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5 I. RESUMO Antagonista colinérgico é um termo geral para os fármacos que se ligam aos colinoceptores (muscarínicos ou nicotínicos) e previnem os efeitos da acetil- colina (ACh) ou outros agonistas colinérgicos. Os fármacos deste grupo cli- nicamente mais úteis são os bloqueadores seletivos dos receptores musca- rínicos. São denominados comumente de fármacos anticolinérgicos (um termo impróprio, pois antagonizam apenas os receptores muscarínicos), fármacos antimuscarínicos (termo mais preciso) ou parassimpaticolíticos. Os efeitos da inervação parassimpática são interrompidos, e as ações da estimulação simpática ficam sem oposição. Um segundo grupo de fármacos, os bloqueadores ganglionares, mostra preferência pelos receptores nicotíni- cos dos gânglios simpáticos e parassimpáticos. Clinicamente, são os fárma- cos menos importantes entre os anticolinérgicos. Uma terceira família de compostos, os bloqueadores neuromusculares (BNMs) (principalmente an- tagonistas nicotínicos), interferem com a transmissão dos impulsos eferen- tes aos músculos esqueléticos. Esses fármacos são empregados como ad- juvantes que relaxam a musculatura esquelética na anestesia, durante a cirurgia, na intubação e em vários procedimentos ortopédicos. A Figura 5.1 resume os antagonistas colinérgicos discutidos neste Capítulo. II. ANTIMUSCARÍNICOS Comumente denominados de fármacos anticolinérgicos, os fármacos an- timuscarínicos (p. ex., atropina e escopolamina) bloqueiam os recepto- res muscarínicos (Fig. 5.2), causando inibição das funções muscarínicas. Além disso, bloqueiam os poucos neurônios simpáticos excepcionais que são colinérgicos, como os que inervam as glândulas salivares e sudorípa- ras. Como não bloqueiam os receptores nicotínicos, os fármacos antimus- carínicos têm pouca ou nenhuma ação nas junções neuromusculares (JNMs) ou nos gânglios autônomos. Os fármacos antimuscarínicos são úteis em uma variedade de situações clínicas. (Nota: vários anti-histamíni- cos e antidepressivos [principalmente os tricíclicos] também têm atividade antimuscarínica.) ANTIMUSCARÍNICOS Atropina Benztropina Ciclopentolato Cloreto de tróspio Darifenacina Escopolamina Fesoterodina Ipratrópio Oxibutinina Solifenacina Tiotrópio Tolterodina Triexifenidila Tropicamida BLOQUEADORES GANGLIONARES Nicotina BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES Cisatracúrio Pancurônio Rocurônio Succinilcolina Vecurônio Figura 5.1 Resumo dos antagonistas colinérgicos. Rajan Radhakrishnan e Thomas B. Whalen Antagonistas colinérgicos Capitulo_05_Whalen.indd 65 27/04/2016 13:21:44 66 Whalen, Finkel & Panavelil A. Atropina A atropina é um alcaloide amina terciária da beladona com alta afinidade pelos receptores muscarínicos. Liga-se competitivamente à ACh e im- pede sua ligação a esses receptores (Fig. 5.3). A atropina atua central e perifericamente. Em geral, seus efeitos duram cerca de 4 horas, exceto quando é aplicada topicamente no olho, onde seu efeito pode durar dias. Os órgãos neuroefetores têm sensibilidade variável à atropina. Os efeitos inibidores mais intensos ocorrem nos brônquios e nas secreções de suor e saliva (Fig. 5.4). 1. Ações: a. Olho: A atropina bloqueia toda a atividade muscarínica no olho, resultando em midríase persistente (dilatação da pupila), ausência de resposta à luz e cicloplegia (incapacidade de focar a visão para perto). Em pacientes com glaucoma de ângulo fechado, a pressão intraocular pode aumentar perigosamente. b. Trato gastrintestinal (TGI): A atropina (na forma do isômero ativo, l-hiosciamina) pode ser usada como antiespasmódico Receptor muscarínico Escopolamina AcetilcolinaAtropina Figura 5.3 Competição da atropina e da escopolamina com a ACh pelo receptor muscarínico. > 10,0 mg 5,0 mg 2,0 mg 0,5 mg Alucinações e delírio; coma D os es d e at ro pi na Frequência cardíaca rápida; palpitações; xerostomia acentuada; dilatação da pupila; alguma turbidez na visão próxima Leve depressão cardíaca; alguma xerostomia; inibição da sudorese Figura 5.4 Efeitos dose-dependentes da atropina. Inervação simpática da suprarrenal Simpático Parassimpático Acetilcolina Acetilcolina AcetilcolinaNorepinefrinaEpinefrina e norepinefrinaliberadas na corrente sanguínea Receptor nicotínico Receptor nicotínico Receptor nicotínico Músculo estriado Sem gânglio Acetilcolina Acetilcolina Receptor nicotínico Medula suprarrenal Neurônios pós-ganglionares Receptor muscarínico Receptor adrenérgico Órgãos efetores Locais de ação dos bloqueadores ganglionares AUTÔNOMO SOMÁTICO Local de ação dos fármacos antimuscarínicos Neurônio pré-ganglionar Transmissor ganglionar Transmissor neuroefetor Receptor adrenérgico Local de ação dos bloqueado- res neuro- -musculares Figura 5.2 Locais de ação dos antagonistas colinérgicos. Capitulo_05_Whalen.indd 66 27/04/2016 13:21:45 Farmacologia Ilustrada 67 para reduzir a atividade do TGI. Atropina e escopolamina (dis- cutida adiante) são provavelmente os antiespasmódicos mais potentes disponíveis. Embora a motilidade gástrica seja redu- zida, a produção de ácido clorídrico não é afetada de forma significativa. Portanto, a atropina não é eficaz no tratamento da úlcera péptica. (Nota: a pirenzepina, um antagonista mus- carínico M1, reduz a secreção gástrica em doses que não an- tagonizam outros sistemas.) Doses de atropina que reduzem os espasmos também diminuem a secreção salivar, a acomo- dação ocular e a micção. Esses efeitos diminuem a adesão à atropina. c. Sistema cardiovascular: A atropina produz efeitos divergen- tes no sistema cardiovascular, dependendo da dose (Fig. 5.4). Em doses baixas, o efeito predominante é a diminuição da fre- quência cardíaca. Esse efeito resulta do bloqueio dos recepto- res M1 nos neurônios pré-juncionais (ou pré-sinápticos) inibitó- rios, permitindo assim aumento da liberação de ACh. Dosagens mais altas de atropina causam aumento progressi- vo na frequência cardíaca pelo bloqueio dos receptores M2 no nódulo sinoatrial. d. Secreções: A atropina bloqueia os receptores muscarínicos nas glândulas salivares, produzindo xerostomia (secura da boca). As glândulas salivares são muito sensíveis à atropina. As glândulas sudoríparas e lacrimais são afetadas de modo similar. (Nota: a inibição da secreção de suor pode causar ele- vação da temperatura corporal, o que pode ser perigoso em crianças e idosos.) 2. Usos terapêuticos: a. Oftálmico: No olho, a atropina tópica exerce efeito midriático e cicloplégico, permitindo a mensuração de erros de refração sem interferência da capacidade adaptativa do olho. Os anti- muscarínicos de ação mais curta (ciclopentolato e tropicamida) substituíram amplamente a atropina devido à midríase prolon- gada que ela provoca (7-14 dias, contra 6-24 hora com os outros fármacos). (Nota: a fenilefrina ou fármacos α-adrenérgicos simi- lares são mais usados para a dilatação pupilar se a cicloplegia não for necessária.) b. Antiespasmódico: A atropina é usada como antiespasmódico para relaxar o TGI. c. Cardiovascular: A atropina é usada para tratar bradicardias de várias etiologias. d. Antissecretor: Algumas vezes, a atropina é usada como antis- secretora para bloquear as secreções do trato respiratório su- perior e inferior, previamente à cirurgia. e. Antagonista de agonistas colinérgicos: A atropina é usada no tratamento da intoxicação com organofosforados (inseti- cidas, gases de nervos), das dosagens excessivas de anti- colinesterásicos usados na clínica (como a fisostigmina), e de alguns tipos de envenenamentos por cogumelos (certos co- gumelos contém substâncias colinérgicas que bloqueiam as A. Atropina A atropina é um alcaloide amina terciária da beladona com alta afinidade pelos receptores muscarínicos. Liga-se competitivamente à ACh e im- pede sua ligação a esses receptores (Fig. 5.3). A atropina atua central e perifericamente. Em geral, seus efeitos duram cerca de 4 horas, exceto quando é aplicada topicamente no olho,onde seu efeito pode durar dias. Os órgãos neuroefetores têm sensibilidade variável à atropina. Os efeitos inibidores mais intensos ocorrem nos brônquios e nas secreções de suor e saliva (Fig. 5.4). 1. Ações: a. Olho: A atropina bloqueia toda a atividade muscarínica no olho, resultando em midríase persistente (dilatação da pupila), ausência de resposta à luz e cicloplegia (incapacidade de focar a visão para perto). Em pacientes com glaucoma de ângulo fechado, a pressão intraocular pode aumentar perigosamente. b. Trato gastrintestinal (TGI): A atropina (na forma do isômero ativo, l-hiosciamina) pode ser usada como antiespasmódico Receptor muscarínico Escopolamina AcetilcolinaAtropina Figura 5.3 Competição da atropina e da escopolamina com a ACh pelo receptor muscarínico. > 10,0 mg 5,0 mg 2,0 mg 0,5 mg Alucinações e delírio; coma D os es d e at ro pi na Frequência cardíaca rápida; palpitações; xerostomia acentuada; dilatação da pupila; alguma turbidez na visão próxima Leve depressão cardíaca; alguma xerostomia; inibição da sudorese Figura 5.4 Efeitos dose-dependentes da atropina. Capitulo_05_Whalen.indd 67 27/04/2016 13:21:45 68 Whalen, Finkel & Panavelil o ipratrópio, que requer dosagens de até quatro vezes ao dia. Caracte- rísticas importantes dos antagonistas muscarínicos estão resumidas nas Figuras 5.6 e 5.7. D. Tropicamida e ciclopentolato Esses fármacos são usados como soluções oftálmicas, para midríase e cicloplegia. A duração da ação é menor do que a da atropina. A tropicami- da produz midríase por 6 horas e o ciclopentolato, por 24 horas. E. Benzotropina e triexifenidila Benzotropina e triexifenidila são úteis como complemento de outros anti- parkinsonianos no tratamento do mal de Parkinson (ver Cap. 8) e outros tipos de síndromes parkinsonianas, incluindo sintomas extrapiramidais causados por antipsicóticos. F. Darifenacina, fesoterodina, oxibutinina, solifenacina, tolterodina e cloreto de tróspio Estes fármacos tipo atropina, sintéticos, são usados no tratamento da doença da bexiga superativa. Bloqueando os receptores muscarínicos na bexiga, diminui a pressão intravesical, aumenta a capacidade da bexiga e diminui a frequência de suas contrações. Os efeitos adversos desses fár- macos incluem xerostomia, constipação e visão turva, o que limita a sua tolerância se forem usados continuamente. A oxibutinina está disponível como sistema transdérmico (adesivo cutâneo), que é mais bem tolerado porque causa menos xerostomia do que as formulações orais. A eficácia geral destes antimuscarínicos é similar. III. BLOQUEADORES GANGLIONARES Os bloqueadores ganglionares atuam especificamente nos receptores nico- tínicos dos gânglios autônomos parassimpático e simpático. Alguns também bloqueiam os canais iônicos dos gânglios autônomos. Esses fármacos não mostram seletividade pelos gânglios parassimpático ou simpático, não sen- do eficazes como antagonistas neuromusculares. Assim, esses fármacos bloqueiam completamente os impulsos do sistema nervoso autônomo (SNA) nos receptores nicotínicos. Com exceção da nicotina, os demais fármacos mencionados nesta categoria são antagonistas competitivos não despolari- zantes. A resposta dos bloqueadores não despolarizantes é complexa e na maior parte imprevisível. Por isso, o bloqueio ganglionar raramente é usado em terapêutica, mas com frequência serve como ferramenta na farmacologia experimental. A. Nicotina Um componente da fumaça do cigarro, a nicotina é um veneno com vá- rias ações indesejadas. Ela não tem benefícios terapêuticos e é preju- dicial à saúde. Dependendo da dose, a nicotina despolariza os gânglios autônomos, resultando primeiro em estimulação e depois em paralisia de todos os gânglios. O efeito estimulante é complexo e resulta do aumento da liberação do neurotransmissor (Fig. 5.8) devido ao seu efeito nos gân- glios simpáticos e parassimpáticos. Por exemplo, o aumento da liberação de dopamina e norepinefrina pode ser associado com prazer e com su- pressão de apetite. A resposta final de um sistema fisiológico é a soma Constipação Midríase Confusão Visão borrada Retenção urinária Figura 5.6 Efeitos adversos comumente observados com antagonistas colinérgicos. Fármaco Usos terapêuticos Bloqueadores muscarínicos Triexifenidila Benztropina • Tratamento do mal de Parkinson Darifenacina Fesoterodina Oxibutinina Solifenacina Tolterodina Tróspio • Tratamento da bexiga urinária hiperativa Ciclopentolato Tropicamida Atropina* • Em oftalmologia, para produzir mi- dríase e cicloplegia antes da refração Atropina* • No tratamento de distúrbios es- pasmódicos dos tratos GI • No tratamento da intoxicação com organofosforados • Para suprimir as secreções res- piratórias antes de cirurgias • Para tratar bradicardia Escopolamina • Na prevenção da cinetose Ipratrópio Tiotrópio • Tratamento da DPOC Bloqueadores ganglionares Nicotina • Para parar de fumar Figura 5.7 Resumo dos antagonistas colinérgicos. GI, gastrintestinal; DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica. *Fármaco contraindicado no glaucoma de ângulo fechado. colinesterases). Doses maciças de atropina podem ser neces- sárias durante um longo período para neutralizar o envenena- mento. A capacidade que a atropina tem de entrar no sistema nervoso central (SNC) é de particular importância no tratamen- to de efeitos tóxicos centrais de anticolinesterásicos. 3. Farmacocinética: A atropina é bem absorvida, parcialmente bio- transformada no fígado e eliminada primariamente na urina. Tem uma meia-vida de cerca de 4 horas. 4. Efeitos adversos: Dependendo da dose, a atropina pode causar xerostomia, visão turva, sensação de “areia nos olhos”, taquicardia e constipação. Os efeitos no SNC incluem intranquilidade, confu- são, alucinações e delírio, podendo evoluir para depressão, colap- so dos sistemas circulatório e respiratório e morte. Dosagens bai- xas de inibidores da colinesterase, como a fisostigmina, podem ser usadas para neutralizar a toxicidade por atropina. A atropina tam- bém pode causar incômoda retenção de urina. O fármaco pode ser perigoso para crianças, pois elas são sensíveis aos seus efeitos, em particular ao rápido aumento da temperatura corporal que ele pode causar. B. Escopolamina A escopolamina – outro alcaloide amina terciária de origem vegetal – produz efeitos periféricos similares aos da atropina. Contudo, a esco- polamina tem maior ação no SNC (ao contrário da atropina, os efeitos do SNC são observados em dosagens terapêuticas) e duração de ação mais longa. Ela apresenta algumas ações especiais, como indicado a seguir. 1. Ações: A escopolamina é um dos fármacos anticinetóticos mais eficazes disponíveis (Fig. 5.5). Ela também tem o efeito incomum de bloquear a memória de curta duração. Ao contrário da atropi- na, a escopolamina produz sedação, mas, em doses mais eleva- das, pode produzir excitação. Ela pode causar euforia e é sujeita a abuso. 2. Usos terapêuticos: O uso terapêutico da escopolamina é limitado à prevenção da cinetose e de náuseas e emeses pós-cirúrgicas. Contra a cinetose, está disponível como adesivo tópico, eficaz por até 3 dias. (Nota: como ocorre com todos os fármacos usados con- tra a cinetose, a escopolamina é muito mais eficaz para prevenir do que para tratar o enjoo em andamento.) 3. Farmacocinética e efeitos adversos: Esses aspectos são simila- res aos da atropina. C. Ipratrópio e tiotrópio Ipratrópio e tiotrópio são derivados quaternários da atropina. Esses fár- macos estão aprovados como broncodilatadores para o tratamento de manutenção do broncoespasmo associado com a doença pulmonar obs- trutiva crônica (DPOC). O ipratrópio também é usado no tratamento agu- do do broncoespasmo na asma. Ambos são administrados por inalação. Devido às suas cargas positivas, esses fármacos não entram na circula- ção sistêmica e nem no SNC, isolando seus efeitos no sistema pulmonar. O tiotrópio é administrado uma vezao dia − sua principal vantagem sobre Contra náuseas causadas devido à… Doença do movimento Escopolamina Figura 5.5 A escopolamina é um fármaco anticinetótico eficaz. Capitulo_05_Whalen.indd 68 27/04/2016 13:21:47 Farmacologia Ilustrada 69 o ipratrópio, que requer dosagens de até quatro vezes ao dia. Caracte- rísticas importantes dos antagonistas muscarínicos estão resumidas nas Figuras 5.6 e 5.7. D. Tropicamida e ciclopentolato Esses fármacos são usados como soluções oftálmicas, para midríase e cicloplegia. A duração da ação é menor do que a da atropina. A tropicami- da produz midríase por 6 horas e o ciclopentolato, por 24 horas. E. Benzotropina e triexifenidila Benzotropina e triexifenidila são úteis como complemento de outros anti- parkinsonianos no tratamento do mal de Parkinson (ver Cap. 8) e outros tipos de síndromes parkinsonianas, incluindo sintomas extrapiramidais causados por antipsicóticos. F. Darifenacina, fesoterodina, oxibutinina, solifenacina, tolterodina e cloreto de tróspio Estes fármacos tipo atropina, sintéticos, são usados no tratamento da doença da bexiga superativa. Bloqueando os receptores muscarínicos na bexiga, diminui a pressão intravesical, aumenta a capacidade da bexiga e diminui a frequência de suas contrações. Os efeitos adversos desses fár- macos incluem xerostomia, constipação e visão turva, o que limita a sua tolerância se forem usados continuamente. A oxibutinina está disponível como sistema transdérmico (adesivo cutâneo), que é mais bem tolerado porque causa menos xerostomia do que as formulações orais. A eficácia geral destes antimuscarínicos é similar. III. BLOQUEADORES GANGLIONARES Os bloqueadores ganglionares atuam especificamente nos receptores nico- tínicos dos gânglios autônomos parassimpático e simpático. Alguns também bloqueiam os canais iônicos dos gânglios autônomos. Esses fármacos não mostram seletividade pelos gânglios parassimpático ou simpático, não sen- do eficazes como antagonistas neuromusculares. Assim, esses fármacos bloqueiam completamente os impulsos do sistema nervoso autônomo (SNA) nos receptores nicotínicos. Com exceção da nicotina, os demais fármacos mencionados nesta categoria são antagonistas competitivos não despolari- zantes. A resposta dos bloqueadores não despolarizantes é complexa e na maior parte imprevisível. Por isso, o bloqueio ganglionar raramente é usado em terapêutica, mas com frequência serve como ferramenta na farmacologia experimental. A. Nicotina Um componente da fumaça do cigarro, a nicotina é um veneno com vá- rias ações indesejadas. Ela não tem benefícios terapêuticos e é preju- dicial à saúde. Dependendo da dose, a nicotina despolariza os gânglios autônomos, resultando primeiro em estimulação e depois em paralisia de todos os gânglios. O efeito estimulante é complexo e resulta do aumento da liberação do neurotransmissor (Fig. 5.8) devido ao seu efeito nos gân- glios simpáticos e parassimpáticos. Por exemplo, o aumento da liberação de dopamina e norepinefrina pode ser associado com prazer e com su- pressão de apetite. A resposta final de um sistema fisiológico é a soma Constipação Midríase Confusão Visão borrada Retenção urinária Figura 5.6 Efeitos adversos comumente observados com antagonistas colinérgicos. Fármaco Usos terapêuticos Bloqueadores muscarínicos Triexifenidila Benztropina • Tratamento do mal de Parkinson Darifenacina Fesoterodina Oxibutinina Solifenacina Tolterodina Tróspio • Tratamento da bexiga urinária hiperativa Ciclopentolato Tropicamida Atropina* • Em oftalmologia, para produzir mi- dríase e cicloplegia antes da refração Atropina* • No tratamento de distúrbios es- pasmódicos dos tratos GI • No tratamento da intoxicação com organofosforados • Para suprimir as secreções res- piratórias antes de cirurgias • Para tratar bradicardia Escopolamina • Na prevenção da cinetose Ipratrópio Tiotrópio • Tratamento da DPOC Bloqueadores ganglionares Nicotina • Para parar de fumar Figura 5.7 Resumo dos antagonistas colinérgicos. GI, gastrintestinal; DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica. *Fármaco contraindicado no glaucoma de ângulo fechado. Capitulo_05_Whalen.indd 69 27/04/2016 13:21:47 70 Whalen, Finkel & Panavelil Dopamina Norepinefrina Acetilcolina Glutamato Serotonina �-endorfina GABA Prazer, supressão do apetite Alerta, supressão do apetite Alerta, melhora cognitiva Aprendizado, melhora da memória Modulação do humor, supressão do apetite Diminuição da ansiedade e da tensão Diminuição da ansiedade e da tensão Nicotina Figura 5.8 Efeitos neuroquímicos da nicotina. GABA, ácido γ-aminobutiríco. dos efeitos estimulantes e inibitórios da nicotina. Os efeitos incluem au- mento da pressão arterial e da frequência cardíaca (devido à liberação do transmissor dos terminais adrenérgicos e da suprarrenal) e aumento de peristaltismo e secreções. Em doses mais elevadas, a pressão arte- rial cai devido ao bloqueio ganglionar, e a atividade na musculatura do TGI e da bexiga cessa (ver Cap. 16 para a discussão completa sobre nicotina). IV. BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES Os BNMs bloqueiam a transmissão colinérgica entre o terminal nervoso motor e o receptor nicotínico no músculo esquelético (ver Fig. 5.2). Eles possuem alguma similaridade química com ACh e atuam como antagonis- tas (tipo não despolarizante) ou como agonistas (tipo despolarizante) nos receptores da placa motora da JNM. Os BNMs são úteis clinicamente durante cirurgias para facilitar a intubação endotraqueal e oferecer relaxa- mento muscular completo em doses anestésicas baixas, permitindo recu- peração mais rápida da anestesia e diminuindo a depressão respirató- ria pós-cirúrgica. A. Bloqueadores não despolarizantes (competitivos) O primeiro fármaco conhecido capaz de bloquear a JNM foi o curare, usado pelos caçadores nativos da América do Sul na região amazônica para paralisar a caça. Na sequência se deu o desenvolvimento da tubo- curarina, mas ela foi substituída por outros fármacos com menos efeitos adversos, como cisatracúrio, pancurônio, rocurônio e vecurônio. Os fár- macos BNMs aumentaram significativamente a segurança da anestesia, pois passou a ser necessário menos anestésico para obter relaxamento muscular, permitindo ao paciente se recuperar mais rápida e completa- mente após a cirurgia. Os BNMs não devem ser usados como substitutos de anestesia inadequadamente profunda. 1. Mecanismo de ação: a. Doses baixas: Os fármacos não despolarizantes bloqueiam competitivamente a ACh nos receptores nicotínicos (Fig. 5.9). Isto é, eles competem com a ACh pelo receptor sem estimulá-lo. Assim, esses fármacos impedem a despolarização da mem- brana da célula muscular e inibem a contração muscular. A ação competitiva pode ser superada pela administração de ini- bidores da colinesterase, como neostigmina e edrofônio, que aumentam a concentração de ACh na JNM. Os anestesiologis- tas empregam essa estratégia para diminuir a duração do blo- queio neuromuscular. Além disso, em dosagens baixas, os músculos respondem em graus variados à estimulação elétrica direta de um estimulador periférico, permitindo monitorar a ex- tensão do bloqueio neuromuscular. b. Doses elevadas: Os bloqueadores não despolarizantes po- dem bloquear os canais iônicos na placa motora. Isso leva a um enfraquecimento adicional na transmissão neuromuscular, reduzindo, assim, a possibilidade de os inibidores da colineste- rase reverterem a ação dos bloqueadores não despolarizantes. Com o bloqueio completo, o músculo não responde à estimula- ção elétrica direta. + Na Receptor nicotínico na junção neuromuscular Rocurônio Acetilcolina Figura 5.9 Mecanismo de ação dos fármacos bloqueadores neuromusculares compe titivos. Capitulo_05_Whalen.indd 70 27/04/2016 13:21:47 Farmacologia Ilustrada 71 2. Ações: Nem todos os músculos são igualmente sensíveis aos blo- queadores competitivos. Os músculos pequenos de contraçãorá- pida da face e dos olhos são mais suscetíveis e são paralisados primeiro, seguidos de dedos, pernas, músculos do pescoço e do tronco. Em seguida, são atingidos os músculos intercostais e, final- mente, o diafragma. Os músculos se recuperam na ordem inversa. 3. Farmacocinética: Todos os BNMs são injetados por via intaveno- sa (IV) ou ocasionalmente por via intramuscular (IM), pois não são eficazes por via oral. Esses fármacos possuem duas ou mais ami- nas quaternárias na sua estrutura anelar volumosa, que previnem sua absorção no intestino. Eles penetram pouco nas membranas, não entram nas células e nem atravessam a barreira hematencefá- lica. Vários desses fármacos não são biotransformados, e suas ações terminam por redistribuição (Fig. 5.10). Por exemplo, o pan- curônio é excretado inalterado na urina. O cisatracúrio é degradado espontaneamente no plasma e por hidrólise de éster. (Nota: o atra- cúrio foi substituído pelo seu isômero, cisatracúrio. Ele libera hista- mina e é biotransformado na laudanosina, que pode provocar con- vulsões. O cisatracúrio, que tem as mesmas propriedades farmacocinéticas do atracúrio, é menos propenso a causar esses efeitos.) Os aminoesteroides (vecurônio e rocurônio) são desaceti- lados no fígado, e suas depurações são mais demoradas em pa- cientes com doença hepática. Esses fármacos também são excre- tados inalterados na bile. A escolha de um desses fármacos depende do início e da duração do relaxamento muscular deseja- dos. O início e a duração de ação e outras características dos BNMs são mostrados na Figura 5.11. 4. Efeitos adversos: Em geral, os fármacos são seguros, com efeitos adversos mínimos. Os efeitos adversos de BNMs específicos são mostrados na Figura 5.11. 5. Interações farmacológicas: a. Inibidores da colinesterase: Fármacos como neostigmina, fisostigmina, piridostigmina e edrofônio podem superar a ação dos BNMs não despolarizantes. Contudo, com o aumento da dosagem, os inibidores da colinesterase podem causar blo- queio despolarizante devido à elevada concentração de ACh na membrana da placa motora. Se o bloqueador neuromuscu- lar entrou no canal iônico, os inibidores da colinesterase são incapazes de reverter o bloqueio. b. Anestésicos hidrocarbonetos halogenados: Fármacos como o desflurano potencializam o bloqueio neuromuscular por ação estabilizante na JNM. Esses fármacos sensibilizam a JNM aos efeitos dos BNMs. c. Antimicrobianos aminoglicosídeos: Fármacos como a gen- tamicina e a tobramicina inibem a liberação de ACh dos nervos colinérgicos, competindo com os íons cálcio. Eles atuam siner- gicamente com o pancurônio e outros bloqueadores competiti- vos, aumentando o bloqueio. d. Bloqueadores dos canais de cálcio: Esses fármacos podem au- mentar o bloqueio neuromuscular dos bloqueadores competitivos. IV Os BNMs são minimamente absorvidos quando administrados por via oral A maioria dos fármacos é excretada primariamente inalterada na urina Vecurônio e rocurônio e metabólitos aparecem principalmente na bile Fármacos bloqueadores neuromusculares Figura 5.10 Farmacocinética dos bloqueadores neuromusculares. IV, intravenosa. Capitulo_05_Whalen.indd 71 27/04/2016 13:21:48 72 Whalen, Finkel & Panavelil 2 40 3 90 1 43 2 44 3 86 1,1 8 Tempo para recuperar 25% da resposta máxima (min) Tempo para alcançar o bloqueio máximo Cisatracúrio Atracúrio Rocurônio Vecurônio Pancurônio Succinilcolina Vagolítico (aumenta a frequência cardíaca) O cisatracúrio se degrada esponta- neamente no plasma e é o único bloqueador neuro-muscular não despolarizante cuja dosagem não precisa ser reduzida em pacientes com insu�ciência renal. Em geral, é usado em pacientes com insu�ciên- cia orgânica múltipla, pois sua biotransformação é independente da função hepática ou renal. O cisatracúrio é útil em ventilação mecânica de pacientes criticamente doentes É comum a dor muscular pós-cirúrgica; pode ocorrer hiperpotassemia e aumento das pressões intraocular e intragástrica. O fármaco pode desencadear hipertermia maligna. O início rápido da ação torna a succinilcolina útil para a intubação traqueal em pacientes com conteúdo gástrico Figura 5.11 Início e duração de ação dos bloqueadores neuromusculares. B. Fármacos despolarizantes Os fármacos bloqueadores despolarizantes atuam por despolarização da membrana plasmática da fibra muscular, similarmente à ação da ACh. Entretanto, esses fármacos são mais resistentes à degradação pela ace- tilcolinesterase (AChE) e, assim, despolarizam as fibras musculares de modo mais persistente. A succinilcolina é o único relaxante muscular des- polarizante usado atualmente. 1. Mecanismo de ação: O bloqueador neuromuscular despolarizan- te succinilcolina liga-se ao receptor nicotínico e atua como a ACh, despolarizando a junção neuromuscular (Fig. 5.12). Diferentemen- te da ACh, que é destruída instantaneamente pela AChE, o fárma- co despolarizante persiste em concentração elevada na fenda si- náptica, permanecendo fixado ao receptor por um tempo maior e causando uma estimulação constante do receptor. (Nota: a dura- ção da ação da succinilcolina depende da sua difusão da placa motora e da hidrólise pela pseudocolinesterase plasmática. Varian- tes genéticas nas quais os níveis de pseudocolinesterase plasmá- tica são baixos ou ausentes apresentam paralisia neuromuscular prolongada.) O fármaco despolarizante inicialmente causa a aber- tura do canal de sódio associado ao receptor nicotínico, o que re- sulta na despolarização do receptor (fase I). Isso leva a abalos contráteis transitórios do músculo (fasciculações). A ligação per- sistente torna o receptor incapaz de transmitir impulsos adicionais. Com o tempo, a despolarização contínua dá origem a uma repola- rização gradual quando o canal de sódio se fecha ou é bloqueado. Isso causa resistência à despolarização (fase II) e paralisia flácida. 2. Ações: Como ocorre com os bloqueadores competitivos, os mús- culos respiratórios são paralisados por último. A succinilcolina ini- cialmente provoca breves fasciculações no músculo, causando dor muscular. Isso pode ser evitado com administração prévia de pequena dose de bloqueador neuromuscular não despolarizante, antes da succinilcolina. Em geral, a duração da ação da succinil- colina é extremamente curta, devido à rápida hidrólise pela pseu- docolinesterase. Contudo, a succinilcolina que alcança a JNM não é biotransformada pela AChE, permitindo que o fármaco se ligue ao receptores nicotínicos. A sua redistribuição ao plasma é neces- sária para a biotransformação (a vantagem terapêutica dura pou- cos minutos). 3. Usos terapêuticos: Devido ao rápido início, a succinilcolina é útil quando é necessária intubação endotraqueal rápida durante a in- dução da anestesia (a ação rápida é essencial quando a aspiração do conteúdo gástrico deve ser evitada durante a intubação). Ela também é usada durante tratamento com choque eletroconvulsivo. 4. Farmacocinética: A succinilcolina é injetada por via IV. Sua bre- ve duração de ação resulta da redistribuição e da rápida hidrólise pela pseudocolinesterase do plasma. Por isso, algumas vezes, ela é administrada por infusão contínua para manter um efeito mais longo. O efeito do fármaco desaparece rapidamente ao ser descontinuado. 5. Efeitos adversos: a. Hipertermia: A succinilcolina potencialmente pode induzir hi- pertermia maligna em pacientes suscetíveis (ver Cap. 13). Capitulo_05_Whalen.indd 72 27/04/2016 13:21:49 Farmacologia Ilustrada 73 Questões para estudo Escolha a resposta correta. 5.1 Durante um procedimento cirúrgico oftálmico, o cirurgião deseja contrair a pupila do paciente usando um miótico. Contudo, acidentalmente, usou um fármaco que causou dilatação da pupila (midríase). Qual dos seguintes fárma- cos ele provavelmente usou? A. Acetilcolina. B. Pilocarpina. C. Tropicamida. D. Fentolamina. E. Betanecol. Resposta correta = C. Agonistas muscarínicos como ACh,pilocarpina e betanecol contraem o músculo circular do esfíncter da íris e causam constrição da pupila (miose), enquanto ao passo que os antagonistas muscarínicos, como a atropina e a tropicamida, previnem a contração do músculo circular da íris e causam dilatação da pupila (midríase). Os antagonistas α-adrenérgicos como a fentotolamina relaxam o músculo radial da íris e causam miose. b. Apneia: A administração de succinilcolina em um paciente de- ficiente de colinesterase plasmática ou que tem uma forma atí- pica da enzima pode levar à apneia prolongada devido à para- lisia do diafragma. A liberação rápida de potássio pode contribuir também para prolongar a apneia em pacientes com desequilíbrios eletrolíticos que recebem este fármaco. A succi- nilcolina deve ser usada com cautela ou mesmo não ser usada em pacientes com desequilíbrios eletrolíticos sob tratamento com digoxina ou diuréticos (como os pacientes com insuficiên- cia cardíaca). c. Hiperpotassemia: A succinilcolina aumenta a liberação de po- tássio das reservas intracelulares. Isso é particularmente peri- goso em pacientes queimados ou com lesão tecidual extensa, nos quais o potássio é perdido rapidamente pelas células. FASE I A membrana despolariza, resultando em uma descarga inicial que produz fasciculações transitórias seguidas de paralisia �ácida + Na + Na + + + +++ -- - - - --- Receptor nicotínico na junção neuromuscular Succinilcolina Despolarizado FASE II A membrana repolariza, mas o receptor é dessensibilizado aos efeitos da acetilcolina + + + + ++++ -- - - - --- Repolarizado Succinilcolina Figura 5.12 Mecanismo de ação dos bloqueadores neuromusculares despolarizantes. Capitulo_05_Whalen.indd 73 27/04/2016 13:21:49
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