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Glicólise e Gliconeogênese Introdução Em animais e vegetais, a glicose tem quatro destinos: pode ser usada na síntese de polissacarídeos; pode ser armazenada; ser oxidada a piruvato para fornecer ATP; ou ser oxidada pela via das pentoses-fosfato. Organismos fotossintéticos fazem glicose por redução do CO2. Organismos não fotossintéticos produzem glicose pelo processo de gliconeogênese. Glicólise Na glicólise, uma molécula de glicose é quebrada, gerando duas moléculas de três carbonos, o piruvato. Nessa reação, parte a energia é conservada em ATP e NADH. A glicólise é uma via central quase universal do metabolismo da glicose. Nas reações de fermentação, ocorre a quebra anaeróbia da glicose para obter energia. A glicólise ocorre em 10 etapas, onde 5 constituem a fase preparatória, em que a glicose é fosforilada (etapa 1) à glicose-6-fosfato. A glicose-6-fosfato é convertida à frutose-6-fosfato (etapa 2). A frutose-6-fosfato é fosforilada à frutose-1,6-bifosfato (etapa 3). Nas duas fosforilações, o ATP fornece os fosforils. A frutose-1,6-bifosfato é dividida em duas moléculas de três carbonos: a dihidroxicetona-fosfato e o gliceraldeído-3-fosfato (etapa 4). A dihidroxicetona-fosfato é isomerizada a outra molécula de gliceraldeído-3-fosfato (etapa 5), finalizando a fase preparatória. O ganho de energia provém da fase de pagamento. A etapa 6 é onde o gliceraldeído-3-fosfato é oxidado e fosforilado por fosfato não orgânico para formar 1,3-bifosfatoglicerato. Duas moléculas de 1,3-bifosfatoglicerato são convertidas a duas moléculas de piruvato (etapa 7 a 10). O piruvato pode ser metabolizado por três rotas catabólicas. Em organismos aeróbios, o piruvato é oxidado para formar acetil-CoA e ser levado, posteriormente, ao ciclo de Krebs (ciclo do ácido cítrico). O segundo destino é a fermentação lactática. Quando em contração vigorosa, o músculo esquelético trabalha em condições anaeróbios, onde o NADH não pode ser reoxidado a NAD+. Sendo assim, o piruvato é reduzido a lactado, recebendo os elétrons do NADH. O terceiro destino é a fermentação alcoólica. Leveduras, em condições anaeróbias, produzem etanol e CO2 a partir do piruvato. Fase Preparatória Na fase preparatória da glicólise, duas moléculas de ATP são consumidas. Na etapa 1 ocorre a fosforilação irreversível da glicose com o ATP como doador e a hexoquinase como enzima. As quinases são enzimas que catalisam a transferência do grupo fosforil do ATP. Na etapa 2 ocorre a conservação da glicose-6-fosfato a frutose-6-fosfato pela enzima fosfo-hexose-isomerase, sendo uma reação reversível. Na etapa 3 ocorre a fosforilação da frutose-6-fosfato a frutose-1,6-bifosfato pela enzima fosfofrutoquinase-1, que catalisa a transferência irreversível de um grupo fosforil do ATP. Essa enzima pode ser inibida quando a célula tiver muito ATP e estiver bem suprida por outro combustível, como ácidos graxos. Na etapa 4 ocorre a clivagem reversível da frutose-1,6-bifosfato para a formação de duas trioses-fosfato, o gliceraldeído-3-fosfato e a dihidroxicetona- fosfato por meio da enzima frutose-1,6- bifosfato-aldolase ou apenas aldolase. Na etapa 5 ocorre a interconversão das trioses-fosfato, onde a dihidroxicetona- fosfato é convertida a gliceraldeído-3- fosfato pela enzima triose-fosfato- isomerase em uma reação reversível. Isso ocorre porque apenas o gliceraldeído pode ser degradado nas outras fases da glicólise. Fase de Pagamento A fase de pagamento da glicólise inclui as etapas de fosforilação que conservam energia em ATP e NADH. Na etapa 6 ocorre a oxidação do gliceraldeído-3-fosfato a 1,3- bifosfatoglicerato por meio da enzima gliceraldeído-3-fosfato-desidrogenase. Isso ocorre sem um ATP, e sim com um anidrido de ácido carboxílico com ácido fosfórico, o acil-fosfato. Na etapa 7 ocorre a transferência de um grupo fosforil de 1,3-bifosfatoglicerato a um ADP, formando ATP e 3-fosfoglicerato pela enzima fosfoglicerato-quinase. Como se observa, as etapas 6 e 7 constituem um processo de acoplamento de energia em que 1,3-bifosfoglicerato é um intermediário comum. A energia liberada da oxidação de um aldeído a um grupo carboxilato é conservada pela formação coplada de ATP a partir de ADP e Pi. Na etapa 8 ocorre a conversão do 3- fosfoglicerato para 2-fosfoglicerato pela enzima fosfoglicerato-mutase em uma reação reversível. Na etapa 9 ocorre a desidratação de 2-fosfoglicerato para fosfoenolpiruvato pela enzima enolase que promove a remoção reversível de água do 2-fosfoglicerato. Essa reação converte um composto com baixo potencial de transferência de grupo fosforil para um com alto potencial. Na etapa 10 ocorre a transferência de um grupo fosforil do fosfoenolpiruvato para um ADP, formando ATP com a enzima piruvato-quinase. O piruvato resultante aparece inicialmente em sua forma enólica, depois tautomeriza de modo rápido à sua forma cetônica, que predomina em pH 7,0. Balanço Geral O balanço geral da glicólise é demonstrado na seguinte fórmula: Glicose + 2NAD+ + 2ADP + 2Pi → 2Piruvato + 2ADP + 2NADH + 2H+ + 2ATP + 2H2O Para produzir a mesma quantidade de ATP, é necessário consumir cerca de 15 vezes mais glicose em condições anaeróbias do que aeróbias. Carboidratos da Glicólise O amido é a principal fonte de carboidratos na dieta. Sua digestão tem início na boca, onde a α-amilase salivar hidrolisa suas ligações glicosídicas. No estômago, a α-amilase é inativada pelo pH baixo, voltando apenas no intestino delgado, onde gera maltose, maltotriose e dextrinas. A maltose e as dextrinas são degradados até glicose por enzimas intestinais. O glicogênio da dieta segue a mesma via do amido. A celulose é digerida por ruminantes, que produzem a celulase, uma enzima que degrada celulose em glicose. Os estoques de glicogênio podem ser mobilizados para o uso da célula por uma reação fosfolítica pela enzima glicogênio-fosforilase (amido-fosforilase em vegetais), gerando glicose-1-fosfato e um polímero com uma unidade de glicose a menos. A glicose-1-fosfato é convertida a glicose-6-fosfato pela fosfoglicomutase em uma reação reversível. Já os dissacarídeos devem ser hidrolisados a monossacarídeos antes de entrar na célula. Esses monossacarídeos formados são transportados ao sangue e para vários tecidos, onde são fosforilados e entram na sequência glicolítica. A frutose, por exemplo, é fosforilada pela hexoquinase, gerando frutose-1- fosfato. A frutose-1-fosfato é clivada a gliceraldeído e dihidroxicetona-fosfato, onde o gliceraldeído é fosforilado pelo ATP e a dihidroxicetona-fosfato é convertida a gliceraldeído-3-fosfato. Assim, ambos gliceraldeídos entram na glicólise. Fermentação Láctica Em condições anaeróbias, o NADH gerado pela glicólise não pode ser reoxidado pelo O2. A falta de NAD+ deixaria a célula carente de aceptor de elétrons para a oxidação de gliceraldeído-3-fosfato, portanto, o NAD+ é regenerado de outra forma: pela glicólise anaeróbia. Quando tecidos animais estão sem oxigênio, o NAD+ é regenerado a partir de NADH pela redução do piruvato a lactato pela lactato-desidrogenase. O lactato formado pelo músculo esquelético pode ser reciclado no fígado, onde é convertido em glicose. Quando o lactato é produzido em grande quantidade em exercício intenso, a acidificação do lactato em ácido láctico nos músculos e no sangue promove a fadiga muscular. Portanto, fermentação é o processo que extrai energia, mas não consome oxigênio nem varia as concentrações de NAD+ ou NADH+. Fermentação Alcóolica Leveduras fermentam glicose em etanol e CO2 em duas etapas: Na primeira etapa, o piruvato é descarboxilado de modo irreversível pela enzima piruvato-descarboxilase e pela coenzima tiamina-pirofosfato (TPP - derivada da vitamina B1). Na segunda etapa, o acetaldeído é reduzido a etanol de maneira reversível pela enzimaálcool- desidrogenase e pelo NADH. Assim, a equação geral da fermentação alcóolica é: Glicose + 2ADP + 2Pi → 2 etanol + 2CO2 + 2ATP + 2H2O Gliconeogênese A gliconeogênese é o método para sintetizar glicose a partir de precursores que não são carboidratos, ou seja, criar glicose a partir de piruvato e compostos de três e quatro carbonos relacionados. Em mamíferos, ela ocorre no fígado, córtex renal e no intestino delgado. Após exercícios intensos, o lactato produzido no músculo retorna ao fígado, onde é convertido em glicose, que volta aos músculos para ser convertida a glicogênio. A gliconeogênese e a glicólise compartilham várias etapas. Porém, três reações da glicólise são irreversíveis e não podem ser utilizadas na gliconeogênese: → Conversão de glicose em glicose-6- fosfato; → Fosforilação da frutose-6-fosfato em frutose-1,6-bifosfato; → Conversão de fosfoenolpiruvato em piruvato. Sendo assim, a gliconeogênese contorna essas três etapas por meio de diferentes enzimas. Conversão de Fosfoenolpiruvato em Piruvato A primeira reação de contorno é a conversão de piruvato em fosfoenolpiruvato (PEP) pela substituição da enzima piruvato- quinase. Primeiro, o piruvato é transportado do citosol para a mitocôndria ou é gerado dentro da mitocôndria pela transaminação da alanina. Depois, a enzima piruvato- carboxilase e a coenzima biotina convertem o piruvato a oxaloacetato: Piruvato + HCO3- + ATP → Oxaloacetato + ADP + Pi A biotina é utilizada como transportadora ativa de bicarbonato. Como a membrana mitocondrial não tem transportador para o oxaloacetato, o mesmo deve ser reduzido a malato pela enzima malato-desidrogenase com o consumo de NADH: Oxaloacetato + NADH + H+ ↔ Malato + NAD+ O malato deixa a mitocôndria por um transportador e no citosol ele é reoxidado a oxaloacetato com a produção de NADH: Malato + NAD+ → Oxaloacetato + NADH + H+ Por fim, o oxaloacetato é convertido a PEP pela fosfoenolpiruvato- carboxiquinase. Esta reação reversível utiliza GTP como doador de fosforil: Oxaloacetato + GTP ↔ PEP + CO2 + GDP Quando o lactato é o precursor, sua conversão em piruvato gera NADH, e a sua exportação como malato da mitocôndria é desnecessária. Dentro da mitocôndria, o piruvato é convertido a oxaloacetato e este é convertido diretamente a PEP. O PEP é então transportado para fora da mitocôndria para dar continuidade à gliconeogênese. Fosforilação da Frutose- 6-fosfato A segunda reação de contorno é a fosforilação da frutose-6-fosfato pela fosfofrutoquinase-1. Como essa reação é irreversível, a geração de frutose-6-fosfato a partir de frutose-1,6-bifosfato é catalisada por outra enzima, a frutose-1,6- bifosfatase, que promove a hidrólise irreversível do fosfato em C-1: Frutose-1,6-fosfato + H2O → Frutose-6- fosfato + Pi Conversão de Glicose-6- fosfato em Glicose O terceiro contorno é a reação final da gliconeogênese, a formação de glicose. A reação é catalisada pela glicose-6- fosfatase, ocorrendo a hidrólise simples de uma ligação éster fosfato: Glicose-6-fosfato + H2O → Glicose + Pi Balanço Energético Na gliconeogênese, para cada molécula de glicose formada a partir de piruvato, seis grupos fosfato são consumidos (4ATP e 2GTP). Além disso, são necessárias duas moléculas de NADH. Portanto, a gliconeogênese é uma reação de alto custo energético, mas necessária.