Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Andressa Marques – medicina UFR →Presença de sangramento no recém-nascido (RN) pode estar associada a quadros graves de infecção, doenças hematológicas ou deficiência de vitamina K. Para o tratamento correto, é necessário que se obtenha o diagnóstico preciso. →A doença hemorrágica do RN é uma diátese hemorrágica resultante da deficiência da vitamina K e consequentemente, da diminuição da atividade dos fatores de coagulação vitamina K dependente, em que a associação de um bom exame clínico, anamnese e provas de coagulação fazem o diagnóstico. FISIOPATOLOGIA →Existem 3 fatores importantes no desencadeamento da deficiência da Vit. K: • Diminuição da ingestão de Vit. K; • Diminuição da absorção intestinal; • Diminuição da produção de Vit. K pelas bactérias do cólon (modificação da flora pelos antibióticos) →Há evidência que a Vit. K, seja deficientemente transportada pela placenta até o feto: os estoques hepáticos de Vit. K do feto humano são baixos, com concentrações por volta de 1/5 da encontrada nas crianças mais velhas e nos adultos. →Anticonvulsivantes: primidona, carbamazepina, hidantoína e especialmente barbitúricos administrados à mãe, diminuem os níveis de fatores dependentes da Vit. K. AVALIAÇÃO CLÍNICA INICIAL ➢ HISTÓRIA →Todo RN que apresentar sangramento significativo necessita de investigação de seus mecanismos hemostáticos. →Investigação inicial de um RN com sangramento deve ter uma história completa, ressaltando-se os seguintes pontos: história familiar de sangramento, história das gestações anteriores, história de doenças de coagulação na família, doenças maternas (principalmente infecções), drogas usadas na mãe e no neonato, certeza da administração da vitamina K no RN. →Também é importante saber na história se foi realizado aspirado gástrico. Esse procedimento, quando realizado de forma inadequada, pode levar a lesão de mucosa com sangramento digestivo alto. A presença de líquido amniótico sanguinolento pode levar a diagnósticos errôneos de sangramento digestivo. →As crianças que são amamentadas ao seio devem ter suas mães investigadas para fissura mamária. A deglutição de leite materno com sangue é um fator de confusão para diagnósticos de sangramento digestivo. →Presença de situações de estresse deve ser valorizada, sendo comum a ocorrência de hemorragia digestiva em RN internados em unidades de terapia intensiva neonatal, provocada por úlceras. ➢ EXAME FÍSICO →Importante observar primeiramente se o sangramento é localizado ou difuso. Se o aspecto clínico é de uma criança doente ou saudável. →RN saudável normalmente apresenta petéquias onde houve congestão venosa ou traumatismo no parto. A presença de petéquias exclusivamente na face é consequência de circular de cordão ou apresentação de face. Essas petéquias comumente aparecem imediatamente após o parto, desaparecendo com o passar dos dias, não estando associadas com outros sangramentos. →RN com doença plaquetária normalmente não parece doente, ocorre um aumento gradual das petéquias, equimoses, sangramentos localizados (p.ex., gastrointestinal). Andressa Marques – medicina UFR →Nos casos de coagulação intravascular disseminada (CIVD), o sangramento aparece em vários locais e o RN apresenta-se com aspecto doente. →No RN, não é comum a presença de hemartrose em casos de deficiência de fatores de coagulação. →RN com mau estado geral são suspeitos de quadros infecciosos ou de CIVD. Quadros de hepatoesplenomegalia e icterícia sugerem quadro infeccioso e CIVD. →RN em bom estado geral que apresenta sangramento tem diagnóstico provável de doença hemorrágica do RN, alterações plaquetárias ou deficiência dos fatores de coagulação. →Casos de sangramento digestivo alto, em RN aparentemente saudável, o sangue pode ser de origem materna (deglutido na hora do parto, fissura mamária) e é considerada como uma pseudo-hemorragia do RN. →Na simples inspeção do sangramento, não é possível diferenciar se o sangue é de origem materna ou do RN. Para auxiliar no diagnóstico, é útil a realização do teste de Apt-Downey, que diferencia a hemoglobina materna da hemoglobina fetal. AVALIAÇÃO LABORATORIAL INICIAL →Tempo de protrombina (TP): mede a formação da trombina a partir da protrombina em presença dos fatores V, VII e X (prova da via extrínseca a partir de fator tecidual). →Tempo parcial de tromboplastina ativada (ATTP): avalia o sistema intrínseco da coagulação: XII, XI, IX, VIII, X, V, II e I. →International normalised ratio (INR); →Fibrinogênio; →Contagem de plaquetas; →Teste de Apt-Downey: deve-se misturar fezes ou material emético com água (1:5) e centrifugar a mistura. Depois, deve-se adicionar 1 mL 0,25 N de hidróxido de sódio em 5 mL do sobrenadante e esperar 5 minutos. A coloração marrom-amarelada indica hemoglobina de adulto; a coloração rósea indica hemoglobina fetal. VALORES LABORATORIAIS DOS FATORES DE COAGULAÇÃO DOENÇA HEMORRÁGICA DO RN POR DEFICIÊNCIA DE VITAMINA K →Uso profilático da vitamina K reduziu drasticamente o número de crianças com doença hemorrágica do RN. →Vitamina K está relacionada com a síntese da protrombina (fator II) e com a produção dos fatores VII, IX e X, que são sintetizados no fígado. →Na ausência da vitamina K, o fígado sintetizará proteínas precursoras inativas. Por ser uma vitamina lipossolúvel, só pode ser absorvida no intestino na presença de sais biliares. Como a capacidade de Andressa Marques – medicina UFR armazenagem da vitamina K é baixa e a meia-vida dos fatores dependentes da vitamina K é curta, ocorre deficiência desses fatores rapidamente quando a ingesta é insuficiente. →Na natureza, são encontrados dois tipos de vitamina K: • Vitamina K1: encontrada em verduras e no leite • Vitamina K2: sintetizada na flora bacteriana intestinal, onde é absorvida em pequenas quantidades. Como o intestino do feto é estéril, a produção e a absorção da vitamina K2 não ocorre. Portanto, nos primeiros dias de vida, a única fonte de vitamina K para o RN provém da alimentação. →Vitamina K3: hidrossolúvel, sintética e não é mais usada no tratamento por causar anemia hemolítica com consequente hiperbilirrubinemia. →São considerados fatores de risco para doença hemorrágica do RN as seguintes situações: • Uso de anticonvulsivantes na gestação; • Não receber vitamina K, intramuscular (IM), profilática ao nascimento; • Jejum crônico sem suplementação de vitamina K; • Uso de antibióticos de largo espectro e RN com mucoviscidose. QUADRO CLÍNICO →O RN com deficiência de vitamina K possui três apresentações clínicas: precoce, clássica e tardia. ➢ QUADRO PRECOCE →Está relacionado com o uso de medicações maternas, durante a gestação, que interferem nos depósitos ou na função da vitamina K. →O quadro clínico inicia-se nas primeiras 24 horas de vida. →Trata-se de uma doença muito pouco frequente. →Observam‑se hemorragia umbilical, hematomas e sangramento em locais de punção nas primeiras 24 horas de vida. →O diagnóstico é feito por apresentar um quadro clínico precoce associado à história de medicação durante a gestação. As gestantes que fazem uso dessas medicações devem receber vitamina K no último trimestre da gestação para assegurar uma oferta adequada para o feto. →Logo, o quadro precoce não está relacionado com a falta de profilaxia, mas, sim, associado ao uso de drogas utilizadas pela gestante. ➢ QUADRO CLÁSSICO →Usualmente, são crianças com aspecto saudável, sem quadro clínico de asfixia ou infecção, mas que apresentam sangramento. →Este ocorre durante a primeira semana de vida, a partir do segundo dia, frequentemente em sistema digestivo, umbigo ou após algum procedimento invasivo. ➢ QUADRO TARDIO →Encontrado em crianças entre 8 dias e 12 semanas de idade. →Está associado a uma baixa ingesta, deficiência na absorção ou produçãodiminuída de vitamina K. →Incidência pode variar, dependendo do manejo clínico desses pacientes. →População de risco em que ocorrem esses casos é: RN em nutrição parenteral total, diarreia crônica, fibrose cística, deficiência de alfa-1-antitripsina, hepatite, doença celíaca e distúrbios da absorção de gorduras. Nesses casos, deverá ser suplementada a vitamina K em intervalos regulares, conforme indicação específica de cada doença. →Em 50 a 63% dos pacientes a doença se manifesta como hemorragia intracraniana, e a mortalidade é cerca de 20%. Andressa Marques – medicina UFR DIAGNÓSTICO LABORATORIAL →Baseado na medida indireta dos fatores de coagulação dependentes da vitamina K. →Nível de fibrinogênio e de plaquetas estão normais. →TP e o ATTP possuem uma variação muito grande no tempo de coagulação, necessitando curvas de diluição precisas. Além disso, o RN possui de 30 a 60% dos níveis plasmáticos dos fatores de coagulação do adulto. →Na deficiência de vitamina K, o TP e o ATTP estão prolongados (aumentados) e o INR é superior a 1. (O INR com- para o padrão de coagulação do indivíduo com o da população, valores superiores a 1 indicam que o RN possui uma coagulação mais lenta que a da população.) →Outras formas de auxílio diagnóstico são a dosagem de vitamina K1 ou a dosagem de fatores inativos da protrombina (FIPT). • Dosagem de vitamina K1 pode ser obtida por meio de um kit de radioimunoensaio, que é usado para estudos, com pouca aplicabilidade na clínica diária. • Dosagem de FIPT está baseada na produção de proteínas sintetizadas pelo fígado sem a capacidade de coagulação. Essas proteínas são produzidas quando ocorre deficiência de vitamina K. A presença dessas substâncias em níveis elevados indica deficiência de vitamina K. →Na prática diária, usa-se como diagnóstico laboratorial a dosagem de TP, ATTP e INR elevados. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL →Como falado anteriormente, o RN que apresenta um quadro clínico de doença hemorrágica por deficiência de vitamina K usualmente apresenta um bom estado geral, com sangramento digestivo, umbilical ou após procedimento cirúrgico, como circuncisão. As provas de coagulação revelam TP e ATTP aumentados. As plaquetas e o fibrinogênio estão normais. Com o uso de vitamina K o quadro hemorrágico é interrompido em 12 a 24 horas após a sua administração. Andressa Marques – medicina UFR PROFILAXIA →Uso de vitamina K via IM reduz a incidência do quadro clássico de doença hemorrágica do RN. →A administração de 1 mg de vitamina K, IM, eleva os níveis de vitamina K1 em 1.000 vezes. →Esses níveis são acima do necessário para a prevenção da doença hemorrágica do RN. Seu uso por via oral (VO) foi demonstrado ser eficaz e são necessárias 3 doses por VO nos primeiros 2 meses de vida. TRATAMENTO →RN que não recebeu vitamina K ao nascimento e que não estiver apresentando o quadro de doença hemorrágica do RN deve receber 1 mg, IM. →RN que estiver recebendo nutrição parenteral por mais de 2 semanas ou fazendo uso de antibióticos por período prolongado (2 semanas ou mais) necessita receber suplemento de vitamina K 0,5 mg, IM ou endovenoso (EV). →Uso de plasma fresco congelado (PFC) deverá ser reservado em situações de emergência. →Na presença de sangramento importante, em que é necessário repor rapidamente os fatores de coagulação, com aumento do TP e do ATTP está indicado o uso de PFC, a via de administração é EV no volume de 10 mL/kg, podendo ser repetido a cada 8 a 12 horas. →Em situações em que o sangramento é pequeno e o diagnóstico de doença hemorrágica for a maior suspeita, deverá ser administrada vitamina K na dosagem de 1 a 2 mg, EV. →Nas situações em que a gestante está fazendo uso de hidantoinatos, fenobarbital ou outros anticonvulsivantes, está indicado o uso de 10 mg de vitamina K na gestante, 24 horas antes do parto, e deve ser feita a profilaxia com 1 mg de vitamina K no RN, repetindo a dose após 24 horas. →Se houver sinais de sangramento no RN, deverão ser colhidas provas de coagulação (plaquetas, TP e ATTP). REFERÊNCIAS Tratado de Pediatria da Sociedade Brasileira de Pediatria, 4ª edição, volume 2.
Compartilhar