing (Clássico das Montanhas e 
dos Mares) 
68. As Ilhas dos Imortais, do Shanhaijing (Clássico das Montanhas e 
dos Mares) 
69. Demônios e Feras Bestiais, do Shanhaijing (Clássico das 
Montanhas e dos Mares) 
70. O Mundo antigo, por Zhuangzi 
71. O cofre guarnecido de metal, a história de uma previsão no 
Shujing (tratado dos livros) 
72. Uma previsão do Tratado das mutações: Hexagrama 18, a 
Recuperação do Deteriorado, do Yijing 
73. Invocação ao ancestral da dinastia Shang, Tang. 
74. Uma antiga cura para depressão, no Liezi 
A Arte de Bem Governar 
75. Os Deveres de um Rei, no Dharma sutra 
76. Rei e Punição, no Manavadharmashastra 
77. O poder do rei, no Artashastra 
78. A política ecumênica de Ashoka 
79. Discurso do Marques de Qin, no Shujing 
80. As regras do bom governo, no Zhongyong 
81. As cinco obrigações do bom líder, no Liji 
82. Cinco deveres e quatro erros, no Lunyu (Diálogos) de Confúcio 
83. O governo do povo, em Mêncio 
84. As proibições, de Guanzi 
85. O governo daoísta de Laozi, no Daodejing (tratado da virtude e 
do caminho) 
87. O Governo, para Shang Yang 
88. Regras para o bom governo, de Hanfeizi 
 
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Visões da Guerra 
89. Benção das armas de um príncipe em sua ida para a guerra, do 
Atharva veda 
90. A guerra nas leis de Manu 
91. Um Soldado pensando no Lar, do Shijing 
92. Sobre as proposições da vitória e a derrota, em Sunzi 
93. Contra a Guerra, em Mozi 
94. A guerra é um massacre, em Mêncio 
95. A guerra, em Shangyang 
A Ciência de Registrar o Passado 
96. A Agitação do Oceano Pelos Deuses, no Vishnu purana 
97. Uma passagem do Chunqiu (primaveras e outonos), comentada 
pelo Zuozhuan de Zuoqiuming 
98. O Canon de Yao, do Shujing 
99. Contra os áulicos sistemáticos, do Zhanguoce, ou Discursos dos 
estados combatentes 
100. A Vida de Po Yi, por Sima Qian, no Shiji (recordações 
históricas) 
Anexo 
a) A visão de passado em Shang Yang 
b) Grande Tratado sobre a Harmonia da Atmosfera das Quatro 
Estações com o Espírito Humano, no Neijing (o tratado interno) 
 
 
 
 
 
 
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Apresentação 
 
Cem textos de história asiática não é, a princípio, uma continuação 
do meu livro anterior, Cem textos de história chinesa. A idéia aqui 
foi, primeiramente, apresentar um contraste entre as duas principais 
civilizações do Extremo Oriente, Índia e China. Muitos são os mitos 
acerca das relações entre essas duas culturas; de que a Índia 
emprestara sua cultura à China, de que a China não tem autonomia 
de pensar, ou de que ambas são muito semelhantes, etc. Todos estes 
erros foram construídos por concepções históricas superadas, mas 
que ainda persistem no imaginário popular ou dos estudantes 
desavisados. Uma análise superficial e mal feita poderia, com 
alguma boa vontade, indicar similaridades entre as duas, mas uma 
leitura mais apurada de seus textos demonstra preocupações e 
perspectivas amplamente diferentes. Esta foi uma das razões desta 
antologia. 
A segunda razão seria a de selecionar textos que mostrassem, então, 
as visões de mundo destas sociedades, e evitei repetir textos já 
utilizados na outra antologia. Em compensação, aproveitei 
fragmentos já presentes nas traduções correntes, e nisso a 
originalidade desta seleção consiste na escolha dos temas e eixos 
principais. Alguns deles, como os da seção de religião, são quase 
inteiramente dominados pelos textos indianos; história, porém, é 
uma seção quase inteiramente chinesa. Isso por si só já demonstra, 
substancialmente, algumas diferenças de perspectivas, que 
abordaremos um pouco melhor adiante. 
 
 
8 
Por fim, a escolha dos textos situa-se na antiguidade, até o século -1 
aec. A partir disso, os contatos entre indianos e chineses acentuam-
se, e daí podemos realmente falar de trocas culturais entre ambas as 
civilizações. Antes disso, contudo, estas civilizações cresceram e se 
desenvolveram de forma relativamente autônoma, possuindosuas 
próprias problemáticas e interesses. 
Com esta antologia, pretendo novamente suprir as falhas existentes 
na academia e compor um corpo de textos que possam ser utilizados 
com fins didáticos ou de pesquisa. Minha pretensão está longe de ser 
definitiva, e na verdade, minhas intenções são a de ensejar a busca e 
o estudo destes textos com maior profundidade. Espero, portanto, 
que o leitor aproveite a experiência. 
 
O Quadro histórico e literário de Índia e China 
Devemos iniciar esta antologia com algumas considerações 
fundamentais sobre a história de ambas as sociedades, apontando 
principalmente suas singularidades, de modo que se possa construir 
um conhecimento mais esclarecido sobre elas. Alguns pontos, 
porém, são ilustrativos, como veremos a seguir. 
 
Índia 
A Índia não conheceu nada parecido com o conceito de história ou 
de ciência histórica, tal como o propomos, em sua antiguidade. A 
preocupação fundamental desta civilização atinha-se a uma 
libertação espiritual que concebia este plano, material, com uma 
espécie de purgatório das almas, e cujo ciclo de eventos era tão 
somente algo repetitivo e por isso mesmo, desinteressante. A visão 
 
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indiana era da negação da materialidade; conseqüentemente, seu 
foco principal dirigiu-se para uma filosofia de cunho metafísico, uma 
atenção especial à religião, o que se desdobrava de forma nítida nas 
considerações acerca da sociedade e da cultura. Assim, a Índia 
antiga não pensou em qualquer forma de antropologia ou sociologia, 
senão aquela pautada na interpretação da vida humana como um 
processo de transmigração de almas; documentos como o 
Arthashastra, um tratado dedicado a política e a administração são 
exceções, e mesmo assim carregam o peso da religiosidade consigo. 
A história indiana, portanto, é uma reconstrução moderna, muitas 
vezes mais baseada na arqueologia do que nos textos. Estes nos 
mostram modos de vida ideais, concepções teológicas profundas, 
mas às vezes nos escapam como fontes sobre o cotidiano. Uma 
divisão moderna situa as origens da civilização indiana como um 
movimento autóctone, com raízes pré-históricas. Depois, segue-se o 
período das primeiras cidades indianas, mohenjo daro e harappa, 
que termina de modo relativamente abrupto em torno dos séculos -
18 -15 aec. Há uma aparente descontinuidade, mas emerge desta 
época a sofisticada, guerreira e desenvolvida civilização védica, 
calcada em seu politeísmo diversificado e na sua consolidada 
estrutura de castas (ou varnas), doravante uma marca da civilização 
indiana. É desta época a estruturação dos vedas, das cerimônias do 
soma – o suco alucinógeno sagrado – mas também, o início de uma 
especulação metafísica que só teria sua conclusão em torno dos 
séculos -7 -8 aec. Enquanto isso, o mundo indiano dividiu-se em 
vários pequenos reinos, cujo poder variava constantemente. A 
unidade possível entre eles se baseava nos ritos religiosos, nos 
princípios sociais e conceitos comuns, enfim, numa cultura que os 
 
10 
definia em relação aos outros – os estrangeiros. 
Este mundo vasto, empreendedor e multifacetado dirigia-se, porém, 
ao centro de uma discussão infindável sobre a realidade da vida 
espiritual. O período dos séculos -8 -7 aec vê surgir a literatura 
upanishádica, conclusão de um longo debate filosófico 
acompanhado pelas aranyakas, brahmanas e puranas, todo um 
corpus textual inteiramente voltado para a solução das questões 
religiosas que amarravam esta sociedade. Deste processo, emergem 
situações conflitantes; a busca da unificação política acompanha-se 
do surgimento de heresias sócio-religiosas, como jainismo e o 
budismo. A presença grega no mundo indiano sacode suas fronteiras 
e sua visão de mundo, e nela, o budismo torna-se a primeira religião 
proselititsta do mundo, tentando converter os estrangeiros. 
Nos séculos -4 -3, a Índia finalmente se vê unificada por uma 
dinastia, os Maurya, que unem a idéia de indianidade com política. É 
desta época que surgem textos como o Artashastra, preocupado com 
a administração das coisas públicas – mas também textos como o de 
uma política ecumênica universal, como os éditos de Ashoka, 
soberano pacifista cuja terrível carreira pretérita como conquistador 
o levou a um acurado exame de consciência sobre as realidades da 
vida. 
Este mundo indiano se veria perturbado, somente, pela vinda dos 
kushans entre os séculos -2 -1. Contudo, esta invasão estava longe de 
abalar os alicerces solidamente instituídos da sociedade indiana. 
A estrutura destes documentos indianos, portanto, é simples: a 
primeira geração deles se consigna nos vedas, os primeiros textos do 
mundo védico; seguem-se as brahmanas e as aranyakas, textos de 
especulação filosófica que começam a analisar a religiosidade védica; 
 
11 
os upanishads concluem esta linha de pensamento, construindo uma 
nova mentalidade acerca da filosofia, da sociedade e da cultura que 
seria conhecida como bramanismo – com toda a carga religiosa dela 
derivada. 
Textos auxiliares como o Manavadharmashastra, ou as leis de Manu, 
os Dharma sutras e o Artashastra surgem ao longo desta trajetória, 
tentando explicar questões variadas, como a administração da lei, 
papéis sociais, visões de mundo calcadas na religião, etc. Quanto aos 
puranas, estes se estabelecem como formas de histórias religiosas, 
como o Mahabharata, o Ramayana e os puranas dos deuses, todos 
eles épicos que explicam as teogonias indianas. Juntam-se a estes os 
textos budistas, com seu ponto de vista particular sobre a existência. 
Por estas razões veremos a ênfase dos textos indianos em questões 
centrais da existência de sua sociedade, tais como as castas, a criação 
do universo, os deuses, a transmigração das almas, etc, deixando de 
lado um aprofundamento dos aspectos da historiografia ou da 
política. 
 
China 
Tendo em vista o quadro da Índia, não será difícil perceber o quanto 
a história chinesa é diferente. Embora tivessem (e ainda tenham) 
uma mitologia rica e variada, essa nos é pouco conhecida – a paixão 
verdadeira dos filósofos e pensadores chineses foi a história, baseada 
no desenrolar dos eventos, e investigada a partir de documentos, 
relíquias e relatos. Suas escolas filosóficas ativeram-se ao ―real 
material‖, buscando a imanência, a realização neste mundo, 
deixando para o além o que seria o próprio além. Tão pouco afeitos a 
esta metafísica, os chineses sofisticaram o seu pensamento em 
 
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direção a uma ciência elaborada, racionalmente explicada, que nos 
permite formar um quadro satisfatório da história intelectual 
chinesa. Confúcio, o primeiro grande documentarista desta 
civilização, legou-nos um vasto conjunto de informações sobre o 
cotidiano, hábitos, costumes, e do que seria a busca da sabedoria – o 
Dao (via, método, caminho). 
Entender a história chinesa, pois, é um desafio sério, mas não pela 
carência de informações - e sim por sua abundância, e suas versões 
formatadas, que vêm sendo reelaboradas até os dias de hoje. A 
cronologia da China é uma hemeroteca de velhas notícias, que 
dirigem a interpretação dos acontecimentos, aplicando-lhes lentes 
antigas, mas eficazes. Como disse o sábio Hanyu, da dinastia Tang: 
No princípio, não me atrevia a ler nenhum livro que não fosse das 
antigas dinastias Xia, Shang, Zhou ou da dinastia Han, nem retomar 
nada que não fosse o ensino de algum grande santo do passado. 
Cada vez que me detinha, parecia que havia perdido algo, e cada vez 
que continuava a ler, tinha a sensação de ter me descuidado em 
alguma coisa. Sempre andava sério como se estivesse meditando, e 
perplexo como se estivesse perdido. E, quando de pincel na mão, me 
dispunha a pôr em escrito o que brotava do meu coração, queria 
suprimir todos os lugares comuns, mas....como era difícil fazê-lo 
nessas condições! (Hanyu 768-824). 
Este espírito afetou de modo profundo o senso crítico chinês, mas 
igualmenteo afiou, tornando-o ao mesmo tempo inquiridor, 
audacioso, conservador e sintético. A negação do novo é um 
fenômeno recente nesta história, pois a cultura chinesa desenvolveu 
desde cedo uma paixão inalterável por conservar o patrimônio de 
seu passado e, da mesma maneira, encantar-se pelas rupturas 
 
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saudáveis do pensamento, pela descoberta do inusitado. 
A trajetória que acompanharemos aqui, pois, é temporalmente 
semelhante a da Índia, mas totalmente diferente em sua 
conformação. A China antiga é um espaço em aberto no seu próprio 
território, identificada somente por semelhanças culturais. 
Aparentemente, um movimento de unificação de cidades-estado 
levou a formação de um reino, conhecido como dinastia Xia, do qual 
pouco sabemos, embora esteja comprovado arqueologicamente. Esta 
civilização data de algo em torno dos séculos – 18 a -15, mas é 
sucedida pela dinastia Shang, bem mais documentada. Entre os 
Shang surge, aparentemente, a escrita (se essa não for também uma 
conquista dos Xia, mas até agora não surgiram provas disso), mas 
uma farta cultural material, depositada em seus túmulos, permite-
nos ter uma cronologia razoavelmente clara dos acontecimentos, que 
nos permitem saber de sua existência entre os séculos – 15 -12. 
Somente nesta época eles serão submetidos à dinastia Zhou, a mais 
longa da história chinesa, que institui uma espécie de feudalismo na 
administração do território, agora muito mais amplo e sinizado. 
A história dos Zhou, longa, é também permeada por fases sucessivas 
de poder e decadência; ela divide-se em dois períodos distintos, os 
dos Zhou anterior (1027 – 771) e Zhou posteriores (771 - 221), 
motivados por uma forçada transferência da capital real. A fase dos 
Zhou posteriores divide-se, ainda, no tempo das primaveras e 
outonos (771 - 481) e no tempo dos estados combatentes (481 – 221), 
quando finalmente a dinastia é derrubada para dar lugar à nova 
reunificação chinesa promovida pela dinastia Qin (221 – 206). O 
governo Qin, embora eficiente na guerra e na administração, não era 
sólido nem coeso, sendo derrubado brevemente pela dinastia Han, 
 
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que reinaria até o século 3 ec. Qin construir os grandes monumentos 
da China antiga, como a grande muralha e a tumba dos guerreiros de 
terracota, mas também queimou livros, prejudicando o estudo do 
passado e da filosofia chinesa. Coube aos Han recuperarem parte 
destas informações, permitindo-nos compreender esta história 
chinesa antiga. 
Os documentos de que dispomos – e que aqui apresentaremos – se 
constituem basicamente em três corpos distintos: o primeiro trata-se 
dos clássicos antigos, que seriam o tratado das mutações (yi), dos 
livros (shu), dos poemas (shi), dos rituais (li) e da música (yue), este 
último perdido, do qual só sobrou uma parte no Liji. Confúcio os 
resgata no século -6, e adiciona a eles as crônicas das Primaveras e 
Outonos (Chunqiu), que receberia três comentários explicativos 
posteriormente (Zuozhuan, Guliang e Gongyang). Estes livros 
seriam a documentação básica sobre o passado, que explicaria a vida 
nas dinastias antiga e o que seria a cultura Zhou. Depois da revisão 
confucionista, temos a vasta e inovadora literatura da época das cem 
escolas (contida na transição entre as primaveras e outonos e que se 
desenrola no meio dos estados combatentes), quando o debate 
filosófico faz surgir toda uma nova quantidade de escritos, 
defendendo as mais diversas visões sobre a sociedade e o 
pensamento na época. São deste contexto os textos da escola 
confucionista, o Lunyu, Zhongyong, Daxue e Xiaojing, dos autores 
Mêncio e Xunzi, dos daoístas Laozi, Zhuangzi, Liezi, dos legistas 
Shangyang e Hanfeizi, de Mozi, e a coletânea histórica do 
Zhanguoce. O terceiro corpo é dos textos da época Han, tempo de 
sínteses e da criação de novas teorias. Temos o Huainanzi de Liuan e 
o Chunqiu fanlu de Dong Zhongshu, ambos tratados sobre filosofia; 
 
15 
o inovador Shiji, de Sima Qian, reinventando a história chinesa; ou 
ainda, o Neijing, tratado sobre medicina chinesa que serve para uma 
interpretação multifacetada do pensamento chinês deste momento. 
Perceberemos que a presença marcante nesta textualidade é uma 
análise pragmatista da realidade. Disso decorre a fundamental 
importância nos textos das questões políticas, educacionais e 
sociológicas; como dissemos, a China da antiguidade tem seu 
pensamento mítico, mas a intelectualidade desta civilização atinha-
se ao que entendia ser a sua ciência, baseada numa busca da razão, 
que o afasta de modo indiscutível da conformação da civilização 
indiana. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 
Mitos de Criação 
 
A Índia Antiga é uma civilização em que abundam os mitos de 
criação, talvez devido a sua extrema flexibilidade religiosa e à uma 
filosofia inteiramente dedicada aos temas metafísicos e teológicos. 
Para uma mentalidade monoteísta, é difícil compreender como uma 
mesma cultura – e por conseguinte, o que entendemos ser um 
―mesmo sistema religioso‖, o hinduísmo -, consegue aceitar e 
conviver com esta multiplicidade de visões; mas nisso reside, 
exatamente, a riqueza da liberdade de pensar e de propor 
interpretações diferentes sobre os mesmos temas, questão 
fundamental que levou o pensamento ocidental a vários acidentes de 
percurso. Nesta primeira seção, portanto, veremos três mitos de 
criação presentes no documento mais antigo da civilização indiana, o 
Rig Veda. O hino de purusha parece se tratar da primeira fonte a 
buscar explicar e legitimar a separação das castas indianas; o hino a 
prajapati e a canção da criação se tratam, contudo, de especulações 
de origem teológica e filosófica sobre as origens. Lembremos que o 
Rig veda é um texto de origem ariana, ancestral, em que o futuro 
pensamento ―hinduísta‖ ainda está em seu embrião. A conseqüência 
da evolução do pensamento indiano antigo aparece nos dois textos 
seguintes – uma visão cosmogônica do surgimento do universo, do 
Shatapatha – brahmana, e uma introdução ao problema no Aitareya 
Upanishad. Ambos os textos fazem parte de um contexto cultural, 
situado entre os séculos -8 e -6 aec, em que os indianos repensam 
suas origens, sua cultura arianista e vêem surgir propostas 
alternativas como a do budismo e do jainismo. Uma discussão sobre 
 
17 
o universo imperecível é proporcionada pelo texto budista do Digha-
nikaya, proporcionando um contraponto às visões tradicionais da 
índia hindu-védica. Quanto à China, sempre tão carente de mitos de 
criação, fornece-nos dois exemplos especulativos, baseados na teoria 
yin-yang, do surgimento do universo. O primeiro aprece no texto de 
Laozi, o Daodejing, e o segundo, no texto posterior, da época Han, o 
Huainanzi. O terceiro exemplo, o mito de Panku, só surgiria 
tardiamente, e é incluído aqui a título de demonstração – as 
informações de que dispomos apontam que este mito não foi 
divulgado, senão, depois do período Han como algo próprio da 
cultura chinesa. 
 
1. O Purusha Sukta (Hino do Homem) 
Mil cabeças tem Purusha, mil olhos, mil pés. 
Por toda parte impregnando a terra ele enche um espaço com 
dez dedos de largura. 
Esse Purusha é tudo que até agora já foi e tudo que será, 
o senhor da imortalidade que se torna maior ainda pelo alimento. 
Tão poderosa é sua grandeza! Sim, maior do que isto é Purusha. 
Todas as criaturas são uma quarta parte dele, três quartas partes são 
a vida eterna no céu. 
Com três quartos Purusha subiu; um quarto dele novamente estava 
aqui. 
Daí saiu para todos os lados por sobre o que come e o que não come. 
Dele nasceu Viraj (a); e novamente de Viraj nasceu Purusha. 
Assim que nasceu, espalhou-se para oriente e ocidente sobre a terra. 
Quando os deuses prepararam o Sacrifício com Purusha como 
sua oferenda, 
 
18 
Seu óleo foi a primavera; a dádiva santa foi o outono; o verão 
foi a madeira. 
Eles embalsamaram como vitima sobrea grama o Purusha nascido 
no tempo mais antigo. 
Com ele as deidades e todos os Sadhyas e Rishis (b) fizeram 
sacrifício. 
Desse grande Sacrifício geral a gordura que gotejava foi colhida. 
Ele formou as criaturas do ar, os animais selvagens e domesticados. 
Daquele grande Sacrifício geral Rics (c) e hinos-Sama (d) nasceram; 
Daí foram produzidos encantamentos e sortilégios; os Yajus (e) 
surgiram disso. 
Dele nasceram os cavalos e todo o gado com duas fileiras de dentes; 
Dele se reuniu o gado vacum, dele nasceram cabras e ovelhas. 
Quando dividiram Purusha, quantos pedaços fizeram? 
A que chamam sua boca, seus braços? A que chamam suas coxas e 
pés? 
O Brâmane (f) foi sua boca, de ambos os seus braços foi feito o 
Rajanya (xátria). Suas coxas tornaram-se o vaixá, de seus pés o 
sudra foi produzido. 
A Lua foi engendrada de sua mente, e de seu olho o Sol nasceu; 
Indra e Agni nasceram de sua boca, e Vayu de seu alento. 
De seu umbigo veio a atmosfera; o céu foi modelado de sua cabeça; 
A terra de seus pés, e de suas orelhas as regiões. Assim eles 
formaram os mundos. 
Sete bastões de luta tinha ele, três vezes sete camadas de 
combustível foram preparadas, 
Quando os deuses, oferecendo o sacrifício, manietaram sua vítima, 
Purusha. 
 
19 
Os deuses, sacrificando, sacrificaram a vítima; estes foram os 
primeiros sacramentos. 
Os poderosos chegaram às alturas do céu, lá onde os Sadhjas, 
deuses antigos, estão morando. 
a) Contrapartida feminina do principio masculino, Purusha. 
b) santos e profetas de tempos antigos. 
c) Estrofes do Rig-veda. 
d) Estrofe do sama-veda. 
e) Fórmulas rituais do Yajur-veda. 
f) As quatro classes sociais. 
 
2. A Prajapati 
No início surgiu Hiranyagarbha, (a) nascido senhor único de todos 
os seres criados. 
Ele fixou e sustenta esta terra e céu. Que deus adoraremos 
com nossa oblação? 
Proporcionador de alento vital, de força e vigor, aquele cujos 
mandamentos todos os deuses aceitam: 
O senhor da morte, cuja sombra é a vida imortal. Que deus 
adoraremos com nossa oblação? 
Aquele que por sua grandeza tomou-se senhor único de todo 
o mundo móvel que respira e dorme: 
Aquele que é senhor dos homens e senhor do gado. Que deus 
adoraremos com nossa oblação? 
Suas, por seu poder, são estas montanhas cobertas de neve, e 
[os homens chamam o mar e Rasa (b) sua posse: 
Seus braços são estes, suas são estas regiões celestiais. Que deus 
adoraremos com nossa oblação? 
 
20 
Por ele, os céus são fortes e a terra segura, por ele o reino da 
luz e a arcada do céu são sustentados; 
Por ele as regiões na atmosfera foram medidas. Que deus 
adoraremos com nossa oblação? 
Para ele, apoiados por sua ajuda, dois exércitos em batalha 
olham com tremor no espírito, 
Quando sobre eles o sol brilha. Que deus adoraremos com nossa 
oblação? 
Na época em que as águas poderosas vieram, 
contendo o germe universal, produzindo Agni, 
Daí passou a existir o espírito dos deuses. 
Que deus adoraremos com nossa oblação? 
Em seu poder, ele examinou as enchentes que continham 
força produtiva e geravam a adoração. 
Ele é o deus dos deuses e ninguém mais do que ele. Que deus 
adoraremos com nossa oblação? 
Que nunca possa ele nos ferir, ele que é o criador da terra, nem 
ele cujas leis são certas, o criador dos céus, 
Ele que trouxe as grandes e luminosas águas. 
Que deus adoraremos com nossa oblação? 
Prajapati! Só tu compreendes todas essas coisas criadas, e ninguém 
mais senão tu. 
Atende o desejo de nossos corações quando te invocamos - 
que possamos ter muita riqueza em nosso poder. 
a) Germe dourada, nome dado ao deus Brama. 
b) Nome de um rio mítico. 
 
 
 
21 
3. A Canção da Criação 
Então não existia o não-existente, nem o existente - não havia 
reino do ar, nem céu além dele. 
o que encobria, e onde? E o que dava abrigo? Existia água 
ali, urra profundidade insondável de água? 
Não existia então a morte, nem coisa alguma imortal - não 
havia sinal, o divisor do dia e da noite. 
Aquela coisa única, sem alento, respirou por sua própria natureza – 
a não ser ela, não existia coisa alguma. 
Existia treva; de começo oculto na treva, esse Tudo era caos 
indiscriminado. 
E tudo quanto existia então era vazio e sem forma – 
pelo grande poder do calor nasceu aquela unidade. 
Daí em diante surgiu o desejo no início, Desejo, a semente e 
germes primevos do espírito. 
Sábios que buscavam com o pensamento e seus corações 
descobriram o parentesco do existente no não-existente. 
Transversalmente sua linha de separação se estendeu - o que 
estava acima, então, e abaixo? 
Existiam reprodutores, forças poderosas, 
ação livre aqui e energia acima, além. 
Quem realmente sabe e quem pode declarar, de onde nasceu 
e de onde veio essa criação? 
Os deuses vieram depois da produção deste mundo. Quem sabe, 
portanto, de onde ele veio pela primeira vez? 
Ele, a primeira origem desta criação, tenha formado a mesma 
toda ou não a tenha formado, 
Cujo olho controla este mundo no céu mais alto, ele realmente 
 
22 
sabe, ou talvez não saiba. 
 
4. Cosmogonia no Shatapatha - Brahmana 
Na verdade, de inicio este universo era água, nada mais que um mar 
de água. As águas desejaram: "Como podemos reproduzir?‖ Elas se 
esforçaram e praticaram devoções fervorosas, e quando se estavam 
aquecendo foi produzido um ovo dourado. O ano, na verdade, não 
estava então em existência - esse ovo dourado flutuou durante o 
espaço de um ano. No período de um ano um homem, este Prajapati, 
a foi produzido dali, e por isso uma mulher, uma vaca ou uma égua 
gera dentro do espaço de um ano, pois Prajapati nasceu em um ano. 
Ele rompeu o ovo dourado. Não existia então, na verdade, qualquer 
lugar de descanso; apenas esse ovo dourado, trazendo-o, flutuava 
durante todo o espaço e um ano. 
No final de um ano, ele tentou falar. Disse "bhuhr", palavra que se 
tomou esta terra; - "bhuvar", que se tomou o ar; - ―svar", que se 
tomou o céu além. Por isso uma criança tenta falar ao fim de um 
ano, pois ao fim de um ano Prajapati tentou falar. Quando falava ela 
primeira vez, Prajapati dizia palavras de uma sílaba e de duas 
sílabas; por isso uma criança, quando fala pela primeira vez, diz 
palavras de uma e duas sílabas. Essas três palavras consistem em 
cinco sílabas e ele as tomou as cinco estações. Ao final do primeiro 
ano, Prajapati subiu para estar sobre essas palavras assim 
produzidas; por isso uma criança tenta estar de pé ao fim de um ano, 
pois ao um de um ano Prajapati ficou de pé.Ele nasceu com uma 
vida de mil anos; assim como alguém poderia ver a distância a costa 
em frente, assim ele olhou a costa a frente de sua própria vida, 
 
 
23 
Desejando ter progênie, continuou a cantar louvores e a trabalhar. 
Estabeleceu o poder de reprodução em seu próprio eu. Pelo alento 
de sua boca criou os deuses - os deuses foram criados ao entrar no 
céu; e esta é a divindade dos deuses, a que tenham sido criados ao 
entrar no céu. Tendo-os criado houve, por assim dizer, dia para ele e 
esta é também a divindade dos deuses, a que, depois de criá-los, 
houve, por assim dizer, dia para ele. 
E pelo alento ou respiração para baixo, ele criou os Asuras!- que 
foram criados entrando nesta terra. Tendo-os criado houve, por 
assim dizer, treva para ele. Agora que a luz do dia, por assim dizer, 
existia para ele, ao criar os deuses, isso ele fez o dia; e a treva, por 
assim dizer, que havia para ele, ao criar os Asuras, disso ele fez a 
noite - eles são esses dois, o dia e a noite. 
a) "Senhor das criaturas", o deus supremo a vir. 
b) Uma classe de demônios, oponentes dos deuses. 
 
5. Aitaryea Upanishad 
ANTES DA CRIAÇÃO, tudo O que existia era o Eu, somente o Eu. 
Nada mais havia. Então o Eu pensou: "Criarei os mundos." 
Ele criou os mundos: Ambhas, o mundo mais elevado, que está 
acima do céu e é sustentado por ele; Marichi, o céu; Mara, o mundo 
mortal, a terra; e Apa, o mundo abaixoda terra. 
Ele pensou: "Eis os mundos. Enviarei agora os seus guardiões." 
Enviou então os guardiões. 
Ele pensou: "Eis os mundos e seus guardiões. Enviarei alimento para 
os guardiões." Então enviou alimento para eles. 
Ele pensou: ―Como poderão existir guardiões sem que eu tome parte 
neles?‖. 
 
24 
"Se, sem mim, a palavra é pronunciada, o alento é absorvido, os 
olhos vêem, o ouvido ouve, a pele sente, a mente pensa, os órgãos 
sexuais procriam, então o que sou eu?" 
Ele pensou: "Penetrarei nos guardiões." E então, abrindo o centro 
dos seus crânios, entrou. A porta por onde ele entrou é chamada de 
porta da bem-aventurança. 
Sendo o Eu desconhecido, todos os três estados da alma são apenas 
sonho: vigília, sonho e sono sem sonhos. Em cada um deles habita o 
Eu: o olho é o local em que habita quando estamos acordados, a 
mente é o local em que habita enquanto sonhamos, o lótus do 
coração é o local em que habita quando dormimos o sono sem 
sonhos. 
Após penetrar nos guardiões, ele se identificou com eles. Tornou-se 
muitos seres individuais. Assim, conseqüentemente, se um indivíduo 
acorda do seu tríplice sonho de vigília, sonho e sono sem sonhos, vê 
apenas o Eu. Ele vê o Eu morando no lótus do seu coração como 
Brahman, onipresente, e declara: "Conheço Brahman!‖ 
Quem é esse Eu que desejamos venerar? De que natureza é esse Eu? 
É ele o eu através do qual vemos a forma, ouvimos o som, cheiramos 
o odor, falamos as palavras e provamos o doce ou o amargo? 
É ele o coração e a mente através do qual percebemos, comandamos, 
discriminamos, conhecemos, pensamos, recordamos, queremos, 
sentimos, desejamos, respiramos, amamos e executamos outros atos 
semelhantes? 
Não, esses são apenas adjuntos do Eu, que é consciência pura, que é 
Brahman. E esse Eu, que é consciência pura, é Brahman. Ele é Deus, 
todos os deuses; os cinco elementos - terra, ar, fogo, água, éter; 
todos os seres, grandes ou pequenos, nascidos de ovos, nascidos do 
 
25 
útero, nascidos do calor, nascidos do solo; cavalos, vacas, homens, 
elefantes, pássaros; tudo o que respira, os seres que caminham e os 
seres que não caminham. A realidade que está por trás de todos eles 
é Brahman, que é consciência pura. 
Todos esses, enquanto vivem, e depois que cessam de viver, existem 
nele. 
O sábio Vamadeva, tendo percebido Brahman como consciência 
pura, partiu desta vida, subiu aos céus, realizou todos os seus 
desejos, e alcançou a imortalidade. 
 
6. A Perenidade da criação na Visão Budista, no Diga 
Nikaya 
Há, ó monges, eremitas e brâmanes que são em parte eternalistas, 
em parte não-eternalistas. Eles assentam em princípio por quatro 
razões que o eu e o mundo são em parte eternos, em parte não-
eternos. Quais são os motivos? Ó monges, se produz um estado em 
que, a um momento dado após um longo lapso de tempo, este 
mundo está em involução. Este mundo estando em involução, os 
seres na sua maioria tornam-se Radiantes. Tornam-se compostos de 
espírito, gozam do êxtase, lúcido quanto ao eu, circulando no céu, 
permanecendo na glória; eles duram durante uma longa, longa 
existência. Ora, monges, produz-se um estado em que, a um dado 
momento, após um longo lapso de tempo, este mundo está em 
evolução. Este mundo estando em evolução, vem a aparecer a 
morada vazia de um Brahma. Então um ser, seja que a duração de 
sua vida esteja esgotada seja que seu mérito esteja esgotado tendo 
morrido no grupo dos Radiantes, surge na morada vazia de um 
Brahma. Ele se toma composto de espírito, goza do êxtase, lúcido 
 
26 
quanto ao eu, circulando no céu, permanecendo na glória, ele dura 
durante uma longa, longa existência. Se eu estando perturbado, de aí 
permanecer na solidão, após uma longa existência, a falta de 
contentamento e a agitação nascem nele, e ele pensa: "Praza ao Céu 
que outros seres venham também a este estado". Então 
determinados seres também eles, seja porque a duração de sua vida 
está esgotada, seja porque seu mérito está esgotado, tendo morrido 
no grupo dos Radiantes surjam na morada de Brahma, na 
companhia deste ser. Estes são igualmente compostos de espíritos... 
etc. e duram durante uma longa existência. Em conseqüência, ó 
monges, vem ao ser que surgiu ali primeiro esta idéia: "Sou eu que 
um Brahma, um grande Brahmã, Vencedor, invencível, Aquele que 
tudo vê, que governa, Senhor, Fazedor, Criador, Chefe, Dispensador, 
Mestre, Pai de todos os seres que vieram a ser e virão. Estes seres 
são criados por mim. Qual é a causa disto? Primeiro me veio esta 
idéia: "Praza ao Céu que outros seres venham a este estado". E tal 
era minha resolução que estes seres vieram a este estado. E também 
aos seres que suspiram mais tarde veio esta idéia: "este Brahmã 
venerado é um grande Brahmã... Pai de todos os seres que vieram a 
ser e virão. Nós fomos criados por este Brahmã. Qual foi a causa 
disto? É que vemos que ele surgiu aqui primeiro e que nós surgimos 
depois dele". Mas pode suceder, ó monges, que um ser tendo 
morrido neste grupo, venha a este estado e abandone o lar, viver sem 
lar. Tendo feito assim, pode suceder que pelo resultado de seu ardor, 
por um resultado de seu esforço, por um resultado de sua aplicação, 
por um resultado de sua sinceridade, como resultado de seu trabalho 
mental correto, ele atinja a uma contemplação mental tal que, seu 
espírito estando em contemplação, ele se possa lembrar desta 
 
27 
habitação anterior: ele não se lembra de nenhuma outra anterior a 
essa. Ele diz: O Brahmã venerado que é um grande Brahmã, 
Vencedor, invencível etc... Pai de todos os seres que vieram e virão a 
ser, é por este Brahmã venerado que fomos criados. Ele é 
permanente, estável, eterno, não sujeito à mudança, igual ao eterno 
pois durará como ele. Mas aqueles dentre nós que foram criados por 
estes Brahmã, tendo chegado a este estado, são impermanentes, 
instáveis, de curta vida, sujeitos à morte. É a primeira consideração 
pela qual alguns eremitas e brâmanes assentam em princípio que o 
eu e o mundo são em parte eterno, em parte não-eternos. Em 
segundo lugar, ó monges, há devas que são chamados "Corrompidos 
pelo prazer‖. Durante um tempo prodigiosamente longo eles vivem 
inteiramente para as coisas do riso, do prazer do deleite; por isso sua 
memória é confusa, e como sua memória é confusa estes devas 
morrem neste grupo. Mas pode suceder, ó monges, que tendo 
morrido neste grupo, um ser vem a este estado e abandona o lar para 
viver sem lar. Tendo feito assim. .. (etc. como acima). .. ele não se 
lembra de nenhuma habitação anterior a essa. Ele pensa: "Os dignos 
devas, que não estão corrompidos pelo prazer, não viveram durante 
um tempo prodigiosamente longo inteiramente para as coisas do 
riso, do prazer, do deleite; assim sua memória não é confusa, e sua 
memória, não sendo confusa, estes devas não morrem neste grupo. 
Eles são permanentes, estáveis, ternos, não sujeitos à mudança; eles 
são semelhantes ao eterno, pois durarão como ele. Mas aqueles 
dentre nós que viveram inteiramente para as coisas do riso, do 
prazer, do deleite durante um tempo prodigiosamente longo, têm a 
memória confusa: nossa memória sendo confusa, nós morreremos 
neste grupo e chegaremos a este estado. Nós somos impermanentes, 
 
28 
instáveis, de curta vida, sujeitos, à morte‖. É a segunda consideração 
pela qual alguns eremitas e brâmanes assentam em princípio que o 
eu e o mundo são em parte eternos, em parte não-eternos. Em 
terceiro lugar, ó monges, há devas que se chamam "Corrompidos em 
espírito". Durante um tempo prodigiosamente longo, eles são 
considerados e julgados entre eles de uma maneira invejosa. Como 
conseqüência disto seus espíritos são maculados uns em relação: aos 
outros, e em conseqüência seu corpo é cansado, seu espírito é 
cansado. Eles morrem neste grupo. Mas pode suceder, ó monges que 
tendo morrido neste grupo, um ser vem neste estado, e abandona o 
lar paraviver sem lar... (como acima); ele não se lembra de nenhuma 
habitação anterior a essa. Ele diz: "Os dignos devas que não são 
corrompidos em espírito não são considerados e julgados entre si de 
modo invejoso durante um tempo prodigiosamente longo. Assim 
seus espíritos não são maculados uns em relação aos outros, seu 
corpo e seu espírito não estão cansados. Estes devas não morrem 
neste grupo. Eles são permanentes... (etc.), eles durarão. Nós que 
somos Corrompidos em espírito, que somos considerados e julgados 
entre nós de modo invejoso durante um tempo prodigiosamente 
longo, nós cujo corpo e espírito estão cansados, nós que, tendo 
morrido neste grupo, chegamos a este estado; nós somos 
impermanentes, instáveis, de vida curta, sujeitos à morte." É a 
terceira consideração pela qual alguns eremitas e brâmanes 
assentam em princípio que o eu e o mundo são em parte eternos, em 
parte não-eternos. Em quarto lugar, ó monges, um eremita ou 
brâmane raciocina e estuda. De acordo com um sistema por ele 
inventado, elaborado sobre o raciocínio, baseado sobre o estudo, ele 
fala da seguinte maneira: "Tudo o que se pode chamar olho, orelha, 
 
29 
nariz, língua, corpo, esse eu é impermanente, instável não eterno, 
sujeito à mudança. Mas o que chama espírito, pensamento ou 
consciência este eu é permanente, estável, não sujeito à mudança; 
semelhante ao eterno, pois como ele durará." É a quarta 
consideração pela qual alguns eremitas e brâmanes que são em parte 
eternalistas, em parte não-eternalistas, assentam em princípio que o 
eu e o mundo são em parte eternos, em parte não-eternos. Disto, ó 
monges, o Descobridor da Verdade tem a presciência: Estas opiniões 
especulativas, sustentadas desta maneira, afirmadas deste modo, 
terminarão por levar a este ou àquele destino, a este ou àquele 
estado futuro. Disso o Descobridor da Verdade tem a presciência, e 
tem a presciência de outras coisas ainda. Mas mesmo tendo esta 
presciência ele nela não insiste. Como ele não insiste, o nirvana se 
encontra nele, conhecido de si mesmo; conhecendo tais como são 
verdadeiramente a origem e o desaparecimento das sensações, sua 
doçura; seu perigo, e o modo de deles se evadir, o Descobridor da 
Verdade, ó monges, é libertado sem que subsista nele um resíduo 
qualquer [levando a outra existência]. 
 
7. O mito chinês de Panku 
Segundo a tradição, antes da separação do céu e da terra, o universo 
assemelhava-se a um ovo gigantesco. Pan-Ku crescia em seu 
interior. Após dezoito mil anos, subitamente despertou e abrindo os 
olhos não se apercebeu de coisa alguma em torno de si. Atordoado 
tomou de um machado e girando-o com grande ímpeto, conseguiu 
quebrar a casca do ovo num enorme estrondo. Então a parte 
superior elevou-se aos poucos formando o céu. A parte inferior 
lentamente desceu, formando a terra. Quanto a Pan-Ku, este 
 
30 
assumiu sua forma: possuía cabeça de dragão e corpo de cobra. Sua 
respiração era constituída pelo vento, a chuva e o trovão. Quando 
abria os olhos se fazia luz. Quando os fechava, só o escuro. 
Pan-Ku, para impedir que se unissem novamente as partes ora 
separadas, exteriorizou todo o seu poder, fixando-se entre o céu e a 
terra como eixo. O céu subia diariamente dez pés. O chão, já 
estabelecido, avolumava-se dezoito mil pés por dia. Quanto ao corpo 
de Pan-Ku, este se desenvolvia no mesmo ritmo. 
E assim se passaram outros dezoito mil anos. Pan-Ku continuava a 
desenvolver-se, tão forte e sólido, que sustentava o céu. Contudo, 
chegado o momento em que estando firmes o céu e a terra, entendeu 
não ser mais necessária a sua permanência na posição de eixo e 
assim deitou-se para morrer. E se metamorfoseou. Magicamente sua 
respiração se transformou no vento e nas nuvens e sua voz no 
trovão. De seu olho esquerdo nasce o sol. De seu olho direito surge a 
lua. Mãos e pés criam os quatro pontos cardeais e as grandes 
montanhas. De seu sangue, o milagre dos rios e dos nervos os 
caminhos naturais. De sua carne a terra fértil. De seus cabelos e 
barba criam-se as estrelas. De sua pele e pêlos brotam árvores e 
outros vegetais. De seus dentes e ossos eclodem as rochas e pedras 
preciosas, as pérolas e o jade. E de seu suor, a fonte do orvalho e da 
chuva. Os homens, numa atitude de profunda reverência e respeito, 
fizeram erguer um grande túmulo de 300 milhas de comprimento 
para todo o sempre cultuar o seu espírito. 
 
8. Cosmologia daoista em Laozi 
O Tao gera o um 
o um gera o dois 
 
31 
o dois gera o três 
o três gera as dez mil coisas 
Todos os seres têm o Yin e o Yang 
Fundido suas energias para a harmonia 
Ninguém quer estar só ou desgostoso 
Mas é assim que os reis se descrevem 
Pode-se perder ganhando 
E ganhar perdendo-se 
O que os outros ensinam, eu também ensino 
Os fortes não podem dominar sua morte 
Este é o pai de todos os ensinamentos. 
 
9. A cosmologia daoista do Huananzi 
As essências entrelaçadas do Céu e da Terra produziram o Yin e 
Yang 
As essências exaladas por Yin e Yang produziram as quatro estações 
As essências desagregadas de Yin e Yang criaram todas as coisas 
O qi fervente do yang acumulado produz o fogo 
O sol é a essência do qi fervente 
O qi gelado do yin acumulado produz a água 
A lua é a essência do qi aquoso 
O qi advindo das essências de sol e da lua produziram as estrelas e 
planetas 
Ao céu pertencem o sol, a lua planetas e estrelas 
A terra pertencem a água, as inundações, o povo e o solo 
[...] 
O dao do céu é circular 
O dao da terra é quadrado 
 
32 
O quadrado governa o obscuro 
O circular governa o brilhante 
O brilhante emite qi e por esta razão 
O fogo é o brilho externo do sol 
O obscuro absorve qi, e por esta razão 
A água é a luminosidade interna da lua 
O sol preside o yang, por isso 
Na primavera e no verão os animais lutam 
No solstício do verão os cervos perdem seus chifres 
A lua preside o yin, por isso 
Quando a lua mingua, os peixes enlouquecem 
Quando a lua morre, caranguejos ressecam 
O fogo vai pra cima 
A água vai pra baixo 
Assim é também 
O vôo dos pássaros, pra cima 
O nado dos peixes, pra baixo 
As coisas que pertencem a uma mesma classe movem-se 
simultaneamente 
A raiz e o tal respondem um pelo outro 
Portanto 
Quando o espelho candente (=lente) vê o sol 
Incendeia a erva e produz o fogo 
Quando o espelho quadrado (=espelho) vê a lua 
Umedece e produz água (=orvalho) 
 
 
 
33 
Natureza Humana 
 
A discussão sobre a natureza humana é antiqüíssima na Índia e na 
China; no entanto, enquanto na Índia ela era lida pela questão da 
transmigração das almas, na China ela era compreendida como 
relacionada ao surgimento biológico do ser, fazendo parte de suas 
propensões naturais. Por conta disso, a questão atravessa todos os 
textos indianos – e talvez nenhum, se entendermos que esta 
natureza humana é lida pelo prisma do karma, e todos os seres são, 
então, iguais perante o absoluto, e diferentes em evolução. Uma 
compreensão melhor sobre esta questão pode ser vista na seção 
sobre Sociedade, em que são apresentados os textos que tratam 
sobre a transmigração da alma e sua relação com as castas. Veremos, 
pois, dois textos budistas que tratam brevemente sobre a questão, 
buscando classificar os tipos humanos encarnados em seu ―nível de 
espiritualidade‖. Na China, contudo, este problema foi discutido 
amplamente pelos pensadores chineses, de modo que fosse aplicado, 
de maneira prática, na formulação de uma ética e de uma ciência 
sobre o ser humano. O início desse debate se deu com os textos de 
Mêncio e Xunzi, no período dos sécs. -4 -3 aec., e continuou ao longo 
da história chinesa. Como nos centramos no período da antiguidade, 
podemos acompanhar um pouco desta discussão nos textos de 
Lubuwei (da época Qin), do Huainanzi e de Dong Zhongshu, da 
dinastia Han, que veremos a seguir. 
 
 
 
http://asiantiga.blogspot.com.br/2010/07/natureza-humana.html34 
10. A Visão budista da Natureza Humana no Suttanipata 
Vãsettha, responde ele, eu te irei expor segundo a verdade e 
gradualmente. A divisão em espécies dos seres vivos; pois as 
espécies os dividem. Considera ervas e árvores! Eles não raciocinam; 
entretanto eles são marcados cada um segundo sua espécie; pois em 
verdade as espécies se diferenciam. Considera em seguida os 
besouros, as borboletas, as formigas, cada um segundo sua espécie, 
eles também são marcados... Da mesma maneira os quadrúpedes, 
grandes e pequenos, os répteis, as serpentes, os animais de longo 
dorso, os peixes, os hóspedes do lago, os habitantes das águas, os 
pássaros, as criaturas aladas que povoam o espaço; todos são 
marcados segundo sua espécie, pois as espécies se diferenciam. Cada 
um segundo sua espécie leva sua marca. No homem não há 
multiplicidade, nem na cabeleira, nem na cabeça, as orelhas ou os 
olhos, nem na boca, no nariz, os lábios e as sobrancelhas, nem na 
garganta, quadris, o ventre ou o dorso, nem nas nádegas, os órgãos 
sexuais, ou o peito, nem nas mãos, os pés, os dedos ou as unhas, 
nem nas pernas e as coxas, nem a tez nem a voz, não há uma marca 
que diga sua espécie, como em todos os outros. Nada que seja único 
nem se encontre no corpo humano: a diferença dos homens é 
puramente nominal. 
 
11. Outra visão budista, sobre a natureza humana, no 
Samyutta Nikaya 
Constata-se que existem no mundo quatro tipos de indivíduos. Quais 
são? Há os sombrios, que caminham para as trevas, os sombrios que 
caminham para a claridade; os claros que caminham para as trevas, 
os claros que caminham para a claridade. Qual é aquele que é 
 
35 
sombrio, que caminha para as trevas? É, por exemplo, o homem 
nascido numa família humilde; ele é pobre, mal nutrido, vivendo 
numa condição miserável, aflito, disforme. Sua conduta do corpo, de 
palavra e de pensamento é má, de modo que quando da 
decomposição de seu corpo após a morte ele surge no Abismo, o 
Mau Destino, a Queda. É como se o ser caminhasse de cegueira em 
cegueira, das trevas a outras trevas, de uma mancha de sangue a 
outra. Qual é aquele que é sombrio, e que caminha para a claridade? 
É, por exemplo, aquele que é nascido nas condições más que acabo 
de dizer, mas cuja conduta de corpo, de palavra e de pensamento é 
boa, de modo que quando da decomposição de seu corpo após a 
morte ele surge num Bom Destino, num mundo celeste. É como se o 
ser se elevasse do solo num palanquim, do palanquim ao dorso de 
um cavalo, do dorso do cavalo ao dorso de um elefante ou do 
elefante sobre um terraço. Qual é aquele que é claro mas que 
caminha para as trevas? É, por exemplo, aquele que nasceu numa 
família de elevada estirpe, muito rica, e com tudo que pode 
assegurar o prazer. Mas sua conduta de corpo, de palavra e de 
pensamento e mau, de sorte que quando da decomposição de seu 
corpo após a morte, ele surge no Abismo, o Mau Destino, a Queda. É 
como se o ser descesse de um terraço sobre um elefante, do dorso do 
elefante ao dorso do cavalo, daí em um palanquim e do palanquim a 
terra. Qual é aquele que é claro e que caminha para a claridade? É 
por exemplo, aquele que nasceu nas circunstâncias felizes que eu 
acabo de dizer e cuja conduta de corpo, de palavra e de pensamento 
é boa, de modo que quando da decomposição de seu corpo após a 
morte, ele surge num Bom Destino, e num mundo celeste. É como se 
o ser passasse de um palanquim a um outro, de um cavalo a outro 
 
36 
cavalo, de um elefante a um outro elefante, de um terraço a outro 
terraço. É por esta imagem que eu descrevo este tipo de indivíduo. 
 
12. A natureza humana é boa – a visão de Mêncio 
Mêncio disse: ―todos tem um coração sensível aos sofrimentos de 
outros. Os grandes reis do passado tiveram esta sorte do coração 
sensível e políticas cheias de compaixão foram adotadas. Trazer a 
ordem ao reino é tão fácil quanto mover um objeto em sua palma 
quando você tem um coração sensível e põe, em prática, políticas de 
compaixão. Me deixe dar um exemplo do que eu digo, ou seja, que 
todos tem um coração sensível aos sofrimentos de outros: qualquer 
um que viu, de repente, um bebê próximo de cair em um poço se 
sentiria alarmado e iria salva-lo. Não seria porque quis melhorar 
suas relações com os pais da criança, nem porque quis uma 
reputação boa entre seus amigos e vizinhos, nem porque não gostou 
de ouvir a criança gritar. Disto segue que qualquer um à quem falta 
sentimentos de comiseração, de carinho, de cortesia ou um sentido 
de certo e de errado não pode ser entendido como humano. 
Gaozi disse: ―a natureza humana é como a água correndo: quando 
um curso é aberto ao leste, ela flui para o leste; quando uma corrente 
é aberta ao oeste, flui para o oeste. A natureza humana é mais 
inclinada ao bom tanto para o leste quanto para o oeste. Mêncio 
respondeu:‖ a água não tem preferência pelo leste ou pelo oeste, mas 
não tem uma preferência pelo cimo ou para baixo?‖ A bondade é na 
natureza humana como fluir da água para baixo. Não há nenhuma 
pessoa que não seja boa e nenhuma água que não flua para baixo. 
Espirrada, ela pode molhar sua cabeça; se forçada, pode ser trazida 
acima de um monte. Mas esta não é a natureza da água; são 
 
37 
circunstâncias específicas. Embora os povos possam ser feitos para 
serem maus, suas naturezas não são mudadas. 
 
13. A natureza humana é má – a visão de Xunzi 
A natureza do homem é má. Bom é o produto humano. A natureza 
humana é tal que os povos nascem com amor ao lucro, e se seguirem 
essa inclinações, eles lutarão e arrebatar-se-ão uns aos outros, e as 
inclinações ao dever e a produção morrerão. Eles nascem com 
medos e ódios. Se os seguirem, transformar-se-ão em violentos e 
tendenciosos indo de contra a boa fé, que morrerá. Se forem 
indulgentes, e desordem da licenciosidade sexual resultará na perda 
dos princípios rituais e da moral. Em outras palavras, se o povo agir 
de acordo com a natureza humana e seus desejos, eles 
inevitavelmente lutarão, arrebatar-se-ão, violarão as normas e 
agirão com um violento abandono. Conseqüentemente, somente 
depois de transformados por professores e por princípios rituais e 
morais, conforme a cultura, poderão permanecer em boa ordem. 
Visto por este lado, é óbvio que a natureza humana é má e bom é o 
produto humano. 
 
14. A Natureza Humana é indistinta – a visão de Lubuwei 
Se bem que a transparência seja a verdadeira natureza da água, a 
sociedade perturba essa natureza, impedindo-a de se manter 
transparente. Apesar da longevidade ser a verdadeira natureza do 
homem, os bens materiais perturbam esta natureza, e por isso muita 
gente morre antes do tempo. Os bens materiais deveriam ser usados 
para aprimorar nossa natureza, e não deveríamos usar nossas 
naturezas para obter bens materiais. 
 
38 
 
O fato é que hoje, a maioria dos homens, confusos, usa sua natureza 
para melhorar seus bens materiais, o que mostra que eles não 
compreendem a diferença entre o que é importante e o que é 
insignificante. Quando não se compreende esta diferença, se 
deprecia o que é importante e se valoriza o insignificante. Deste 
modo, toda ação conduz ao fracasso. Devido a isso, os governantes 
viram perversos, os ministros se tornam rebeldes e seus filhos 
perdem os limites. Um estado ou família em que se suceda algumas 
dessas coisas está condenado a extinção, a menos que tenha muita 
sorte. 
 
15. A natureza humana depende da cultura - Huainanzi 
Suponhamos que uma pessoa nasça em um lugar remoto e pouco 
civilizado, na choça de uma família pobre, fica órfão dos pais desde 
criança e não tem irmãos, nunca teve contato algum com os ritos e 
nada semelhante, jamais ouviu fala dos exemplos dos antigos sábios, 
e vive cerrado em uma pequena habitação sem dela sair, então não 
podemos supor que ele seja estúpido por sua própria natureza como 
muitos supõem, mas sem dúvida é muito pouco oque ele sabe. 
 
16. A natureza humana depende da educação – Dong 
Zhongshu 
O que se passa agora é que o povo é bom por natureza, mas ela ainda 
não está desperta, como ocorre com uma pessoa que está com os 
olhos fechados e, sem abri-los, ele nada pode ver. Tudo ficará bem se 
lhe dermos educação. Enquanto permanecer sem despertar, 
somente podemos dizer que ele tem uma natureza boa, mas ele não é 
 
39 
bom. É exatamente como os olhos que permanecem fechados, e que 
ainda não foram abertos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
40 
A Morte 
 
Ato contínuo, se a discussão sobre a natureza humana era 
evidentemente forte na China, a questão da morte tornou-se, porém, 
o foco central das reflexões metafísicas indianas. Eis a razão pela 
qual esta seção é praticamente dominada pelos textos indianos. 
Iniciamos por um hino do Atharva Veda, que forma a coleção mais 
antiga de textos védicos, e do qual podemos extrair alguma coisa do 
primitivo politeísmo indiano; no seguir, uma explanação sobre a 
morte e ação humana em um dos primeiros textos de caráter 
legislativo da Índia, o Manavadharmashastra (ou Leis de Manu, o 
primeiro homem da terra após o dilúvio indiano); depois, a 
conclusão desta especulação é apresentada em um longo, porém 
fundamental, texto upanishádico – o Katha upanishad traz, 
especificamente, uma dissertação, sob forma de diálogo ―imaginado‖ 
(numa percepção religiosa, ele não o seria) acerca da morte, e da 
transmigração da alma. Depois, uma contraposição budista ao tema, 
e por fim, a insinuante perspectiva chinesa representada por 
Zhuangzi; se há morte ou não, qual seria a diferença? Numa 
proposta inédita, que consigna o desejo chinês de viver a vida 
imediata, Zhuangzi propõe não só a continuidade da matéria como 
também, a nossa impossibilidade total de governar este ciclo. (um 
trecho sobre a visão da morte chinesa pode ser encontrado na seção 
―Sociedade‖, no item 49). 
 
 
 
41 
17 - Hino para ser entoado em um funeral, do Atharva 
Veda 
Terra, sê leve, sem espinhos, repousante. Vasta, oferece-lhe o teu 
abrigo. 
Deponham-te, não em lugar estreito, mas em terreno largo. Tuas 
oblações, enquanto viveste, agora sejam mel para ti. 
Chamo o teu pensamento com o meu pensamento. Vai alegre para a 
tua morada e reúne-te aos nossos antepassados, a lama. 
Que os ventos te sejam favoráveis e benéficos! 
Da tua alma, do teu alento, dos teus membros, nada fique por aqui. 
Não sejas oprimido nem pela terra divina e poderosa, nem pela 
árvore. Vai para o teu lugar, entre os antepassados, sê feliz entre os 
súditos de lama. 
O que se perdeu dos teus membros, ao longe, tua respiração, tua 
expiração, levadas pelo vento, que os nossos antepassados te 
restituam aos poucos. 
[Durante a cremação] 
Os vivos expulsaram-no de casa. Levem-no para longe da aldeia. 
Enquanto enterram os ossos, depois da cremação 
Ainda vês, depois não verás mais, o sol que está no céu. Ó Terra, 
como a mãe trata do filho, recobre-o com teu manto. 
Agora ainda, não mais depois, mesmo em tua velhice, ó Terra, cobre-
o com a tua vestimenta, como esposa com seu marido. 
[Ao apagar da fogueira crematória] 
Que te seja benéfica a neblina, benfeitora a geada. Fria e fresca de 
frieza, fresca e feita de frescura, rã nas águas, sê benéfica. Extingue 
esta chama! 
 
 
42 
18. A Morte, a transmigração e a Ação Humana no Manava 
Dharma Shastra (As Leis de Manu) 
A ação, que advém da mente, da fala e do corpo, produz resultados 
bons ou maus; pela ação são causadas as diversas condições 
humanas, as mais elevadas, as médias e as mais baixas. 
A mente é o instigador aqui em baixo, mesmo aquela ação ligada ao 
corpo, e que é de três tipos, tem três localizações e se classifica sob 
dez títulos. Cobiçar a propriedade alheia, pensar no coração sobre o 
que é indesejável e aderir a doutrinas falsas são os três tipos de ação 
mental pecaminosa. Injuriar o próximo, dizer mentira, detrair dos 
méritos de todos os homens e falar frivolamente serão os quatro 
tipos de ação verbal má. Tomar o que não foi dado, ferir as criaturas 
sem a sanção da lei e manter relações criminosas com a mulher do 
próximo são declarados como os três tipos de ação corporal ruim. 
Um homem consegue o resultado de ato mental bom ou mau 
em sua mente, o de um ato verbal em sua fala e o de um ato corporal 
em seu corpo. Em conseqüência de muitos atos pecaminosos 
cometidos com seu corpo, no nascimento seguinte um homem se 
toma algo inanimado; em conseqüência de pecados cometidos pela 
fala, uma ave ou um animal, e em conseqüência de pecados mentais 
ele nasce novamente em uma casta inferior. 
[...] 
Mesmo que morresse com ele, um familiar não consegue 
acompanhar seu parente falecido e todos, com exceção de sua 
esposa, estão proibidos de acompanhá-lo na trilha de Yama. (a) 
Apenas a virtude o acompanhará, onde for; portanto, cumpre teu 
dever sem hesitar neste mundo desgraçado. As questões de amanhã 
devem ser tratadas hoje, e as da tarde na manhã, pois a morte não 
 
43 
esperara, tenha uma pessoa tratado delas ou não. Enquanto sua 
mente estiver concentrada em seu terreno, ou ocupação, ou casa, ou 
enquanto seus pensamentos estiverem absorvidos por algum objeto 
amado, a morte repentinamente a leva como sua presa, como uma 
loba arrebata um cordeiro. O tempo não é amigo de pessoa alguma, 
nem seu inimigo - quando o efeito de seus atos em existência 
anterior, pela que sua existência atual é causada, tiver expirado, ele 
leva o homem a força.Ninguém morre antes de chegado seu tempo, 
ainda que ferido por mil setas; ninguém vive depois de esgotado seu 
tempo, ainda que tenha sido apenas tocado pela ponta de uma folha 
de grama Kusha. Nem drogas, nem fórmulas mágicas, nem 
oferendas queimadas, nem orações, poderão salvar quem esta nos 
laços da morte ou na velhice. 
Um mal iminente não pode ser evitado, mesmo com mil precauções; 
que motivo tens, então, para te queixares? Assim como um bezerro 
encontra sua mãe entre mil vacas, um ato cometido anteriormente 
encontrara certamente quem o perpetrou. Das coisas existentes, o 
início é desconhecido, o meio de sua carreira conhecido, e o fim 
desconhecido também; que motivo tens, então, para te queixares? 
Assim como o corpo dos mortais atravessa as vicissitudes da 
infância, juventude e idade adiantada, também será transformado 
em outro corpo dali em diante; um homem sensato não se engana a 
esse respeito. Assim como um homem veste roupas novas neste 
mundo, deixando de lado aquelas antes usadas, também o eu do 
homem põe novos corpos, que se acham de acordo com seus atos 
numa vida anterior. Arma alguma ferirá o eu do homem, nenhum 
fogo o queimará, nenhuma água o molhará e nenhum vento o secara. 
Ele não será ferido, queimado, molhado ou secado; é imperecível, 
 
44 
perpétuo, imutável, imóvel, sem início. Diz-se também ser imaterial, 
passando todo o pensamento, e imutável. Sabendo que o eu do 
homem é assim, não deves lamentar a destruição de seu corpo. 
a) O deus da morte. 
 
19. A Morte no Katha Upanishad 
EM DETERMINADA OCASIÃO, Vajasrabasa, esperando obter um 
favor divino, executou um ritual que exigia que ele se desfizesse de 
todos os seus bens. Ele teve o cuidado, porém, de sacrificar somente 
o seu gado e, dele, somente os animais inúteis - os velhos, os 
estéreis, os cegos e os aleijados. Ao observar essa avareza, Nachiketa, 
seu filho mais novo, cujo coração havia recebido a verdade ensinada 
nas escrituras, disse para si mesmo: "Certamente, um devoto que 
ousa levar presentes tão inúteis está destinado à total escuridão!" 
Refletindo assim, dirigiu-se ao pai e falou: 
"Pai, eu também vos pertenço: para quem me dareis?" Seu pai não 
respondeu; porém, quando Nachiketa repetiu a pergunta uma e 
outra vez, ele replicou impacientemente: 
"Eu vos darei à Morte!" Nachiketa disse então para si mesmo: "Sou 
de fatoo melhor dentre os filhos e discípulos de meu pai, ou estou, 
pelo menos, na categoria intermediária, não na pior; porém, de que 
valor serei para o Rei da Morte?" Estando, porém, determinado a 
seguir a palavra do pai, disse: 
"Pai, não vos arrependais da vossa promessa! Considerai como tem 
acontecido com aqueles que partiram antes, e como será com 
aqueles que vivem agora. Como o milho, um homem amadurece e 
cai ao solo; como o milho, ele brota novamente na estação propícia." 
Após falar assim, o rapaz viajou para a casa da Morte. Porém o deus 
 
45 
não estava em casa, e Nachiketa esperou durante três noites. 
Quando finalmente o Rei da Morte voltou, seus servos lhe disseram: 
"Um Brahmin, parecido com uma chama de fogo, chegou à vossa 
casa como hóspede, e vós não estáveis aqui. Desse modo, uma 
oblação deverá ser feita a ele. Ó Rei, devereis receber vosso hóspede 
com todos os rituais costumeiros, pois se o chefe de uma casa não 
mostrar a devida hospitalidade a um Brahmin, perderá o que mais 
preza - os méritos das suas boas ações, sua integridade, seus filhos e 
seu gado." 
O Rei da Morte, então, aproximou-se de Nachiketa e deu-lhe as 
boas-vindas com palavras polidas. 
"Ó Brahmin", disse ele, "Eu vos saúdo. Vós sois de fato um hóspede 
digno de todo respeito. Permiti, eu vos imploro, que nenhum mal 
caia sobre mim! Passastes três noites em minha casa e não 
recebestes minha hospitalidade; pedi, portanto, três dádivas - uma 
para cada noite." 
"Ó Morte", replicou Nachiketa, "que assim seja. E como primeira 
dessas dádivas peço que meu pai não fique ansioso a meu respeito, 
que sua ira se acalme, e que, quando me mandardes de volta, ele me 
reconheça e me dê as boas-vindas." 
"Pela minha vontade", declarou a Morte, "vosso pai vos reconhecerá 
e vos amará como antes; e, ao ver-vos vivo novamente, ficará com a 
mente tranqüila, e dormirá em paz." 
Nachiketa então disse: "No céu não há medo de modo algum. Vós, ó 
Morte, não estais lá, nem naquele lugar onde o pensamento de ficar 
velho faz com que a pessoa estremeça. Lá, livres da fome e da sede, e 
longe do alcance da dor, todos rejubilam e são felizes. Vós conheceis, 
ó Rei, o sacrifício do fogo que leva ao céu. Ensinai-me esse sacrifício, 
 
46 
pois estou cheio de fé. Esse é o meu segundo desejo." 
Consentindo, então, a Morte ensinou ao rapaz o sacrifício do fogo, e 
todos os rituais e cerimônias que o acompanhavam. Nachiketa 
repetiu tudo o que havia aprendido, e a Morte, satisfeita com ele, 
disse: 
"Vou conceder-vos uma dádiva adicional. A partir de hoje esse 
sacrifício será denominado Sacrifício Nachiketa, em vossa 
homenagem. Escolhei agora vossa terceira dádiva." 
Nachiketa, então, pensou consigo mesmo, e disse: - "Quando um 
homem morre, há esta dúvida: Alguns dizem que ele existe; outros 
dizem que ele não existe. Se vós me ensinásseis, eu conheceria a 
verdade. Esse é o meu terceiro desejo." 
"Não", replicou a Morte, "mesmo os deuses certa vez ficaram 
intrigados com esse mistério. A verdade com relação a isso é 
realmente sutil, não é fácil de ser compreendida. Escolhe alguma 
outra dádiva, Ó Nachiketa." 
Porém, Nachiketa não quis aceitar a recusa. "Vós dizeis, Ó Morte, 
que mesmo os deuses certa vez estiveram intrigados com esse 
mistério, e que ele não é fácil de ser compreendido. Certamente, não 
há melhor mestre para explicá-lo do que vós - e não existe outra 
dádiva igual a essa." 
O deus replicou, mais uma vez tentando Nachiketa: "Pedi filhos e 
netos que viverão cem anos. Pedi gado, elefantes, cavalo, ouro. 
Escolhe para vós um poderoso reino. Ou, se não puderdes imaginar 
algo melhor, pedi isto: não apenas doces prazeres, mas também o 
poder, além de qualquer pensamento, para experimentar sua 
doçura. Sim, verdadeiramente, farei de vós o supremo desfrutador 
de todas as coisas boas. Donzelas celestiais, de beleza excepcional, 
 
47 
que não foram destinadas a mortais - mesmo essas, com suas 
carruagens e seus instrumentos musicais, eu vos darei, para vos 
servirem. Não me peçais, porém, Ó Nachiketa, o mistério da morte!" 
Nachiketa, contudo, manteve-se firme e disse: "Essas coisas durarão 
somente até o dia seguinte, Ó Destruidor da Vida, e os prazeres que 
elas conferem desgastam os sentidos. Ficai, portanto, com os cavalos 
e as carruagens, com a dança e a música, para vós mesmo! Como 
poderá desejar a riqueza, Ó Morte, aquele que uma vez já viu a vossa 
face? Não, apenas a dádiva que escolhi - somente isso eu peço. 
Tendo descoberto a companhia do imperecível e do imortal, como 
quando vos conheci, como poderei eu, sujeito à decadência e à 
morte, e conhecendo bem a vaidade da carne - como poderei desejar 
vida longa? 
"Contai-me, Ó Rei, o supremo segredo com relação ao qual os 
homens mantêm dúvidas. Não solicitarei qualquer outra dádiva." 
Com o que, o Rei da Morte, bem satisfeito em seu coração, começou 
a ensinar a Nachiketa o segredo da imortalidade. 
 
O Rei da Morte; 
O bem é uma coisa; o prazer é outra. Esses dois, diferindo em seus 
propósitos, incitam à ação. Abençoados são aqueles que escolhem o 
bem; aqueles que escolhem o prazer não atingem o objetivo. 
Tanto o bem como o prazer se apresentam ao homem. Os sábios, 
após examinarem ambos, distinguem um do outro. Os sábios 
preferem o bem ao prazer; os tolos, levados por desejos carnais, 
preferem o prazer ao bem. 
Vós, Ó Nachiketa, após haverdes observado os desejos carnais, 
agradáveis aos sentidos, renunciastes a todos eles. Vós vos 
 
48 
desviastes do caminho lamacento no qual muitos homens se atolam. 
Distantes um do outro, e levando a diferentes desígnios, encontram-
se a ignorância e o conhecimento. Eu vos considero, Ó Nachiketa, 
como alguém que anseia pelo conhecimento, pois uma infinidade de 
objetos agradáveis foram incapazes de tentar-vos. 
Vivendo no abismo da ignorância, embora julgando-se sábios, tolos 
iludidos dão voltas e voltas, cegos levados por cegos. 
Ao jovem irrefletido, enganado pela vaidade das posses terrenas, não 
é mostrado o caminho que leva à morada eterna. Somente este 
mundo é real: não existe depois - pensando assim, ele cai uma e 
outra vez, nascimento após nascimento, dentro das minhas 
mandíbulas. 
A muitos não é concedido ouvir sobre o Eu. Muitos, embora ouçam a 
respeito dele, não o compreendem. Maravilhoso é aquele que fala a 
respeito do Eu. Inteligente é aquele que aprende a respeito do Eu. 
Abençoado é aquele que, tendo aprendido com um bom mestre, é 
capaz de compreendê-lo. 
A verdade do Eu não pode ser completamente compreendida 
quando ensinada por um homem ignorante, pois as opiniões a 
respeito dele, não fundamentadas no conhecimento, variam de um 
para outro. Mais sutil do que o mais sutil é esse Eu, e além de toda 
lógica. Ensinado por um mestre que saiba que o Eu e Brahman são 
um só, um homem deixa para trás a vã teoria e atinge a verdade. 
O despertar que conhecestes não vem do intelecto, e sim, 
totalmente, dos lábios dos sábios. Bem-amado Nachiketa, 
abençoado, abençoado sois vós, porque procurais o Eterno. Quisera 
eu ter mais discípulos como vós! 
Bem sei que os tesouros terrestres duram pouco. Pois não fiz eu 
 
49 
mesmo, desejando ser o Deus da Morte, o sacrifício com o fogo? O 
sacrifício, porém, foi uma coisa efêmera, realizada com objetos 
fugazes, e pequena é minha recompensa, considerando que meu 
reino só durará por um momento. 
A finalidade do desejo mundano, os objetos fulgurantes que todos os 
homens almejam, os prazeres celestiais que esperam obter através 
de rituais religiosos - tudo isso esteve ao vosso alcance. Porém, a 
tudo isso renunciastes, com firme resolução. 
O antigo, fulgurante ser, o Espírito que habita interiormente, sutil, 
profundamente oculto no lótus do coração, é difícil de ser conhecido. 
Porém, o homem sábio, que segue o caminho da meditação, 
conhece-o, e se torna liberto tanto do prazer como da dor. 
O homem queaprendeu que o Eu está separado do corpo, dos 
sentidos e da mente, e que o conheceu por completo, a alma da 
verdade, o princípio sutil - tal homem verdadeiramente o alcança, e 
se torna extremamente satisfeito, pois encontrou a fonte e o local 
onde habita toda a felicidade. Verdadeiramente acredito, Ó 
Nachiketa, que as portas da felicidade estão abertas para vós. 
 
20. A Morte na Visão Budista no Mojjhima - Nikaya 
Ó chefes de família, se alguém que marcha segundo o dhamma, que 
segue uma marcha igual, desejasse [um destes estados]: Possa eu, 
quando da decomposição de meu corpo após a morte, surgir na 
companhia de ricos nobres, de ricos brâmanes, de ricos chefes de 
família, com os devas dos quatro grandes Regentes, com os devas 
dos Trinta-e-três, com os devas de Yama, com os devas Satisfeitos, 
com os devas que se deleitam em criar, com os devas que têm todo o 
poder sobre as criações dos outros, com os devas do séquito de 
 
50 
Brahmã, com os devas do Esplendor, com os devas do Esplendor 
limitado, com os devas do Esplendor infinito, com os devas 
Luminosos, com os devas Belos, com os devas da Beleza limitada, 
com os devas da Beleza infinita, com os devas Irradiantes, com os 
devas Vehapphalã, com os devas Avihã, com os devas Novos, com os 
devas Graciosos, com os devas da Boa Vista, com os devas Antigos, 
com os devas que atingiram a infinidade do Éter, com os devas que 
atingiram a infinidade da Consciência, com os devas que atingiram o 
aniquilamento de si mesmos, com os devas que atingiram a "não 
percepção nem a não-percepção" - poderia suceder que surgisse e 
dessa maneira. Por quê? Porque é um ser que caminha segundo o 
dhamma, que segue uma marcha igual. Ó chefes de família, se 
alguém que caminha segundo o dhamma, que segue uma marcha 
igual, desejasse: "Possa eu, graças à destruição dos fluxos, tendo 
neste mundo e desde agora realizado pelo meu próprio saber 
superior a liberdade de coração e a liberdade de intelecto que são 
sem fluxos, aí permanecer" - poderia acontecer que ele ai 
permanecesse. Por quê? Porque é um ser que caminha segundo o 
dhamma, que segue uma marcha igual. 
 
21. A morte na visão de Zhuangzi 
Todas as coisas brotam de germes e se tornam germes novamente. 
Todas as espécies vêm de germes. Certos germes, caindo na água, 
tornam-se lentilhas-d'água (...) tornam-se líquenes (...) tornam-se 
um eritrônio (...) produzem o cavalo, que produz o Homem. Quando 
o Homem envelhece, torna-se germes outra vez. 
[...] 
Quando Laozi morreu, Chin Yi foi ao funeral. Soltou três gritos de 
 
51 
dor e saiu. 
Um discípulo dirigiu-se a ele perguntando - "Você não era amigo de 
nosso Mestre?" 
- "Era", replicou Chin Yi. 
- "Assim sendo, acha que foi suficiente sua expressão de pesar pela 
sua morte?", tornou o discípulo. 
- "Acho", respondeu Chin Yi. "Estive pensando que ele era homem 
(mortal), porém agora sei que não era. Quando cheguei para os 
pêsames, encontrei pessoas de idade que choravam como chorariam 
pelos filhos, jovens que se lastimavam como se tivessem perdido as 
mães. Quando essas pessoas se encontraram deviam ter dito 
palavras sobre o acontecimento e derramado lágrimas sem intenção 
alguma. (Chorar assim pela morte de alguém) é fugir dos princípios 
naturais (de vida e morte) e aumentar o apego humano, esquecendo-
se da fonte da qual recebemos esta vida. Os antigos chamavam a isto 
"fugir à retribuição do Céu". O mestre veio porque tinha chegado a 
hora de nascer, partiu porque chegou o tempo de partir. Os que 
aceitam o curso natural e a seqüência das coisas e vivem em 
obediência a eles estão acima da alegria e dos pesares. Os antigos 
falavam disto como a emancipação da escravatura. Os dedos podem 
não ser capazes de fornecer todo o combustível, porém o fogo é 
transmitido e nós não sabemos quando terminará." 
 
 
 
 
 
 
52 
Caminhos para a Sabedoria 
 
São muitos os caminhos da sabedoria, tanto na Índia como na 
China. Na primeira, a busca pela supressão do karma e pelo alcance 
da libertação – moksha, nirvana, shamadhi, ou como se preferir 
chamar – é a constante em todos os métodos. Este sábio perfeito é o 
primeiro dos textos, que aparece no clássico do Bhaghavad Gita (A 
canção do Senhor), texto que faz parte do épico Mahabharata, mas 
cuja importância religiosa e filosófica a tornaram uma obra em 
separado. Esta definição é completada por dois textos upanishádicos 
fascinantes: no primeiro, a discípula é uma mulher, mostrando que 
na Índia védica buscadoras do caminho também; no segundo, a 
famosa passagem em que Sevtaketu descobre a analogia da alma e 
da semente. Por fim, a apresentação do método yóguico de 
meditação de Patanjali, e do caminho budista. Diferente destes, 
porém, a China consagrou a palavra Dao como a via, método, 
caminho pelo qual se atinge uma realização imanente, neste mundo, 
deslocando-se da visão transcendente, tal como vimos na Índia. Para 
a escola de Confúcio, este Dao é a redenção pela educação; na visão 
de Laozi, do desapego; para Zhuangzi, o Dao é obscuro e atingido 
por experiências psicológicas e lingüísticas avançadas; e para 
concluir, uma visão curiosa da escola médico-cosmológica, da época 
Han, que propunha uma caminho para a longevidade por meio de 
uma filosofia médica, ainda hoje existente. 
 
 
 
53 
22. As Características do Sábio Perfeito no Bhaghavad Gita 
Disse Arjuna: 
Qual é a descrição do homem que possui essa sabedoria firmemente 
fundada, cujo ser é firme em espírito, Ó Krishna? Como fala o 
homem de inteligência estabelecida, como se senta, como anda? 
O Senhor Bendito disse: Quando um homem põe de lado todos os 
desejos de sua mente, Ó Arjuna, e quando seu espírito está contente 
em si próprio, então se chama estável em inteligência. 
Aquele cuja mente não se perturba em meio às tristezas e está livre 
do desejo ansioso entre prazeres, aquele de quem a paixão, medo e 
raiva se afastaram, a este se chama um sábio de inteligência 
estabelecida. Aquele que não tem afeição em qualquer lado, que não 
se rejubila ou detesta ao ter o bem ou o mal, tem uma inteligência 
firmemente estabelecida na sabedoria. Aquele que retira os sentidos 
dos objetos do sentido em todos os lados, assim como uma tartaruga 
recolhe seus membros ao casco, tem uma inteligência firmemente 
estabelecida na sabedoria. Os objetos do sentido se afastam da alma 
corporificada que se abstém de alimentar-se deles, mas o gosto por 
eles continua. Até mesmo o gosto se afasta quando o Supremo é 
visto. Embora um homem possa esforçar-se pela perfeição e 
mostrar-se dono de discernimento, Ó Filho de Kunti, seus sentidos 
impetuosos arrastarão sua mente à força. Tendo posto todos os 
sentidos sob controle, ele deve permanecer firme no intento Yoga em 
Mim, pois aquele cujos sentidos se acham sob controle teia uma 
inteligência firmemente estabelecida. Quando, em sua mente, um 
homem presta atenção aos objetos do sentido, produz-se sua ligação 
aos mesmos. Dessa ligação surge o desejo, e do desejo vem a raiva. 
Da raiva nasce a confusão, e desta a perda de memória; dessa perda 
 
54 
de memória vem a destruição da inteligência e desta ele perece. Um 
homem de mente disciplinada, no entanto, que se move entre os 
objetos de sentido com os sentidos sob controle e livre de ligação e 
aversão, atinge a pureza de espírito. E nessa pureza de espírito 
produz-se para ele um fim de toda tristeza; a inteligência de um 
homem de espírito puro assim logo se estabelece na paz do eu. Não 
existe inteligência para os incontrolados, nem tampouco para os 
incontrolados existe o poder de concentração, enquanto para aquele 
que não tem concentração não há paz, e como pode haver felicidade 
para quem não tem paz? Quando a mente persegue .os sentidos 
nômades, leva consigo a compreensão, assim como o vento impele 
um navio sobre as águas. Aquele cujos sentidos estejam retirados de 
seus objetos, portanto,

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