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MÓDULO 2 DRAMA – TUTORIA 4 - MARIANA LARANJA 1) Conhecer a epidemiologia das arboviroses (dengue, febre amarela, chikungunya e Zika); 2) Compreender a fisiopatologia e resposta imune (Dengue) 3) Avaliar o quadro clínico das arboviroses 4) Conhecer o diagnóstico, o tratamento e a prevenção das arboviroses. Denominam-se arboviroses as doenças causadas por um grupo de vírus ecologicamente bem definido, designado arbovírus. O espectro clínico das arboviroses apresenta variações marcantes, havendo, de um lado, as formas graves, caracterizadas por manifestações hemorrágicas ou neurológicas, principalmente encefalites, e, do outro lado, as formas leves, de natureza febril, acompanhadas, por vezes, de erupções exantemáticas. DENGUE Descrição: Doença infecciosa febril aguda, que pode ser de curso benigno ou grave, dependendo da forma como se apresente. A primeira manifestação do Dengue é a febre, geralmente alta (39ºC a 40ºC), de início abrupto, associada à cefaleia, adinamia(grande fraqueza muscular), mialgias, artralgias, dor retroorbitária, com presença ou não de exantema e/ou prurido. Anorexia, náuseas, vômitos e diarreia podem ser observados por 2 a 6 dias. As manifestações hemorrágicas, como epistaxe, petéquias, gengivorragia, metrorragia(sangramentos do útero fora do ciclo menstrual), hematêmese, melena, hematúria e outras, bem como a plaquetopenia, podem ser observadas em todas as apresentações clínicas de Dengue. Alguns pacientes podem evoluir para formas graves da doença e passam a apresentar sinais de alarme da Dengue, principalmente quando a febre cede, precedendo manifestações hemorrágicas mais graves. É importante ressaltar que o fator determinante nos casos graves de Dengue é o extravasamento plasmático, que pode ser expresso por meio da hemoconcentração, hipoalbuminemia e/ou derrames cavitários. As manifestações clínicas iniciais da Dengue grave denominada de Dengue hemorrágica são as mesmas descritas nas formas clássicas da doença. Entre o terceiro e o sétimo dia do seu início, quando, da defervescência da febre, surgem sinais e sintomas como vômitos importantes, dor abdominal intensa, hepatomegalia dolorosa, desconforto respiratório, letargia, derrames cavitários (pleural, pericárdico, ascite), que indicam a possibilidade de evolução do paciente para formas hemorrágicas severas. Em geral, esses sinais de alarme precedem as manifestações hemorrágicas espontâneas ou provocadas (prova do laço positiva) e os sinais de insuficiência circulatória, que podem existir na FHD. A Dengue na criança, na maioria das vezes, apresenta-se como uma síndrome febril com sinais e sintomas inespecíficos: apatia, sonolência, recusa da alimentação, vômitos, diarreia ou fezes amolecidas. Sinonímia - Febre de quebra ossos. Agente etiológico - O vírus da Dengue (RNA). Arbovírus do gênero Flavivirus, pertencente à família Flaviviridae (a mesma do vírus da febre amarela (o prefixo flavi significa “amarelo”), com quatro sorotipos conhecidos: DENV1, DENV2, DENV3 e DENV4. Vetores hospedeiros - Os vetores são mosquitos do gênero Aedes. Nas Américas, o vírus da Dengue persiste na natureza, mediante o ciclo de transmissão homem → Aedes aegypti → homem. O Aedes albopictus, já presente nas Américas e com ampla dispersão na região Sudeste do Brasil, até o momento não foi associado à transmissão do vírus. A fonte da infecção e hospedeiro vertebrado é o homem. Foi descrito, na Ásia e na África, um ciclo selvagem envolvendo o macaco. O Aedes aegypti é hoje considerado cosmopolita, ocorrendo principalmente nas regiões tropicais e subtropicais, tendo resistência limitada a baixas temperaturas e altitudes elevadas. É um mosquito urbano, facilmente encontrada em domicílios e áreas peridomiciliares, enquanto o Aedes albopictus se dispersa com facilidade nos ambientes rural, semissilvestre e silvestre, não dependendo dos locais de grande concentração humana. A transmissão dá-se por fêmeas que, ao se alimentarem de sangue para suprir necessidades proteicas da oviposição, infectam-se picando indivíduos virêmicos. Os vírus da dengue multiplicam-se no aparelho digestivo do mosquito, disseminando-se por diferentes tecidos do inseto. A chegada do vírus às glândulas salivares, após um período de incubação, dito extrínseco, com duração média Outra forma importante de transmissão que ocorre entre os mosquitos é a transovariana. Os Aedes spp. podem transmitir os vírus da dengue de forma transovariana, diretamente para a prole, dispensando o homem no ciclo mantenedor. A transmissão transovariana, mesmo em baixos níveis, poderia manter os vírus durante estações secas ou frias, quando não existem mosquitos adultos ou reservatórios. Isso se deve ao fato de os ovos de Aedes podem se manter viáveis na natureza por até um ano e meio e, após contato com a água, eles iniciam seu ciclo que pode variar de 12 a 15 dias. de 7 a 11 dias, determina o início da transmissão viral pelo mosquito, que passa a transmiti-lo por toda a vida. Nos anos de 1970, o problema das epidemias de dengue agravou-se, particularmente nos países tropicais de todos os continentes, tendo sido estimado um número maior que 10 milhões de infecções por ano. No ano de 1981, ocorreu em Cuba a primeira epidemia de DHF/DSS descrita nas Américas. Durante essa epidemia, foram hospitalizados 116.151 pacientes e ocorreram 158 óbitos. O vírus implicado foi o da dengue sorotipo 2. As primeiras referências sobre a dengue no Brasil são do século XIX. Mariano, em 1917, menciona uma epidemia que teria ocorrido no Rio de Janeiro, em 1846. A doença era denominada polka por causa dos trejeitos característicos da dança, causados por mialgias e artralgias, que os doentes apresentavam. Provavelmente, epidemias de dengue assolaram o Rio de Janeiro por mais de uma vez, durante o século XIX. Também teriam ocorrido no Nordeste e no Sul do país. Trajano Joaquim dos Reis, em 1896, descreveu o quadro clínico da dengue, em casos ocorridos durante um surto em Curitiba. O reaparecimento do Aedes aegypti no Brasil, provavelmente, está ligado ao reinício das epidemias de dengue no país. O primeiro sinal de reinfestação pelo mosquito foi observado em Belém, em 1967. Posteriormente, em 1976, o Aedes aegypti foi detectado em Salvador e, em 1977, no Rio de Janeiro. No estado de São Paulo, o Aedes aegypti foi detectado no porto de Santos, em 1980. Cinco anos mais tarde o mosquito estava presente em 2,1% dos municípios do Estado, e em 1991, esse número subiu para 56,1% de infestados. Epidemiologia: O conceito importante é: a dengue acompanha de perto a distribuição do mosquito transmissor e, por conseguinte, sua incidência tende a ser maior no verão (período quente e úmido, que favorece a proliferação do vetor). A transmissão da dengue se dá através de vetores hematófagos. O homem é o principal reservatório, mas acredita- se que no sudeste asiático também exista um ciclo em primatas... O principal transmissor é o Aedes aegypti, uma espécie perfeitamente adaptada ao meio urbano! A fêmea faz a postura dos ovos em coleções de água parada, onde se desenvolvem as larvas. Poços, caixas d’água abertas, vasos de plantas, pequenos recipientes plásticos ou pneus velhos que acumulam água da chuva são excelentes criadouros para as larvas do mosquito!!! Diga-se de passagem, sua recente disseminação pelo planeta está ligada, entre outros fatores, ao comércio de pneus usados... Outro mosquito, o Aedes albopictus, também é capaz de transmitir a dengue, e foi introduzido nas Américas não faz muito tempo. Ele é o responsável pela manutenção da endemia asiática, porém, seu real papel na transmissão do vírus da dengue nas Américas ainda não está claramente definido… O Aedes aegypti adquire o vírus se alimentando do sangue de um indivíduo infectado, na fase de viremia, que começa um dia antes do aparecimento da febre e vai até o 6º dia de doença. Após 8-12 dias (períodono qual o vírus se multiplica nas glândulas salivares da fêmea do mosquito), surge a capacidade de transmissão. Seus hábitos são diurnos (início da manhã) e vespertinos (final da tarde). O mosquito tem autonomia de voo limitada, afastando- se não mais de 200 m do local de oviposição. Isto significa que a eliminação dos criadouros peridomiciliares impede totalmente o contato intradomiciliar com o vetor da dengue. Existem relatos de transmissão vertical do vírus da dengue. Uma gestante doente pode passar o vírus para o recém-nato, que pode desenvolver uma forma grave de “dengue neonatal”. No entanto, a frequência com que isso acontece e sua verdadeira repercussão epidemiológica ainda merecem mais estudos... A transmissão por transfusão sanguínea é possível, caso um indivíduo infectado doe seu sangue na fase virêmica. Não há transmissão pessoa a pessoa, nem por contato com secreções de um indivíduo doente ou fômites (“fômite” = objeto inanimado que pode se contaminar com um agente patogênico e transmitir a infecção por contato direto. Sabemos que as formas graves são mais comuns em pacientes com história prévia de dengue que se infectam novamente com um vírus de sorotipo diferente! PATOGENIA E RESPOSTA IMUNE DA DENGUE Após a inoculação dos vírus da dengue, por meio da picada do mosquito, eles são fagocitados pelas células dendríticas (células de Langherhans) residentes no local, transportados aos linfonodos regionais, onde realizam a sua primeira replicação(inicialmente nas células mononucleares dos linfonodos locais ou nas células musculares esqueléticas). No sangue, o vírus penetra nos monócitos, onde sofre a segunda onda de replicação. No interior dessas células ou livre no plasma, ele se dissemina por todo o organismo. Essa multiplicação inicial resulta em uma viremia que dissemina esse patógeno por todo o organismo, livre no plasma ou no interior de monócitos. Os vírus da dengue têm tropismo por células fagocitárias (macrófago/monócito), as quais são reconhecidas como importantes sítios para sua replicação, e em segundo lugar, pelas células musculares esqueléticas – justificando a intensa mialgia. Acredita-se que a resposta imune do hospedeiro à infecção pelos vírus da dengue possa atuar de duas maneiras diferentes. A primeira previne a infecção e propicia a recuperação nas infecções, envolvendo inicialmente a resposta imune inata e sequencialmente, a resposta imune celular e humoral. A segunda relaciona-se à imunopatologia da manifestação hemorrágica da dengue. A infecção primária (primoinfecção) pelos vírus da dengue é controlada inicialmente pela resposta imune inata e celular. Esses vírus estimulam a produção de anticorpos IgM que se tornam detectáveis, em média, a partir do quarto dia após o início dos sintomas, atingindo os níveis mais elevados por volta do sétimo ou oitavo dias e declinando lentamente, a ponto de não serem mais detectáveis após alguns meses. Os anticorpos da classe IgG, que são observados em níveis baixos a partir da primeira semana do início dos sintomas elevam-se gradualmente atingindo altos valores em duas a três semanas e mantêm-se detectáveis por vários anos, conferindo imunidade contra o sorotipo infectante, provavelmente por toda a vida. Durante a convalescência, os anticorpos induzidos, durante infecção aguda por um tipo de dengue, também protegem da infecção por outros tipos virais. Entretanto, essa imunidade é mais curta, com duração de poucos meses. As infecções por dengue, em indivíduos que já tiveram contato com outros sorotipos do vírus, ou mesmo outros flavivírus (como os vacinados contra a febre amarela), podem alterar o perfil da resposta imune, que passa a ser do tipo anamnéstico ou de infecção secundária (reinfecção), com baixa produção de IgM, e resposta precoce intensa de IgG. A resposta imune humoral é fundamental para a prevenção e a cura das infecções pelos vírus da dengue. A proteína E, parte do envelope viral, é o alvo dominante dos anticorpos protetores contra a dengue. Esses anticorpos podem promover a lise de células infectadas ou inibir a ligação dos vírus aos receptores celulares com consequente neutralização viral. Embora não seja constituinte da partícula viral, a proteína NS1 também é um importante alvo de anticorpos antidengue. Essa proteína é expressa na superfície das células infectadas e também é secretada na circulação. Anticorpos contra a NS1 promovem a lise das células infectadas fixando o complemento e, além disso, atuam como mediadores de fenômenos de citotoxidade celular mediada por linfócitos CD8+. A replicação viral estimula a produção de citocinas pelos macrófagos e, indiretamente, pelos linfócitos T helper específicos que interagem com o HLA classe II dessas células. A síndrome febril da dengue provavelmente depende da liberação dessas substâncias, sendo as mais importantes o TNF-alfa e a IL-6. As células T CD4+ e CD8+ reativas ao vírus da dengue produzem predominantemente altos níveis de IFN-γ, TNF-α, TNF-β e quimiocinas, incluindo MIP-1β, após interação com células apresentadoras de antígenos infectadas com o vírus, e também são eficientes na lise das células infectadas in vitro. Portanto, as células T participam ativamente na resposta imune reduzindo o número de células infectadas com o vírus. Nos quadros de dengue, os sintomas gerais de febre e mal-estar relacionam-se à presença, em níveis elevados, de citocinas séricas, como TNF-α, IL-6, IFN-γ etc. As mialgias relacionam-se, em parte, à multiplicação viral no próprio tecido muscular, inclusive o tecido oculomotor é acometido, produzindo cefaleia retrorbitária. A resposta imunológica começa a surgir já na primeira semana de doença. Tanto a imunidade humoral quanto a celular participam do controle da infecção. Os linfócitos T CD8+ citotóxicos são capazes de destruir as células infectadas pelo vírus, por intermédio da ação de anticorpos específicos (citotoxicidade anticorpo-dependente). Os vírus também podem ser neutralizados diretamente pelos anticorpos. A partir do sexto dia de doença, o IgM antidengue começa a ser detectado, atingindo o pico no final da primeira semana e persistindo no soro por alguns meses. Os anticorpos da classe IgG surgem na primeira semana e atingem o pico no final da segunda semana, mantendo-se positivos por vários anos e conferindo imunidade sorotipo-específica, provavelmente por toda a vida. FISIOPATOLOGIA DA DENGUE HEMORRÁGICA (DHF/DSS) (Dengue haemorrhagic fever/dengue shock syndrome )A forma hemorrágica da doença, cuja definição pela OMS inclui quadros com hemorragias de pequena monta, como nos casos mais leves da doença, é a forma da doença mais estudada por ser a mais frequente, ou por não se fazer o diagnóstico das outras formas clínicas da dengue. Desse modo, discutiremos aqui apenas os conceitos desenvolvidos para a forma hemorrágica da dengue. A patogênese da DHF tem sido explicada por teorias centradas nos efeitos dos fatores virais e dos hospedeiros, a virulência da cepa viral e a imunopatogênese da doença. As diferenças na virulência entre as cepas circulantes de dengue parecem apresentar importância no desenvolvimento da DHF/DSS, por causa das diferenças nas manifestações clínicas observadas em diferentes surtos da doença. Estudos em praticamente todos os países, onde a dengue é endêmica demonstraram a associação de DHF/DSS e a dengue clássica, com diferentes genótipos de dengue. Estudos de epidemiologia molecular realizados com as cepas circulantes no Brasil mostram que os mesmos sorotipos e genótipos são capazes de produzir todas as formas da doença. Contudo, os mecanismos e as regiões do genoma desses vírus, responsáveis pela diferença na virulência, ainda não foram completamente determinados. Estudos soroepidemiológicos sugerem que a DHF/DSS é mediada pelas respostas imunesdos pacientes. No Sudeste Asiático, onde os primeiros estudos sobre a fisiopatologia da DHF/DSS foram feitos, os casos de dengue hemorrágica podem ser observados em dois grupos de indivíduos: nos primeiros anos de idade, apresentando infecção secundária por dengue (mais de 90% dos casos); e em crianças menores de um ano de idade, com infecção primária, filhos de mães possuidoras de anticorpos para dengue. Assim, supõe-se que a presença de anticorpos contra um dos sorotipos virais tenha importante papel nesse quadro fisiopatológico, pois na vigência de uma infecção por outro sorotipo, esses anticorpos, oriundos de uma infecção prévia, se ligariam a esse vírus, mas não o neutralizaria e facilitaria a infecção. Estudos sobre a resposta imune na infecção sequencial por dengue mostram que anticorpos preexistentes podem não neutralizar um segundo vírus infectante de sorotipo diferente e, em muitos casos, paradoxalmente, amplificam a infecção, facilitando a esse novo tipo infectante, a penetração em macrófagos, utilizando para isso os receptores de membrana Fcg. Esse fenômeno seria explicado pela ligação dos anticorpos dirigidos contra o sorotipo responsável pela primeira infecção ao sorotipo infectante atual, porém sem a capacidade de neutralizá-lo. Esse vírus teria agora, a oportunidade de penetrar nas células por meio do seu receptor natural e pelos receptores Fcg das imunoglobulinas. O estímulo causado pela liberação de IFNg por células CD4+ ativadas agrava esse quadro, causando um aumento da expressão dos receptores Fcg na membrana dos macrófagos e, assim, tornando-os mais permissíveis ao vírus. Acredita-se que indivíduos com DHF/DSS possuam populações de macrófagos maciçamente infectadas e produzam viremias elevadas. Um segundo grupo de pacientes em risco para DHF/ DSS são os lactentes que receberam, intraútero, anticorpos IgG maternos contra a dengue. Com o passar de meses, esses anticorpos, que apresentam decaimento paulatino, atingem níveis subneutralizantes. No caso de infecção desses lactentes por outro sorotipo de dengue daquele que causou a infecção materna e na presença dos anticorpos subneutralizantes, ocorreria um desequilíbrio estequiométrico entre as concentrações de anticorpos neutralizantes e vírus, desencadeando o fenômeno de facilitação da entrada do vírus em macrófagos, e todos os eventos discutidos anteriormente, e assim, esses pacientes desenvolveriam DHF/DSS . Portanto, a DHF/DSS tem como base fisiopatológica um aumento da carga viral resultante de uma cepa virulenta ou a facilitação da infecção mediada por anticorpos, levando a uma resposta imune exacerbada, envolvendo células do sistema tema imune, citocinas e imunocomplexos, causando aumento da permeabilidade por má função vascular endotelial, sem destruição do endotélio, causando queda da pressão arterial e manifestações hemorrágicas, associadas a trombocitopenia. Os níveis elevados de marcadores de ativação imune, incluindo receptores de TNF- α, de IL-2 e CD8+ solúvel, correlacionam-se com a gravidade da doença. Além disso, os macrófagos, ativados pelos linfócitos ou lisados pelas células citotóxicas, liberam tromboplastina, que inicia os fenômenos da coagulação e, também, liberam proteases ativadoras do complemento, causadoras de lise celular e choque. O TNF-α afeta células inflamatórias e endoteliais, podendo contribuir para a plaquetopenia e indução da IL-8, estimulando liberação de histamina pelos basófilos, aumentando a permeabilidade vascular. A IL-6 foi observada em níveis elevados, em alguns casos graves de DHF/DSS, e foi relacionada com a hipertermia apresentada pelos pacientes. RESUMO: dengue grave geralmente ocorre em pacientes que já se infectaram por algum sorotipo do vírus e, anos depois, voltam a se infectar por outro sorotipo. A chance de dengue grave é maior quando a segunda infecção é pelo sorotipo 2. Em termos de virulência, em ordem decrescente temos os sorotipos 2, 3, 4 e 1. Na primeira infecção, o sistema imune do paciente produz anticorpos neutralizantes contra o primeiro sorotipo (ex.: sorotipo 1), denominados anticorpos homólogos, que provavelmente permanecerão por toda a vida do indivíduo. Estes anticorpos também oferecem proteção contra outros sorotipos (imunidade cruzada ou heteróloga), porém de curta duração (meses a poucos anos). Se o mesmo indivíduo for infectado anos mais tarde por um sorotipo diferente (infecção secundária), por exemplo, o sorotipo 2, aqueles anticorpos não serão mais capazes de neutralizá-lo. Para o novo sorotipo, eles serão considerados anticorpos heterólogos, de caráter “subneutralizante”. Aí está a base para a principal eoria patogênica da dengue grave – a teoria de Halstead! ➔ TEORIA DE HALSTEAD: a ligação de anticorpos heterólogos ao novo sorotipo de vírus da dengue (sem neutralizá-lo) facilitaria a penetração do vírus nos macrófagos, por mecanismo de opsonização. Ou seja, uma quantidade muito maior de vírus ganharia o interior dos fagócitos, onde podem se proliferar em larga escala, aumentando a viremia e estimulando a produção de uma “tempestade” de citocinas (TNF-alfa, IL-6), além de proteases ativadoras do sistema complemento e tromboplastina (fator pró- coagulante). Linfócitos T helper CD4+ específicos para o vírus secretam IFN- gama, que age sobre os macrófagos infectados, potencializando a internalização viral e a expressão de moléculas do HLA classe II em sua membrana que, por sua vez, ativa mais linfócitos T helper CD4+ específicos – um mecanismo de retroalimentação positiva. Vale dizer que um evento fisiopatológico adicional, recentemente descrito, ajudou a esclarecer ainda mais os fenômenos observados na dengue grave: o antígeno NS1, secretado em grande quantidade durante a infecção, bem como as próprias partículas virais circulantes, são capazes de neutralizar moléculas do glicocálix (substâncias presentes na superfície das células endoteliais responsáveis pela “barreira de permeabilidade”). Tal processo potencializa o aumento da permeabilidade vascular induzido pelas citocinas pró-inflamatórias, agravando o extravasamento de líquido, albumina e outras macromoléculas plasmáticas para fora dos vasos sanguíneos. PATOGENIA Em necropsias de pacientes falecidos com esta doença, observam-se hemorragias cutâneas, em trato gastrointestinal, no septo interventricular cardíaco, no pericárdio, em espaços subaracnóideos e superfícies viscerais. A hepatomegalia e derrames cavitários também são achados frequentes. Os derrames em cavidade abdominal e espaço pleural possuem alto teor proteico, com predomínio de albumina, contendo pouco material hemorrágico. À microscopia observa-se edema perivascular com grande extravasamento de hemácias e infiltrado rico em monócitos e linfócitos. Entretanto, não parece haver dano de paredes vasculares. Em alguns pacientes adultos, com hemorragias, observam-se abundantes megacariócitos em capilares pulmonares, glomérulos renais, sinusoides hepáticos e esplênicos. São evidências de coagulação intravascular. Em linfonodos e baço há proliferação linfoplasmocitária, com grande atividade celular e necrose de centros germinativos. Reduz-se a polpa branca esplênica e ali se observa linfocitólise abundante, com fagocitose dessas células. Na medula óssea ocorre bloqueio da maturação megacariocítica e de outras linhagens celulares. No fígado observam-se hiperplasia, necrose hialina de células de Kuppfer e a presença, em sinusoides, de células mononucleares, com citoplasma acidófilo e vacuolizado, semelhantes a corpúsculos de Councilman, lembrando o aspecto encontrado na febre amarela. Os hepatócitos apresentam graus variáveis de esteatose e necrose mediozonal. Os rins apresentam achados anatomopatológicos compatíveis com glomerulonefrite, relacionada,provavelmente, com a deposição de imunocomplexos em membrana basal glomerular. QUADRO CLÍNICO Atualmente, o Ministério da Saúde preconiza que os antigos termos “dengue clássica”, “dengue hemorrágica” (ou febre hemorrágica da dengue), “síndrome do choque da dengue” e “dengue com complicações” sejam abandonados… De acordo com a nova classificação, a dengue deve ser entendida como uma doença sistêmica única e dinâmica, que pode se manifestar dentro de um amplo espectro clínico, desde formas assintomáticas ou oligossintomáticas até casos rapidamente fatais. A maioria dos pacientes se recupera por completo após alguns dias. No entanto, certos doentes evoluem de forma desfavorável, em geral quando a febre melhora, devido à ocorrência do fenômeno de extravasamento plasmático. É importantíssimo salientar que quase sempre esta evolução nefasta é precedida pelo surgimento dos sinais de alarme, alterações clinicolaboratoriais facilmente identificáveis que denotam o início do extravasamento plasmático As manifestações clínicas observadas durante a infecção pelos vírus da dengue ocorrem após um período de incubação de 2 a 8 dias e são muito variáveis, podendo ser didaticamente classificadas em quatro grupos: 1) as infecções assintomáticas; 2) a febre da dengue, subdividida em quadros de febre indiferenciada (síndrome viral) e as manifestações clássicas da dengue (dengue clássica); a febre hemorrágica da dengue e síndrome de choque da dengue (DHF/DSS); e aqueles quadros menos frequentes, e manifestações clínicas menos usuais, como a hepatite e acometimento cardíaco, e do sistema nervoso central. DENGUE CLÁSSICA Apresenta-se com início abrupto. Em temperaturas de 39 a 40°C, acompanham-se de cefaleia intensa, dor retro-ocular, mialgias, artralgias e manifestações gastrintestinais, como vômitos e anorexia. Um exantema pode surgir no terceiro ou quarto dia de doença e é caracterizado por um exantema intenso em que se salientam pequenas áreas de pele sã, sendo que alguns autores o caracterizam por “ilhas brancas em um mar vermelho”. O prurido geralmente acompanha o aparecimento do exantema, sendo muitas vezes de difícil controle. Além disso, em alguns casos, fenômenos hemorrágicos discretos (epistaxe, petéquias, gengivorragias) podem ocorrer e não caracterizam um caso de dengue hemorrágica. A febre costuma ceder em até seis dias, iniciando-se a convalescença, que pode durar semanas, com astenia e depressão. Com menor frequência encontra-se micropoliadenopatia e hepatomegalia. Quanto ao exame hematológico, observa-se leucopenia com linfocitopenia após o segundo dia de doença. O número de plaquetas encontra-se normal ou, em alguns casos, diminuído. Há uma elevação discreta nos teores séricos de aminotransferases, geralmente em torno de 2 a 3 vezes superior ao limite de normalidade. Nas crianças, a dengue pode ser assintomática ou manifestar-se como febre indiferenciada, comumente acompanhada de exantema maculopapular. É importante na avaliação dos pacientes com dengue clássica, a procura pelos sinais de alarme, que apontam para um quadro mais grave e, portanto, pacientes apresentando esses sinais devem ser internados e avaliados frequentemente. Os sinais de alerta/alarme mais frequentemente observados na dengue são: dor abdominal, vômitos persistentes, evidência clínica de acúmulo de fluidos (por exemplo, derrame pleural), letargia/irritabilidade, sangramento de mucosas, hepatomegalia maior do que 2 cm e aumento do hematócrito associado à trombocitopenia. DENGUE HEMORRÁGICA (DHF/DSS) É comum em países do Sudeste Asiático e Oceano Pacífico ocidental, onde a dengue ocorre endemicamente, com circulação simultânea de mais de um tipo viral. O quadro costuma iniciar-se de forma abrupta, similar à forma clássica da dengue, com febre alta, náuseas e vômitos, mialgias e artralgias. Os fenômenos hemorrágicos surgem no 2º ou 3º dia de doença, com petéquias na face, véu palatino, axilas e extremidades. Pode-se realizar o teste do torniquete ou prova do laço, que consiste na insuflação de um esfigmomanômetro até a média aritmética entre as pressões arterial sistólica e diastólica, mantendo-se essa pressão por cinco minutos e buscando-se a presença de petéquias, sob o torniquete ou abaixo – o teste é considerado positivo quando se encontram 20 petéquias ou mais, em área de uma polegada quadrada, isto é, em um quadrado cujos lados tenham aproximadamente 2,5 cm. Quando positivo pode preceder o surgimento espontâneo das sufusões hemorrágicas, mas deve-se ter em mente que esse teste pode ser positivo em outras doenças, cursando fragilidade capilar ou trombocitopenia. Podem ocorrer púrpuras e grandes equimoses na pele, epistaxes, gengivorragias, metrorragias e hemorragias digestivas moderadas. Ao exame físico observa-se fígado palpável e doloroso, 2 a 4 cm abaixo do rebordo costal. Esplenomegalia é observada em alguns casos. A presença de hepatomegalia, hematêmese e dor abdominal indica mau prognóstico, com provável evolução para o choque. A síndrome de choque da dengue costuma surgir entre o 3º e 7º dias de doença, mantendo-se esse estado crítico por 12 a 24 horas. Os pacientes mostram-se agitados e em alguns casos referem dor abdominal. Posteriormente, tornam-se letárgicos, afebris e com sinais de insuficiência circulatória: pele fria e pegajosa, cianose perioral, pulso rápido e sudorese fria. A pressão arterial mostra-se convergente, baixa ou imensurável. Instala-se acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada (CIVD). Com a ausência de tratamento, o óbito costuma ocorrer em 4 a 6 horas. Entretanto, após a recuperação, o doente geralmente não apresenta sequelas. Portanto, o diagnóstico de DHF/DSS deve ser lembrado sempre que houver um paciente que apresentou um quadro clínico compatível com dengue clássica e que apresente, após 3 a 5 dias do início do quadro, prova do laço positiva, equimoses, petéquias ou púrpuras, sangramento de mucosas, hematêmese ou melena, plaquetopenia (plaquetas < 100.000/ mm3), alteração do hematócrito > 20% ou sinais de perda plasmática, tais como derrame pleural, ascite ou hipoproteinemia. Outro achado de importância na avaliação laboratorial desses pacientes é o edema da parede da vesícula biliar ao exame ultrassonográfico. Para a confirmação de um quadro de DHF/DSS levam-se em consideração parâmetros clínicos e laboratoriais, sendo que todos devem estar presentes para que a DHF/DSS seja confirmada. A OMS classifica a DHF/DSS em quatro graus de gravidade, localizando nos dois primeiros, as formas mais benignas, apenas com febre hemorrágica; e nos dois últimos os quadros graves, com falência circulatória, a síndrome do choque da dengue. É importante ressaltar que a hemoconcentração está presente em todos os níveis e que todos os sintomas presentes na doença menos grave estarão presentes nos quadros mais graves.: ■ Grau I: febre e sintomas inespecíficos tendo como principais achados a plaquetopenia, manifestações hemorrágicas de pequena monta e a prova do laço positiva. ■ Grau II: sintomas contidos no Grau I e presença de fenômenos hemorrágicos espontâneos. ■ Grau III: características do Grau II associado à insuficiência circulatória caracterizada por pulso fraco e rápido, redução da pressão de pulso a 20 mmHg, hipotensão, pele pegajosa e fria, agitação. ■ Grau IV: choque profundo caracterizado por ausência de pulso e pressão arterial após o aparecimento dos sintomas dos graus anteriores. Os graus III e IV são classificados como síndrome do choque da dengue, ao passo que todos os quatro graus são classificados como febre hemorrágica da dengue. FORMAS CLÍNICAS MENOS FREQUENTES: Incluem quadros que acometem o sistema nervoso, como encefalites e polineuropatias (por exemplo, Guillain-Barré). Esses quadros podem surgir no decorrer da doença ou na convalescença. Quadrosde hepatite com icterícia e importante elevação de transaminases séricas têm sido descritos, inclusive com raros quadros de hepatite fulminante. Outro acometimento que cada vez mais tem sido descrito, é o acometimento miocárdico na dengue, podendo resultar em miocardite viral, pericardite e choque cardiogênico, levando ao óbito, se não houver pronta intervenção. Estudos com mães que tiveram dengue durante a gravidez e seus filhos não mostraram casos de infecção congênita, mas podem influenciar no desenvolvimento da criança, resultando em recém-nascidos de baixo peso e também pode desencadear partos prematuros. O pronto reconhecimento dos sinais de alarme, seguido de uma abordagem padronizada e oportuna, é capaz de impedir a progressão para o estado de choque circulatório e consequente falência orgânica múltipla, evitando os óbitos por dengue. Outros pacientes também evoluem de forma desfavorável (sendo igualmente enquadrados dentro do conceito de “dengue grave”), mesmo sem apresentar extravasamento de plasma… São os indivíduos que desenvolvem hemorragias graves (ex.: hemorragia digestiva, intracraniana) ou lesões de órgãos específicos (ex.: meningoencefalite, polineurite, miocardite, hepatite etc), o que pode ocorrer a qualquer momento durante a evolução da doença. A seguir, estudaremos o espectro clínico da dengue descrevendo suas três fases evolutivas: (1) fase febril; (2) fase crítica; e (3) fase de recuperação. Fase Febril A principal manifestação da dengue é a febre alta (39°C a 40°C), de início súbito, com duração entre dois e sete dias. Esta febre é tipicamente acompanhada dos seguintes comemorativos: adinamia, cefaléia, dor retroorbitária, mialgia e artralgia. A intensa mialgia que caracteriza a doença justifica a clássica alcunha de “febre quebra-ossos” (breakbone fever). Queixas gastrointestinais são bastante frequentes durante a fase febril, como anorexia, náuseas, vômitos e diarreia. Esta última costuma ser branda, cursando com fezes pastosas 3-4x ao dia. Tal dado é útil para auxiliar no diagnóstico diferencial com as enteroviroses, doenças febris que tipicamente produzem diarréia líquida volumosa, com frequência superior a 5x ao dia… Metade dos pacientes desenvolve um exantema maculopapular, que pode ou não ser pruriginoso, acometendo, de forma aditiva, a face, o tronco e as extremidades, NÃO poupando as palmas das mãos ou as plantas dos pés. Este exantema costumam surgir durante a defervescência, e dura no máximo 36-48h. A maioria dos pacientes passa da fase febril diretamente para a fase de recuperação, recobrando, de maneira gradativa, o apetite e a sensação de bem-estar. Fase Crítica Somente alguns doentes passam da fase febril para a fase crítica. São aqueles indivíduos que desenvolvem o fenômeno de extravasamento plasmático (e que geralmente possuem história prévia de infecção por um sorotipo diferente do vírus da dengue)! A fase crítica se instala durante a defervescência (entre o 3° e o 7° dia após o início dos sintomas). Suas primeiras manifestações costumam ser os famosos sinais de alarme.Os sinais de alarme devem ser rotineiramente pesquisados em todo caso suspeito de dengue, e o paciente e seus familiares devem ser orientados a procurar auxílio médico imediato diante de seu surgimento. Tais sinais são de grande importância prática, uma vez que prenunciam a possibilidade de rápida evolução para o estado de choque circulatório! NÃO DEVEMOS NEGLIGENCIÁ- LOS! O choque circulatório ocorre quando um volume crítico de plasma sai do espaço intravascular, resultando em hipovolemia (redução do volume circulante efetivo) e má perfusão tecidual generalizada. O intervalo de tempo entre o início do extravasamento plasmático e a conflagração do estado de choque varia de 24 a 48 horas (na maior parte das vezes o choque é evidente entre os dias 4 e 5 após o início da doença). Uma vez instalado, sem tratamento, o choque leva o paciente ao óbito em questão de 12 a 24 horas, por falência orgânica múltipla. Desse modo, pacientes com sinais de alarme devem receber reposição volêmica intravenosa imediata, e devem ser mantidos em observação para que seu status hemodinâmico seja continuamente reavaliado. As mudanças podem ser bastante rápidas (e as intervenções terapêuticas devem corresponder na mesma medida). Conforme já explicado, a dengue também pode ser considerada “grave” mesmo na ausência de extravasamento plasmático, quer dizer, não necessariamente é preciso ter hemoconcentração e choque... Isto é claramente exemplificado pelos indivíduos que desenvolvem hemorragias vultuosas e/ou lesões de órgãos específicos. A hemorragia digestiva é mais frequente em pacientes com história de doença ulcerosa péptica, uso de AAS, AINES ou anticoagulantes. A miocardite se expressa por alterações do ritmo cardíaco (taqui ou bradicardia inapropriada), alterações da repolarização ventricular (ex.: inversão da onda T, desnivelamento do segmento ST) e disfunção contrátil (ex.: queda da fração de ejeção do ventrículo esquerdo), acompanhado ou não de aumento dos marcadores de necrose miocárdica (ex: troponinas). O aumento das aminotransferases hepáticas é visto em até 50% dos casos, sendo geralmente leve. Elevações pronunciadas(> 10x o LSN), principalmente quando acompanhadas de deficit sintético (ex.: alargamento do TAP/INR), indicam hepatite grave. Diversas manifestações neurológicas podem ser vistas a qualquer momento no decorrer da doença, como irritabilidade (principalmente em crianças pequenas), crises convulsivas, meningite linfomonocítica, síndrome de Reye, polirradiculoneurite (síndrome de Guillain-Barré) e encefalite. Insuficiência renal aguda é incomum na ausência de choque, porém, quando presente acarreta grande piora do prognóstico. Fase de Recuperação Pacientes que recebem terapia apropriada durante a fase crítica atingem a fase de recuperação dentro de poucos dias, e o líquido extravasado para o espaço extravascular começa a ser reabsorvido, com melhora gradual do estado clínico. Neste momento é importante estar atento à possibilidade de complicações relacionadas à hiper-hidratação, como a hipervolemia (ex.: HAS, edema agudo de pulmão). O débito urinário pode ficar aumentado, e muitos pacientes apresentam mudanças no padrão eletrocardiográfico, desenvolvendo bradicardia. PECULIARIDADES EM CRIANÇAS E GESTANTES: Em CRIANÇAS PEQUENAS (principalmente nos menores de dois anos) a dengue se manifesta com sinais e sintomas inespecíficos, como febre acompanhada de choro persistente, adinamia e irritabilidade. Como esses pacientes não são capazes de verbalizar suas queixas, tais alterações podem ser indícios de dor intensa, como cefaleia, mialgia, artralgia… Assim, o médico pode não suspeitar do diagnóstico e os sinais de alarme podem passar despercebidos, com o paciente evoluindo para a forma grave da doença! A valorização do contexto clinicoepidemiológico é essencial para uma correta suspeição diagnóstica. Nas GESTANTES algumas alterações fisiológicas do organismo materno se sobrepõem às manifestações clínicas da doença, podendo gerar dúvidas diagnósticas (p. ex.: pode-se atribuir o aumento de frequência cardíaca somente à gestação). Por este motivo, de forma bem objetiva, recomenda-se que as gestantes com suspeita de dengue sejam invariavelmente tratadas de acordo com o estadiamento clínico conforme será descrito adiante. O principal risco para a mãe é o aumento na incidência de hemorragias obstétricas. Desse modo, o parto cesáreo deve ser indicado de forma extremamente criteriosa, pois a chance de complicações pós- operatórias em mulheres recém-acometidaspor dengue aumenta sobremaneira... Para o concepto, os principais riscos são de abortamento (no 1º trimestre), parto prematuro (no 3º trimestre) e baixo peso ao nascer (dengue a qualquer momento durante a gestação DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL A dengue pode ser confundida com a gripe (influenza), com as novas arboviroses que circulam em nosso território (zika e chikungunya), leptospirose (forma anictérica), viroses exantemáticas (sarampo, rubéola, mononucleose, enterovirose), hepatites virais e infecções bacterianas agudas (pielonefrite, pneumonia, colecistite, endocardite, faringoamigdalite estreptocócica). Por isso, o exame físico do paciente com suspeita de dengue deve ser completo, para não omitir o diagnóstico de uma doença bacteriana que mereça pronto tratamento antimicrobiano. A presença de leucocitose significativa, especialmente com “desvio à esquerda”, praticamente afasta o diagnóstico de dengue e sugere uma doença bacteriana piogênica ou leptospirose. É importante, ainda, não esquecer duas doenças hematológicas que podem cursar com citopenias graves e febre: a anemia aplásica e a leucemia aguda. A grande pista nestes casos é a presença de anemia moderada a grave, achado não esperado na dengue. As formas graves de dengue podem ser confundidas com sepse bacteriana, meningococcemia, malária, febre amarela, febre maculosa brasileira,leptospirose, hantavirose etc. Um macete em relação à meningococcemia é que nesta última as petéquias ou equimoses podem aparecer desde o primeiro dia da síndrome febril! Já na dengue só são vistas após o terceiro ou quarto dia... Um dado que fala bastante contra o diagnóstico de dengue é a icterícia, mais comum na malária, leptospirose, hepatite viral, sepse e febre amarela. Confirmação diagnóstica: A seleção do método laboratorial para confirmação diagnóstica da suspeita de dengue depende do intervalo de tempo transcorrido desde o início dos sintomas. Até o QUINTO DIA de doença somente métodos que identifiquem diretamente o vírus e suas partículas podem ser usados, como por exemplo: (1) pesquisa de antígenos virais (dosagem do antígeno NS1 no sangue); (2) isolamento viral (cultura); (3) Teste de Amplificação Gênica (RT-PCR); e (4) imunohistoquímica tecidual (em amostras obtidas por biópsia ou autópsia). Cumpre ressaltar que a negatividade desses testes não descarta o diagnóstico, o qual só poderá ser afastado em definitivo após demonstração da ausência de anticorpos IgM antidengue (sorologia negativa) a partir do 6º dia de doença. Do SEXTO DIA em diante o diagnóstico deve ser feito por meio da sorologia, com pesquisa de anticorpos IgM antidengue pela técnica ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay). Os anticorpos IgG antidengue, se positivos neste momento, refletem apenas contato prévio com o vírus, não sendo úteis para o diagnóstico do quadro de dengue aguda atual. Diagnóstico diferencial - Influenza, enteroviroses, doenças exantemáticas (sarampo, rubéola, parvovirose, eritema infeccioso, mononucleose Infecciosa, exantema súbito, citomegalovirose e outras), hepatites virais, abscesso hepático, abdome agudo, hantavirose, arboviroses (Febre Amarela, Mayaro, Oropouche e outras), escarlatina, pneumonia, sepse, infecção urinária, meningococcemia, leptospirose, malária, salmonelose, riquetsioses, doença de Henoch- Schonlein, doença de Kawasaki, púrpura auto-imune, farmacodermias e alergias cut.neas. Outros agravos podem ser considerados conforme a situação epidemiológica da região. Classificação de Caso As categorias operacionais atualmente adotadas pelo Ministério da Saúde e suas respectivas definições estão descritas a seguir. Vale dizer que a classificação final só pode ser feita de forma retrospectiva, após análise de todas as informações clínicas, laboratoriais e epidemiológicas do paciente. ●Caso Suspeito: Pessoa que vive em área com transmissão de dengue (ou presença de Aedes aegypti), ou que tenha viajado para esses locais nos últimos 14 dias, apresentando febre, com duração de dois a sete dias, e dois ou mais dos seguintes comemorativos: Náuseas, vômitos, exantema, mialgias, artralgias, cefaleia, dor retro-orbital, petéquias, prova do laço positiva, leucopenia. Em se tratando das crianças, pode-se considerar como caso suspeito de dengue qualquer quadro febril agudo, com dois a sete dias de duração, sem foco aparente de infecção, desde que o paciente viva ou tenha estado (nos últimos 14 dias) em área com transmissão da doença ou presença de Aedes aegypti (isto é, nas crianças não é necessário ter dois ou mais dos comemorativos citados, basta ter febre e contato recente com área de risco)... ●Casos suspeito com sinais de alarme: É todo caso suspeito de dengue que, no período da defervescência, desenvolve um ou mais sinais de alarme. ● Caso suspeito de dengue grave: É todo caso suspeito de dengue que apresenta um ou mais dos seguintes: Choque “compensado” ou “descompensado”, conforme os critérios estabelecidos na Sangramento “grave”, segundo avaliação do médico (por exemplo: hematêmese, melena, metrorragia vultuosa e hemorragia intracraniana são exemplos claros de sangramento “grave”); Lesão grave de órgãos específicos, como dano hepático importante (ALT ou AST > 1.000 U/l), acometimento do SNC (alterações do nível de consciência), do coração (miocardite) etc. ●Caso confirmado: É todo caso suspeito de dengue para o qual foi feita a confirmação laboratorial da infecção. Em situação de epidemia, os primeiros casos devem obrigatoriamente ser confirmados por exames laboratoriais, porém os casos subsequentes podem ser confirmados sem a realização de exames específicos, somente por critérios clinicoepidemiológicos. Todo caso de dengue grave idealmente deve ser confirmado por exames laboratoriais específicos, independente da situação epidêmica. Na impossibilidade de realizar tais exames, pode-se assumir a confirmação por critérios clinicoepidemiológicos desde que haja vínculo com outro caso confirmado laboratorialmente. ● Caso descartado: É todo caso inicialmente suspeito de dengue que possui um ou mais dos seguintes: Exames laboratoriais negativos (desde que a coleta tenha sido feita no período adequado); Confirmação laboratorial de outra doença; Ausência de exames laboratoriais, porém, investigação clínica e epidemiológica sugestiva de outra doença. TRATAMENTO Não há uma droga específica contra o vírus da dengue! O balapiravir (um inibidor de RNA- -polimerase viral que parecia “promissor” em modelos experimentais) não demonstrou benefícios reais num ensaio clínico controlado e randomizado em humanos. Assim, a terapia se baseia no alívio sintomático (analgésicos, antitérmicos, antieméticos e antipruriginosos), com ênfase na hidratação (oral nos casos brandos, intravenosa nos casos graves). Muitas vezes é impossível, num primeiro momento, distinguir a dengue de seus diagnósticos diferenciais (ex.: zika e chikungunya, que têm causado epidemias concomitantes à dengue em nosso meio). Recomenda-se, nesta situação, que tais casos sejam conduzidos como uma suspeita de dengue, uma vez que esta última apresenta maior potencial de morbimortalidade. Enfim, o tratamento da dengue em si é feito por meio da chamada abordagem clinicoevolutiva. Com ela dividimos os pacientes com suspeita da doença em quatro grupos de risco, de acordo com as informações colhidas pela anamnese e exame físico. Essa estratificação de risco deve ser dinâmica e contínua, tendo em mente que o paciente pode passar de um grupo para outro em questão de poucas horas. Assim, podemos tomar a conduta mais acertada mesmo sem confirmação diagnóstica, visando evitar a rápida deterioraçãoclínica. Se todos os médicos seguissem à risca este protocolo, estima-se que a letalidade da dengue poderia ser anulada! Grupo A: Caso suspeito de dengue + ausência de sinais de alarme + ausência de sangramentos espontâneos ou induzidos (prova do laço negativa). O paciente também não deve ser portador de comorbidades crônicas importantes, assim como não deve possuir condições clínicas especiais ou risco social. Exames específicos para a confirmação diagnóstica de dengue são obrigatórios apenas em situações não epidêmicas. No contexto de uma epidemia o diagnóstico pode ser feito em bases clinicoepidemiológicas. O hemograma e outros exames não específicos podem ser realizados a critério médico, mas não são obrigatórios. Em regime ambulatorial, com hidratação oral: Para os adultos, prescrever um volume total de 60 ml/kg/dia, sendo ⅓ com solução salina (Soro de Reidratação Oral – SRO) e os 2/3 restantes com líquidos caseiros (água, sucos, chás etc.). Um terço do volume total deve ser ofertado logo no início do tratamento… O paciente deve receber por escrito a prescrição de líquidos, de modo que não haja dúvida como na tabela ao lado. Para as crianças com idade < 13 anos, o volume a ser ofertado obedece à regra de Holliday-Segar acrescido da reposição de possíveis perdas de 3%. Tal qual no adulto, um terço deste volume é dado na forma de SRO, e os ⅔restantes com líquidos caseiros. Um terço do volume total também deve ser dado logo no início do tratamento.. Crianças até 10 kg = 130 ml/kg/dia; Crianças de 10-20 kg = 100 ml/kg/dia; Crianças > 20 kg = 80 ml/kg/dia. Grupo B: Caso suspeito de dengue + ausência de sinais de alarme + PRESENÇA de sangramentos espontâneos (ex.: petéquias, equimoses) ou induzidos (prova do laço positiva). Também entram neste grupo os portadores de comorbidades crônicas (HAS, DM, DPOC, IRC, doenças hematológicas – como anemia falciforme ou púrpura –, doença péptica gastroduodenal, hepatopatias e doenças autoimunes) ou condições clínicas especiais (idade < 2 anos ou > 65 anos, gestantes) ou risco social. Exames específicos para a confirmação diagnóstica de dengue são obrigatórios apenas em situações não epidêmicas. No contexto de uma epidemia o diagnóstico pode ser feito em bases clinicoepidemiológicas. O Hemograma, no entanto, é obrigatório para todos os pacientes do grupo B, a fim de avaliar hemoconcentração. Outros exames podem ser solicitados a critério médico. O paciente deve ser observado na unidade de atendimento até o resultado do hemograma, e enquanto isso ele recebe hidratação oral, conforme as recomendações do grupo A. Se o hematócrito for normal, manter a prescrição e tratar o paciente em regime ambulatorial, reavaliando-o DIARIAMENTE, por até 48h após o desaparecimento da febre (fornecer “Cartão de Acompanhamento da Dengue”). Se o hematócrito estiver aumentado, isso constitui sinal de alarme (hemoconcentração), devendo-se manter o paciente internado e conduzir como GRUPO C. Grupo C: Caso suspeito de dengue + PRESENÇA de algum sinal de alarme. Exames específicos obrigatórios SEMPRE. Alguns exames inespecíficos além do hemograma também são obrigatórios para todos os pacientes do grupo C. Outros exames laboratoriais (ex.: glicose, gasometria arterial, eletrólitos, ecocardiograma) podem ser solicitados conforme indicação médica. Todos os pacientes do grupo C devem iniciar reposição volêmica intravenosa imediata, onde quer que estejam. Grupo D: Caso suspeito de dengue + PRESENÇA DE SINAIS DE CHOQUE, SANGRAMENTO GRAVE OU DISFUNÇÃO GRAVE DE ÓRGÃOS. Exames específicos obrigatórios SEMPRE. Alguns exames inespecíficos além do hemograma também são obrigatórios para todos os pacientes do grupo D. Outros exames laboratoriais (ex.: glicose, gasometria arterial, eletrólitos, ecocardiograma) podem ser solicitados conforme indicação médica. O paciente deve permanecer internado, de preferência em leito de terapia intensiva, até a estabilização clínica (no mínimo 48h). Vacinação: Recentemente, uma vacina contra a dengue foi licenciada para uso clínico em alguns países, incluindo o Brasil (ainda não disponível na rede pública). Trata-se da Dengvaxia®, uma vacina de vírus vivo recombinante atenuado que confere proteção contra os quatro sorotipos conhecidos do vírus da dengue... O vírus utilizado na vacina na realidade é uma cepa enfraquecida do vírus da febre amarela (cepa 17D), a qual é geneticamente modificada para expressar antígenos de todos os sorotipos do DENV. A vacina está indicada para pacientes com idade entre 9 e 45 anos, e seu esquema posológico consiste de três doses subcutâneas, com intervalo de seis meses entre cada dose (0, 6 e 12 meses). História prévia de dengue no paciente não inviabiliza a aplicação da vacina... No entanto, por se tratar de uma vacina de vírus vivo, ela é CONTRAINDICADA em grávidas e imunodeprimidos. Fenilcetonúricos também devem evitá-la, pois contém fenilalanina em sua formulação. Considera-se que a pessoa estará devidamente imunizada somente após o esquema de três doses estar completo (ou seja, um ano após tomar a primeira dose). Nestes casos, a eficácia em evitar um episódio clínico de dengue gira em torno de 60%. Contudo, mesmo quando não evita por completo a doença, a vacina promove uma expressiva redução na frequência de formas graves, da ordem de 80-95%, sendo este, na realidade, seu grande “atrativo”. FEBRE AMARELA Agente etiológico: Vírus amarílico, arbovírus do gênero Flavivírus e família Flaviviridae. É um RNA vírus. O agente é transmitido ao homem por mosquitos vetores, portanto, assim como a dengue, é também uma “arbovirose”. A doença possui dois ciclos distintos: urbano e silvestre. No ciclo urbano, a infecção é transmitida de pessoa a pessoa pelo mosquito Aedes aegypti – o mesmo que transmite a dengue. A erradicação transitória do mosquito no início do século passado foi fruto de uma campanha iniciada por Oswaldo Cruz em 1903, que culminou com o desaparecimento do inseto por volta de 1955. Assim, a forma urbana da febre amarela foi completamente erradicada no Brasil, sendo o último caso registrado em 1942 no Estado do Acre. Antes desta histórica data, a febre amarela urbana dizimava milhares de vidas em nosso meio... A título de exemplo, no Rio de Janeiro, entre 1850 a 1902, o número de óbitos acumulados pela doença foi de 58.063, numa época em que a população da cidade era de apenas 166 mil habitantes. Atualmente, o território brasileiro foi maciçamente reinfestado pelo A. aegypti, porém, a febre amarela permanece restrita ao ciclo silvestre. O ciclo silvestre – impossível de ser controlado – é mantido por mosquitos do gênero Haemagogus, que transmitem a doença para macacos, o principal reservatório. Tais mosquitos habitam a copa das árvores, mas podem eventualmente ser encontrados no solo da mata. Sua atividade hematofágica se dá durante o dia, entre 10-14h, momento de maior intensidade dos raios solares. O homem entra no ciclo como hospedeiro “acidental”,ao penetrar em zonas de mata nas áreas endêmicas. Podemos considerar a febre amarela atualmente como uma autêntica zoonose. Ocorrendo, na maioria das vezes, de forma subclínica ou leve, é um importante problema de saúde pública no país, porque também causa dezenas de casos graves anualmente, muitos fatais. Nas formas graves, cursa com a tríade: icterícia, hemorragias e insuficiência renal aguda, com letalidade de 20 a 50% Vetores/reservatórios e hospedeiros: O principal vetor e reservatório da FAS no Brasil é o mosquito do gênero Haemagogus janthinomys; os hospedeiros naturais são os primatas (macacos). O homem não imunizado entra nesse ciclo acidentalmente. Na FAU, o mosquito Aedes aegypti é o principal vetor e reservatório eo homem, o único hospedeiro de importância epidemiológica. Modo de transmissão: Na FAS, o ciclo de transmissão se processa entre o macaco infectado →mosquito silvestre →macaco sadio.Na FAU, a transmissão se faz através da picada do mosquito Ae. aegypti, no ciclo: homem infectado →Ae. aegypti →homem sadio. CICLO SILVESTRE DA FEBRE AMARELA No Brasil, a febre amarela silvestre é endêmica na Região Amazônica e no Planalto Central. Trata-se de uma doença de macacos (Callitrichidae e Cebicidae) que, ao se infectarem, costumam ter alta mortalidade. O macaco guariba (Alouatta) e o macaco-prego (Cebus) são sensíveis à infecção viral, que costuma resultar em morte do animal. Provavelmente, os macacos americanos, pela recente ocorrência da doença nas Américas, ainda não se adaptaram ao vírus. Primatas funcionam como amplificadores da infecção de mosquitos e disseminadores do vírus, na medida em que se deslocam na mata. Também outros animais silvestres, como marsupiais e roedores, podem se infectar com o vírus. Os vetores da febre amarela silvestre são mosquitos antropofílicos de atividade diurna nas copas das árvores, os Haemagogus janthinomys, leucocelaenus e albomaculatus. O vírus também tem sido isolado de mosquitos Sabethes. A infecção humana é acidental e consequente à penetração humana no local onde ocorre a zoonose. CICLO URBANO DA FEBRE AMARELA É importante ressaltar que a forma urbana da febre amarela não tem ocorrido no Brasil. A última epidemia urbana ocorreu no Estado do Acre, em 1942. A febre amarela urbana tem o próprio homem como reservatório do vírus e fonte para a infecção do artrópode/vetor, mantendo, dessa forma, o ciclo da arbovirose. Para tanto, faz-se necessária a presença de vetores antropofílicos vivendo no domicílio ou peridomicílio do homem urbano, como é o caso do mosquito vetor da febre amarela e do dengue, o Aedes aegypti. Portanto, o ciclo urbano envolve mosquitos Aedes aegypti fêmeas que são hematófagas devido às necessidades proteicas relacionadas à oviposição. Elas se infectam após picarem indivíduos virêmicos e transferem o vírus, através da picada, ao homem suscetível, determinando um ciclo. A viremia em seres humanos costuma ser curta, perdurando por apenas 3 a 5 dias após o aparecimento dos sintomas. Depois da picada infectante, o vírus multiplica-se no aparelho digestivo do mosquito, disseminando-se pelos diferentes tecidos do inseto. A chegada do vírus às glândulas salivares, após um período de incubação denominado extrínseco, de 7 a 11 dias, determina o início do período de transmissão viral pelo mosquito, que passa a transmiti-lo por toda a vida. Outra forma importante de transmissão, que ocorre entre os mosquitos, é a transovariana, que já foi demonstrada para o vírus da febre amarela, em condições naturais, na África. Os Aedes spp. podem transmitir os vírus diretamente para a prole, dispensando o homem no ciclo mantenedor. A transmissão transovariana, mesmo em baixos níveis, poderia manter o vírus durante estações secas ou frias, quando não existem mosquitos adultos ou reservatórios infectados. O mosquito Aedes aegypti é, provavelmente, oriundo da Etiópia, na África, e teria sido introduzido nas Américas há quatro séculos, com o tráfico de escravos. Faz sua oviposição em depósitos artificiais de água, como pneus, latas, tanques, barris, tonéis, caixas-d’água, vasos de plantas aquáticas, cascas de ovo, oco de bambu etc. Recipientes vêm aumentando numericamente nos tempos atuais, favorecendo a proliferação do mosquito. Os ovos são postos alguns milímetros acima da linha da água, fixando-se à parede do recipiente, onde resistem à dessecação, podendo permanecer viáveis por mais de um ano; iniciam seu ciclo evolutivo (larva, pupa e mosquito adulto) quando em contato com água. Os mosquitos adultos possuem pequeno raio de ação, mantendo-se, em geral, por toda a PATOLOGIA Os vírus da febre amarela produzem uma infecção sistêmica. Após uma replicação inicial, o vírus é liberado por células nos dutos linfáticos e, em seguida, para os vasos sanguíneos, produzindo viremia. Seguindo-se à viremia, o vírus infecta órgãos pelos quais tem tropismo, incluindo coração, timo, rim e fígado. No fígado, os hepatócitos, células de Kupffer e macrófagos são infectados, e essas células sofrem apoptose ou necrose lítica, produzindo os sinais e sintomas de doença hepática. O fígado apresenta-se com tamanho normal ou ligeiramente aumentado e com consistência amolecida. Focos hemorrágicos subcapsulares e parenquimatosos costumam ser encontrados. A arquitetura lobular apresenta-se pouco alterada, estando, na maioria das vezes, preservada. A lesão microscópica característica da febre amarela acomete hepatócitos da zona média do lóbulo hepático sem atingir as células que circundam a veia central. Essa necrose poderia estar associada apenas a uma isquemia intraparenquimatosa, mas o vírus costuma estar presente e infectar hepatócitos de localização mediozonal. Nos casos graves, todo o lóbulo pode ser atingido. A degeneração eosinofílica dos hepatócitos resulta no aparecimento dos corpúsculos citoplasmáticos de Councilman-/Rocha Lima e inclusões nucleares eosinofílicas e granulares (corpúsculo de Torres). Os corpúsculos de Councilman/Rocha Lima e Torres consistem em material amorfo e desprovido de partículas virais. Degeneração gordurosa dos hepatócitos quase sempre está presente, principalmente nas fases mais tardias da doença. As células de Kupffer mostram-se hipertrofiadas e os sinusoides dilatados, podendo haver grande quantidade de exsudato intersticial e mesmo hemorragia, com resposta inflamatória moderada ou mesmo ausente. A estrutura reticular é preservada e a recuperação é completa nos casos não fatais. Nos casos fulminantes, a necrose hepática destrói muitas zonas do fígado. É importante salientar que a biópsia hepática, como procedimento diagnóstico, está contraindicada na fase aguda da doença, devido aos altos riscos de sangramento QUADRO CLÍNICO: Após um período de incubação que varia de 3-6 dias, surgem abruptamente febre alta (39º-40ºC), cefaleia e mialgias, com poucos sinais clínicos como injeção conjuntival, rubor facial e bradicardia relativa (sinal de Faget: O pulso se torna relativamente mais lento, apesar da temperatura elevada). A febre amarela é a doença mais característica do aparecimento deste sinal. Na maioria dos pacientes a doença resolve-se de forma espontânea em dois a três dias. Alguns pacientes podem desenvolver formas moderadas de doença, apresentando, além da síndrome febril, icterícia, sangramento leve (ex.: epistaxe) e albuminúria no EAS. No entanto, cerca de 10% de indivíduos acometidos desenvolverão a forma grave da febre amarela, com uma letalidade absurda de 20- 50%. O período inicial descrito acima, com duração de 3-4 dias, corresponde à viremia, sendo denominado período de infecção. A ele segue-se uma breve melhora da febre (12- 24h), com seu posterior recrudescimento. Esse momento dá início ao período de intoxicação, quando aparecem os anticorpos. Desta vez, a febre vem acompanhada de manifestações hemorrágicas como gengivorragia, epistaxe, hematêmese em “borra de café” (“vômito negro”) e hemorragias petequiais e purpúricas. O envolvimento hepático extenso (por necrose) determina o surgimento de icterícia e elevação importante das aminotransferases, principalmente a TGO ou AST (valores superiores a 1.000 UI/L). A insuficiência hepática pode ter evolução adversa. A lesão hepática vem do efeito direto do vírus, que possui caráter hepatotrópico e citopático. Resultados de autópsia revelam infiltração gordurosa e extensa necrose médio-zonal. As manifestações hemorrágicas são ocasionadas por disfunção plaquetária e endotelial, Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD) e diminuição da síntese de fatores de coagulação pelo fígado. A proteinúria (albuminúria), que aparece desde o início,e a necrose tubular aguda com elevação de escórias caracterizam o comprometimento renal. Uma miocardite pode ocorrer e se manifesta por arritmias e baixo débito. O paciente morre em estado de choque, insuficiência hepática e CIVD. O óbito costuma ocorrer entre o 7º e 10º dia de doença. Laboratório Inespecífico Hematologia: hemograma com leucopenia e neutropenia, plaquetopenia, anemia (sangramentos), aumento de produtos de degradação da fibrina e VHS aproximando-se de zero – dado característico da doença! Provas de função hepática: aminotransferases elevadas (acima de 1.000 UI/L), fosfatase alcalina pouco elevada ou normal, bilirrubinas elevadas à custa da fração direta (variando de 2 a 10 mg/dl) e prolongamento do tempo de protrombina. EAS: albuminúria de 300 a 500 mg. DIAGNÓSTICO É clínico, epidemiológico e laboratorial. O diagnóstico laboratorial é feito por isolamento do vírus de amostras de sangue ou de tecido hepático, por detecção de antígeno em tecido (imunofluorescência e imunoperoxidase) ou por sorologia. Estes últimos são todos complementares aos primeiros e as técnicas utilizadas são: captura de IgM (MAC- ELISA), inibição de hemaglutinação (IH), fixação do complemento (FC) e neutralização (TN). À exceção do MAC-ELISA, todos os outros testes necessitam de duas amostras pareadas de sangue, considerando-se positivos os resultados que apresentam aumento dos títulos de anticorpos de, no mínimo, 4 vezes, entre a amostra colhida no início da fase aguda comparada com a da convalescença da enfermidade (intervalo entre as coletas de 14 a 21 dias). O MAC-ELISA, na maioria dos casos, permite o diagnóstico presuntivo com uma .única amostra de soro, pois . bastante sensível para detecção de IgM, dispensando o pareamento do soro. Técnicas de biologia molecular para detecção de antígenos virais e/ou ácido nucléico viral (reação em cadeia de polimerase (PCR), imunofluoresc.ncia, imunohistoquímica e hibridização in situ), embora não utilizadas na rotina, são de grande utilidade. Há alterações das aminotransferases, que podem atingir níveis acima de 2.000 unidades/mm., sendo a AST (TGO) mais elevada que a ALT (TGP). As bilirrubinas também se elevam nos casos graves, especialmente a fra..o direta, atingindo níveis acima de 10mg/mm3. Até o 5º dia do início dos sintomas, deve-se coletar sangue para isolamento viral em cultura de células e detecção do genoma viral através da técnica de PCR em tempo real. Do 6º dia em diante, realiza-se sorologia para detecção de IgM (MAC-ELISA) e/ou IgG (neste caso coletam-se amostras pareadas visando demonstrar a “soroconversão”, isto é, o aumento nos títulos de anticorpos > 4x entre uma dosagem e outra). Tecidos coletados por biópsia ou necropsia também podem ser analisados para fins de diagnóstico, permitindo isolamento viral, PCR em tempo real e pesquisa de antígenos por imuno- histoquímica. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL As formas leves e moderadas se confundem com outras viroses, por isso são de difícil diagnóstico, necessitando-se da história epidemiológica para a sua identificação. As formas graves clássicas ou fulminantes devem ser diferenciadas das hepatites graves fulminantes, leptospirose, malária por Plasmodium falciparum, febre hemorrágica do dengue e septicemias. Definição de Caso ●Suspeito 1 - Indivíduo com quadro febril agudo (até. 7 dias), acompanhado de icterícia e/ou manifestações hemorrágicas, não vacinado contra Febre Amarela ou com estado vacinal ignorado. ●Suspeito 2 - Indivíduo com quadro febril agudo (até 7 dias), residente ou que esteve em área com transmissão viral (ocorrência de casos humanos, epizootias ou de isolamento viral em mosquitos) nos últimos 15 dias, não vacinado contra Febre Amarela ou com estado vacinal ignorado. ●Confirmado - Todo caso suspeito que apresente pelo menos uma das seguintes condições: isolamento do vírus, MAC- ELISA positivo, laudo histopatológico compatível e com vínculo epidemiológico, elevação em quatro vezes ou mais nos t.tulos de anticorpos IgG através da técnica de IH (Inibição da Hemaglutinação), ou detecção de genoma viral; ou todo indivíduo assintomático ou oligossintomático originado de busca ativa que n.o tenha sido vacinado e que apresente sorologia (MAC-ELISA) positiva para Febre Amarela. ●Confirmado por critério clínico epidemiológico: Todo caso suspeito que apresente pelo menos uma das seguintes condições: isolamento do vírus, MAC-ELISA positivo, laudo histopatológico compatível e com vínculo epidemiológico, elevação em quatro vezes ou mais nos t.tulos de anticorpos IgG através da técnica de IH (Inibição da Hemaglutinação), ou detecção de genoma viral; ou todo indivíduo assintomático ou oligossintomático originado de busca ativa que n.o tenha sido vacinado e que apresente sorologia (MAC-ELISA) positiva para Febre Amarela. ● Descartado: Caso suspeito com diagnóstico laboratorial negativo, desde que se comprove que as amostras foram coletadas e transportadas adequadamente; ou caso suspeito com diagnóstico confirmado de outra doença. TRATAMENTO O tratamento é de suporte: Devemos repor volume com solução cristaloide de acordo com parâmetros hemodinâmicos, iniciamos vitamina K para a correção da hipoprotrombinemia e, em casos de evolução para insuficiência renal, a diálise encontra-se indicada. Casos graves devem ser conduzidos em ambiente de terapia intensiva. Não existe tratamento antiviral específico. É apenas sintomático, com cuidadosa assistência ao paciente que, sob hospitalização, deve permanecer em repouso, com reposição de líquidos e das perdas sanguíneas, quando indicada. Os quadros clássicos e/ou fulminantes exigem atendimento em unidade de terapia intensiva (UTI), o que reduz as complicações e a letalidade. PROFILAXIA : Vacina Antiamarílica: A vacinação é o principal método preventivo contra todas as formas da doença. A vacina é altamente imunogênica, sendo eficaz em 95% dos casos, a partir de dez dias de sua aplicação. Trata-se de vacina de vírus atenuado (vivo), chamada YF-17DD. As reações adversas ocorrem em 10% dos casos, mas são geralmente discretas, exceto em idosos (> 60 anos) e imunodeprimidos, onde o risco de doença viscerotrópica vacinal é grande (nesta condição o próprio vírus atenuado consegue provocar doença multiorgânica, acarretando elevada letalidade). Todos os residentes e visitantes em áreas de potencial transmissão devem receber a vacina. Em 2017, o Ministério da Saúde atualizou suas recomendações para a vacinação contra a febre amarela. Agora, excetuando as populações indígenas, as demais pessoas devem receber apenas UMA DOSE da vacina! Esta recomendação está em consonância com o preconizado pela OMS, conforme o Regulamento Sanitário Internacional (RSI). Pelo calendário vacinal básico, nas Áreas Com Recomendação de Vacina (ACRV), essa dose deve ser feita aos 9 meses de idade. A vacina contra a febre amarela não deve ser dada ao mesmo tempo que as vacinas tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) ou tetra viral (tríplice + varicela): é preciso um intervalo mínimo de 30 dias entre uma vacina e outra (motivo: existem evidências de menor imunogenicidade da vacina contra a FA se a mesma for feita junto com as referidas vacinas)... As demais vacinas do calendário vacinal básico PODEM ser feitas ao mesmo tempo que a vacina contra a febre amarela! Pessoas com mais de nove meses de idade que não tiverem sido vacinadas podem receber dose única da vacina a qualquer momento, na ausência de contraindicações (ex.: imunodepressão grave, anafilaxia ao ovo de galinha). Pessoas com mais de 60 anos de idade PODEM receber a vacina de forma individualizada, a critério clínico... Como vimos, o risco de complicações vacinais graves é maior nesta faixa etária, porém, esse risco varia em função da existência de comorbidades e do estado geral de saúde. Em situações de surto,por exemplo, pode-se autorizar a vacinação de pacientes idosos considerados hígidos, principalmente se o risco de adquirir a doença for maior que o risco de complicações vacinais (residência próxima a local com circulação viral confirmada). Gestantes e nutrizes também só devem ser vacinadas em situação de elevado risco de aquisição da doença, como na ocorrência de casos confirmados em humanos, macacos ou vetores próximos ao local de residência. Em se tratando de nutrizes, a amamentação deve ser temporariamente suspensa nos dez dias subsequentes ao recebimento da vacina, pois o vírus vacinal passa pelo leite materno e a vacina é contraindicada em crianças com menos de seis meses de idade. Para as populações indígenas, o calendário vacinal do Ministério da Saúde é diferente, e neste caso indica-se REFORÇO vacinal: (1) crianças vacinadas aos 9 meses recebem reforço aos 4 anos de idade; (2) pessoas que se vacinaram após a idade de 5 anos devem receber uma dose de reforço após 10 anos da primeira dose. Controle dos Vetores: Não há como controlar o Haemagogus do ciclo silvestre, mas o Aedes aegypti pode ser erradicado das cidades e arredores, um objetivo fundamental para o Ministério de Saúde atualmente, para que se possa evitar o retorno da febre amarela urbana – uma doença bem pior do que a própria dengue. CHIKUNGUNYA Virologia: O Chikungunya (CHIKV) é um arbovírus de RNA fita única pertencente ao gênero Alphavirus, da família Togaviridae. Em nosso meio, seus principais vetores são os mesmos mosquitos que transmitem a dengue: Ae. aegypti e Ae. albopictus (FIGURA 3). No entanto, particularmente no continente africano, outras espécies de Aedes e outros tipos de mosquito também podem estar envolvidos em sua transmissão, como espécies dos gêneros Culex, Mansonia e Anopheles, por exemplo. Em seu ciclo natural o homem é o hospedeiro definitivo, enquanto os primatas não humanos e outros vertebrados como roedores, pássaros e pequenos mamíferos representam hospedeiros intermediários. No meio urbano, o vetor transmite a doença de pessoa a pessoa, sem precisar do hospedeiro intermediário. Epidemiologia: O vírus foi descrito pela primeira vez em 1952, na Tanzânia (África Ocidental), sendo uma doença primariamente endêmica naquela região. Nos anos subsequentes, surtos eventuais e autolimitados foram descritos em outras regiões africanas e no sudeste asiático. No entanto, de 2004 em diante, observa-se uma expansão geográfica extremamente ampla dessa arbovirose... Tudo começou com uma epidemia maciça em algumas ilhas do oceano índico (Lamu, Reunião e Comoro – onde quase 100% da população se infectou). Na sequência, a doença se espalhou rapidamente pela Índia e pela Ásia, aparecendo de forma transitória na Itália e na França (nestes locais o surto foi espontaneamente interrompido com a chegada do inverno europeu, uma época do ano em que a densidade populacional do vetor diminui). Sem muita surpresa, a partir de 2013 o CHIKV se estabeleceu nas Américas, e agora faz parte do rol de “doenças tropicais” que ameaçam a população brasileira. A febre de chikungunya é uma doença de notificação compulsória. Esta notificação deve ser semanal, exceto nos casos de óbito, manifestações “atípicas” ou ocorrência em área não endêmica, quando a notificação passa a ser imediata (em até 24h)! Manifestação Clínica: O período de incubação varia de 1 a 12 dias. A fase aguda é marcada pelo início abrupto de febre alta (até 40ºC), que dura no máximo dez dias (média de sete dias). Por volta do 2º ao 5º dia sobrevém um quadro de intensa poliartralgia, que predomina em mãos, punhos e tornozelos. O acometimento tende a ser simétrico e distal, e em 30-50% das vezes o esqueleto axial também é envolvido. O exame físico costuma revelar edema periarticular (30-95% dos casos), sendo os derrames sinoviais volumosos menos frequentes (cerca de 15% apenas). A dor articular associada à chikungunya pode ser intensa e INCAPACITANTE! Queixas gastrointestinais e linfadenopatia (principalmente cervical) são outras manifestações que podem ser encontradas. Um rash eritematoso maculopapular aparece em 40-75% dos pacientes, iniciando-se por volta do 3º dia e durando entre três a sete dias. Pode haver prurido e formação de bolhas (principalmente em crianças). Após o término da fase aguda febril é comum a persistência de queixas articulares (fase subaguda), como rigidez matinal, dor e edema, geralmente nas mesmas articulações anteriormente afetadas! Este quadro pode ter um curso contínuo ou intermitente, e pode ser acompanhado por tenossinovite hipertrófica (ex.: que no punho complica com a síndrome do túnel do carpo). A duração é variável, com a maioria dos casos regredindo em até três meses. Uma pequena parcela experimenta poliartralgia/artrite por > 3 meses, entrando fase crônica da doença. Estes pacientes podem evoluir com deformidades (artropatia crônica destrutiva), semelhante à artrite reumatóide ou artrite psoriásica, mas a maioria se recupera sem sequelas. Cerca de 20% desenvolve fenômeno de Raynaud, que aparece no segundo ou terceiro mês após a fase aguda. Outras queixas descritas na fase crônica são: fadiga, cefaleia, prurido, alopecia, dor neuropática, alterações cerebelares, distúrbios do sono, deficit de atenção e memória, depressão e turvação visual. A fase crônica pode durar até três anos! Os principais fatores de risco relacionados a umaevolução crônica (> 3 meses de duração) são: Idade > 45 anos; Doença articular prévia; Maior intensidade dos sintomas na fase aguda. Laboratório: Na fase aguda é comum o surgimento de leucopenia (às vezes com linfocitose ou linfopenia) e mais raramente trombocitopenia. As aminotransferases podem estar elevadas. A maioria dos pacientes que evolui com sintomas persistentes desenvolve crioglobulinemia concomitante, e os níveis de VHS e proteína C-reativa costumam ficar aumentados por várias semanas. Diagnóstico: No Brasil, recomenda-se que dentro da primeira semana após o início dos sintomas dois exames de sangue sejam feitos em paralelo: (1) sorologia, com ELISA antichikungunya IgM e IgG; e (2) RT-PCR (ou isolamento viral em cultura de células). Se o paciente apresentar manifestações neurológicas, os mesmos exames devem ser realizados no liquor. Os métodos virológicos (isolamento viral e RT-PCR) são mais sensíveis até o 5º dia de doença. Já os métodos imunológicos passam a ser mais sensíveis após o 5º dia, e devem ser coletados de forma pareada (1ª amostra nos primeiros 8 dias, 2ª amostra entre 14-45 dias) a fim de confirmar a soroconversão (aumento nos títulos de IgG anti-chikungunya em pelo menos quatro vezes). Tratamento e Prevenção: É feito com medidas de suporte clínico, como o uso de antitérmicos/analgésicos para alívio da febre e da poliartralgia. A droga de escolha é o paracetamol,podendo-se associar dipirona ou mesmo codeína em casos refratários. Deve-se evitar o uso de AINEs durante a fase aguda, pelo risco de coinfecção pelo vírus da dengue e consequente aumento no risco de hemorragias! Não há tratamento antiviral específico comprovadamente eficaz, assim como não há vacina. Após a fase aguda os AINEs podem ser usados. Se uma ou poucas articulações apresentarem artrite, pode-se optar por injeções intra-articulares de glicocorticoide. Na vigência de sintomas refratários e intensos, imunossupressores, como o metotrexate, devem ser tentados. Pacientes que evoluem com artralgia crônica incapacitante podem receber analgesia com morfina ou derivados. As principais medidas preventivas são as mesmas já descritas para a dengue, isto é, basicamente controle ambiental da população de mosquitos
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